Acessibilidade / Reportar erro

Dançar a Anarquia: teorias e práticas anarquistas no Judson Dance Theater, Grand Union e Contact Improvisation34 1 Este artigo pôde ser escrito graças ao apoio visível e invisível de diversas pessoas que me receberam em seus espaços de trabalho e de vida. Ele também recebeu o financiamento da Fondation des Treilles, “uma fundação criada por Anne Gruner Schlubmerger que tem por vocação lançar e alimentar o diálogo entre as ciências e as artes visando o progresso da criação e da pesquisa contemporâneas. A fundação também acolhe pesquisadores/as e escritores/as em sua propriedade de Treilles, no departamento francês do Var www.les-treilles.com”. Nota do tradutor: na versão em francês “une fondation créée par Anne Gruner Schlubmerger qui a notamment pour vocation d’ouvrir et de nourrir le dialogue entre les sciences et les arts afin de faire progresser la création et la recherche contemporaines. Elle accueille également des chercheur·euse·s et des écrivain·e·s dans son domaine des Treilles (Var) www.les-treilles.com”.

Resumo:

Quando se fala da dança pós-moderna americana dos anos 1960 e 1970, fala-se com frequência de corpos, de movimentos e de procedimentos coreográficos democráticos. No entanto, certos aspectos dessas danças (des-hierarquização das partes do corpo e das virtuoses, busca de processos de decisão coletivos...) se opõem de maneira crítica à democracia liberal. Elas seriam reivindicações anarquistas, mais do que democráticas. Baseando-se em três aventuras coletivas americanas, e examinando os escritos de Steve Paxton como testemunha e ator dessas aventuras, este artigo pergunta: o que um postulado anarquista permite ver nessas danças? O que nos ensinam as práticas coreográficas sobre a anarquia?

Palavras-chave:
Dança Pós-moderna; Judson Dance Theater; Grand Union; Contact Improvisation; Anarquismo

Résumé:

On parle souvent, à l’égard de la danse post-moderne américaine des années 1960 et 1970, de corps, de mouvements, de procédures chorégraphiques démocratiques. Pourtant, certains traits de ces danses (déhiérarchisation des parties du corps et des virtuosités, recherche de processus de décision collectifs...) s’opposent de manière critique à la démocratie libérale. C’est plutôt de l’anarchisme qu’elles se réclament. En s’appuyant sur trois aventures collectives américaines, et en examinant les écrits de Steve Paxton comme témoin et acteur de ces aventures, cet article se demande: Qu’est-ce qu’un postulat anarchiste permet de voir dans ces danses? Que nous apprennent les pratiques chorégraphiques sur l’anarchie?

Mots-clés:
Danse Post-moderne; Judson Dance Theater; Grand Union; Contact Improvisation; Anarchisme

Abstract:

Post-modern dances of the 1960s and 1970s in the US are often associated with democracy: with democratic bodies, movements, and choreographic procedures. Yet some of their key aspects (such as the dehierarchization of creation processes, body parts and virtuosities, the investigation of new systems of collective decisions…) directly oppose and criticize representative liberal democracies. This article proposes that anarchism, as the theory and practice of rejecting and interrogating forms of domination, could be a richer term to describe their political intents. Through a case study of three collective choreographic adventures, as well as the testimony of dancer and choreographer Steve Paxton, it asks: What can we learn about post-modern dances through the lens of anarchy? And what can we learn about anarchy through the lens of those dances?

Keywords:
Post-Modern Dance; Judson Dance Theater; Grand Union; Contact Improvisation; Anarchism

Introdução

O anarquismo é um movimento político e filosófico proteiforme que reúne posições diversas sobre duas crenças simples: “[...] os seres humanos são capazes, na maioria das circunstâncias, de manter relações sociais decentes e de se organizar entre eles sem precisarem ser forçados a isso”; e “o poder corrompe” (Graeber, 2010GRAEBER, David. Are You An Anarchist? The Answer May Suprise You! The Anarchist Library, 2010. Disponible sur: <Disponible sur: https://theanarchistlibrary.org/library/david-graeber-are-you-an-anarchist-the-answer-may-surprise-you >. Consulté le 15 mars 2017.
https://theanarchistlibrary.org/library/...
, p. 2)35 2 Na versão em inglês “[…] human beings are, under ordinary circumstances, about as reasonable and decent as they are allowed to be, and can organize themselves and their communities without needing to be told how” et “power corrupts”. Nota do tradutor: as traduções de trechos em inglês apresentadas neste artigo foram feitas a partir das versões em francês, realizadas pelo/a autor/a. . A partir desse postulado duplo, surge um questionamento das formas de poder centralizadas e um convite à subversão de ordens e valores estabelecidos. Esse é o sentido do a privativo de anarquia - um não dirigido às diversas formas de arqué: às autoridades, aos comandos e às hierarquias36 3 O dicionário Bailly dá dois significados principais à palavra arqué: a. começo, origem, ponto de partida (é o sentido que encontramos em palavras como arqueologia, arquétipo); b. comando, poder, autoridade (é o sentido que encontramos em palavras como anarquia, monarquia, oligarquia...). Frequentemente, os filósofos refletem sobre o encontro desses dois significados (por exemplo: Rancière, 1998; Lordon, 2018). Os anarquistas, geralmente, se contentam com o segundo. . Essa contestação tem diferentes alvos, de acordo com os/as autores/as e de acordo com os momentos: do Estado e do capital aos seus dispositivos coercitivos, como a polícia, a justiça, a prisão; do heteropatriarcado à violência exercida pelo Capitaloceno sobre o planeta e os seres vivos, humanos e mais-que-humanos. Desses diferentes alvos, surge a multiplicidade dos anarquismos: anarcossindicalismos, anarcafeminismos, anarquismos queer, ecoanarquismos... Segundo suas correntes, o anarquismo supõe diversas reinvenções da subjetividade política, que vão do anarquismo individualista autárquico, que exige a emancipação total de cada um/a e promove modos de existência autônomos (na tradição de Max Stirner, Lysander Spooner, John Henry MacKay e outros), ao anarquismo coletivista, ou mesmo ecológico, que, ao contrário, afirma a solidariedade de todos/as, humanos/as e mais-que-humanos/as (na tradição de Mikhail Bakunin, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Emma Goldman e outros).

Talvez a própria diversidade de teorias e práticas anarquistas explique o pouco sucesso teórico desse conceito nos campos da estética e da teoria da arte, e isso apesar do aparente sucesso artístico de algumas de suas estratégias revolucionárias. Como mostrou Christiane Vollaire, de fato, “[...] as posturas de subversão, de transgressão, de emancipação que caracterizavam, no início do século XX, o dadaísmo político-estético vindo da cultura anarquista, frequentemente tornaram-se os padrões dos novos academicismos contemporâneos” (Vollaire, 2005, p. 160)37 4 Nota do tradutor: na versão em francês “[...] les positions de subversion, de transgression, d’émancipation qui caractérisaient au début du XXème siècle le dadaïsme politico-esthétique issu de la culture anarchiste sont souvent devenues des positions standard des nouveaux académismes contemporains”. , e isso sem que o conceito tenha realmente sido tratado pelas ciências humanas que abordam as artes. No entanto, segundo Christiane Vollaire, seria muito útil analisar as operações estéticas e poéticas sob o ângulo anarquista: ele nos permitiria renomear a capacidade que possuem obras, discursos e práticas artísticas, de resistir às tendências normativas e de afirmar o “contravalor criador do confuso” e do questionamento das instituições, mesmo que não devamos nos deixar enganar pela recuperação dessas contestações pelo mercado neoliberal da arte contemporânea (Vollaire, 2005VOLLAIRE, Christiane. L’anarchie esthétique. Revue Lignes, Fécamp, n. 16, p. 160-169, 2005., p. 161)38 5 Nota do tradutor: na versão em francês “contre-valeur créatrice du confus”. .

Nos estudos da dança, trata-se frequentemente de hierarquia: da hierarquia social pela qual, pelo menos no início do século XX, a autoridade do coreógrafo ou da coreógrafa prevalece sobre a dos bailarinos ou das bailarinas; mas também da hierarquia corporal, pela qual, de acordo com o estilo, prevalecem certas partes do corpo (a pélvis para Martha Graham, a coluna vertebral para Steve Paxton…) ou certas habilidades técnicas. A partir da dança moderna, também se fala com frequência da negação das hierarquias: negação das hierarquias corporais do ballet pela dança moderna; negação das hierarquias entre movimentos virtuose e movimentos de pedestres pela dança pós-moderna; e negação da relação de dominação entre o/a coreógrafo/a-autor/a e seus/suas bailarinos/as-intérpretes, por meio do processo de invenção coletiva nas danças contemporâneas. Como resume Laurence Louppe, parece que, ao longo do século XX, as danças modernas, pós-modernas e contemporâneas não pararam de “des-hierarquizar os processos, as partes do corpo, os espaços” (Louppe, 2007LOUPPE, Laurence. Poétique de la danse contemporaine, la suite. Bruxelles: éditions Contredanse, 2007., p. 50)39 6 Nota do tradutor: na versão em francês “déhiérarchiser les processus, les parties du corps, les espaces”. .

No entanto, nos estudos da dança, raramente trata-se de anarquia ou anarquismo. Prefere-se falar de democracia, de democratização dos corpos ou das relações humanas. Esse é o caso, particularmente, do Judson, o movimento de vanguarda no qual é elaborada a dança pós-moderna. Assim, um dos primeiros artigos que a crítica de dança Jill Johnston escreve sobre esse movimento, no Village Voice, chama-se Democracy (Johnston, 1962JOHNSTON, Jill. Democracy. The Village Voice, New York, Aug. 23, 1962.). Sally Banes também, mesmo que não questione o conceito - mencionado apenas cerca de dez vezes na obra -, coloca como subtítulo de seu livro sobre o Judson Dance Theatre ‘democracy’s body’ (Banes, 1993a). Mas, se analisarmos de forma rigorosa, no plano lexical, a democracia não é o que resulta da suspensão das hierarquias que essas autoras observam: a democracia é o poder ou, mais exatamente, a força (cratos) colocada nas mãos do povo (demos). O fato de essa força ser dada ao povo não supõe igualdade, nem ausência de hierarquia: o escravagismo subjacente à democracia ateniense e a retenção da maioria das riquezas por algumas grandes fortunas nas democracias contemporâneas, comprovam que a democracia é perfeitamente compatível com as mais diversas formas de dominação. Para sermos consistentes, nos estudos da dança, não deveríamos falar de democratização quando tratamos das operações mencionadas anteriormente: deveríamos falar de anarquia.

