FISIATRIA: PROJETO INTEGRADO DE AVALIAÇÃO DO ENSINO MÉDICO

Resumo

Este estudo descreve os resultados quanto ao treinamento em habilidades psicomotoras da Disciplina de Reabilitação Médica, destinada aos académicos do 9º semestre, nos semestres 92/1 e 93/1, sendo parte do Projeto Integrado de Avaliação do Ensino Médico, referente às disciplinas do Curso de Graduação em Medicina, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foram aplicados questionários investigando, inicialmente, a experiência prévia e após o estágio, as oportunidades auferidas pelo aluno quanto à assistência e desempenho de 19 habilidades consideradas básicas na área. As habilidades foram agrupadas em quatro grupos: exame físico, abordagem do paciente com dor, fisioterapia respiratória e motora e a reabilitação em algumas patologias. Observam-se baixos percentuais de assistência, ou desempenho das habilidades questionadas no semestre 92/1 que, com a reformulação da disciplina e do questionário, passaram, no semestre 93/1, a apresentar incremento significativo no nível de treinamento ofertado. Os resultados apontam para a necessidade de monitoramento continuo do treinamento dos alunos, para planejar e complementar as atividades de ensino.

Palavras Chave:
Avaliação; Fisiatria; Ensino Médico de Graduação

Abstract:

This study assesses the discipline of Medical Rehabilitation for undergraduates as part of an ongoing evaluation project from the Medical School, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Questionnaires containing 19 skills considered basic in the area were applied to student at the 9th semester of the medical course, during the first half academic year of 1992 (n=52) and 1993 (n=52). Before the training period in the discipline, one questionnaire .form asked about their previous experience on the skills. After its termination, the other form inquired on the opportunities granted to the trainees to assist and to perform these same skills. The 19 skills were agregated into four main groups : physical examination, the management of patient with pain, motor/respiratory physiotherapy and rehabilitation. The results showed in the 92/1 group of study a low percentage of students who assisted or performed those skills. After this preliminary assessment a new approach was given to the discipline formulation and to the questionnaires forms. The 93/1 assessment showed significant difference between previous exposures to the skills and the experience gained during the training period This trend emphasizes the need for continuous monitoring of the students training programme. It helps to better both the planning and the teaching activities.

Key Words:
Evaluation; Medical Rehabilitation; Undergraduate Medical teaching

Introdução

Os currículos médicos das escolas brasileiras não apresentam uniformidade no que se refere ao ensino da reabilitação¹. Há diversidade quanto ao tempo dispendido pelos alunos, aos conteúdos prioritários e no entendimento de quais habilidades psicomotoras têm sua melhor oportunidade de ensino na área da fisiatria². Na realidade, essa situação não é diferente da que ocorre em outros países.

A Reabilitação Médica é, em si, uma área relativamente nova, não bem assimilada por profissionais de outras especialidades. É provável que isto se deva a sua ênfase peculiar não na própria doença, como é o habitual, mas nas consequências desta: dor, fraqueza, espasticidade, incoordenação e incapacidade decorrente⁴. Acresce a isto, o fato de sua inclusão recente nos currículos médicos, necessitando ainda criar um substrato e imagem positivos da especialidade⁴.

O Núcleo de Avaliação em Anestesia, do Departamento de Cirurgia da UFRGS, vem desenvolvendo propostas de avaliação do treinamento prático no curso de graduação em Medicina desde 1986, inicialmente na área de Anestesia⁵ e, com a implantação do Projeto integrado de Avaliação do Ensino Médico, em conjunto com o Departamento de Medicina Social, passou a abranger, progressivamente, outras áreas de ensino do ciclo clínico^6),(7),(8, incluindo a disciplina de Reabilitação Médica, objeto desta etapa da investigação.

Este estudo descreve o nível de treinamento de determinadas habilidades psicomotoras oportuniza das aos alunos matriculados na disciplina de Reabilitação Médica, ultimando a formação do médico geral, previsto pelo atual currículo médico⁹. A ênfase do plano de ensino se situa no âmbito da prevenção de complicações evitáveis do sistema ósteo-muscular e da adoção de medidas, até mesmo domiciliares, para a reabilitação dos pacientes com diversos graus de incapacidade.

