Acessibilidade / Reportar erro

O PROGRAMA BRASILEIRO DE INTEGRAÇÃO DOCENTE-ASSISTENCIAL NO SISTEMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CAMPO DA SAÚDE

Resumo:

Sintetizando os aspectos mais importantes do Programa de Integração Docente­ Assistencial desenvolvido em universidades brasileiras, o autor analisa a experiência obtida ao término de seu primeiro ano de execução e discute os principais obstáculos que a ela se opuseram. Propõe a mudança da atual estratégia do Programa, sugerindo a criação de cursos integrados de ciências da saúde, implantados como experimentos educacionais, em universidades recentes.

Summary:

A program based on the integration between teaching and health services that is being carried out in seven brazilian universities, is analyzed in the current paper. The main obstacles to the development of the program are identified and discussed. Evaluation after the first year of the operational phase of the program indicates that its strategy should be changed. Accordingly, it is suggested that new integrated course should be implemented in new universities. These new courses should be looked upon as educational experiments.

INTRODUÇÃO

A concepção de que a saúde da população é objeto social teve início na terceira década do século passado, fortalecendo-se depois dos movimentos políticos liberais na França e Alemanha. A derrota da revolução alemã de 1848 parecia ter sepultado as idéias reformadoras da medicina social.1212. ROSEN, G. - Da Política médica à medicina social. Rio de Janeiro, Edições Geral, 1979.

No entanto, a revolução industrial da Inglaterra, acompanhada por vários problemas sociais, e a necessidade da manutenção da saúde da mão-de-obra operária para a produção em larga escala, exigia a reformulação da legislação social anacrônica existente até então naquele país.

A partir desse momento o mundo, em vias de industrialização acelerada, passou a considerar com maior seriedade o problema da saúde coletiva, embora sob o enfoque mencionado acima.

Também, e como conseqüência, a educação médica posicionou-se para atender ao desafio da era industrial. Os diferentes movimentos da educação médica, a partir do movimento flexneriano404. _______. Programa de integração docente-assistencial. Brasília, 1981, 32 p. (Cadernos de Ciências da Saúde, 3)., foram analisados por vários autores202. BARBOSA, F.S. - Programa integrado de saúde comunitária. Brasília, 1981, 56p.),(303. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria da Educação Superior. Primeira reunião de integração docente-assistencial. Brasília, 27-9 de abril, 1981.),(13) .

O momento atual pode ser considerado como de transição. As necessárias e inadiáveis mudanças na educação não mais despertam apenas curiosidade. O movimento internacional recente909. OMS. Consejo Executivo - Actas oficiales 206. Genebra, 1973.),(1111. ______. 32.a Assembléia Mundial de Saúde. Bol. Of. San Panam, 87: 366-8, 1979. é bem o reflexo desta situação.

O veemente apelo recentemente emitido pelo Diretor Geral da OMS505. DONNANGELO, M.C.F. & PEREIRA, L. - Saúde e sociedade. São Paulo, 1976. representa as aspirações da comunidade internacional no sentido de que os governos, comprometidos com as estratégias aprovadas na última Assembléia, se comprometam, definitivamente, a adotar quantas medidas de ordem política, social, administrativa e financeira sejam necessárias para a consecução da meta da Organização “Saúde para todos no ano 2.000”.

Por conseguinte, a universidade brasileira não poderia ficar distante destes problemas. As faculdades ou cursos de Ciências da Saúde deveriam colaborar com os serviços de saúde da região onde estão implantados. A docência, como resultante, não pode também ficar isolada do sistema de atendimento à saúde. O ensino médico, para ser realista, deve estar montado sobre o sistema de saúde da região. Esta é a mensagem contida na recente proposta da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura.

O PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO DOCENTE-ASSISTENCIAL - IDA

A Secretaria do Ensino Superior ou, mais especificamente, a antiga Coordenadoria de Ciências da Saúde do Ministério de Educação e Cultura, editou no início de 1981 um opúsculo intitulado “Programa de Integração Docente-Assistencial”606. FLEXNER, A. - Medical Education in the United States and Canada. Chicago, USA, (do relatório da Carnegie Foundation, 1910). com o objetivo de estimular e orientar as escolas de ciências da saúde do país na implantação de projetos educacionais inovadores dentro dos princípios da integração entre docência e serviços.