É essa virada anarquista que gostaríamos de esboçar nas próximas páginas, baseando-nos em um momento específico da história da dança, o período da dança pós-moderna americana, com o objetivo de identificar os contornos de uma filosofia anarquista da dança. Mais precisamente, nos concentraremos em três aventuras coletivas: Judson Dance Theatre, Grand Union e Contact Improvisation; e nos escritos de um bailarino que passou por todas elas: Steve Paxton.

Nosso método não consistirá em avaliar em que medida Judson, Grand Union e Contact Improvisation conformam-se a uma ou outra versão do anarquismo40 7 Aliás, uma situação não pode ser conforme ao anarquismo; ela pode apenas ser renovada, permanentemente reinventada, renegociada pelo conjunto de seus sujeitos. Como escreve Errico Malatesta, para responder àqueles que gostariam de saber como seria uma sociedade anarquista: “[...] nós não somos mais profetas do que os outros, e se tivéssemos a pretensão de dar uma solução oficial a todos os problemas que surgirão na vida da sociedade do futuro, seria uma maneira realmente estranha de compreender a abolição do governo. Seria nos declarar como um governo e prescrever um código universal para os homens de hoje e de amanhã” (Malatesta, 2004, p. 57). Nota do tradutor: na versão em francês “[...] nous ne sommes pas plus prophètes que les autres, et si jamais nous avions la prétention de donner une solution officielle à tous les problèmes qui se présenteront dans la vie de la société future, ce serait une façon vraiment étrange de comprendre l’abolition du gouvernement. Ce serait nous déclarer gouvernement et prescrire un code universel pour les hommes d’aujourd’hui et de demain”. . Tal método suporia, de fato, a análise do objeto de nossa pesquisa (práticas coreográficas) a partir de critérios que lhe são extrínsecos (teorias políticas). Parece-nos mais rico, e mais válido do ponto de vista teórico, ajustar nossa reflexão aos modos de pensar gerados por nosso objeto de estudo, para compreendê-lo a partir de seus próprios valores, do que lhe impor nossas grades de leitura, que seriam apenas confirmadas ao aplicar-se a esse objeto. Dessa forma, reivindicamos pertencer a uma epistemologia do ponto de vista (Despret, 1999DESPRET, Vinciane. Ces Émotions qui nous Fabriquent. Ethnopsychologie de l’authenticité. Paris , Seuil, 1999.), na qual mobilizamos ferramentas da história da dança (trabalhos de arquivo, observação de obras, entrevistas com artistas) a fim de elaborar seus conceitos: o objetivo não é dizer a verdade sobre as práticas e as obras estudadas, mas produzir com elas, ao lado delas, a partir de seus pontos de vista, conceitos que lhe sejam próprios.

Nesse sentido, nosso método é mais filosófico-especulativo do que histórico. Como abordagem filosófica, ele se inscreve em uma dupla filiação, ao mesmo tempo bergsoniana e deleuzo-guattariana. De Bergson, guardamos a ideia de que apenas podemos conhecer (filosoficamente) aquilo com o que simpatizamos, ou seja, os seres, as formas, as práticas com os quais nos movemos, e que tentamos compreender a partir do interior (Bergson, 1907BERGSON, Henri. L’Évolution Créatrice. Paris: Puf, 1907.). De Deleuze e Guattari, mantemos a ideia de que a filosofia se define como uma operação, e não como uma disciplina, e que essa operação consiste na criação de conceitos (Deleuze; Guattari, 1991DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est-ce que la philosophie? Paris : Minuit, 1991.).

Assim, nossa questão é a seguinte: que conceitos do anarquismo podemos inventar, simpatizando com os posicionamentos, os textos e as práticas elaboradas no Judson, no Grand Union e no Contact Improvisation? Evidentemente, os/as bailarino/as dessas aventuras coletivas não são teóricos/as ou militantes anarquistas, mas lhes ocorre pensar suas práticas coreográficas como estudos ou, mesmo, como tentativas políticas ou micropolíticas no nível de seus coletivos. Em um artigo recente, André Lepecki sugere pensar certas danças contemporâneas como práticas “coreopolíticas” (Lepecki, 2011LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, 2011.)41 8 André Lepecki (2011) fala de “coreopolítica” e de “coreopolícia” em referência à oposição articulada por Rancière, em Dez teses sobre a política, entre a polícia (cuja função é “polir” as relações e cujo lema convida a “circular, não há nada para ver aqui”) e a política (cuja função é acolher as divergências e cujo lema convida a “manifestar” sobre o que é desprezado no espaço público). , ou seja, como práticas de resistência à coreopolícia dos espaços urbanizados que restringem os corpos-cidadãos. Aqui, da mesma forma, propomos pensar essas três aventuras da dança pós-moderna como coreopolíticas anarquistas. Quais são essas coreopolíticas e a quais coreopolícias elas resistem? Essas são as questões que gostaríamos de colocar.

Considerando o espaço limitado deste artigo, propomos limitar a pesquisa essencialmente aos discursos e posicionamentos de um dos principais atores dessas três aventuras coletivas - o único que passou por todas elas: Steve Paxton42 9 Steve Paxton nasceu em 1939 no Arizona, nos Estados Unidos. Formado em ginástica e em dança, ele muda para Nova Iorque nos anos 1950, onde dança com companhias como as de José Limon e de Merce Cunningham. Fazendo parte dos primeiros concertos do Judson Dance Theater, ele desenvolve uma atenção especial aos movimentos ordinários, da caminhada aos gestos esportivos, passando pelos gestos domésticos. Ele faz parte dos primeiros bailarinos do Continuous Project Altered Daily (1969), lançado por Yvonne Rainer, que, a partir de 1970, dá origem ao coletivo Grand Union. Paralelamente às turnês desse coletivo, ele inicia, em 1972, o Contact Improvisation, uma forma de dança que ele interpreta e ensina internacionalmente até o fim dos anos 1980, período a partir do qual ele se concentra nas improvisações em solo ou em duo (particularmente com Lisa Nelson) e no desenvolvimento de uma nova prática coreográfica, Material for the Spine. .

De fato, o coreógrafo, bailarino e improvisador tem a vantagem de uma relação ao mesmo tempo constante e ambígua com o conceito de anarquia. Mesmo que, geralmente, tenha rejeitado o termo anarquismo em função das conotações pejorativas associadas a ele (de caos e desordem)43 10 Para muitos, e como atestam os dicionários, a anarquia é sinônimo de caos, de desordem e de violência. Assim, no vocábulo anarquia do Trésor de la langue française (TLFi, 1994), ela é sistematicamente conotada de forma negativa como um “estado de desordem no qual se encontra uma coletividade por enfraquecimento do poder político” ou como “desordem, confusão, resultante de uma falta de organização”. A maior parte dos anarquistas negam essa associação. Como indica claramente Proudhon, em Qu’est-ce que la propriété?, o primeiro texto da história que reivindicou ser parte do anarquismo: “[...] mesmo gostando muito da ordem, eu sou, em toda a força do termo, anarquista” (Proudhon, 1849, p. f247). Nota do tradutor: na versão em francês, respectivamente “état de désordre dans lequel se trouve une collectivité par faiblesse du pouvoir politique”, “désordre, confusion due à un défaut d’organisation” e “[...] quoi que très ami de l’ordre, je suis, dans toute la force du terme, anarchiste”. , Steve Paxton sempre se esforçou em aplicá-lo às aventuras coreográficas nas quais se envolveu. Assim, quando Yvonne Rainer propõe aos/às coreógrafos/as que participavam das semi-improvisações de seu Continuous Project Altered Daily (1969) que formassem um coletivo totalmente improvisado com o nome de Grand Union44 11 Grand Union (literalmente, Grande União) ou Rio Grande Grand Union, sem artigo, é o nome legal do coletivo, atribuído por Yvonne Rainer e David Gordon em 1970. Frequentemente, seus membros escrevem com artigo, de forma errada, “o Grand Union”, o que torna as coisas ainda mais complicadas. Sobre este aspecto, ver Paxton (2017, nota 3). , Steve Paxton escreve a todos/as:

O/A bailarino/a é ao mesmo tempo o/a artista e seu próprio material.

Chegou a hora, novamente, de tentarmos a anarquia. Individualmente, a anarquia é simples. Para um grupo, ela pede condições particulares de comunicação. Grand Union é formado por uma aliança de artistas. Um grupo. Trata-se de uma das formas fundamentais do teatro: um grupo social que explora a imagem que a humanidade dá dela mesma e de seus pertencimentos culturais. Somos influenciados pela estrutura social na qual estamos inseridos, ela exerce um controle que vai além de nossas maneiras de pensar individuais. É claro, o objetivo que buscamos é o teatro e não a anarquia. E, às vezes, é bom trabalhar sozinho. Mas, às vezes, também é bom trabalhar juntos.

Vejam, vejam como isso se dissipa rapidamente.

E vejam como se reúne.

Union é a palavra adequada (Paxton, 1970PAXTON, Steve. ‘A dancer is...’. New York: New York Public Library for Performing Arts Archives , 1970. (MGZ MD 132 box 1 folder 16)., s. p.)45 12 Na versão em inglês: “A dancer is both medium and artist. // It is time again to attempt anarchy. For one, anarchy is simple. Anarchy for a group requires special conditions of communication. The Grand Union is a blend of artists. A group. This is a basic theatrical form: a social group exploring the human image and the cultural appartenances. The social structure we are produces results, exerts controlls beyond our individual devinings. The point, of course, is theater, not anarchy. // Occasionally, it is good to work alone. Occasionnally, it is god to work together. // See, see how it comes apart. // see how it goes together. // The Union suits”. .

Assim, mesmo que Paxton reconheça que é preciso ser humilde, que Grand Union não visa instaurar a anarquia fora de seu próprio coletivo, mas sim fazer teatro, ele afirma o esforço anarquista: trata-se de praticar a anarquia, e de observar as consequências disso. Uma entrevista, publicada pelo festival Objectif Danse Marseille, confirma, 30 anos mais tarde, esse desejo de estudo:

- O senhor é considerado um anarquista, isso é verdade?

- Individualista seria, sem dúvida, uma expressão mais adequada. [...] A palavra anarquista é conotada pejorativamente. Eu considero que o poder deve ser compartilhado, ele deve ser possuído somente de maneira ocasional. Não se trata de negar o poder, às vezes ele está em nossas mãos, especialmente quando temos uma decisão a tomar, e isso ocorre com frequência na vida ou no palco: há um momento no qual alguma coisa depende de nós, ela é nossa responsabilidade. Neste sentido, não se pode ser anarquista (sem poder) o tempo inteiro. No entanto, esforçar-se para não ter poder, eis uma posição interessante (Paxton, 1999PAXTON, Steve. Entretien. Lisières, Marseille, 1999., p. 5-6)46 13 Nota do tradutor: na versão em francês “– On vous considère comme un anarchiste, est-ce vrai? – Individualiste serait sans doute un mot plus juste. […] Le mot anarchiste est connoté péjorativement. Je considère que le pouvoir doit être partagé, on ne peut le détenir que de façon occasionnelle. Il ne s’agit pas de nier le pouvoir, il est parfois entre nos mains, notamment lorsque nous avons une décision à prendre, et cela arrive souvent dans la vie ou sur scène: il y a un moment où quelque chose est de notre ressort, c’est notre responsabilité. En ce sens, on ne peut être anarchiste (sans pouvoir) en permanence. Par contre, s’efforcer à être sans pouvoir, voilà une position interessante”. .