Metodologia

A população-alvo deste estudo foram os alunos da disciplina de Reabilitação Médica (MED-306), matriculados nos primeiros semestres de 1992 (n=52) e 1993 (n=52), perfazendo 104 alunos (82,5% do total de matriculados). Seguiram-se os mesmos procedimentos metodológicos empregados no Projeto Integrado de Avaliação do Ensino Médico^5-8, quanto à colheita de dados do nível de treinamento em habilidades psicomotoras específicas da área de reabilitação médica. Foram aplicados dois questionários, pré e pós-disciplina, de auto-resposta, abordando 17 e 19 habilidades, nos semestres 92/1 e 93/1, respectivamente.

O questionário utilizado foi modificado em sua segunda aplicação (semestre 93/1), a partir do reconhecimento da existência de vários itens com redação inapropriada e de referências a patologias pouco frequentes no Ambulatório do Serviço de Fisiatria. Paralelamente, o ensino ministrado na disciplina também foi reformulado, segundo recomendações contidas em questão aberta no final do questionário, quando os alunos fizeram comentários, críticas e sugestões de forma livre.

As habilidades questionadas em cada semestre, definidas pelo professor regente da disciplina e demais autores deste trabalho, foram agrupadas por afinidade no momento de análise em 4 conjuntos: exame físico, abordagem do paciente com dor, fisioterapia respiratória e motora e a reabilitação em algum as patologias específicas.

Os grupos de habilidades no semestre 92/1 eram compostos por:

Exame físico: identificação de comprometimento postural, reconhecimento de alterações no trofismo muscular, identificação de comprometimento nervoso periférico e realização de testes para identificação de comprometimento nervoso ou muscular. No semestre 93/1 a redação desta última habilidade foi substituída por “avaliação de sinais de liberação piramidal”;

Fisioterapia respiratória e motora: indicação de fisioterapia respiratória, posicionamento de paciente para manobras de drenagem postural, reconhecimento da importância das manobras de tapotagem e tosse cinética para abreviar a recuperação de processos infecciosos pulmonares, conhecimento de exercícios musculares utilizados na reabilitação de movimentos, e conhecimento da movimentação ativa/dinâmica dos pacientes plégicos, geriátricos e/ou em pós-operatório imediato. No semestre 93/1 incluiu-se a descrição das consequências da imobilização prolongada;

Abordagem de paciente com dor: indicação de terapias físicas adjuvantes no tratamento da dor, identificação de dores de origem articular e de origem muscular. No semestre 93/1 mudou-se o enunciado das duas últimas habilidades, para identificação de dores de origem músculo-esquelética e identificação de dores neuríticas e de origem no sistema nervoso central. Acrescentou-se ainda outra habilidade, a descrição dos mecanismos de ação e efeitos biológicos dos meios físicos mais utilizados (frio, calor superficial, ondas curtas, ultrassom, estimulação elétrica e massagem);

Reabilitação em algumas patologias: indicação do uso de órteses e próteses, emprego de medias básicas no paciente com paralisia cerebral, utilização de recursos para adaptação e deambulação do paciente amputa do, conhecimento de medidas para reabilitação dos pacientes com Mal de Parkinson e conhecimento de medidas profiláticas no controle da fibrose imobilizante em queimados.

Estas habilidades foram redimensionados para o semestre 93/1. As duas últimas habilidades foram suprimidas, sendo substituídas por medidas necessárias à reabilitação de problemas na coluna e do grande incapacitado.

Para análise, cada habilidade foi categorizada em “sim” (ao menos uma vez) ou “não” (nenhuma vez), segundo respostas do aluno quanto ao desempenho prévio e, após a disciplina, com relação à assistência ou desempenho das mesmas. As informações referidas pelos respondentes foram analisadas sem qualquer teste de validação. Os dados foram analisados na Assessoria Científica da Faculdade de Medicina, sendo empregados o teste não paramétrico de McNemar, e os testes do qui-quadrado e Exato de Fischer, para um alfa de 5%.