O propósito do presente artigo é ressaltar os aspectos mais importantes do referido opúsculo, com o sentido de tornar melhor conhecida a mensagem renovadora e oficial da educação na área das ciências da saúde deste país.

Objetivos

O objetivo geral do programa é definido como o de estimular o desenvolvimento de projetos de integração docente-assistencial (IDA), visando situar a formação dos profissionais da área da saúde na realidade regional e nacional.

Os seguintes objetivos específicos foram definidos:

  1. apoiar as iniciativas governamentais no setor saúde que venham propiciar o desenvolvimento de sistemas regionalizados e hierarquizados, estimulando a criação de Distritos Docentes-assistenciais;

  2. em cooperação com outros setores do MEC, estimular a implementação de mudanças curriculares que decorrerão, naturalmente, das necessidades educacionais criadas com a racionalização dos serviços de saúde;

  3. promover as atividades de pesquisa voltadas para o interesse da comunidade.

Conceituação

O Programa se define como inserido em um processo no qual a articulação entre as instituições de ensino e os serviços de saúde constituem o eixo nodal em torno do qual devem ser desenvolvidas as ações docentes e de serviços. De fato, o programa IDA é nada mais que um meio através do qual se pode chegar a satisfaz com mais propriedade as necessidades de saúde da comunidade. Este é, assim, seu objetivo finalístico.

O documento deixa bem claro que integração docente-assistencial deve constituir-se com processo social e, como tal, fazer parte do processo global de desenvolvimento da sociedade.

A IDA requer compromissos bem definido das instituições docentes e de serviços na melhoria da prestação de serviços e de satisfação da populações, exigindo, por conseqüência, formação coerente de recursos humanos em todos níveis e participação ativa da comunidade.

Do ponto de vista docente, a IDA implica um conceito diferente do processo ensino/aprendizagem desde que este deve vivenciar a realidade concreta de acordo com os interesses da p pulação.

IDA faz parte, também, do processo de formação do conhecimento e crítica, gerados e desenvolvidos em função da realidade social e capaz de produzir instrumentos para sua transformação.

Caracterização

O Programa fica bem caracterizado nos seguintes aspectos: participação social, integração institucional e modelo de desenvolvimento.

Participação social

Considera-se a IDA como meio capaz d tornar viável a satisfação das necessidades saúde das populações, mediante a prestação serviços adequados e o desenvolvimento dos recursos humanos necessários. Assim sendo, torna-se indispensável a participação da comunidade como sujeito de tal processo. Isto implica compromissos explícitos das instituições participantes e seus agentes de promover e desenvolver mecanismos apropriados (formais e informais) de participação das comunidades no desenvolvimento dos projetos IDA em todos seus aspectos.

Integração institucional

A integração institucional proposta no documento IDA implica a participação de todas as instituições públicas com expressiva responsabilidade na prestação de serviços e na formação de pessoal de saúde, na área ou região abrangida pelo Projeto. Dentro do contexto institucional do país há que se preservar a individualidade das instituições envolvidas. É indispensável, entretanto, que estas instituições definam suas responsabilidades em todo o processo IDA no que concerne à identificação das necessidades, definição do modelo de serviços, formação e utilização dos recursos humanos e produção de conhecimento, levando à aplicação de tecnologia apropriada. Para tal, é de extrema importância o desenvolvimento de instrumentos formais que definam as atribuições e as formas de cooperação entre as instituições envolvidas.

Modelo de desenvolvimento

O modelo de desenvolvimento é descrito no documento606. FLEXNER, A. - Medical Education in the United States and Canada. Chicago, USA, (do relatório da Carnegie Foundation, 1910). nas áreas dos serviços, da docência e da pesquisa, e no apoio às instituições. O processo IDA deve girar em torno da prestação de serviços. Conseqüentemente, o substrato indispensável ao seu desenvolvimento é a organização de um sistema regionalizado e hierarquizado de serviços de saúde, dentro do qual os recursos humanos são formados, desenvolvidos e utilizados. Considera-se que a preparação de recursos humanos é função permanente a cumprir-se continuamente no exercício das práticas social e de saúde. Isto caracteriza a integração docência-serviços como a permanente interação dos sistemas formador e utilizador de recursos humanos.

A proposta docente contida no documento606. FLEXNER, A. - Medical Education in the United States and Canada. Chicago, USA, (do relatório da Carnegie Foundation, 1910). pode ser resumida da maneira que se segue.