Em um único parágrafo, Paxton adota três dos mais tradicionais posicionamentos anarquistas sobre o poder: uma posição individualista (o poder pertence a cada um/a), uma posição momentaneista (o poder não pertence à ninguém, mas ele está em nossas mãos em alguns momentos) e uma posição pragmatista (não ter poder é impossível, mas talvez seja a única coisa que devemos nos esforçar para alcançar)47 14 Cf. por exemplo e respectivamente: Stirner (1899) [1845]; Bey (2007) [1991]; e Graeber (2006) [2004]. . Ele não parece preocupar-se em resolver a tensão entre esses três sentidos: para ele, trata-se mais de mantê-la e de não tomar uma decisão definitiva.

Esses três anarquismos nos servirão de guias nas travessias histórico-filosóficas do Judson, Grand Union e Contact Improvisation que seguem. Assim, em um primeiro momento, veremos como o Judson Dance Theater, como movimento de vanguarda, possui vários aspectos do anarquismo anti-institucional individualista: momento de resistência ao establishment da dança moderna, momento de rejeição às hierarquias sociais, corporais e técnicas, o Judson é um grupo, mas um grupo que reivindica a individualidade de seus posicionamentos e a emancipação de cada um/a de seus/suas membros/as. Em um segundo momento, o estudo das improvisações do Grand Union nos levará ao exame da ideia de um anarquismo improvisado: no Grand Union, a rejeição aos papéis preestabelecidos alcança uma radicalidade extrema, onde até a ação, a cada instante, deve ser anarquizada tanto quanto possível, desligada de princípios organizadores superiores. Finalmente, em um terceiro momento, mais longo, examinaremos alguns elementos de história e de prática do Contact Improvisation, que nos levarão a pensar um anarquismo mutualista: um anarquismo baseado não sobre o indivíduo, mas sobre a relação, no qual a ausência de dominação é resultado de um desejo mútuo de se colocar um/a a serviço do/a outro/a. Evidentemente, esses três anarquismos estão constantemente se cruzando e trabalhando uns com os outros, mas deixemos isso estabelecido: individualismo e resistência às instituições no Judson, momentaneismo e improvisação no Grand Union, mutualismo e atenção à relação no Contact Improvisation - eis as três hipóteses anarquistas que perpassam nosso trabalho.

§1 O anarquismo anti-institucional do Judson Dance Theater

Foi dito, de forma errônea, que os corpos do Judson Dance Theater, ou seja, os corpos apresentados pela vanguarda coreográfica nova-iorquina do início dos anos 1960, eram corpos “democráticos” (Banes, 1993aBANES, Sally. Democracy’s Body: Judson Dance Theater, 1962-1964. Durham: Duke University Press, 1993a.): corpos igualitários, corpos ordinários, corpos de pedestres. Sem dúvida, a atenção dada ao corpo do cotidiano por esses/as coreógrafos/as era total (Perrin, 2008PERRIN, Julie. Du quotidien. Une impasse critique. In: FORMIS, Barbara (Dir.). Gestes à l’œuvre. Paris: De l’Incidence éditions, 2008. P. 86-97.): entre os movimentos cotidianos de Flat e os gestos esportivos de Proxy (Steve Paxton), entre as corridas e as caminhadas de We Shall Run (Yvonne Rainer), entre a atenção dada aos movimentos da rua em Street Dance (Lucinda Childs), de fato, um novo mundo de movimentos ordinários é colocado no centro das atenções do universo coreográfico.

Mas daí a dizer que se trata de democracia, seria ignorar a radicalidade da proposta: para tanto, basta examinar os textos que suas figuras tutelares produziram nos anos que sucederam às experiências no ginásio da Judson Church. Assim, quando Yvonne Rainer escreve seu manifesto do não,

[...] não ao espetáculo não à virtuose não às transformações e à magia e aos truques não ao glamour e à transcendência dos astros e estrelas não ao heroico não ao anti-heroico não à imagética trash não ao envolvimento do performer ou do espectador não ao estilo não ao exagero não à sedução do espectador pelos truques do performer não à excentricidade não ao emocionar e ao deixar-se emocionar (Rainer, 1965RAINER, Yvonne. Some Restrospective Notes. Tulane Drama Review, Cambridge, Massachusetts, v. 10, n. 2, p. 168-178, Winter 1965., p. 168)48 15 Na versão em inglês: “No to spectacle No to virtuosity No to transformations and magic and make-believe No to the glamour and transcendency of the star image No to the heroic No to the anti-heroic No to trash imagery No to involvement of performer or spectator No to style No to camp No to seduction of spectator by the wiles of the performer No to eccentricity No to moving or being moved”. .

Ela não está propondo um sim ao estar-junto democrático, mas, claramente, um não à sociedade espetacular mercantil, um não às hierarquias estabelecidas da dança moderna. Trata-se de um não que se propõe a dinamitar uma instituição envelhecida por pequenos diretores de escola cuja vocação é apenas produzir cópias deles mesmos.

Jill Johnston, a crítica de dança que mais acompanhou a cena da vanguarda nova-iorquina dos anos 1960, afirma em um artigo de 1968:

[Estes artistas] atacam de forma implícita uma das premissas fundamentais da dança ocidental tradicional: a valorização da estrela, colocada no topo de uma instituição imperialista (os reis e rainhas do ballet, os heróis e heroínas trágicos da dança moderna). E, já que estou falando disso, também poderia acrescentar outras noções correlacionadas, que também são atacadas. São, é claro, as armadilhas de todos os sistemas hierárquicos: a pompa, o esplendor, o glamour, o espetacular, a sedução, as ações virtuoses realizadas para agradar as expectativas aristocráticas49 16 Na versão em inglês: “Implicit in the work of the three artists discussed above is an attack on this very elemental premise of traditional Western dance: the projection of a star supported by a hierarchal imperialist organization (e.g., the kings and queens of the ballet, the tragic heroes and heroines of the modern dance). While I'm at it, I should mention a few other correlative notions that are also under attack. These are, of course, the trappings of any hierarchical system: the pomp and splendor and glamour and spectacle and seduction and virtuosic accomplishments required by aristocratic expectations”. .

Até aqui, Johnston apenas repete a análise começada por Rainer: a vanguarda do Judson ergueu-se contra a própria estrutura do espetáculo, e o star-system que ela envolvia. Mas Johnston vai mais longe, propondo uma comparação entre a vanguarda do Judson e a que havia representado a dança moderna:

Qualquer movimento de vanguarda é uma revolta contra uma ou outra forma de autoridade. Mas a dança de vanguarda dos anos 1960 não é apenas uma revolta da nova geração contra a anterior. Os novos coreógrafos minam, de forma afrontosa, a própria natureza da autoridade. O pensamento que baseia seus trabalhos ultrapassa a democracia; é um pensamento da anarquia. Nenhum membro superior a outro. Nenhum corpo mais bonito que outro corpo. Nenhum movimento necessariamente mais importante ou mais bonito que outro movimento (Johnston, 1998JOHNSTON, Jill. Marmalade Me. Hanover: University Press of New England, 1998., p. 117)50 17 Na versão em inglês: “Every underground movement is a revolt against one authority or another. The dance underground of the sixties is more than this natural child-parent affair. The new choreographers are outrageously invalidating the very nature of authority. The thinking behind the work goes beyond democracy into anarchy. No member outstanding. No body necessarily more beautiful than any other body. No movement necessarily more important or more beautiful than any other movement”. .

Assim, Johnston (em 1968) concebe a radicalidade anarquista do Judson como uma radicalidade anti-institucional: não se trata tanto de questionar as autoridades existentes; trata-se mais de questionar a própria ideia de autoridade. A partir disso, e contrariamente a muitos movimentos de vanguarda, o Judson não tinha “[...] nem uma estética comum, nem um programa político, nem líderes escolhidos: sua história é a de uma recusa mútua” (Lax, 2018LAX, Thomas J. Allow me to begin again. In: JANEVSKI, Ana; LAX, Thomas J. Judson Dance Theater. The Work Is Never Done. New York: Moma, 2018., p. 15)51 18 Na versão em inglês: “[…] neither a unified aesthetic nor a political program, functioning without a designated leader. Their story is one of mutual refusal”. .

Como é organizada essa resistência no Judson? Por meio de uma preferência pelo coletivo, pela vida comum e pelos processos de tomada de decisão baseados no consenso, mais do que no voto. Assim, Ruth Emerson conta:

Lembro-me de ter sentido a importância de tomar decisões por consenso ao invés de por voto majoritário. Em parte, era uma questão política, pois todos tínhamos a sensação de ter sido excluídos de maneira autoritária pela instituição da dança e da coreografia. Eu trabalhava como voluntária no American Friends Service Committee52 19 Fundada em 1917, a American Friends Service Committee (AFSC) é uma associação Quaker que trabalha pela “promoção da paz, da justiça, e a expressão prática da fé em ação” (como indica o site na internet consultado em 17 de outubro de 2018). O que hoje é chamado de Método Quaker de Negócios (Quaker Business Method) é uma prática quase meditativa, na qual o recolhimento silencioso é uma fase crucial da preparação, e onde o consenso não é buscado pelo debate, mas pela apresentação de testemunhos em primeira pessoa, visando atingir uma visão unitária sobre o assunto em questão (com-senso: sentir juntos). Para uma apresentação crítica sobre a abordagem Quaker e seus desdobramentos nos métodos de comunicação não-violenta, ver Starhawk (2008, p. 221). Nota do tradutor: na versão em francês “promotion de la paix, de la justice, et l’expression pratique de la foi dans l’action”. , e isso me dava vontade de trabalhar em minha vida cotidiana e nos meus espaços profissionais, da mesma forma como a AFSC tentava resolver seus problemas. E creio que me empenhei para isso no Judson. Eu tinha a convicção de que o consenso era melhor que o voto democrático, no qual a maioria sempre acaba por dominar a minoria (Emerson apud Banes, 1993bBANES, Sally. Greenwhich Village 1963: Avant-Garde Performance and the Effervescent Body. Durham: Duke University Press , 1993b., p. 68)53 20 Na versão em inglês: “I remember feeling that it was important to make decisions by consensus rather than majority vote. That was partly a political feeling, because we all felt that establishment dance and choreography had discriminated against us in an authoritarian way. I was working as a volunteer at the American Friends Service Committee, and that made me want to work in my daily life and work situations in the way that people were trained to struggle with problems at AFSC. I guess I did try to articulate those ideas at Judson. I had a conviction that a consensus was better than a democratic vote. The majority would always end up with some minority”. .

