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A CRISE DA TERMINALIDADE, DA EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL

A questão do tipo de médico a formar, tendo em vista as necessidades de saúde da população, a estrutura dos serviços e as políticas, levantada, mais recentemente, no Seminário sobre a Formação do Médico de Família (ABEM, Petrópolis, 1973)101. BASTOS, Nilo Chaves de Brito - A medicina da comunidade. In: SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-7 maio 1978. Anais. Rio de Janeiro, ABEM, 1978, p. 51-66., foi retomada em maior profundidade no Seminário sobre a Formação do Médico Generalista (ABEM-Kellog - Campinas, 1978)202. BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Coordenadoria de Comunicação Social - Reorientação da assistência à saúde no âmbito da Previdência Social. Brasília, 1982. reaparecendo no XVIII Congresso Brasileiro de Educação Médica (Goiânia, 1980)303. CARNEIRO, Américo Piquet - A medicina de família. In: SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-7 maio 1978. Anais. Rio de Janeiro. ABEM, 1978, p. 19-49. em debate sobre o Papel da Escola Médica diante do PREV-SAÚDE e O Médico e o Mercado de Trabalho.

A entrada em vigor da nova regulamentação da Residência Médica, instituída através de normas da Comissão Nacional de Residência Médica404. CHAVES, Mário M. - Formação do médico generalista - Novos rumos. In: SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-7 maio 1979. Anais. Rio de Janeiro, ABEM , 1978, p, 113-23., disciplinando os conteúdos programáticos, desenvolvimento das atividades, processo de seleção e credenciamento dos programas, veio agudizar as contradições existentes entre a terminalidade da educação médica no país, os programas de formação pós-graduada de especialistas (Residência Médica) e a estrutura da Assistência Médica (perfil da mão-de-obra do setor e as políticas institucionais vigentes).

Inicialmente, a elevação do nível de exigências para o credenciamento de programas de especialização trouxe como conseqüência a desativação de “programas” que se caracterizavam mais pelo seu caráter assistencial do que pelo caráter educativo, onde o interesse institucional se centrava nas exigências do cumprimento de atividades por parte do residente, considerado muitas vezes como mão-de-obra barata. Como resultado, o número de vagas nos programas credenciados, escasseou ainda mais, em relação ao número total de alunos graduados em Medicina, a cada ano, no país. Dois tipos de reações já ocorreram em relação a este fato: em Brasília, houve greve de alunos, pressionando a direção da Faculdade de Medicina a fim de obter o credenciamento de instituições de saúde do Distrito Federal e, com isto, aumentar o número de vagas de Residência oferecidas. Em Ribeirão Preto, os alunos entraram em greve reivindicando o acesso direto (sem exame de seleção) à Residência Médica para os graduados na própria unidade. Justifica-se esta reivindicação, na opinião dos alunos, pelo fato que o atual Curso Médico não capacita suficientemente o aluno para inserir-se no mercado de trabalho do setor saúde. Entretanto, antes que deficiências no Curso de Graduação, a dita incapacidade decorre mais do fato de o mercado de trabalho exigir especialistas, não absorvendo significativamente médicos generalistas. Ambas as reivindicações, em benefício direto dos alunos, colidem com aspectos institucionais e com a nova regulamentação em vigor.

Estas “crises” fazem parte; portanto, de uma crise maior não resolvida, e que é necessário discutir e resolver em toda a sua amplitude.

Os processos sociais de transformações são freqüentemente percebidos como fases de crises entre períodos de estabilidade; é preciso atentar para as causas dessas últimas, as quais geralmente ocorrem quando um dado esquema social é superado pela realidade (mudanças tecnológicas, econômicas ou sociais) exigindo um novo acordo ou estatuto social que melhor se adapte à situação atual. Assim, a crise não é outra coisa senão o desajuste das convenções sociais (contrato social, normas ou costumes) à realidade. Ocorre que a crise freqüentemente se expressa pela voz daqueles que se sentem primeiramente atingidos e que têm capacidade de levantar suas reivindicações e fazer-se ouvir; ocorre também que estes atores sociais não têm a percepção da totalidade do problema e reivindicam mudanças de acordo com sua própria perspectiva, em nome da solução do “seu” problema. Nem sempre a primeira bandeira empunhada é a mais “acertada”, com base numa visão de totalidade do problema. Entretanto, a crise e os conflitos que ela representa têm a virtude de chamar a atenção para o desajuste em questão e a necessidade de promover mudanças.

