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Desenvolvimento de Habilidades de Aprendizagem: Estudo dos Efeitos de uma Experiência

Development of Learning Skills: A Study on the Effects of an Experiment

Resumo:

O estudo se baseia em dados dos egressos do curso de Medicina no período de 1994-98. Do total de 255 egressos, 122 cursaram uma disciplina optativa visando à promoção da função educativa do aprendiz, com ênfase na melhoria de habilidades de aprendizagem autodirigida e cooperativa. Foram obtidos dados de rendimento cognitivo e de exercício de monitoria em semiologia, bem como de atributos dos egressos antes da opção de seguir ou não a optativa. Os resultados revelaram similaridade de atributos entre os grupos. Na comparação com o grupo controle, o grupo de participantes mo5trou índice de rendimento na graduação significativamente superior. A proporção de participantes que exerceram a monitoria foi também significativamente maior. Entre os participantes, o índice de rendimento na graduação mostrou relações significativas com o escore de desempenho no trabalho em equipe e o nível de autonomia na aprendizagem alcançados na disciplina. O escore de desempenho no trabalho em equipe foi significativamente superior entre os que exerceram a monitoria. A apreciação da experiência eletiva foi estreitamente relacionada ao aprendizado percebido e seu significado pessoal. Os resultados ampliam achados anteriores e sugerem a utilidade do refinamento de habilidades de aprendizagem na busca de um aprendizado mais significativo e duradouro.

Descritores:
Educação médica; Estudantes de Medicina; Aprendizagem; Currículo

Abstract:

This study is based on data for medical graduates over a 5-year period (1994-98). Out of 255 graduates, 122 took an elective course promoting the educator's role and featuring the development of self-directed learning skills and cooperative learning. The academic achievement, student preceptorship in semiotics, and learners' descriptors. The results showed similarities of descriptors between the groups prior to the intervention. However the participant group had an overall grade point average significantly superior to the control group at graduation. The proportion of participants who performed the preceptorship was higher than that of controls. Among the participants, there were significant relationships between overall grade point average at graduation and both the score in teamwork performance and the level of learner autonomy attained at end-of-course. Likewise, the score in teamwork performance was significantly higher among participants who carried out the preceptorship. Participant ranking of the elective was closely related to finding personal meaning and understanding of self-directed and cooperative learning. In conclusion, the results expand previous findings and suggest the usefulness of learning skill development in the quest for meaningful and lasting learning

Keywords:
Medical education; Medical Students; Learning; Curriculum

INTRODUÇÃO

Os estudantes de Medicina parecem encontrar dificuldades para consolidar um nível de qualidade no aprendizado ao longo das diversas vivências curriculares no ensino médico convencional. Há evidências de que uma parcela substancial dos alunos adota predominantemente um enfoque superficial na aprendizagem, em contraposição ao enfoque profundo. O enfoque superficial privilegia a aquisição de informação e enfatiza procedimentos de memorização. Essa preferência de enfoque de estudo pode refletir atributos individuais dos aprendizes, bem como a sobre­carga de informação e outras características associadas à maioria dos currículos médicos convencionais11. Stiemborg, M. & Bandaranayake, R.C. Medical students' approaches to studying. Medical Teacher, 18: 229-236, 1996.),(22. Sobral, D.T. Enfoques de estudo de alunos de medicina. R. Bras. Educ. Méd., 22: 32-37, 1998.. Por outro lado, o encorajamento da aprendizagem ativa, quando bem planejado e implementado, tem resultado em benefícios educativos em diferentes áreas de conhecimento33. Entwistle, N. & Tait, H. Approaches to learning, evaluation of teaching and preferences for contrasting academic environments. Higher Education, 19: 169-94, 1990.. Outros fatores que promovem a qualidade do aprendizado, associada ao enfoque profundo, são o contexto motivador, a interação entre colegas na aprendizagem e uma base de conhecimentos bem estruturada44. Gibbs, G. Improving the Quality of Student Learning. Bristol: Technical and Educational Services, 1992..