Elaine Summers concorda com essa constatação, afirmando que o método do consenso implica que todos estejam de acordo, “[...] isso queria dizer: sem artimanhas políticas. Não adiantava nada colocar três ou quatro pessoas do seu lado. Todo mundo deveria estar de acordo sobre a maneira de agir” (Summers apud Banes, 1993bBANES, Sally. Greenwhich Village 1963: Avant-Garde Performance and the Effervescent Body. Durham: Duke University Press , 1993b., p. 69)54 21 Na versão em inglês: “[…] That meant there was no politicking. There was no point in getting three or four more people on your side. Everyone had to agree that this was the way it was going to be done”. . Evidentemente, o método não é perfeito: Steve Paxton também fala da utilização generalizada do consenso no Judson nos anos 1960, apontando que, apesar da igualdade formal, hierarquias fortes continuavam aparecendo (Novack, 1990NOVACK, Cynthia J. Sharing the Dance. Contact Improvisation and American Movement Culture. Madison: Univ of Wisconsin Press, 1990., p. 207).

No entanto, a lógica de des-hierarquização estende-se a outros campos além das tomadas de decisão coletivas: por exemplo, é possível observá-la em ação no fato de que as portas do ginásio da Judson Church estivessem abertas a todos/as (cada um/a pode apresentar seus trabalhos na Judson, sem que haja uma pressão seletiva para a entrada) e na igualdade absoluta da autoria (no cartaz do primeiro concerto da Judson, criado por Steve Paxton, os nomes de todos os bailarinos e bailarinas, coreógrafos e coreógrafas, iluminadores e iluminadoras, aderecistas, etc., estão escritos em ordem alfabética, sem pressuposição de importância de seus papéis).

Por que, então, os estudos de dança continuam a falar em democracia? Quanto aos teóricos/as contemporâneos/as, podemos supor que se trata de uma homenagem ou de uma retomada dos conceitos de Banes e de alguns/mas dos/as coreógrafos/as, como Trisha Brown, que pensava sua prática como uma “repartição democrática do movimento pelo corpo inteiro” (Rainer; Brown, 1987RAINER, Yvonne; BROWN, Trisha. Conversation à propos de Glacial Decoy. In: BRUNEL, Lise et al. Trisha Brown. Paris : Éditions Bougé, 1987. P. 29-37., p. 44; cf. também Ginot, 1999GINOT, Isabelle. Une structure démocratique instable. In: DÉPARTEMENT danse de UFR Arts Paris 8. Mobiles: danse et utopie. Paris: L’Harmattan, 1999. P. 112-118.)55 22 Nota do tradutor: na versão em francês “répartition démocratique du mouvement dans le corps tout entier” . Quanto às teóricas da época, como Sally Banes, Ramsay Burt propõe a seguinte hipótese sobre o léxico que ela utiliza:

Mesmo que Banes visse na arte uma expressão do espírito do tempo, ela aderia ao paradigma modernista segundo o qual a arte evolui lenta, mas seguramente, na direção de uma abstração formal cada vez mais pura. Essa evolução nas artes catalisava, segundo ela, a evolução social, mas somente em suas virtudes afirmativas [e não contestadoras]. Assim, ela argumentava que as produções do Judson Dance Theatre eram uma confirmação da sociedade americana dos anos 1960: ‘de repente, ela dizia, as artes pareciam desenvolver os instrumentos - e pareciam mesmo encarnar - a democracia’ (Banes, 1993a, p. 10) (Burt, 2006BURT, Ramsay. Judson Dance Theater: Performative Traces. London; New York: Routledge, 2006., p. 10)56 23 Na versão em inglês: “While Banes therefore saw art as a reflection of the spirit of its age, she still subscribed to the modernist paradigm of art’s steady progress towards a goal of formally pure abstraction. Progress in the arts, in her view, catalyses social progress, but only through affirmation. She therefore argued that the work of Judson Dance Theater was entirely affirmative in relation to US society in the 1960s: ‘the arts suddenly seemed freshly empowered […] to provide a means for – indeed, to embody – democracy”. .

Mas se os bailarinos e bailarinas do Judson manifestam um objetivo político em suas formas de se unir e de tomar decisões juntos, esse objetivo não é o de encarnar em cena ou em suas vidas coletivas a democracia americana: na contracultura, na qual estão mergulhados, tudo os convida a rejeitar as “políticas da representação” [politics of representation] (Foster, 1985FOSTER, Susan Leigh. The Signifying Body: Reaction and Resistance in Postmodern Dance. Theatre Journal, Baltimore, v. 37, n. 1, p. 44-64, March 1985., p. 47) que estruturam tanto o campo coreográfico quanto o campo político contemporâneo. Ao contrário, ela convida a uma modificação profunda da democracia, sob a forma anarquista de uma democracia direta que coloca em choque as instituições e visa impedir as tomadas de poder centralizadoras.

§2 O anarquismo improvisado do Grand Union

Podemos considerar o Grand Union como um prolongamento desse anarquismo anti-institucional. Esse coletivo foi formado em 1969 e reúne muitos/as coreógrafos/as ativos/as no Judson no início dos anos 1960. Esse “grupo integralmente composto por coreógrafos”, reunido originalmente sob a direção de Yvonne Rainer na obra coletiva semi-improvisada, Continuous Project Altered Daily (1969), transformou-se em um coletivo de improvisadores e improvisadoras, que apresentava espetáculos com cerca de quatro ou cinco horas de duração, criando novos materiais a cada sessão, com base em suas vidas e suas aventuras artísticas comuns desde o início dos anos 196057 24 Um “grupo integralmente composto por coreógrafos”, é como é definido Grand Union em 1974, em um flyer do Annenberg Center conservado na New York Library for Performing Arts: “a unique performance group composed entirely of choreographers”. A expressão é importante pois ela representa a suspensão da hierarquia coreógrafo/a-bailarino/a que ela implica: Grand Union é um grupo no qual há somente autores/as... Os membros do Rainer and Dance Group que fazem parte da criação do CPAD em 1969 (do qual saiu o Grand Union) são Becky Arnold, Barbara Lloyd (Dilley), Douglas Dunn, David Gordon, Steve Paxton e Yvonne Rainer. Dong (nome artístico de Lincoln Scott), Trisha Brown e Nancy Lewis (Green) juntam-se a eles para formar o coletivo Grand Union no outono de 1970. .

O aspecto mais marcante do coletivo Grand Union encontra-se no fato de que ele parece aplicar a lógica anarquista não somente às relações entre os/as bailarinos/as, mas ao próprio ato de composição. Assim, enquanto no Judson o anarquismo anti-institucional era concebido principalmente como um antídoto ao rigor das instituições que regiam as relações exteriores à sala de trabalho no discurso e nas relações hierárquicas entre bailarinos/as (quem tem o direito de dançar? o que pode ser considerado como dança? quem é o/a autor/a?), o anarquismo improvisado do Grand Union testa a lógica anarquista em cena. O que ocorre em um grupo quando ninguém pode saber com antecedência o que será feito? Quando nenhum material é preestabelecido, mas somente a história comum permite (de forma desajeitada, inadequada) deduzir o que vai acontecer? São com essas questões (e não com respostas) que o Grand Union trabalha, como mostra esta descrição, presente no programa de uma performance no Oberlin College em janeiro de 1972:

Grand Union surgiu no outono de 1970 para suprir as necessidades individuais e coletivas de um grupo de pessoas ligadas por relações de amizade que remontam, em alguns casos, ao início dos anos 1960 e ao famoso Judson Dance Theater de Nova Iorque, onde elas foram coreógrafas e intérpretes umas para as outras. O trabalho feito ali é colaborativo no sentido que cada um/a pode contribuir com suas ideias. Como somos todos/as formados/as como bailarinos/as, o movimento é importante neste coletivo. No entanto, também temos acessórios e figurinos que, combinados uns com os outros, podem produzir um teatro intenso em imagens. Nossa abordagem, em permanente mutação, tem por consequência que nenhuma performance se parece com outra. Tanto pode parecer que a apresentação é integralmente dedicada ao humor e ao jogo; quanto podemos criar uma atmosfera solene e altamente simbólica. Às vezes, é difícil dizer alguma coisa sobre o trabalho. Deste ponto de vista, Grand Union se apoia mais sobre os processos, o envolvimento pessoal e as transições do que sobre uma visão específica da arte ou do teatro (Grand Union, 1972GRAND UNION. Performances at Oberlin College: January 1972. New York: New York Public Library for Performing Arts Archives, 1972. (MGZ MD 132 box 1 folder 1)., s. p.)58 25 Na versão em inglês: “The Grand Union came into being in the fall of 1970 to fulfill the individual and collective needs of a group of people who had been variously associated as friends, choreographers, and performers for as many as ten years, dating from the beginning of the famous Judson Dance Theater in New York City. The work they do is collaborative in that ideas can be contributed by anyone. Since all of the performers are trained dancers, the emphasis is on movement. However there are props and constumes used which; when combined in various ways, can produce an intensely imagistic theater. An ongoing, constantly changing approach to work results in no two performances being alike. Sometimes the evening seems to be about fun and games; sometimes it is solmen and highly symbolic. Sometimes it is hard to characterize. In this respect, the Grand Union seems to be more about process and involvement and transition than about any fixed view of art and theater”. .

Em um artigo publicado no mesmo ano (o primeiro escrito por ele e o primeiro escrito por um dos membros do coletivo), Steve Paxton define o Grand Union como um “coletivo teatral anarco-democrático” (Paxton, 2017PAXTON, Steve. ‘D’un pied sur l’autre (1972-1975)’. Édité et traduit par Romain Bigé. Recherches en danse, Traductions, mis en ligne le 16 juin 2017. Disponible sur: <Disponible sur: https://journals.openedition.org/danse/1235 >. Consulté le 23 octobre 2019.
https://journals.openedition.org/danse/1...
[1972])59 26 Nota do tradutor: na versão em francês “collectif théâtral anarcho-démocratique”. . Essa expressão ambígua indica aquilo que já apontamos sobre a relação de Paxton com a anarquia, nuançada de democracia. Falar de anarco-democracia significa sugerir que a anarquia não deve ser vista como um objetivo absoluto, na medida que a ausência de poder ou a ausência de comando não são, segundo ele, nem desejáveis, nem realizáveis, mas como um desafio lançado à democracia liberal indireta: o anarquismo põe à prova esse sistema; e ele tem a função de revelar os jogos de poder escondidos por seu funcionamento habitual. Ao menos, é isso que aparece na continuação do artigo.