As mudanças, no âmbito do sistema educacional, devem ser significativas no conteúdo dos currículos, na organização das matérias, nos métodos de ensino-aprendizagem e na organização administrativa e pedagógica que lhe dá sustentação.

Os cursos das áreas de graduação, devem ser terminais, formando profissionais sem adjetivos, isto é, aqueles que sejam capazes de atender o indivíduo em suas necessidades básicas, e também em termos familiares e comunitários, na promoção, prevenção, tratamento e reabilitação das condições mórbidas mais comuns.

As metodologias educacionais devem ser definidas sobre o conceito fundamental de ensino-aprendizagem, o que implica o conhecimento da realidade concreta da problemática regional da saúde. Devem ser mudadas as relações tradicionais professor-aluno; de uma relação predominantemente unidirecional professor-aluno, passa-se a uma relação mais dinâmica, em que o professor deixa de ser a fonte única ou predominante do conhecimento, para ser sobretudo um identificador e organizador de experiências práticas e reais de aprendizagem e de fontes de conhecimento sistematizado num processo em que alunos e serviços assumem papel próprio e determinante.

O conteúdo curricular, para que possa servir ao modelo educacional a ser desenvolvido, deve compreender as noções básicas essenciais à compreensão da problemática saúde/doença, produzindo conhecimentos que derivem da observação direta da realidade, sendo assim capaz de modificar atitudes e desenvolver habilidades especificas no futuro profissional. Os fatores causais das doenças, e suas inter-relações, devem ser entendidas em todas as suas dimensões: física, biológica e social. Os conteúdos significativos para a prática profissional devem ser reiterados na organização curricular, a fim de favorecer o desenvolvimento seqüencial da aprendizagem. A integração das disciplinas deve ser obtida em todos os níveis, a fim de que os cursos da área da saúde mantenham seu caráter de continuidade e homogeneidade.

Devem ser criados os instrumentos necessários à compreensão da saúde em inter-relacionamento com os fatores de ordem social e econômica. Em conseqüência, seu ensino deve estar ligado às ciências sociais, à economia e à administração. A integração de todas as disciplinas dos cursos de ciências da saúde deverá resultar em currículos, cujo eixo central seja constituído por uma matriz de conteúdos biológico e social básicos, em torno do qual se articulem todas as demais atividades docente-assistenciais. Compreendido dessa maneira, o conteúdo curricular deve proporcionar a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos na vivência do mundo real da prestação de serviços, em seus diferentes níveis de atenção, aos quais os alunos deverão ser expostos precoce, continua e sucessivamente.

Tanto física, como funcionalmente, os níveis de atenção à saúde são fáceis de delimitar. Isto pode ser útil na administração docente, constituindo-se departamentos não mais por grupos de disciplinas afins, mas sim por níveis de atenção, desde que as atividades didáticas: a) devem ser executadas dentro de determinado espaço físico-funcional; b) que dentro deste espaço facilmente poderão ser visualizados os níveis de atenção; c) que da administração conjunta serviço-docência depende, em grande parte, o desenvolvimento do ensino; d) que a abordagem do processo didático é essencialmente de ensino­aprendizagem e desenvolvido sobre a prática das ações de saúde, em equipes interprofissionais, de menor para maior complexidade, compreendendo-se que as grandes divisões didáticas deverão ser exatamente aquelas que correspondem aos níveis de atenção à saúde.

Serão necessárias mudanças administrativas de vulto dentro das escolas da saúde para que estes objetivos possam ser alcançados. De fato, a formação do profissional de saúde deverá ser feita com ênfase em atividades de ambulatório, centros e postos de saúde, e a níveis familiar e comunitário.

A integração docente-assistencial, nos termos propostos no documento citado, significa também uma nova perspectiva para atividades de pesquisa, vinculando-as de forma mais direta às necessidades derivadas da prática social e de saúde. Nessa perspectiva, a pesquisa não é uma função a ser cumprida apenas pelas “instituições de pesquisa” ou pelos “pesquisadores”, mas admite e, mais que isto, exige a participação de todos aqueles que fazem as práticas concretas de saúde ou de ensino.