A lei da Residência Médica foi resultado de um movimento nacional dos médicos residentes, pela qual passaram a contar com programas de estudo-trabalho melhor definidos e com certas vantagens trabalhistas. O credenciamento dos programas perante a Comissão Nacional não significa apenas o reconhecimento oficial da qualidade dos programas, mas representa também, como é o caso no Estado de São Paulo, a possibilidade de ter acesso às instituições financiadoras das bolsas para os médicos residentes. Há grande disparidade entre o número de médicos graduados atualmente (em torno de 9000) e o número de vagas de Residência Médica disponíveis (± 1500), o que significa condenar a maioria dos médicos recém-formados a procurar agregar-se a grupos de especialistas (clínicas privadas, hospitais lucrativos etc.) onde possam desenvolver uma prática especializada para, ao cabo de alguns anos, postular (mediante concurso às Associações respectivas) o título de especialista que lhes garante acesso ao mercado de trabalho. Desta forma o subemprego e a exploração da mão­de-obra dos recém-formados poderá constituir-se em subproduto da regulamentação federal da RM, dada a não terminalidade, de fato, dos Cursos de Graduação. De outro lado teremos a acentuada disputa às vagas das Residências credencia­ das, através de exame de seleção que tenderá a transformar-se num novo vestibular, versando matérias que (ao menos em tese) já foram avalia­ das e aprovadas pelos alunos durante seu curso de graduação. A formação de especialista por sistema paralelo de instituições de saúde, via concurso de especialidade, deverá adaptar-se às tendências do mercado da prática médica, atraindo mais aquelas áreas melhor remuneradas e acentuando a distorção existente entre “necessidades” de saúde e a “oferta” de serviços médicos pelas principais instituições prestadoras de assistência. A bandeira levantada pelos alunos de Brasília poderá oficializar esta tendência, comprometendo o aparelho formador de recursos humanos com a política de saúde, agora em caráter formal. A bandeira dos alunos de Ribeirão Preto cria a desigualdade no acesso à residência (antidemocrática) e, na medida em que ela se viabilizar pelas reivindicações dos outros alunos de medicina do país, acaba no mesmo vício de preservar a estrutura dos serviços centrada nas especialidades e, acentuar, ainda, esta distorção.

Resta analisar a possibilidade de manter a proposta do médico generalista. Embora o modelo brasileiro de Educação Médica esteja centrado nesta figura, é possível que agora esta não seja a opção mais adequada.