Segundo Paxton, o Grand Union parece ter se tornado um coletivo de improvisação por acidente, por assim dizer: de tanto rejeitar as formas que teriam sido propostas por qualquer um dos coreógrafos, todos acabam aceitando que os gestos, as formas e as ações poderiam ser produzidas ex tempore. Mas, de acordo com Steve Paxton (2017 [1972PAXTON, Steve. The Grand Union. The Drama Review: TDR, Cambridge, Massachusetts, v. 16, n. 3, p. 128-134, 1972.]),

O caminho não era claro para todos os membros. Somos condicionados ao escravagismo voluntário. Em uma democracia, os ditadores devem exigir que os outros sejam escravos; uma sorte para os ditadores, pois o modo de vida americano produz escravos que não são conscientes do mecanismo desta produção60 27 Nota do tradutor: na versão em francês “Le chemin n’était pas clair pour tous les membres. Nous sommes conditionnés pour l’esclavage volontaire. Dans une démocratie, les dictateurs doivent exiger des autres qu’ils soient esclaves; une chance pour les dictateurs, le mode de vie américain produit des esclaves qui ne sont pas conscients du mécanisme de cette production”. .

Assim, Paxton concebe os espetáculos do Grand Union como laboratórios sociopolíticos cujo objetivo é produzir “[...] formas de liberdade individual no grupo e estimular novos modos de consciência” (Paxton, 2017 [1972])61 28 Nota do tradutor: na versão em francês “[...] des formes de liberté individuelle au sein du groupe et de stimuler de nouveaux modes de conscience” .

Evidentemente, esses laboratórios são momentâneos, mas essa momentaneidade faz parte de sua essência anarquista. Como as Zonas Autônomas Temporárias (TAZ) teorizadas por Hakim Bey, eles são eventos (ou levantes) anarquistas e não utopias que teriam por função inventar estruturas ou estados ideais: existem como insurgências ou resistências; sua temporalidade é a de um punctum intenso e não a da perenidade. Essa é a razão pela qual Bey relacionava a insurreição anarquista à festa:

A TAZ enquanto festival. Stephen Pearl Andrews propôs o jantar como imagem da sociedade anarquista, no qual todas as estruturas de autoridade se dissolvem no convívio e na celebração. Aqui, também poderíamos mencionar Fourier e seu conceito dos sentidos como base da socialização - a ‘rotina tátil’ e a ‘gastrosofia’ - bem como sua ode às implicações negligenciadas do paladar e do olfato (Bey, 2007BEY, Hakim. TAZ. Zone Autonome Temporaire. Paris: Éditions de l’Éclat, 2007. [1991], p. 21)62 29 Nota do tradutor: na versão em francês “La TAZ en tant que festival. Stephen Pearl Andrews proposa, comme image de la société anarchiste, le dîner, où toute structure d’autorité se dissout dans la convivialité et la célébration. Ici nous pourrions également évoquer le concept des sens comme base du devenir social de Fourier – le ‘tactrut’ et la ‘gastrosophie’ – ainsi que son ode aux implications négligées du goût et de l’odorat”. .

Da mesma forma, mas na escala reduzida e momentânea de uma experiência cênica, as improvisações do Grand Union constituem suspensões festivas baseadas no inesperado e no encontro: “nenhuma performance se parece com outra”, escreve Steve Paxton no flyer do Grand Union mencionado anteriormente; de uma noite à outra, a apresentação pode ser um acontecimento alegre ou uma cerimônia solene. Como festas, as performances do Grand Union também são momentos de intensidades sensoriais:

Neste tipo de trabalho, os olhos aprendem a avaliar de maneira mais aguda, a pele torna-se hipersensível às qualidades do toque, especialmente os braços; [...] a confiança é colocada à prova dos nervos, levada ao seu limite. Compreender onde a atenção do outro está focalizada torna-se fácil: instintivo. Também é crucial para a segurança e a comunicação (Paxton, 2017PAXTON, Steve. ‘D’un pied sur l’autre (1972-1975)’. Édité et traduit par Romain Bigé. Recherches en danse, Traductions, mis en ligne le 16 juin 2017. Disponible sur: <Disponible sur: https://journals.openedition.org/danse/1235 >. Consulté le 23 octobre 2019.
https://journals.openedition.org/danse/1...
[1972])63 30 Nota do tradutor: na versão em francês “Dans un travail de ce type, les yeux apprennent à juger avec plus d’acuité, la peau devient hypersensible aux qualités du toucher, en particulier les bras; […] la confiance est mise à l’épreuve des nerfs, poussée à sa limite. Comprendre où l’attention de l’autre est focalisée devient facile: c’est instinctif. Et c’est aussi crucial pour la sécurité et pour la communication”. .

Uma das garantias desse estado experimental, emergentista ou momentaneista, é a ausência de uma estética prévia (Paxton fala de uma “estética em estado bruto”64 31 Nota do tradutor: na versão em francês “esthétique à l’état brut”. ), o que permite evitar que os/as bailarinos/as ajam em função de uma ideia preconcebida do que é belo ou bom: sem deus, sem mestre, sem coreógrafo/a, sem estética. Assim, mais do que uma família de coreógrafos/as, Grand Union forma um bando no sentido quase primitivista do termo, analisado, novamente por Hakim Bey:

A família, ele diz, é fechada pela genética, pela posse masculina sobre a mulher e as crianças, pela totalidade hierárquica da sociedade agrária/industrial. O bando é aberto - não a todos, é claro, mas por afinidades eletivas, aos iniciados ligados pelo pacto de amor. O bando não pertence a uma hierarquia maior, mas faz parte de uma estrutura horizontal de costumes, de parentescos, de alianças e de contratos, de afinidades espirituais etc. (Bey, 2007BEY, Hakim. TAZ. Zone Autonome Temporaire. Paris: Éditions de l’Éclat, 2007. [1994], p. 19)65 32 Nota do tradutor: na versão em francês “La famille, dit-il, est fermée par la génétique, par la possession par l’homme de la femme et des enfants, par la totalité hiérarchique de la société agraire/industrielle. La bande est ouverte – certes pas à tous mais, par affinités électives, aux initiés liés par le pacte d’amour. La bande n’appartient pas à une hiérarchie plus grande, mais fait plutôt partie d’une structure horizontale de coutumes, de famille élargie, d’alliance et de contrat, d’affinités spirituelles, etc”. .

O anarco-primitivismo de Bey entra em ressonância com a retórica de Paxton sobre o Grand Union, que fala do “entrelaçamento das vidas” (Paxton, 2017PAXTON, Steve. ‘D’un pied sur l’autre (1972-1975)’. Édité et traduit par Romain Bigé. Recherches en danse, Traductions, mis en ligne le 16 juin 2017. Disponible sur: <Disponible sur: https://journals.openedition.org/danse/1235 >. Consulté le 23 octobre 2019.
https://journals.openedition.org/danse/1...
[1972])66 33 Nota do tradutor: na versão em francês “l’enchevêtrement des vies”. como base para uma reserva de inventividade e confiança coletiva:

Os membros [de Grand Union] fazem idas e voltas em estruturas elásticas, jogando frequentemente tanto sobre os níveis de compreensão mútua quanto sobre a forma original. Esta compreensão dos estados físicos e mentais dos outros é o resultado de inúmeros anos de ensaios, festas e longas noites passadas conversando sobre cada apresentação (Paxton, 2017PAXTON, Steve. ‘D’un pied sur l’autre (1972-1975)’. Édité et traduit par Romain Bigé. Recherches en danse, Traductions, mis en ligne le 16 juin 2017. Disponible sur: <Disponible sur: https://journals.openedition.org/danse/1235 >. Consulté le 23 octobre 2019.
https://journals.openedition.org/danse/1...
[1972])67 34 Nota do tradutor: na versão em francês “Les membres [de Grand Union] s’échappent et reviennent dans des structures élastiques, jouant souvent autant sur les niveaux de compréhension mutuelle que sur la forme originelle. Cette compréhension des états physiques et mentaux des autres est le résultat d’innombrables années de répétitions, de fêtes communes et de longues nuits passées à faire des retours sur chaque représentation”. .

Paxton conclui que, assim, “[...] a improvisação [pareceu ser] a forma na qual todos podiam participar de maneira igual, sem recorrer a hierarquias arbitrárias dentro do grupo” (Paxton, 2017 [1972])68 35 Nota do tradutor: na versão em francês “[...] l’improvisation [a paru] la forme dans laquelle tous pouvaient participer de manière égale, sans recourir à des hiérarchies sociales arbitraires à l’intérieur du groupe”. .

Desse modo, podemos ver neste artigo e por meio das aventuras do Grand Union, que se declara uma correlação entre anarquia e improvisação: a improvisação, como esforço para conservar uma forma “permissiva, intercambiável, elástica, imprecisa” (Paxton, 2017PAXTON, Steve. ‘D’un pied sur l’autre (1972-1975)’. Édité et traduit par Romain Bigé. Recherches en danse, Traductions, mis en ligne le 16 juin 2017. Disponible sur: <Disponible sur: https://journals.openedition.org/danse/1235 >. Consulté le 23 octobre 2019.
https://journals.openedition.org/danse/1...
[1972])69 36 Nota do tradutor: na versão em francês “permissive, interchangeable, élastique, imprécise”. e o que isso supõe em termos de sensibilidade aos outros, de confiança no coletivo, de curiosidade pelas pequenas diferenças, de fato, responde bastante bem às exigências anarquistas de relações interpessoais emergentes, ao invés de relações baseadas em critérios pré-existentes (Graeber, 2006GRAEBER, David. Pour une anthropologie anarchiste. Montréal: Lux éd., 2006. , p. 13). Nesse sentido, o anarquismo improvisado que Steve Paxton percebe no Grand Union corresponde grandemente ao conceito momentaneista do poder e das hierarquias, defendido por muitos anarquistas: o poder, as hierarquias, as relações pré-estabelecidas não podem ser banidos, mas podem, ao menos, ser suspensos, tornados plásticos e móveis através de uma sensibilização aos acontecimentos que nos reúnem.