Resultados e Discussão

Os resultados obtidos quanto à experiência prévia, possibilidade de assistência e desempenho após a disciplina, auto-referidos pelos alunos para o semestre 92/1, estão descritos na Tabela 1.

Chama a atenção que os percentuais são muito pobres tanto em assistência quanto em desempenho. O percentual de alunos que referiu oportunidade de assistir a execução da habilidade por instrutores apresentou aumento significativo em dez habilidades, tomando-se como referência o nível percentual pré-disciplina. Já quanto ao desempenho, nenhuma habilidade apresentou incremento significativo, efetivamente duas destas (reabilitação motora e movimentação ativa/dinâmica) apresentaram redução nos seus patamares percentuais (p<0,01).

Na Tabela 2 estão listadas as 19 habilidades questionadas em 93/1. Após a reformulação da disciplina e do instrumento de avaliação, observa-se um maior número de diferenças significativas favoráveis entre o pré e o pós-teste. Das 19 habilidades, 15 apresentaram maior nível percentual (p<0,05) quanto à assistência. Mesmo assim, cinco habilidades não foram assistidas por mais da metade dos alunos. Já quanto ao desempenho, 9 das habilidades questionadas apresentaram incremento significativo, com níveis percentuais inferiores aos da assistência (p<0,05).

Conclusão

Os resultados apontados pela primeira aplicação do instrumento de análise conduziram a modificações no ensino prestado pela disciplina, incluindo o reconhecimento de que certas habilidades questionadas não eram viáveis frente às oportunidades de treinamento existentes nas áreas de ensino ambulatorial empregadas pela disciplina.

A adequação do plano de ensino à realidade do serviço, sem se afastar dos objetivos previstos para a disciplina, viabilizando novas áreas de treinamento e potencializando as existentes, produziu resultados, explicitados nos níveis percentuais referidos pelos alunos no semestre 93/l, superiores aos patamares referidos em 92/1 na quase totalidade das habilidades questionadas. Mesmo assim, observou-se uma redução nos percentuais quanto às habilidades envolvendo o exame de liberação piramidal e procedimentos para o manejo dos portadores de paralisia cerebral, que passaram a merecer atenção especial já no semestre seguinte.

Os resultados das duas enquetes ilustram como a monitorização do treinamento dos alunos pode contribuir para o planejamento e implementação da atividade de ensino, ultimando sempre a meta ideal de que a totalidade dos alunos sejam treinados e se considerem capacitados ao desempenho na área.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• ¹
  ARENSON-PANDIKOW, H. M.; PLANT, M. E.; MOYES, D. G. - Estágios de anestesia na graduação médica: avaliação de habilidades básicas. Rev. Educ. Méd. y Salud., 28: no prelo, 1993.
• ²
  BORDIN, R.; ARENSON - PANDIKOW, H. M.; BARBOSA, J.V.; KRIEGER C.A.M. - Pediatria projeto integrado de avaliação do ensino médico. Rev. Educ. Méd.y Salud28: no prelo, 1993
• ³
  BORDIN, R.; ARENSON-PANDIKOW, H.M.; BOECK, M.D. - Otorrinolaringologia: projeto integrado de avaliação do ensino médico. Rev. Bras. de Otorrinolaring 3 ou 4; no prelo, 1994.
• ⁴
  BORDIN, R; ARENSON - PANDIKOW, H. M.; STODUTO, F.R. - Introdução à Prática Médica: projeto integrado de avaliação do ensino médico. Rev. HCPA, no prelo, 1994.
• ⁵
  CORDIOLI, A.V.; PILTCHER, S.L. - O currículo na faculdade de Medicina da UFRGS. Rev. AMRIGS, 35 (1): 49-55, 1991.
• ⁶
  DELISA, J.A. - Medicina de Reabilitação. Princípios e Prática São Paulo: Manole, 1992 (vol.1).
• ⁷
  LANE, M.E.; Undergraduate Curricula. In: Pm & R: Implications for Resident Recruitment and General Image of the Specialty. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 64: 287-90, 1983.
• ⁸
  LIANZA S. - Medicina de Reabilitação Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1975.
• ⁹
  SORREL, D.A.; HINTERBUCHNER, C.; SAKUMA J. - Undergraduate Instruction, In: Physical Medicine and Rehabilitation 62: 220-3, 1981.