No que respeita a este controvertido profissional, surgem polêmicas quanto à sua correta denominação (médico geral, clínico geral, generalista, médico de família, comunitário etc.)505. CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 18., Goiânia, 2-6 dez. 1980. Anais, Goiânia, ABEM, 1980, 148 p., ao perfil de sua atuação (atendimentos clínicos, triagem, encaminhamento de pacientes, distribuição de responsabilidades, coordenação de serviços prestados, responsabilidade pela continuidade do tratamento, vigilância e abrangência relativas a sua atuação; ação “pastoral” (aconselhamentos)505. CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 18., Goiânia, 2-6 dez. 1980. Anais, Goiânia, ABEM, 1980, 148 p.),(606. DONNANGELO, M.C.F. - Medicina e sociedade. São Paulo, Biblioteca Pioneira Ciências Sociais, 1975. - talvez seja por isto chamado, também, de “pan-especialista semi-habilitado”, espécie de “pau para toda obra”. Não há consenso definitivo quanto a se deve ele ser o produto dos Cursos de Graduação em Medicina, havendo os que o julgam um especialista, e os que acreditam ser ele o produto da graduação, podendo seguir todos os demais ramos de diferenciação médica... através dos diferentes tipos de cursos de pós-graduação707. GARCIA, J.C. - La articulación de la medicina y de la educación en la estructura social. 1976. 48 p. mimeog.. Acerca do seu campo de atuação lança-se a pergunta: a “medicina geral” é uma disciplina acadêmica, que tenha corpo próprio de conhecimento ou doutrina, e sobre a qual possam estabelecer-se programas ativos de pesquisa? Espera-se que a sua existência venha compensar a “excessiva tendência à especialização da medicina”, embora se admita que o mercado de trabalho se interesse por ela. Além disto, mesmo que alguém deseje tornar-se generalista, não encontrará professores nem currículos adequados (o sistema de educação médica é um sistema de auto-replicação: especialista gera especialistas e um rodízio em serviços especializados não forma um “generalista”)606. DONNANGELO, M.C.F. - Medicina e sociedade. São Paulo, Biblioteca Pioneira Ciências Sociais, 1975.. A sua atuação e desempenho são avaliados da seguinte forma, numa das poucas instituições que trabalham com este profissional808. GONÇALVES, R.B.M. - Medicina e história. Raízes sociais do trabalho médico. São Paulo, Fac. Med. USP., Dep. Medicina Preventiva, 1979. Dissertação (mestrado).:

“São difíceis de adaptação aos serviços, por inúmeras razões: falta de condições para se ajustarem às áreas de tabralho, freqüentemente distantes dos grandes centros, onde eles passaram a maior parte de sua vida ou mesmo toda a sua vida; falta de motivação para o tipo de trabalho; inconformismo com os métodos de trabalho adotados que são classificados de ultrapassados e primitivos; incapacidade de submeterem­se à disciplina imposta pelas instituições; inconformismo em trabalhar em regime de tempo integral com dedicação exclusiva; alegação de que os salários não são compensadores, ou por outras razões. O fato é que a rotatividade dos médicos é relativamente grande, o que contribui para comprometer a continuidade da execução dos programas aprovados e o cumprimento das metas estabelecidas, principalmente em áreas de valorização econômica, declaradas prioritárias pelo governo”. Estranhamente as referências a este profissional falam de “figura cada vez mais necessária”, “indispensável aos serviços institucionais de saúde”, “figura-chave para a coordenação da assistência médica de seus pacientes”, “profissional realmente mais necessário”.

Entretanto, mais do que argumentos, são as razões estruturais (programas institucionais, estrutura da mão-de-obra do setor e políticas de saúde) os verdadeiros determinantes que questionam a viabilidade do médico generalista. Nas instituições prestadoras de serviços, não tem ele o reconhecimento que lhe permita o acesso ao trabalho profissional. Na realidade, estas instituições (INAMPS e Secretaria de Estado da Saúde) definem a sua política assistencial com base no trabalho de especialistas das chamadas áreas básicas: Clínica Médica, Pediatria, Obstetrícia e Ginecologia e Cirurgia Geral. Esta preferência pelos especialistas, ao cabo de alguns anos, acabou por orientar a composição da mão-de-obra médica existente, como pode ser visto no quadro 1, extraído de Donnangelo909. MACIEL, Rubens; FERREIRA, Manoel José & BASTOS, Murillo Villela - Relatório final. In: SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-7 maio 1978. Anais. Rio de Janeiro, ABEM , 1978. p. 165-70. e Simões1010. MULLER, J.E. et alii - The soviet health system. Aspects of relevance for medicine in the United States. New Engl. J. Med., 286 (13): 693-702, 1972.

QUADRO 1
Composição da mão-de-obra médica segundo área de atuação

As chamadas especialidades “básicas” (incluindo a Cirurgia Geral) constituíram em São Paulo 40,5% e na Região de Ribeirão Preto 37,0% naqueles anos, enquanto que os clínicos gerais não chegaram a 9,0% do total de médicos que constam das amostragens nessas investigações; de lá para cá, a tendência à especialização aumentou ainda mais, devendo ter acentuado as diferenças acima verificadas entre “generalistas” e especialistas.