§3 O anarquismo mutualista do Contact Improvisation

É para o duo que Steve Paxton pretende deslocar essa lógica emergentista descoberta nas improvisações do Grand Union e nas relações composicionais que se tecem entre os/as coreógrafos/as durante as longas performances de cinco horas: assim nasce o Contact Improvisation. Em um artigo de 1975PAXTON, Steve. Contact Improvisation . The Drama Review: TDR , Cambridge, Massachusetts, v. 19, n. 1, p. 40-42, 1975. , ele afirma claramente essa continuidade:

O trabalho [iniciado no Grand Union] continua. E ainda se trata, retomando a expressão de Jill Johnston ‘de homens e de mulheres ordinários’, mesmo se [...] atualmente, os incidentes individuais ocorram no contexto de um sistema de duplas que foi denominado Contact Improvisation (Paxton, 2017PAXTON, Steve. ‘D’un pied sur l’autre (1972-1975)’. Édité et traduit par Romain Bigé. Recherches en danse, Traductions, mis en ligne le 16 juin 2017. Disponible sur: <Disponible sur: https://journals.openedition.org/danse/1235 >. Consulté le 23 octobre 2019.
https://journals.openedition.org/danse/1...
[1975])70 37 Nota do tradutor: na versão em francês “Le travail [initié dans Grand Union] continue. Et c’est toujours, pour reprendre les termes de Jill Johnston, ‘d’hommes et de femmes ordinaires’ qu’il est question, même si […] à présent, les accidents individuels arrivent dans le contexte d’un système de duo qui a été nommé Contact Improvisation”. .

Contact Improvisations é, primeiramente, o título de uma série de cinco performances de cinco horas cada, realizadas em junho de 1972 em uma galeria de arte de Nova Iorque71 38 A estreia da peça Contact Improvisations ocorre na galeria John Weber em Nova Iorque, do 1° ao 5 de junho de 1972, cinco horas por dia, das 13 às 18 horas. A prática foi apresentada em uma sala em cuja parede do fundo são projetados Dr Chicago e Cry Dr Chicago, de George Manupelli, dois filmes experimentais nos quais Steve Paxton interpreta um personagem pequeno de um toxicômano. Os/as participantes da performance na John Weber Gallery são um grupo formado por antigos/as estudantes e colegas reencontrados por Steve Paxton durante os anos 1960 e 1970: Tim Butler, Laura Chapman, Barbara Dilley, Leon Felder, Mary Fulkerson, Tom Hast, Daniel Lepkoff, Nita Little, Alice Lusterman, Mark Peterson, Curt Siddall, Emily Siege, Nancy Stark Smith, Nancy Topf e David Woodberry. . Em meio século, essas cinco performances nas quais “[cerca de vinte] bailarinos e bailarinas saltavam uns sobre os outros, testavam colisões, toques e portés diante de visitantes admirados/as transformou-se em uma forma de dança experimental ensinada em quase todo o mundo. [...] De fora, o Contact Improvisation lembra tanto uma briga de cães, quanto pessoas que fazem amor, que fazem uma sesta, ou mesmo movimentos acrobáticos” (Bigé, 2018BIGÉ, Romain. Gestes du Contact Improvisation. Rennes: Musée de la danse, 2018., p. 5)72 39 Nota do tradutor: na versão em francês “[une vingtaine de] danseurs et danseuses se sautaient les un·e·s sur les autres, testaient collisions, touchés et portés devant des visiteur·euse·s interloqué·e·s [se sont transformées] en une forme de danse expérimentale transmise un peu partout dans le monde. […] De l’extérieur, le Contact Improvisation ressemble tantôt à des chiens qui se chamaillent, tantôt à des gens qui font l’amour, tantôt à des gens qui font la sieste, tantôt à de la voltige”. . Assim, em 1973, Steve Paxton escreve: “Nos Estados Unidos, surgiu recentemente uma forma de dança que considera cada bailarino/a como uma superfície sobre a qual dançar, como um chão. Batizada CONTACT IMPROVISATION, esta forma se assemelha à luta, à dança swing, ao sexo, a uma cambalhota e ao malabarismo” (Paxton, 2017 [1977PAXTON, Steve. Solo dancing. Contact Quarterly , Northampton, v. 2, n. 3, Spring 1977.])73 40 Nota do tradutor: na versão em francês “Aux États-Unis, une forme de danse a récemment émergé qui considère chaque danseur·euse comme une surface sur laquelle jouer, un sol. Baptisée CONTACT IMPROVISATION, cette forme ressemble à la lutte, au jitterbug, à la baise, à un rouler-bouler et à la jongle”. . É, portanto, uma prática em que os dançarinos experimentam o toque e o peso em relação um ao outro. É o que levava Karen Nelson a dizer que os/as praticantes de Contact são revolucionários do toque:

As pessoas que praticam o Contact são como revolucionários. Nós treinamos a arte do tocar o chão e de nos unir às forças da Terra. Nós sentimos nossos corpos. Nós tocamos os outros. Nós movimentamos nossas massas, alimentamos os despossuídos do toque, os esfomeados de confiança, os viciados no momento presente, aqueles que confundem amor, sexo e toque. Nós aprendemos a receber um toque que alimenta. Nós aprendemos a permitir que nossos corpos recebam apoio, talvez pela primeira vez desde a infância. Nós aprendemos a dar o centro de nosso peso a outra pessoa. Nós decidimos nos abrir à curiosidade, à sensualidade, à emoção e à fisicalidade. Os tecidos do corpo se amolecem e relaxam. Defendemo-nos menos. Nós nos abrimos (Nelson, 1999NELSON, Karen. ‘La révolution par le toucher. Donner la danse’. Contact Improvisation . Bruxelles: Nouvelles de danse , #38-39, 1999., p. 123)74 41 Nota do tradutor: na versão em francês “Les personnes pratiquant le Contact sont des révolutionnaires. Nous nous entraînons dans l’art du toucher le sol et de nous unifier avec les forces de la Terre. Nous sentons nos corps. Nous touchons les autres. Nous bougeons nos masses, nous nourrissons les dépossédés de toucher, les affamés de confiance, les accros au moment présent, ceux qui font la confusion entre l’amour, le sexe et le toucher. Nous apprenons à recevoir un toucher qui nourrit. Nous apprenons à permettre à nos corps d’être supportés, peut-être pour la première fois depuis l’enfance. Nous apprenons à donner le centre de notre poids à une autre personne. Nous décidons de nous ouvrir par la curiosité, la sensualité, l’émotion et la physicalité. Les tissus du corps se ramollissent et se relâchent. Les défenses se font moindres. Nous nous ouvrons”. .

Como percebemos, o Contact Improvisation não deixa de fazer eco a toda a nova cultura das artes do movimento que se desenvolve nos anos 1960 e 1970: desde a revolução sexual até os esportes com pranchas, como o surf ou o skate, à importação ocidental da yoga e das artes marciais (Novack, 1990NOVACK, Cynthia J. Sharing the Dance. Contact Improvisation and American Movement Culture. Madison: Univ of Wisconsin Press, 1990.). Ele coloca seus/suas praticantes em situações frequentemente inexploradas pelas sociedades pós-industriais: situações de intimidade tátil, de portés e de quedas, nas quais a colaboração entre os parceiros, às vezes, é essencial à sobrevivência.

Na virada de 1975, foi levantada a questão de saber se os/as fundadores/as do Contact Improvisation deveriam exigir direitos autorais sobre essa forma coreográfica. Alguns procedimentos foram feitos nesse sentido, alguns papéis foram assinados, mas os signatários não levaram o processo legal até o fim (Stark Smith, 1998STARK SMITH, Nancy. A Question of Copyright. Some History, 1975. Contact Quarterly , Northampton, v. 23, n. 1, Winter/Spring 1998.). Como declara Nancy Stark Smith, não foi por generosidade, nem como o intuito de “abandonar o Contact Improvisation para o povo” (Stark Smith; Paxton, 2018PAXTON, Steve. Gravity. La gravité. Traduit par Denise Luccionni. Bruxelles: Contredanse, 2018., p. 36)75 42 O diálogo de onde foi tirada essa expressão, intitulado Politics of mutuality, é bastante revelador da atitude indulgente dos/as fundadores/as em relação à autoridade: “Steve Paxton: Você me disse que gostaria que desconstruíssemos juntos o mito segundo o qual teríamos ‘abandonado o Contact Improvisation para o povo’... Nancy Stark Smith: Que você teria dado para as pessoas. SP: Sim, mas, parece que nós todos/as juntos/as demos para as pessoas. Mas o que, exatamente, você quer dizer? NSS: Eu quero desconstruir a ideia que, ao não ter registrado o copyright do Contact Improvisation, você teria intencionalmente pensado ‘Vamos deixá-lo para as pessoas’. Eu tenho a impressão que era apenas porque você não estava interessado pelo copyright e o que ele implicava: controlar e regular, e que você simplesmente não tinha vontade de se aborrecer com este tipo de coisas. SP: É verdade, mas por que as duas coisas não poderiam ser verdade ao mesmo tempo? Por que seria necessário desconstruir uma versão e promover outra?” (Stark Smith; Paxton, 2018, p. 36). Na versão em inglês: “Steve Paxton: You were talking about debunking the myth — the so-called myth — that we gave it to the people… Nancy Stark Smith: That you gave it to the people. SP: […] Well, we all gave it to the people. What exactly are you debunking? NSS: I’m debunking the idea that in not going forward with the copyrighting of Contact Improvisation you were intentionally thinking, ‘No, I want to give this to the people’. My sense was that it was more a function of just not being interested in going the route of copyrighting and then having to check people and regulate it, and that you just didn’t want to be bothered with that stuff. SP: Totally, but can’t you see that both can be true at once? Why debunk one and promote the other?”. ; foi, simplesmente, porque nenhum deles, Steve Paxton, Lisa Nelson, Nancy Stark Smith ou Daniel Lepkoff, imaginava “se tornar os policiais do Contact Improvisation no mundo” (Stark Smith, 2006, p. 50)76 43 Na versão em inglês: “to become the ‘contact cops’ of the world”. . Assim, eles nunca se tornaram proprietários da marca: cada pessoa pode pegar essa forma e a ensinar, retrabalhar e reinventar livremente77 44 Assim, muitas pessoas não hesitam em ensinar o Contact Improvisation após apenas alguns anos de prática (foi o caso dos/as fundadores/as...). Ao longo dos seis últimos anos, em que dividi espaços de prática americanos e europeus, pude observar que, geralmente, os/as professores/as começam a transmissão do Contact Improvisation primeiro entre eles/as, pelo desejo de constituir um grupo de parceiros locais; é raro que comecem a dar aulas para aumentar a renda. Sobre esse assunto, ver Stark Smith (2006), que compara o Contact Improvisation ao poker: como não se pode jogar sozinho/a, é preciso ensinar a outras pessoas para poder praticar. Certamente, isso não impede alguns indivíduos de fazer uma carreira ou produzir uma renda ensinando ou organizando eventos de Contact Improvisation, e de fazê-lo de acordo com lógicas econômicas bastante semelhantes a das empresas capitalistas (Felber, 2014), mas essa tendência não parece ser dominante. .

Mas essa atitude liberal ou libertária, esse anarquismo anti-institucional contra a forma (ninguém, e todo mundo, é seu detentor ou responsável), não são buscados somente em nível sociopolítico: eles são ativos na própria prática.