Na literatura da educação médica são poucos os exemplos de experiências de promoção de qualidade no aprendizado, favorecendo a adoção do enfoque profundo, que sejam abertas aos aprendizes em geral. A ressalva são as propostas curriculares recentes relacionadas à implantação da aprendizagem baseada em problemas, no país e no exterior55. Barrows, H.S. Practice-Based Learning. Springfield: SIU School of Medicine, 1994.)-(88. Komatsu, R.S.; Zanolli, M.B.; Lima, V.V. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes, E. & Gonçalves, E.L. (coordenadores) -Educação Médica. São Paulo: Sarvier, 1998. p. 223-237.. Barrows99. Barrows, H.S. What Your Tutor May Never Tell You. Springfield: SIU School of Medicine , 1996. elaborou um texto de orientação ao estudante sobre o processo da Aprendizagem Baseada em Problemas, em que realça os procedimentos do raciocínio clínico e do trabalho em grupo. O desenvolvimento de enfoque profundo de estudo e de habilidades de aprendizagem autodirigida correlatas pode ser encorajado no método da Aprendizagem Baseada em Problemas quando os estudantes se confrontam com problemas relevantes numa sequência de aprendizagem contextualizada1010. Coles, C.R. Is problem-based learning the only way? In: Boud, D. & Feletti, G. (Eds.), The Challenge of Problem Based Learning. London: Kogan Page, 1991.),(1111. Dolmans, D.H.S.M. & Schmidt, H.G. What drives the student in problem-based learning. Medical Education, 28: 372-380, 1994..

Vale a pena ajudar os estudantes a aprimorar suas habilidades de aprendizagem, ainda que nas condições restritivas do contexto de ensino­aprendizagem convencional? A ênfase exclusiva em técnicas de estudo não parece surtir efeito. Evidências recentes sobre o impacto de preparação para a aprendizagem sugerem a importância da perspectiva do aprendiz, em termos de enfoque de estudo e das percepções do contexto e da demanda das diversas disciplinas. Coles1212. Coles, C.R. Helping students with learning difficulties in medical and health care education. Medical Education , 24: 300-312, 1990. realçou a necessidade de os estudantes examinarem o que e como estavam aprendendo, para assegurar a possibilidade de melhoria nas habilidades de aprendizagem; ele elaborou um guia para ajudar os estudantes em dificuldade a lidar criteriosamente com diferentes procedimentos da aprendizagem.

O incremento das habilidades de metacognição -o âmago da aprendizagem autodirigida -pode ser uma chave para a busca de aprendizado mais significativo e duradouro. Estudos anteriores sobre uma experiência de treinamento envolvendo uma disciplina optativa, que seguia a perspectiva recomendada por Gibbs1313. Gibbs, G. Teaching students to learn. Milton Keynes: The Open University Press, 1981., mostraram um impacto educativo favorável a curto prazo. Nessa experiência, que combinava o desenvolvimento de habilidades de aprendizagem com o treinamento no ambiente do grupo pequeno cooperativo, o refinamento do uso de habilidades metacognitivas (auto-regulação da aprendizagem) parecia motivar a maioria dos estudantes e produziu benefícios no rendimento cognitivo mesmo em condições de sobrecarga de informação e de créditos acadêmicos. Isso foi atribuído, em parte, às oportunidades propiciadas para o estudante refletir, evidenciar participação ativa e colaborar em tarefas específicas na aprendizagem do papel educativo1414. Sobral, D.T. Learning the educator role: a course for medical students. Medical Education , 23: 70-76, 1989.),(1515. Bandura, A. Perceived self-efficacy in cognitive development and functioning. Educational Psychologist, 28: 117-148, 1993..

São duradouros no histórico de formação dos estudantes os resul­tados obtidos nesse tipo de experiência? São consistentes os achados e estes mostram estabilidade ao se replicar o treinamento em condições curriculares diversas daquelas em que foram obtidos inicialmente? O presente trabalho enfoca a replicação do treinamento eletivo, referido acima, após a reestruturação curricular desta década no curso de Medicina da Universidade de Brasília. O estudo examinou aspectos do desempenho cognitivo e da atitude educativa cooperativa de 255 egressos de turmas consecutivas, no período de cinco anos, e se baseia principalmente na análise comparativa de dados entre os que cursaram e os que não cursaram a disciplina optativa de treinamento.