Tabela 1
Número e percentual de alunos que referem experiência prévia, assistiram ou desempenhar as habilidades questionadas, semestre 92/1 (n=52).

Habilidade	Pré-disciplina		Pós-disciplina1
			Assistido		Desempenhado
	no	%	no	%	no	%
Exame Físico Compr. Postural	22	42,3	33	70,2**	27	57,4
Id distrofia musc	18	34,6	17	36,2	9	19,1
Id neuropatia perif	11	21,2	25	53,2***	12	25,5
Liberação priramidal	31	59,6	26	55,3	23	48,9
Fisioterapia respiratória/motora
Fisioterapia respiratória	11	21,2	29	61,7***	13	27,7
Drenagem postural	9	17,3	24	51,1***	6	12,8
Tapotagem	26	50,0	28	59,6	13	27,7**
Reabilit movimento	5	9,6	37	78,7***	12	25,5
Movimentação ativa	27	51,9	16	34,0	5	10,6***
Abordagem de paciente com dor
Terapias físicas	10	19,2	29	61,7***	9	19,2
Id dor articular	23	44,2	28	59,6	23	48,9
Id dor muscular	22	42,3	29	61,7	19	40,4
Reabilitação
Órtese e prótese	0	0,0	11	23,4	6	12,8
Paralisia cerebral	4	7,7	21	44,7***	4	8,5
Mal de Parkison	2	3,8	12	25,5**	3	6,4
Amputados	2	3,8	20	42,6***	3	6,4
Queimados	1	1,9	8	17,0**	4	8,5

• (1) Um caso sem valor (n=51) * p<0,05 ** p<0,001 *** p<0,0001

Tabela 2
Número e percentual de alunos que referiam experiência prévia, assistiram ou desempenham as habilidades questionadas, semestre 93/1 (n=52)

Habilidade	Pré-disciplina		Pós-disciplina1
			Assistido		Desempenhado
	no	%	no	%	no	%
Exame Físico Compr. postural	25	48,1	41	80,4**	23	44,2
Id distrofia musc	21	40,4	30	58,8	28	59,4
Id neuropatia perif	13	25,0	19	37,3	16	31,4
Liberação priramidal	6	11,5	12	23,5	8	15,7
Fisioterapia respiratória / motora
Imobilização prolong	22	42,3	35	63,7*	22	42,3
Drenagem postural	2	3,8	29	56,9**	11	21,6*
Tapotagem	3	5,8	35	67,3***	18	35,3***
Reabilit motora	20	38,5	38	74,5***	17	33,3
Movimentação ativa	7	13,5	33	64,7***	28	54,9***
Ensino reabil motora	4	7,7	18	35,3***	11	21,6
Abordagem de paciente com dor
Id dor muscular	16	30,8	26	51,0	36	70,6***
Id dor neurítica/SNC	4	7,7	13	25,5**	3	5,9
Terapias físicas	1	1,9	39	76,5***	29	56,9***
Ação meios físicos	3	5,8	37	72,5***	28	54,9***
Reabilitação
Paralisia cerebral	1	1,9	12	23,5**	3	5,9
Órtese e Prótese	2	3,8	35	68,6***	13	25,5**
Amputados	1	1,9	28	54,9***	9	17,6**
Coluna	10	19,2	27	52,9***	29	56,9***
Deficientes	9	17,3	36	70,6***	17	33,3

• *p<0,05 **p<0,001 ***p<0,0001

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Jan 2021
• Data do Fascículo
  May-Aug 1994