Em um texto de 1975, Steve Paxton menciona a tendência, em um duo, de definir os papéis ativo/passivo: rapidamente, mesmo entre desconhecidos, alguns hábitos se instalam e criam polaridades que tendem a durar mais do que o necessário.

Todas estas formas surgem de forma natural, mas eu nunca procurei ensiná-las, a não ser para mostrar o que ganhamos quando não as estabelecemos como papéis fixos pré-definidos no aspecto social e relacional da improvisação, e para mostrar quais formas se revelam como um beco sem saída. Os iniciantes tendem a cair em uma forma e manter-se nela por vários segundos. Ninguém é obrigado a ser ativo ou passivo durante muito tempo, e é bom ter a inteligência e a liberdade de escolher qual é a postura mais apropriada para a improvisação que está sendo feita. Assim, a dupla ultrapassa o nível das respostas socioglandulares para atingir um nível suprassocial (Paxton, 2017PAXTON, Steve. ‘D’un pied sur l’autre (1972-1975)’. Édité et traduit par Romain Bigé. Recherches en danse, Traductions, mis en ligne le 16 juin 2017. Disponible sur: <Disponible sur: https://journals.openedition.org/danse/1235 >. Consulté le 23 octobre 2019.
https://journals.openedition.org/danse/1...
[1975])78 45 Nota do tradutor: na versão em francês “Toutes ces formes émergent naturellement, mais je n’ai jamais vraiment cherché à les enseigner, sinon pour souligner ce que l’on gagne à ne pas se les fixer comme rôles prédéfinis dans l’aspect social et relationnel de l’improvisation, et pour indiquer quelles formes s’avèrent sans issue. Les débutants ont tendance à tomber dans une forme et à s’y cantonner plusieurs secondes durant. Personne n’est forcé d’être actif ou passif pendant longtemps, et il est désirable d’avoir l’intelligence et la liberté de choisir quel mode est approprié à l’improvisation qui est en train d’avoir lieu. Le couple dépasse alors le niveau des réponses socio-glandulaires pour atteindre un niveau supra-social”. .

O objetivo é facilmente compreendido: treinar-se em Contact Improvisation, significa treinar a reduzir a tendência “socioglandular” de formalizar e institucionalizar os papéis desempenhados, mesmo entre os parceiros de um duo curto. Não se trata de dissolver os papéis: eles “surgem de forma natural”. Trata-se simplesmente de ensinar a si mesmo certa plasticidade em relação a eles: “ninguém é obrigado a ser ativo ou passivo durante muito tempo”. Encontramos novamente, aqui, o anarquismo improvisado que já havíamos percebido no trabalho do Grand Union: os papéis, os poderes, as tendências não devem ser negados, mas é preciso treinar-se para fluidificá-los.

No entanto, com o Contact Improvisation, podemos dar mais um passo na direção de uma nova determinação do anarquismo, sob uma forma que gostaríamos de definir como anarquismo mutualista do Contact Improvisation.

O termo mutualismo é particularmente presente nos primeiros escritos de Steve Paxton. Assim, em um dos primeiros textos que escreve para apresentar o Contact Improvisation, ele o descreve com a busca de uma “escuta mútua” (Paxton, 2017 [1973])79 46 Nota do tradutor: na versão em francês “entente mutuelle”. . De fato, um duo de Contact Improvisation propõe que cada parceiro possa “dar ou receber o peso do outro em qualquer momento”, o que exige, diz Paxton, “um estado de ser ou estado de espírito que dê base a uma liberdade e uma ajuda mútuas (mutual freedom with mutual reliance)”80 47 Nota do tradutor: na versão em francês “donner ou recevoir le poids de l’autre à tout instant” e “un état d’être ou d’esprit qui soutienne une liberté mutuelle mêlée d’entraide”. (Paxton, 2017 [1973])81 48 De forma parecida, uma das fundadoras do Contact Improvisation, Mary Fulkerson, fala sobre o Contact Improvisation como de um “anarquismo responsável”: “Lembro do Contact hoje, após 27 anos de desenvolvimento de imagens mente-corpo na coreografia. Eu estava interessada na criação de formas participativas, caóticas, com estruturas semelhantes à da vida, que autorizavam uma renovação e uma mudança contínuas, mas que também envolviam linhas de previsibilidade. Ao longo dos seis últimos anos do meu trabalho, desenvolvi o conceito de ‘anarquia responsável’ para dominar e guiar esta pesquisa” (Fulkerson, 1999 [1996], p. 197). Nota do tradutor: na versão em francês “anarchisme responsable” e “Je me souviens du Contact aujourd’hui, après 27 ans de déve loppement d’images esprit-corps dans la chorégraphie. J’étais inté ressée par la création de formes participatives, chaotiques, aux structures ressemblant à la vie, qui autorisaient un renouvellement et un changement continus, mais qui impliquaient aussi des lignes de prédictibilité. À travers les six dernières années de mon travail, j’ai développé le concept d’‘anarchie responsable’ pour maîtriser et guider cette recherche”. .

Essa referência ao mutualismo, como observa habilmente Hannah Yohalem (Yohalem, 2018YOHALEM, Hannah. Displacing Vision: Contact Improvisation , Anarchy, and Empathy. Dance Research Journal , Cambridge, v. 50, n. 2, p. 45-61, 2018.), está, sem dúvida, relacionada aos trabalhos pioneiros do biologista e geógrafo anarquista Piotr Kropotkin (1906) sobre a ajuda mútua, que haviam acabado der ser reeditados nos Estados Unidos em 1955 sob o título Mutual Aid - e cujas memórias haviam sido publicadas em 1968 com um prefácio do pintor Barnett Newman, comentando sobre a potência delas como “fermento revolucionário” e solicitando a abraçar as ideias mutualistas como um apoio à “criatividade” e à vida coletiva (Newman, 1990NEWMAN, Barnett. ‘The True Revolution is Anarchist!’: Forword to Memoirs of a Revolutionist by Peter Kropotkin. [1968]. In: NEWMAN, Barnett. Selected Writings and Interviews. Edited by John P. O’Neill. Berkeley: University of California Press, 1990. [1968], p. 45 apud Yohalem, 2018, p. 50)82 49 Na versão em inglês: “revolutionary ferment” e “creative way”. . De fato, Paxton refere-se hoje à obra A Ajuda mútua como uma fonte teórica importante para compreender o Contact Improvisation (Felber, 2014FELBER, Christian. ‘Contact vs. Capitalism’. At the Contactfestival Freiburg, curated by Daniela Schwartz with responses by Adrian Russi, Eckhard Müller, Sara Shelton Mann, Steve Paxton, Daniel Lepkoff, Nita Little, and Nancy Stark Smith. Contact Quarterly, Northampton, CQ Unbound, 2014. Disponible sur: <Disponible sur: https://contactquarterly.com/cq/unbound/view/contact-vs-capitalism#$ >. Consulté le: 15 mars 2018.
https://contactquarterly.com/cq/unbound/...
). Ele resume seus aprendizados da seguinte forma:

Quando a teoria de Darwin começou a ser desfigurada tornando-se o darwinismo social, o príncipe Kropotkin começava sua pesquisa sobre a cooperação e mesmo, sobre os comportamentos sacrificiais interespécies. É interessante notar que o darwinismo social ganhou tantos seguidores, enquanto a obra de Kropotkin foi negligenciada. A natureza, com sua ‘fúria selvagem’, parece ter dominado nossos imaginários. É claro que não pensamos aqui somente na guerra, mas é preciso pensar também nas economias capitalistas. Na verdade, todos os aspectos da mentalidade ‘anti-’ fazem parte disso: o racismo, o sexismo, o nacionalismo, o radicalismo religioso - ideologias que definem a vida como uma competição. Não é uma paisagem agradável, mas, de qualquer forma, é uma paisagem que não podemos ignorar completamente (Paxton, 2015PAXTON, Steve. ‘Re: Pre and trans-individual’. Lettre du 11 juillet 2015. (Archives personnelles de Romain Bigé)., s. p.)83 50 Na versão em inglês: “As Darwin’s Theory began its disfiguring mutation into Social Darwinism, Prince Kropotkin began his investigation of cooperation and even sacrifice within species. It is instructive to note that Social Darwinism became popular, and Kropotkin's work has been neglected. Nature, ‘red in tooth and claw’, captured our imaginations. And of course, not only war, but capitalistic economies spring to mind. Indeed, every aspect of mind sets employing the terms ‘versus’ is implicated, such as racism, sexism, nationalism, religionism, any set which understands life as competition. Not a pretty picture. Yet evidently one we need to contemplate”. .

Podemos comentar essas observações. A Ajuda mútua é, como nota Paxton, uma apologia sobre levar em consideração um fator esquecido pela evolução: a cooperação. A ideia é que, paralelamente à competição inter- e intraespécies, outra força está em ação: a capacidades dos seres vivos de viver em simbiose uns com os outros. A integração dos seres vivos, individualmente ou por espécies, em ecossistemas maiores, suas capacidades a apoiar esses ecossistemas de forma durável, exercem uma pressão seletiva pelo menos tão forte quanto a competição por vantagens egoístas ou especistas. Darwin já insistia, contra todos os partidários do darwinismo social, a “sobrevivência dos/as mais adaptados/as” (Spencer 1864SPENCER, Herbert. The Principles of Biology. London: William and Norgate, 1864., p. 444)84 51 Na versão em inglês: “This survival of the fittest”. não significa a sobrevivência dos/as mais fortes: ser mais adaptado/a também pode querer dizer ser mais fraco/a, mais discreto/a etc. Mas Kropotkin mostra que é preciso ir mais longe: não somente ser adaptado/a não significa necessariamente ser o/a mais forte ou o/a mais agressivo/a, mas, ainda mais, ser adaptado/a significa com frequência ser o/a mais social e o/a mais solidário/a, ou seja, o mais apto a apoiar a vida dos outros coviventes. Vincianne Despret (2015DESPRET, Vinciane. Naissance d’une Théorie Éthologique. La danse du cratérope écaillé. Paris : Empêcheurs de penser rond, 2015. ) mostrou porque, durante o século XX, essa hipótese não foi objeto de pesquisas aprofundadas, exceto de forma marginal na biologia: ela não se encaixa na imagem da natureza humana apresentada pelo capitalismo global integrado, como sendo uma natureza egoísta e competitiva - que deve ser liberada pelo bem de todos (opção das políticas de direita) ou refreada para proteger os mais fracos (opção das políticas de esquerda)85 52 Nos últimos 20 anos, vários trabalhos em biologia, etologia e ecologia tendem a confirmar o que Kropotkin havia suposto: que a cooperação é um fator da evolução no mínimo tão determinante quanto a competição (cf. Gould, 1988; Servigne; Chapelle, 2017). .