As quatro questões a seguir foram consideradas neste trabalho:

  1. Havia diferenças expressivas de atributos, a priori, entre os egressos que seguiram, ou não, a disciplina de treinamento?

  2. Houve diferenças significantes entre os dois grupos de egressos em medidas de rendimento acadêmico ou de evidenciação de cooperação na aprendizagem?

  3. Diferenças de aprendizado observadas entre os participantes ao término do treinamento eletivo se relacionaram com os desfechos ulteriores de rendimento cognitivo ou de cooperação na aprendizagem?

  4. Em que medida as percepções do valor e do significado dessa vivência de aprendizagem se relacionaram com os diferentes desfechos observados?

MÉTODOS

Quatro aspectos da metodologia utilizada são descritos a seguir: contexto e descrição da disciplina de treinamento, amostra, medidas e procedimentos, e análise estatística.

Contexto

No atual acompanhamento curricular do curso de Medicina da Universidade de Brasília, implantado a partir de 1988, o estudante deve incorporar, no total de créditos requeridos para a graduação, 20% dentre disciplinas optativas ou seletivas do próprio curso, ou quaisquer outras disciplinas oferecidas na Universidade, que não sejam restritas a determinadas habilitações.

Prática de Ensino em Medicina é uma de duas dezenas de disciplinas optativas oferecidas semestralmente, com número de vagas suficiente para atendimento da demanda. Um componente central dessa disciplina de 30 horas versa sobre aprendizagem autodirigida e cooperativa, na perspectiva do desenvolvimento da função educativa do aprendiz1414. Sobral, D.T. Learning the educator role: a course for medical students. Medical Education , 23: 70-76, 1989.. Dois propósitos principais são realçados, nessa perspectiva: (1) prover oportunidades para o estudante ampliar sua capacidade de aprendizagem autodirigida e (2) ajudar a fortalecer no aprendiz a capacidade e disposição de aprendizagem cooperativa. Os objetivos correspondentes são resumidos no Quadro 1.

QUADRO 1
Objetivos de aprendizado de Prática de Ensino em Medicina

Nessa disciplina, três ou quatro grupos pequenos (cinco a sete alunos) são constituídos desde o início das atividades para facilitar a interação e a parceria na aprendizagem. Os grupos desenvolvem as atividades em sessões de duas horas, semanalmente, durante o período letivo. Têm sido utilizados três tipos principais de atividade, que caracterizaram o treinamento eletivo: (a) debates abertos sobre múltiplos aspectos da aprendizagem corrente e passada, focalizando tanto fatores do contexto do curso médico quanto processos conexos efetuados pelos aprendizes; (b) exercícios estruturados sobre habilidades de aprendizagem; (c) leituras orientadas para indução de reflexão sobre diversos aspectos dos objetivos relacionados no Quadro 1, em função das vivências de aprendizagem no curso médico. Um docente permanece disponível durante as sessões da disciplina para orientação e supervisão, sem fazer parte dos grupos.

Amostra

O critério de seleção para inclusão de sujeitos neste estudo foi a graduação no curso de Medicina da Universidade de Brasília com registro do egresso no novo acompanhamento curricular do curso, implantado a partir do segundo semestre de 1988. A amostragem consecutiva no período de cinco anos (1994-98) totalizou 255 egressos, dentre os quais 133 (52,2%) eram do sexo masculino. Desse total, 122 (47,8%) constituem o grupo de participantes que cursaram a disciplina discriminante (Prática de Ensino em Medicina) no meio (4º ou 5º período) ou no fim (7º, 8º ou 9° período) do curso médico, antes do acesso ao primeiro dos três semestres de internato. Os restantes 133 egressos (52,2%) compreendem o grupo controle ou contraste, para efeito do estudo.

Medidas e Procedimentos

Os dados do estudo derivam de três fontes principais: (a) questionário de orientação sobre o curso, preenchido por 96% dos egressos no início do terceiro semestre do curso; (b) histórico de graduação de todos os egressos; (c) registro de avaliação do aprendizado dos 122 participantes da disciplina discriminante.