Como reflexo desta situação, o grande volume de atendimento das áreas básicas são realizados por especialistas, como pode ser visto no quadro 2. O total de consultas nessas áreas corresponde a 62,8% das consultas ambulatoriais, excluídos os atendimentos de urgência; as outras especialidades e subespecialidades respondem por apenas 28,0% do total de atendimentos. Este perfil dos atendimentos é o produto da política desenvolvida pela instituição ao longo de vários anos, desenvolvendo sua assistência (como foi antes assinalado) exclusivamente pelo trabalho de especialistas. Daí porque não aparecem atendimentos de clínica geral nesta estatística (o relatório do INAMPS chama de Clínica Geral os atendimentos de SPA e de Clínica Médica).

QUADRO 2
Número de consultas médicas segundo áreas INAMPS-Brasil - 1980

Pode-se argumentar que isto tudo representa o produto de políticas passadas, e que se esperam mudanças para o futuro, é porém preciso lembrar que o perfil profissional da mão-de-obra médica só se altera depois de períodos muito longos, de 15 a 20 anos, levando em conta a vida útil de cada profissional e a latência necessária para que mudanças curriculares se façam sentir ao nível da estrutura dos serviços. Além disto, a opção por uma política nacional que dá prioridade ao atendimento à população através de uma rede básica de serviços de saúde já foi tomada com a aprovação das medidas de reformulação da Previdência Social pelo CONASP1111. ORGANIZACIÓN Panamericana de la Salud - Segunda reunión del comité del programa de libras de texto de la OPS/OMS para la enseñanza de la medicina preventiva y social. Educ. Méd. Salud, 9 (2):211-23, 1975.. Esta política poderia ser implementada com uma opção pelo médico generalista (talvez um profissional mais barato) e, neste caso, seria necessário aguardar a formação de quadros suficientes de generalistas, ou então pela incorporação imediata de profissionais das áreas básicas de especialidades, que existem em número muito maior, atuando em equipe. A divulgação do Anexo à Portaria N.o 3.046/82, contendo os parâmetros para o planejamento assistencial do INAMPS1111. ORGANIZACIÓN Panamericana de la Salud - Segunda reunión del comité del programa de libras de texto de la OPS/OMS para la enseñanza de la medicina preventiva y social. Educ. Méd. Salud, 9 (2):211-23, 1975., não deixa dúvidas a este respeito. Os parâmetros propostos de cobertura assistencial a beneficiários do INAMPS, no item de consultas médicas segundo a distribuição percentual por especialidades são apresentados no quadro 3.

A distribuição percentual acima refere-se a um volume geral suficiente para garantir o índice de 2 consultas por beneficiário/ano. Isto significa a necessidade de produzir, em 1983, 130 milhões de consultas médicas (65% do total) nas especialidades básicas, contra apenas 4,6 milhões de consultas de Clínica Geral.

Além das razões institucionais, da estrutura da mão-de-obra e da política do setor, há outras de ordem técnica e social. Muitos pensam que o desenvolvimento técnico-científico, acentuado nas últimas décadas, acabou ultrapassando a capacidade de um médico exercer com razoável competência, e por períodos prolongados, as tarefas de atendimento de crianças, gestantes e casos gerais de Clínica e Cirurgia. Deve-se considerar, também, que a população, sob cuidados médicos dentro do modelo de assistência em vigor, exige, freqüentemente, o atendimento por especialista, para ela garantia de segurança e eficiência.

QUADRO 3
Parâmetro de cobertura assistencial - INAMPS

Os fatos acima estão a assinalar que existe uma tendência nos serviços e nas políticas de saúde, e que esta tendência já está fazendo sentir seus efeitos no aparelho formador de recursos humanos (médicos). No nosso entender, é preciso rediscutir o modelo de educação médica vigente no país e o seu produto terminal, o médico generalista, os quais aparecem como historicamente defasados nas políticas e tendências do setor.