O perfil de um profissional, formado em sistema de saúde coerente e compromissado com as necessidades do país, deve ser muito mais abrangente do que aquele proposto para o chamado “generalista”. Ele deve ser um profissional capaz de atuar em níveis de atenção primária exercendo todas as funções inerentes à complexidade desse nível. O profissional assim formado deve assumir a responsabilidade social que decorre de sua própria formação, ser capaz de atuar nos processos de mudança através da compreensão de que o estado de saúde da população é antes de tudo uma decorrência das condições sócio-econômicas, e não apenas o resultante da organização dos serviços de saúde e da aplicação de medidas preventivas.

Metas

O Programa IDA prevê o período de 4-5 anos dentro dos quais as instituições de ensino superior, conjuntamente com os serviços de saúde, possam ter avançado substancialmente em direção à integração entre ambas, delimitando seus Distritos Docente-assistenciais que por definição irão constituir o substrato físico-funcional­ administrativo-social do processo integrativo.

Dentro de seus limites de atuação o Programa IDA deverá ter desenvolvido ações locais capazes de satisfazer os objetivos definidos no documento.

Avaliação

A avaliação do Programa resultará do somatório das metas alcançadas pelos projetos regionais.

O DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA IDA

O Programa teve início em 1981, quando foram feitos os primeiros contatos com instituições de ensino superior e serviços locais de saúde no país a fim de procurar conhecer a realidade de cada instituição.

A Secretaria da Educação Superior do MEC, em colaboração com o Grupo Interministerial/OPS, organizou uma equipe de consultores que redigiu o documento “Integração Docente­Assistencial”606. FLEXNER, A. - Medical Education in the United States and Canada. Chicago, USA, (do relatório da Carnegie Foundation, 1910)., estabeleceu contatos institucionais, visitou instituições de ensino superior avaliando as potencialidades de desenvolvimento de projetos locais.

Durante o ano de 1981 foram selecionadas sete instituições de ensino superior no país onde projetos IDA estão sendo desenvolvidos: Centro de Ciências da Saúde Universidade Federal do Piauí, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências da Saúde Universidade Federal de Pernambuco, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, Faculdade de Medicina e Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Sorocaba), e Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso.

Cada projeto vem se desenvolvendo de acordo com as peculiaridades de sua região e os recursos disponíveis. O planejamento, a coordenação, o acompanhamento e a avaliação dos projetos são atribuições dos órgãos locais de serviços e ensino.

A atual Coordenadoria de Apoio ao Desenvolvimento Social e Cultural, Secretaria da Educação Superior, cabe dar apoio aos projetos locais.

Por outro lado, a Comissão de Coordenadoria do Acordo OPS/MS/MEC/MPAS, através de seus titulares junto aos órgãos ministeriais envolvidos, vem envidando esforços para orientar o apoio a ser dado às novas experiências de integração docente-assistencial através de múltiplos canais e instâncias ministeriais, de modo a atrair as decisões e a orientação dos meios de apoio aos Projetos IDA.

Durante o ano de 1981 foram realizados vários tipos de reuniões locais. Em setembro de 1981 foram reunidos em Brasília, DF, Diretores de Centros de Faculdades e Coordenadores de Projetos, onde foram analisadas, discutidas e definidas as condições e critérios para o desenvolvimento das experiências regionais707. MAHLER, A. - Um contrato social sobre la salud. Crônica de la OMS, 35: 115-20, 1981..

Ao término do primeiro ano verificou-se que todas as IES mostraram algum progresso em direção às metas do Programa IDA, embora nenhuma delas tivesse realizado modificações estruturais de monta que viessem· permitir o desenvolvimento pleno do programa. Vale ressaltar, entretanto, que a UFMG já vinha, anteriormente, realizando modificações na organização docente e no currículo médico, o que a coloca na vanguarda das demais.

A impressão final que se teve foi a de que as instituições docentes carecem de ideologia bastante definida que venha permitir o desenvolvimento de um programa transformador como o proposto no documento SESu-CCS. De fato, a proposta contida no documento acima é renovadora e só poderia ser instalada em uma IES que se dispusesse a quebrar com o tradicionalismo que vem distorcendo a formação de recursos humanos na área da saúde.

IDA. . . “constitui um processo social”. . . que objetiva . . . “a satisfação das necesidades de saúde das populações”. . . compreendendo todas as categorias profissionais de saúde”. “IDA significa compromissos claros das instituições formadoras e utilizadoras de recursos humanos”. . ., requerendo. . . “participação ativa da comunidade”, implicando em”. . . processo de formação do conhecimento e de crítica”. . . “em função da realidade”. . . “a ser transformada”. Do ponto de vista docente IDA importa em “. . . conceito diferente do tradicional processo de ensino e aprendizagem”...