O questionário de orientação apurou características gerais dos egressos antes do acesso, ou não, à disciplina. Os dados obtidos incluem estilo de aprendizagem, nível de autoconfiança como aprendiz, grau de motivação para aprender, percepção do valor e do significado do aprendizado ao término do primeiro ano do curso e preferência inicial por determinada carreira no campo da Medicina.

O histórico de graduação abrange dois tipos de dados: (a) as médias gerais em disciplinas do terceiro, do quinto e do sexto semestres, e o índice de rendimento acadêmico (média cumulativa global) ao término do curso médico; (b) o exercício de monitoria. Neste caso, verificou-se se o egresso exerceu monitoria em semiologia clínica após o sexto semestre e se exercera em disciplinas básicas até o quinto semestre. A escolha da monitoria em semiologia como indicador de cooperação educativa se deve ao caráter da disciplina e à sua posição no quinto semestre do fluxo do curso de Medicina.

O registro de avaliação inclui dois aspectos do aprendizado alcançado pelos participantes da disciplina de treinamento: o nível de auto­eficácia (satisfatória ou não) na aprendizagem autodirigida e o escore obtido na medida de desempenho no trabalho em equipe, conforme descrito a seguir.

O nível de auto-eficácia, ou de competência pessoal na auto-regulação, no sentido descrito por Bandura1515. Bandura, A. Perceived self-efficacy in cognitive development and functioning. Educational Psychologist, 28: 117-148, 1993., foi determinado por uma escala de auto-observação da autonomia individual na aprendizagem. Para efeito do estudo, o nível foi considerado satisfatório se a pontuação foi aceitável em cada um de três critérios (dentre os cinco objetivos propostos): responsabilidade pessoal, capacidade de definir questões de estudo e objetivos, e capacidade de monitoração do progresso na aprendizagem1616. Sobral, D.T. Improving learning skills: a self-help group approach, Higher Education , 33: 39-50, 1997..

O escore de desempenho no trabalho em equipe corresponde à soma total da escala de cinco itens de conduta que expressavam o grau de orientação cooperativa do participante. A pontuação do participante nos itens da escala consistiu na média das pontuações dadas pelos colegas do seu grupo1717. Sobral, D.T. Desenvolvimento e uso de medida de trabalho em grupo na aprendizagem cooperativa. R. Bras. Educ. Méd. , 21: 7-12, 1997..

O registro de avaliação inclui, também, um terceiro indicador: a pontuação do valor e do significado da vivência de aprendizagem, conforme o Inventário de Valorização de Curso CTVQ, desenvolvido por Nehari & Bender1818. Nehari, M. & Bender, H. Meaningfulness of a learning experience: a measure for educational outcomes in higher education. Higher Education , 7: 1-11, 1978.. Esse inventário de 36 itens detecta as percepções dos participantes sobre quatro aspectos de uma vivência de aprendizagem, valor da vivência, aprendizado de conteúdo, aprendizado pessoal e aprendizado de condutas. Trata-se do mesmo inventário aplicado no início do terceiro semestre.

Análise

Os trabalhos de Andrews e colegas e de Norman & Strciner orientaram a análise estatística1919. Andrews, F.M.; Klem, L.; Davidson, T.N.; O'Malley, P.M.; Rogers, W.L. A Guide for Selecting Statistical Techniques for Analyzing Social Science Data. Ann Arbor: ISR, University of Michigan, 1981.),(2020. Norman, G.R. & Streiner, D. I. Biostatistics: the bare essentials. Mosby, St. Louis, 1994.. Os três principais procedimentos utilizados foram: (a) testes de qui-quadrado para comparação de descritores ou atributos dos aprendizes entre os grupos de contraste; (b) coeficientes de correlação para medir a associação entre pares de variáveis; (c) testes t ou análise de variância (one-way, para aferir diferenças entre médias de grupos. Outros procedimentos usados são citados no texto.

RESULTADOS

Quatro aspectos da análise são apresentados em sequência: atributos iniciais e distribuição, desempenho cognitivo, atitude de cooperação educativa dos egressos e inferências sobre o valor da vivência para os participantes da disciplina optativa.