A BUSCA DE UM MODELO ALTERNATIVO

A procura de um ajuste adequado e racional entre as estruturas dos serviços de saúde e as instituições acadêmicas levanta a questão do sentido em que se dá a determinação fundamental neste campo. A assertiva de que as mudanças introduzidas no currículo médico poderiam levar à alteração na estrutura dos serviços mostrou-se falsa, sendo que, ao contrário do suposto, as determinações ocorrem exatamente no sentido inverso.

“En cada formación social concreta la educación médica cumple un papel fundamental en la reproducción de la organización de los servicios de salud y se cristaliza en la reactualización y preservación de las prácticas específícas, tanto en las dimensiones del conocimiento cuanto en las técnicas y contenido ideológico. Además de esta, es la propria estructura de la atención médica la que ejerce una acción dominante sobre el proceso de formación de recursos humanos, principalmente através de la estructura del mercado de trabajo y de las condiciones que circunscriben la práctica médica” 12 12. RESIDÊNCIA MÉDICA. Documentos da CNRM, Brasília, v.1, n. 1, 1981. .

Por sua vez, a estrutura do setor saúde acompanha as transformações da estrutura social global. Como foi assinalado por Garcia1313. SEMINÁRIO A FORMAÇÃO DO MÉDICO DE FAMÍLIA, Petrópolis, 11-2 de maio 1973. Anais. Rio de Janeiro, OMS, ABEM, 1973. 65 p.:

“se sostiene que fa estructura económica determina el lugar y la forma de articulación de la medicina y de la educación en la estructura social. Desde un punto de vista epistemológico se opta por la postulación que sostiene que la Concepción y la proposición de alternativas educacionales y médicas no surgen por un simple juego del pensamiento, sino que tienen su origen en la experiência de los individuas con el mundo material objetivo, en las relaciones prácticas dei hombre con las cosas y en las relaciones de los hombres entre si.”

Não se trata de defender aqui uma subordinação mecânica e acrítica do aparelho formador à estrutura dos serviços, senão de discutir acerca do sentido e significado real das políticas em implementação e das mudanças implícitas nas mesmas.