Em relação às instituições de serviços, pequenos progressos foram sentidos, mas em nenhuma das situações estudadas percebe-se que tenha havido verdadeira integração. Esta integração não chegou a ser observada dentro da Universidade, e, nem mesmo, no interior dos centros de ciências da saúde. Algumas instituições docentes mantêm a antiga estrutura de faculdades (Minas Gerais) e, em outras, as faculdades são isoladas (Sorocaba e Santa Casa). Este último não foi, entretanto, o fator que dificultou a integração. De fato, as Escolas ou Cursos de Medicina são dominantes e somente a ruptura do poder hegemônico, conservador e, as mais das vezes, retrógrado, e sua distribuição eqüitativa, dentro de um sistema integrado e participativo, permitirá a implantação de um programa inovador como o proposto em IDA.

Isto não significa, entretanto, que todo o corpo docente e todos os profissionais de saúde da rede de serviços pensem como a maioria. Há grupos universitários que de fato compreendem as necessidades de mudança e que estão dispostos a participar ativamente do processo. É preciso lembrar que a IDA aceita que o processo renovador do ensino das ciências da saúde. . . “está centrado na prestação de serviços, da qual flui a identificação de necessidades de recursos humanos e as oportunidades para sua preparação”.

É evidente que o Programa IDA não poderá ser desenvolvido sem modificações de monta na organização docente e dos serviços, culminando com a transformação curricular. Esta não deve anteceder àquelas modificações, mas se constituir em conseqüência delas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Programa IDA, quando encarado sob o prisma da universidade, é essencialmente uma proposta pedagógica, envolvendo obviamente os serviços. Estes são, sobretudo, o substrato sobre cuja realidade serão desenvolvidas as ações docentes.

Isto, bem compreendido, exige que o conhecimento parta da prática e aceitação de que “ninguém educa ninguém”. O educador promove o educando recriando a teoria a partir da prática. Sendo assim, o educando é “sujeito” e não apenas “objeto” do processo educacional. Deve haver, por conseqüência, toda uma dinâmica de interação educador/educando em permanente dialética, o que se obtém através do processo ensino/aprendizagem voltado para a realidade concreta e centrado, obviamente, nos interesses da população. Assim sendo, o currículo resultará destas interações, estando sempre em renovação e apoiando-se nos problemas concretos da população que devem constituir os seus temas geradores.

O programa proposto para as universidades brasileiras preocupa-se muito mais com o papel social da educação do que com a eficiência do ensino. A tecnologia educacional deve resultar da abordagem sociológica da educação. No caso presente ela repele os mitos do cientificismo tanto no campo da educação como no da saúde.

A educação deve forçosamente entrar “. . . em conflito permanente entre o idealismo do poder e a realidade concreta. Este processo, essencialmente dinâmico, exige constantes adaptações para que se situe como propulsor das desejadas mudanças sociais.'”

A Secretaria da Educação Superior partiu para um programa desta abrangência e profundidade “. . . segura de que as comunidades brasileiras atingiram elevado grau de amadurecimento para compreender seu papel na problemática da saúde brasileira.” Não se pode mais aceitar o alheiamente da docência e da pesquisa universitárias, nem, tão pouco, a vocação exclusiva da escola médica para a privilegiação de atos altamente especializados nos campos da investigação e da formação de recursos humanos.

Aí estão os numerosos documentos enfatizando o interesse da terminalidade dos cursos da área da saúde, com a finalidade de graduar profissionais de formação geral capazes de atuar no amplo mercado de trabalho que se oferece com a implantação dos serviços básicos de saúde.

O apelo que a SESu faz às universidades brasileiras é que procurem situar-se no momento histórico que a sociedade brasileira atravessa para aceitar o desafio proposto.

Esse movimento que as universidades brasileiras pretendem desenvolver não pode ficar limitado à área da saúde. Como definido no próprio documento606. FLEXNER, A. - Medical Education in the United States and Canada. Chicago, USA, (do relatório da Carnegie Foundation, 1910). “. . . a integração entre serviços e ensino pode ser efetivada em qualquer área do conhecimento. A comunidade deve constituir o substrato sobre o qual a universidade deverá desenvolver adequadamente suas duas precípuas funções; formação de recursos humanos e investigação. Assim, os Distritos Docente­Assistenciais constituirão os limites físico-funcionais da própria universidade na mais ampla conceituação de Universidade/Comunidade. Com isso fica ampliado o conceito de “campo universitário”, que deixa a clausura de seus jardins e edifícios para transbordar sobre a comunidade com a qual deverá estar identificado e comprometido.