Atributos e Distribuição dos Egressos

Não foram observadas diferenças significantes entre os egressos que cursaram e aqueles que não cursaram a disciplina discriminante quanto aos seguintes descritores apurados antes do acesso à opção: nível de autoconfiança como aprendiz (p = 0,16), estilo de aprendizagem (p = 0,8), grau de motivação para aprender (p = 0,1), preferência inicial por carreira (p = 0,2), exercício de monitoria em disciplina básica (p = 0,8) e percepção do valor e do significado do aprendizado após a conclusão do primeiro ano do curso (p = 0,8). Nove egressos não completaram esses dados porque ingressaram no curso, por transferência, após o terceiro semestre.

A distribuição sexual dos egressos foi equivalente nesses dois grupos (p = 0,2). A Tabela 1 mostra a distribuição do total de egressos segundo o sexo e o seguimento, ou não, da disciplina discriminante.

TABELA 1
Distribuição dos 255 egressos do curso de Medicina por categoria segundo sexo e seguimento da disciplina discriminante

Desempenho Cognitivo

A Tabela 2 mostra que os grupos de egressos não apresentavam diferenças significantes no rendimento geral em disciplinas do terceiro semestre, cursadas antes da opção de seguir, ou não, a optativa discriminante. Foram observadas, em contraposição, diferenças no rendimento em disciplinas do quinto e do sexto semestres, na comparação entre os que haviam e os que não haviam cursado a disciplina de treinamento entre o quarto e o sexto semestres. A média geral do grupo de participantes no sexto semestre foi significativamente superior à média do grupo controle.

TABELA 2
Comparações entre grupos de egressos: médias gerais e desvios padrões do rendimento em disciplinas cursadas no terceiro, no quinto e no sexto semestres do curso (análise de variância, one-way)

Da mesma forma, houve diferença significante entre os dois grupos de egressos no índice de rendimento acadêmico ao término do curso. O subgrupo de participantes que cursou a disciplina no quarto ou no quinto período do fluxo do curso apresentou rendimento superior ao do grupo de não-participantes. O tamanho do efeito (effect size) da exposição ao treinamento no rendimento foi da ordem de 0,3.

TABELA 3
Comparações entre grupos de egressos: relação entre seguimento da disciplina

# Effect size (tamanho do efeito) calculado pela diferença entre médias dos grupos dividida por desvio padrão do conjunto de egressos.

Dentre os egressos que cursaram a disciplina discriminante, observou-se uma correlação muito significativa (r = 0,43 p = 0,000) entre o índice de rendimento acadêmico na conclusão do curso e o escore de desempenho no trabalho em equipe ao término do treinamento eletivo. Observou-se, também, diferença significante nos índices de rendimento acadêmico entre subgrupos de egressos definidos pelo nível de desenvolvimento alcançado ao término do treinamento. O subgrupo que alcançou nível satisfatório no conjunto de critérios de autonomia na aprendiza­gem demonstrou rendimento global superior na comparação com o subgrupo que revelou nível menos que satisfatório nesses mesmos critérios.

TABELA 4
Comparações entre subgrupos de participantes: relação da eficácia pessoal ou nível de autonomia na aprendizagem ao término da disciplina discrimiJ1ante com índice de rendimento acadêmico global

Atitude de Cooperação Educativa

Os dois grupos de egressos mostraram, também, diferenças significantes entre as proporções dos que têm registro de exercício de monitoria na disciplina de semiologia no histórico de graduação. A proporção mais elevada de egressos com exercício de monitoria foi observada entre os participantes particularmente no subgrupo que fez o treinamento eletivo mais cedo, isto é, no quarto ou quinto semestre do curso médico.

TABELA 5
Comparações entre grupos de egressos: diferenças de proporções em função de exercício, ou não, de monitoria na disciplina semiologia (N = 255)

Na categoria de egressos que cursaram a disciplina, observou-se diferença significante no escore de desempenho no trabalho em equipe entre os subgrupos caracterizados por exercício, ou não, da monitoria em semiologia. O subgrupo que cumpriu a monitoria alcançara escore médio significativamente superior naquele indicador de desempenho.