Estando tomada a decisão que dá prioridade ao atendimento à população através de uma rede básica de serviços, e definida a opção pelo atendimento, principalmente, por profissional das chamadas áreas básicas, resulta evidente que a prioridade na formação médica deveria dirigir-se a estes setores. Não levar isto em consideração significa adotar posturas idealistas e voluntaristas, acreditando que o setor educacional possa decidir o que acontecerá na estrutura dos serviços, e ingenuamente não admitir que as definições neste campo se dão muito· mais nas áreas econômicas e políticas e não nas técnicas. De certa forma os setores básicos têm prioridade nas resoluções da CNRM a partir do Decreto 80.281 de 05/09/77, atribuindo a eles (acrescidos da Medicina Preventiva e/ou Social) o caráter de pré-requisitos para as outras áreas de especialização ou subespecialização. Certos países1414. SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas. 24-7 maio 1978. R. Bras. Educ. Méd., (Supl. 1): 7-170, 1978. optaram por um modelo educacional que dá prioridade à formação de especialistas nas áreas básicas, ainda durante o curso de graduação, diferenciando o aluno a partir do 4o ano do curso médico e formando, terminalmente, especialistas para a rede básica de serviços. No Brasil, esta opção teria a vantagem de dispensar da Residência Médica (escassa) a maioria dos graduandos e formar profissionais com acesso direto ao mercado de trabalho existente, evitando o congestionamento das áreas básicas da Residência por candidatos interessados em outras áreas de especialização. A falta de hospitais, com nível de recursos para o desenvolvimento de programas de Residência Médica nas subespecialidades não impediria que se implementassem cursos de graduação com terminalidade nas áreas gerais. A formação de recursos humanos (médicos) estaria dirigida principalmente aos setores prioritários para o atendimento populacional. Evitar-se-ia o desemprego ou subemprego da mão-de­ obra do setor ou a sua exploração durante os períodos de trabalho/treinamento em sistemas informais paralelos, representados pelas empresas de saúde. Atualmente exige-se para o ingresso nas áreas básicas da Residência, ser graduado em Medicina, com aptidão (suposta ou atestada por exame de seleção) de médico generalista. A razão para isto pode estar no fato de que sempre se disse que o melhor especialista é o médico generalista especializado; porém, as pessoas esquecem que este ditado refere-se à atuação do médico como profissional liberal. A prática institucional da medicina (dominante no Brasil) pouco ou nada aproveita da formação geral dos médicos, sendo freqüente o encaminhamento dos pacientes ao ambulatório especializado, ainda que o médico atendente tenha capacitação para resolver ou dar encaminhamento ao caso. Não é a capacitação, ou não, do profissional, o que pesa nesta questão, e sim o modelo de prática profissional institucional, irreversivelmente dominante no país.1515. SIMÕES, B.J.G, - Estudo da distribuição e condições de atuação de médicos na 6. a região administrativa do Estado de São Paulo. São Paulo, F.M R.P., USP., 1977. Dissertação (mestrado). Na prática institucional da medicina, a coordenação, distribuição de responsabilidades, continuidade do tratamento, triagem e encaminhamentos são atividades normais do trabalhador coletivo da instituição: a equipe de saúde. A formação geral do médico deixa de ser aplicada na prática mesmo nos municípios pequenos onde as instituições atendem segundo programas que triam e dirigem a demanda a ambulatórios de crianças, gestantes, adultos etc. A formação do especialista, portanto, não estará prejudicada por ser antecipada ou “precoce” (antes da graduação), desde que ele se destine ao trabalho institucional em equipe. Pela Resolução 16/81 da CNRM o profissional apto a planejar, organizar e administrar serviços de saúde com ênfase na assistência primária, é o especialista formado pelas Residências de Medicina Preventiva e Social. O perfil do médico geral é contemplado na Resolução 7/81 que rege a Residência Médica em Medicina Geral Comunitária. Esta legislação em vigor vem, de um lado, preencher a necessidade de contar-se com estes profissionais, de outro lado vem esvaziar totalmente a terminalidade do Curso de Graduação em Medicina, que passará a formar candidatos à Residência Médica. A solução poderia estar na antecipação da formação destes profissionais na forma acima assinalada.

Finalmente, deve-se lembrar que é possível que estas questões não sejam aplicáveis igualmente a todo o país; áreas há onde o médico generalista ainda é o profissional mais adequado para a assistência à população e onde as contradições aqui levantadas só aparecerão a médio ou a longo prazo. A discussão da mudança curricular deve ser a mais ampla possível, envolvendo os aspectos de formação teórica e prática e pode-se pensar que o período de 6 anos de formação médica não seja necessariamente suficiente para implementar a terminalidade das áreas básicas, devendo, em alguns casos, definir-se um Sétimo ano de complementação.

O que não se pode adiar, em nosso entender, é a discussão e reavaliação do modelo de educação médica no país e a sua figura terminal com objetivo nacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Coordenadoria de Comunicação Social - Reorientação da assistência à saúde no âmbito da Previdência Social Brasília, 1982.
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    CARNEIRO, Américo Piquet - A medicina de família. In: SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-7 maio 1978. Anais Rio de Janeiro. ABEM, 1978, p. 19-49.
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    CHAVES, Mário M. - Formação do médico generalista - Novos rumos. In: SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-7 maio 1979. Anais Rio de Janeiro, ABEM , 1978, p, 113-23.
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    RESIDÊNCIA MÉDICA. Documentos da CNRM, Brasília, v.1, n. 1, 1981.
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    SEMINÁRIO A FORMAÇÃO DO MÉDICO DE FAMÍLIA, Petrópolis, 11-2 de maio 1973. Anais Rio de Janeiro, OMS, ABEM, 1973. 65 p.
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    SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas. 24-7 maio 1978. R. Bras. Educ. Méd, (Supl. 1): 7-170, 1978.
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    SIMÕES, B.J.G, - Estudo da distribuição e condições de atuação de médicos na 6. a região administrativa do Estado de São Paulo São Paulo, F.M R.P., USP., 1977. Dissertação (mestrado).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1983
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