Todos os países do mundo ocidental estão conscientes de que, de modo geral, suas escolas médicas vêm dirigindo seus esforços no sentido do tratamento altamente especializado em hospitais, em detrimento do melhor conhecimento de uma medicina orientada para a saúde da comunidade. Estão também conscientes de que para alcançar o objetivo acima têm que produzir modificações radicais na educação.

Durante Conferência da Associação de Educação Médica na Europa101. ASSOCIATION FOR MEDICAL EDUCATION IN EUROPE - Medical Education in Health Care. Proc. of the Conference of the A.M.E.E. Atenas, N. Karakzas & Walton, Atenas, 1979. (1979), o papel das escolas de medicina foi intensa e profundamente discutido, chegando os membros dessa Conferência a concluírem, entre muitos outros pontos, que o currículo... “is not mainly determined by educational requirements, but is largely related to unimportant matters relatively separate from considerations of teaching and learning”. “National circunstances and political pressures determine to a large extent how medical schools operate”. Refere ainda o documento que . . . “the informal power structure in the medical school determines what is taught, and how”. O problema é, assim, de âmbito mundial.

É evidente que as pressões sociais, presentes em todo o mundo, forçam mudanças globais na sociedade. A saúde é considerada como um componente do desenvolvimento social e o mais elevado nível de saúde é a meta mais importante da OMS para este fim de século1111. ______. 32.a Assembléia Mundial de Saúde. Bol. Of. San Panam, 87: 366-8, 1979..

CONCLUSÕES

De acordo com o exposto no presente trabalho, torna-se evidente que a estratégia seguida pelo Programa IDA não mudará significativamente o panorama da educação médica, como de outras ciências da saúde, no país.

E, assim, obviamente necessário procurar uma nova estratégia que possa conduzir a um preces de mudança qualitativa da educação na área da saúde, aceitando-se que a imutabilidade, como sinal de segurança, deve ser substituída pela necessidade de transformação.

O caminho que se visualiza mais promissor, como estratégia de mudança, é a implantação de novos cursos integrados com os serviços, com caráter experimental, em universidades jovens onde a tradição é ensinada, não para ser reproduzida, mas para ser transformada”.808. OLIVEIRA LIMA L. de - Mutações em educação (resistência à mudança). Perspectiva Universitária, 7 (4): 3, 1980.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 01
    ASSOCIATION FOR MEDICAL EDUCATION IN EUROPE - Medical Education in Health Care Proc. of the Conference of the A.M.E.E. Atenas, N. Karakzas & Walton, Atenas, 1979.
  • 02
    BARBOSA, F.S. - Programa integrado de saúde comunitária Brasília, 1981, 56p.
  • 03
    BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria da Educação Superior. Primeira reunião de integração docente-assistencial Brasília, 27-9 de abril, 1981.
  • 04
    _______. Programa de integração docente-assistencial Brasília, 1981, 32 p. (Cadernos de Ciências da Saúde, 3).
  • 05
    DONNANGELO, M.C.F. & PEREIRA, L. - Saúde e sociedade São Paulo, 1976.
  • 06
    FLEXNER, A. - Medical Education in the United States and Canada Chicago, USA, (do relatório da Carnegie Foundation, 1910).
  • 07
    MAHLER, A. - Um contrato social sobre la salud. Crônica de la OMS, 35: 115-20, 1981.
  • 08
    OLIVEIRA LIMA L. de - Mutações em educação (resistência à mudança). Perspectiva Universitária, 7 (4): 3, 1980.
  • 09
    OMS. Consejo Executivo - Actas oficiales 206. Genebra, 1973.
  • 10
    OMS - A declaração de Alma-Ata. A Saúde do Mundo: 28-9, nov. 1979.
  • 11
    ______. 32.a Assembléia Mundial de Saúde. Bol. Of. San Panam, 87: 366-8, 1979.
  • 12
    ROSEN, G. - Da Política médica à medicina social Rio de Janeiro, Edições Geral, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1983
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com