TABELA 6
Comparações entre subgrupos de participantes: relação de exercício de monitoria em semiologia com escores (médias e desvios padrões) de desempenho no trabalho em equipe na disciplina discriminante

Valor da Vivência

Dentre os participantes, 75,7% consideraram a disciplina de treinamento superior a outras optativas cursadas, em termos de benefício para a formação. A classificação relativa - superior ou equivalente - revelou estreita correlação (r = 0,50 p = 0,000) com o escore total do Inventário de Valorização de Curso, que expressa o valor e o significado da vivência de aprendizagem, na disciplina de treinamento neste caso.

Observou-se, também, uma relação entre o escore total desse inventário e o nível de eficácia pessoal na aprendizagem alcançado ao término da vivência eletiva. Os participantes que alcançaram nível satisfatório no conjunto de critérios de autonomia na aprendizagem registraram escore mais elevado na percepção do valor e do significado da vivência do que os que registraram nível menos que satisfatório (t = 2,9 p = 0,004). Não foram observadas associações significantes entre o escore do inventário e outras medidas apuradas.

As diferenças entre os dois grupos, referidas nos aspectos acima descritos, foram mantidas em turmas consecutivas de egressos, sem indícios consistentes de tendência histórica de declínio ao longo do quinquênio de estudo.

DISCUSSÃO

No conjunto dos egressos, não foram observadas diferenças significativas, quanto a uma variedade de atributos, entre os que cursaram e os que não cursaram a disciplina de treinamento em habilidades de aprendizagem. A similaridade de características indica equivalência inicial entre os dois grupos, ainda que não tenham sido constituídos de forma aleatória. Sugere ainda que as diferenças observadas entre os desfechos acadêmicos não se devem primariamente à diversidade na composição dos grupos em termos de características de aprendizagem. Não foram obtidas evidências diretas sobre os motivos especificas que levaram metade dos egressos do curso a não seguir a disciplina optativa, mas os dados apurados excluem o rendimento acadêmico prévio (baixo ou elevado) como fator significante na opção.

O crescimento diferencial do rendimento acadêmico na comparação entre os grupos da primeira medida cognitiva (média geral do terceiro semestre) até a última (índice de rendimento acadêmico global) sugere um efeito duradouro e favorável do treinamento eletivo, possivelmente mediado por organização mais eficiente do estudo e aplicação mais eficaz do conhecimento funcional adquirido, que foram detectadas na avaliação clínica.

A correlação significativa entre o escore de desempenho no trabalho em equipe e o índice de rendimento acadêmico na conclusão do curso revela a importância potencial do que foi denominado ‘liderança (ou orientação) cooperativa’ como um marcador no desenvolvimento da competência acadêmica. Essa dimensão de condutas na atividade em grupo parece ser uma habilidade transferível para o estudo e o trabalho clínicos1717. Sobral, D.T. Desenvolvimento e uso de medida de trabalho em grupo na aprendizagem cooperativa. R. Bras. Educ. Méd. , 21: 7-12, 1997..

Em acréscimo, outros achados indicaram uma relação consistente entre o nível de auto-eficácia (ou percepção de autonomia) na aprendizagem e o índice de rendimento acadêmico global. Evidências mais recentes reforçam a idéia de que o treinamento em habilidades de aprendizagem aumenta a proporção de aprendizes que alcança nível satisfatório nos três critérios de autonomia utilizados: responsabilidade pessoal, definição de questões de estudo e monitoração do progresso na aprendizagem. Esse efeito de incremento na autonomia está estreitamente relacionado com o refinamento na capacidade de reflexão na aprendizagem apurado na maioria dos participantes (estudos não publicados).

O pequeno tamanho do efeito (effect size) do treinamento eletivo no índice de rendimento acadêmico pode ser atribuído a diversos fatores. Primeiro, nem todos os participantes incorporaram ao seu repertório as habilidades de aprendizagem visadas; o tamanho do efeito associado ao alcance de nível satisfatório de autonomia reforça essa interpretação (Tabela 4). Segundo, a sobrecarga de trabalho e limitação de tempo durante o treinamento clínico podem ter atenuado a disposição dos estudantes de usar as habilidades de aprendizagem autodirigida, especialmente quanto ao processo de reflexão na aprendizagem.

O efeito observado no exercício de monitoria em semiologia tem um interesse especial. A disciplina de propedêutica clínica tem valor­chave na iniciação clínica e na possibilidade de aplicação de uma concepção de cooperação educativa. Acresce ainda que a maioria (73%) dos participantes realizara o treinamento eletivo no mesmo semestre ou no semestre anterior ao que cursou semiologia. A busca preferencial do exercício da monitoria pelos participantes foi significativa, na medida em que expressou valorização da aprendizagem cooperativa e habilitação no trabalho em equipe. A maioria dos participantes parece ter incorporado (ou consolidado) as condutas pertinentes aos critérios de respeito, responsabilidade, autocrítica e comunicação requeridos no grupo cooperativo2121. Bienenstock, D.; Keane, D.; Cohen, M.; Eaman, S.; Hollenberg, R. Defining and evaluating professional behaviour in the MD program: 1988-1995, Pedagogue, 6: 6-11, 1995.. Vale ressaltar que não havia diferença entre os dois grupos de egressos no tocante à experiência de monitoria antes do sexto semestre do curso.

A percepção dos participantes sobre o benefício da experiência na disciplina optativa foi geralmente muito favorável. A maioria registrou mudança positiva na expressão de atitudes com referência à função educativa do aprendiz, bem como incrementas satisfatórios no conhecimento e entendimento sobre o processo educativo e no próprio desenvolvimento pessoal. Segundo Mitchell2222. Mitchell, R. The development of the cognitive behavior survey to assess medical student learning. Teaching and Learning in Medicine, 6: 161-167, 1994., os aprendizes que buscam refinar seu entendimento do que estão aprendendo tendem a obter uma vivência de aprendizagem mais significativa e satisfatória, e parece ser esse o caso da experiência eletiva.

Vale ressalvar que uma parcela dos estudantes que participaram do treinamento eletivo não expressaram uma superação de suas condições de aprendizagem. Muitos fatores podem contribuir para essa limitação, dependentes dos próprios aprendizes, do modelo adotado ou do con­texto curricular. Imaturidade e baixa autoconfiança do aprendiz, ao término do treinamento, foram fatores restritivos que revelam insuficiências no próprio modelo de desenvolvimento adotado. Possivelmente, uma mudança mais substancial no enfoque de estudo depende de treinamento mais extenso e elaborado nas habilidades da aprendizagem autodirigida e, principalmente, da reestruturação do próprio contexto educativo, conforme esmiuçado no trabalho de Hammond & Collins2323. Hammond, M. & Collins, R. Self-Directed Learning. London: Kogan Page , 1991.. Os aspectos comentados podem servir de subsídios para as escolas que ensaiam implantar uma organização curricular mais centrada no apren­diz e com realce para atividades em grupo pequeno de aprendizagem.

Os resultados deste estudo, em suma, confirmam e ampliam as indicações consignadas em estudos anteriores. Os achados foram consistentes e mostraram estabilidade temporal na replicação sucessiva do treinamento em turmas consecutivas do novo acompanhamento curricular. Foram obtidos, também, indícios de que são persistentes os efeitos do treinamento em habilidades de aprendizagem no rendimento cognitivo dos participantes e na expressão de atitude sobre a aprendizagem cooperativa. Dois indicadores do treinamento - a medida de desempenho no trabalho em equipe e o nível de eficácia pessoal na aprendizagem autodirigida -estão significativamente relacionados aos desfechos apresentados. Os resultados têm implicações para a implantação de modelos curriculares mais centrados no estudante e sugerem, em conclusão, a utilidade e o potencial do desenvolvimento de habilidades de aprendizagem na busca de um aprendizado mais significativo e duradouro no ensino de graduação em Medicina.

AGRADECIMENTOS

O autor expressa seu reconhecimento aos egressos do curso pela contribuição significativa que deram ao desenvolvimento do estudo, mediante receptividade, participação e percepções generosamente oferecidas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    May-Sep 2000
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