Como é indicado pela citação precedente, Paxton não idealiza a situação cooperativa: ela é apenas uma das maneiras pelas quais a vida se expressa, que podemos nos esforçar (como artistas, como cidadãos) para renomear. É o que é indicado na sequência de nosso texto de 2015:

O Contact Improvisation não foge das estruturas sociais [da sociedade capitalista]. Haha. Mas ele poderia ser uma alavanca que nos permite modificar nossa compreensão preconcebida do social. Pois ele é uma atividade que se define a partir de outros tipos de movimentos: os que observamos entre os pais e seus bebês, por exemplo, movimentos de apoio, movimentos reflexos, movimentos mútuos e que dão base ao desenvolvimento. Nesse sentido, os movimentos que encontramos no Contact Improvisation têm relação com a vida, ou ao menos com estes momentos nos quais a vida surge, e talvez, a partir deles possamos questionar a razão pela qual a vida toma, inversamente, ares de individuação, de separação, de competição, de agressão e, até, de guerra e suas atrocidades (Paxton, 2015PAXTON, Steve. ‘Re: Pre and trans-individual’. Lettre du 11 juillet 2015. (Archives personnelles de Romain Bigé)., s. p.)86 53 Na versão em inglês: “CI falls between the social constructs. Haha. It may be a lever which lets us shift the social understanding we receive. It is an activity couched in the terms defined in movements between a parent and infant, ie supportive, reflexive, mutual, developmental. In this way, it is fundamentally life-like, at least in the basic moments of emerging life, and maybe we can question why life continues development into individuation, separation, competition, aggression, and so forth into war and atrocity”. .

Visivelmente, as esperanças nutridas por Paxton em relação ao Contact Improvisation não são poucas. Ao mesmo tempo, elas são baseadas em certo realismo ou, digamos, em certo “naturalismo”, como observou Bojana Cvejić (Cvejić, 2019CVEJIC, Bojana. ‘A Physical Quest For Natural Rights’. In: BIGÉ, Romain (Ed.). Steve Paxton: Drafting Interior Techniques. Lisbon: Culturgest, 2019., p. 62): de fato, para Paxton, trata-se de naturalizar os movimentos, ou seja, de invocar, no âmbito social, movimentos que seriam de outra ordem, mais natural, ou natural de “outra forma”. Pois esta é a questão: fazer surgir em si e com o outro uma ideia da natureza diferente daquela apresentada normalmente pela mitologia da competição. Não se trata de negar a existência desta última, mas de propor outra imagem e outra prática cotidiana, nas quais o que estaria em jogo não é a luta contra adversários, mas a colaboração para uma forma comum. Paxton evoca isso de maneira bastante clara em um trecho de um diálogo com Yvonne Rainer:

O que me interessa no [...] Contact Improvisation, é que ele é um jogo no qual seu adversário não é outro além de você mesmo, e no qual você precisa estar a dois para ganhar. Isso se opõe a todas as situações nas quais o seu adversário é o outro, e onde apenas um de vocês pode ganhar (Rainer; Paxton, 1997RAINER, Yvonne; PAXTON, Steve. Conversation Between Yvonne Rainer and Steve Paxton / Conversation entre Yvonne Rainer et Steve Paxton. In: BENOIT, Agnes (Ed.). On the Edge: Dialogues on Dance Improvisation in Performance. Bruxelles: Contredanse , 1997., p. 21)87 54 Nota do tradutor: na versão em francês “Ce qui m’intéresse dans […] le Contact Improvisation, c’est qu’il s’agit d’un jeu où ton adversaire n’est autre que toi-même, et où tu as besoin d’être deux pour gagner. Cela s’oppose à toutes les situations où ton opposant, c’est l’autre, et où seul l’un de vous deux peut gagner”. .

Como se organiza um jogo no qual o adversário é você mesmo e no qual só se pode ganhar a dois? De que forma singular o Contact Improvisation inventa estratégias para deixar seus participantes disponíveis, no “estado de ser ou estado de espírito” que favorece uma “liberdade e uma ajuda mútuas”?

Digamos que um início de resposta a essas questões poderia ser dado pela maneira como o sentido do tato é trabalhado no Contact Improvisation. O toque é, de fato, um dos gestos centrais colocados em jogo pelo Contact Improvisation, no qual os parceiros estão constantemente em um estado de peso a peso, pele a pele, músculo a músculo, osso a osso. Mas, no interior desse contato, trabalha-se uma sensibilidade mutualista que poderíamos chamar, seguindo Alice Godfroy, de “tato” (Godfroy, 2015GODFROY, Alice. Les dessous du Corps-Objet: une pratique du tact. Corps-Objet-Image, Strasbourg, n. 1, février 2015. )88 55 Nota do tradutor: na versão em francês “tact”. : o tato é uma sensibilidade mutualista pois ele implica estar à escuta tanto da maneira como o outro me afeta quanto da maneira como eu afeto o outro. O tato não é uma forma de polidez, pois não se trata de polir ou de alisar as asperezas da relação. O tato é mais como uma delicadeza: reconhecimento das rugosidades e navegação, negociação, aceitação das diferenças, o tato é um toque atencioso.

É o que podemos observar nesta prática, a “dança dos indicadores” (em inglês: finger oui-ja)89 56 O oui-ja ou ouijie board (conhecido no Brasil como ‘jogo do copo’) é um tabuleiro de necromancia para médiuns iniciantes com a inscrição das letras do alfabeto e das palavras ‘sim’ e ‘não’. Com esse tabuleiro, os/as médiuns posicionam seus dedos indicadores sobre um triângulo e, após invocar um espírito (‘Tem algum espírito aqui?’), assistem ao milagre de sentir o triângulo mover-se para escrever uma mensagem, independentemente da vontade dos participantes. Geralmente, explica-se esse fenômeno como um caso de ilusão ideomotora, na qual o sujeito é levado a produzir movimentos sem ter consciência (cf., por exemplo, James, 1890, cp. 26; Hines, 2003, p. 47). A dança dos indicadores proposta por Nancy Stark Smith baseia-se no mesmo fenômeno: estando à escuta, eu sigo os movimentos de meu/minha parceiro/a, que também está à escuta, a ponto que temos ambos/as a sensação de ser guiados/as, sem que haja nenhum guia. , desenvolvida por Nancy Stark Smith no início dos anos 1970 e retomada por vários/as praticantes de Contact Improvisation. Daremos, aqui, uma versão pessoal:

De pé, frente a frente com outra pessoa, proponho que apontem os indicadores na direção de seu parceiro, de modo que os dois dedos indicadores se encontrem. Fiquem assim um momento: fechem os olhos, saboreiem o ponto de contato, que é ao mesmo tempo como uma janela para o outro e um espelho para você. Uma janela, pois mesmo sem vê-lo, você pode entrar no corpo do outro: sentir não apenas a ponta do seu indicador, mas sua mão, seu pulso, seu braço, seu busto, talvez até mesmo seus pés em contato com o chão. Um espelho, pois a pressão que vocês fazem repercute em todo seu corpo: em sua mão, seu pulso, seu braço, seu busto, e mesmo até seus pés e ao apoio que você tem no chão90 57 Descrevemos aqui uma versão pessoal do exercício finger ouija, adaptado de oficinas feitas com Nancy Stark Smith nos anos 2010, e com outros/as praticantes de Contact Improvisation que o utilizam em suas práticas de transmissão. .

Nesse exercício (que se tornou um clássico do Contact Improvisation), Nancy Stark Smith convida a explorar a reciprocidade do toque: eu me exercito não somente ao ler o outro do outro lado da fronteira de nossas peles, mas também ao compreender o que essa leitura me informa sobre mim mesmo. Assim, o quanto eu me torno disponível ao toque do outro é a medida de quanto eu sou capaz de senti-lo - o toque envolve aqui mais do que uma simples reciprocidade: ele é uma mutualidade de sensações. Não significa apenas que ao te tocar eu também sou tocado por você: mas sobretudo que, para te tocar, eu devo me deixar ser tocado por você, pois é na medida em que você me toca que eu posso te sentir. Ou seja: sentir você é sentir você me tocar, e não apenas sentir você.

Continuando:

Talvez já tenha começado, se não, fique atento ao momento em que vai começar: o ponto de contato logo vai se movimentar no espaço. No início é bastante pequeno, apenas um tremor, mas logo o ponto de contato vai querer navegar. Não é você nem seu parceiro que decidem deste deslocamento. É o ponto de contato que vive sua vida e vocês lhe dão apoio. Você pode imaginar que é um ponto luminoso que se desloca entre você e seu parceiro, e que deixa linhas no espaço. Vocês estão a serviço deste deslocamento: uma terceira entidade está entre você e seu parceiro, um terceiro que movimenta vocês mais do que vocês o fazem mover.

Os movimentos que faço, mesmo que sejam os meus movimentos, não vêm de mim nem do outro, mas de nós dois ou, mais exatamente, do acontecimento que estamos compartilhando.

Como observa Steve Paxton, no Contact Improvisation, essa partilha é sobretudo ponderal:

Quando você tem dois corpos, e um deles coloca seu peso, digamos, sobre o ombro ou sobre as costas do outro, um centro compartilhado de massa surge entre as duas unidades. Os dois corpos tornam-se um só, ao menos no que diz respeito à gravidade (Paxton, 2018PAXTON, Steve. Gravity. La gravité. Traduit par Denise Luccionni. Bruxelles: Contredanse, 2018., p. 69)91 58 Nota do tradutor: na versão em francês “Quand vous avez deux corps, et que l’un d’eux place son poids, imaginons, sur l’épaule ou sur le dos de l’autre, un centre de masse partagé émerge entre les deux unités. Les deux corps deviennent un seul, du moins en relation à la gravité”. .

Aqui, a única decisão voluntária necessária é a da escuta, e de certa aceitação: eu não sou mais o único sujeito/agente dos movimentos que faço. Essa escuta, esse tato, fundamenta o mutualismo anarquista único, que é baseado na constante coadaptação dos/as parceiros/as um/a ao/à outro/a, e que caracteriza o Contact Improvisation.

Assim, o que propõe o Contact Improvisation é um tipo de encontro tátil singular baseado na reciprocidade: um contato no qual eu só posso descobrir, tocar, através do esforço de me deixar afetar, ou mesmo desorientar, por aquele/a que eu toco. É possível perceber como a experiência de um toque não diretivo e não condutivo, de um toque que escuta e que demonstra tato, nos faz questionar o conceito do sujeito agente. Ele nos ensina, ao contrário, a entender, a partir de uma experiência simples e imediata, o quanto somos afetados pelo que fazemos, em que medida um jogo permanente de reciprocidade ocorre entre nossa atividade e nossa passividade.

Essa ideia está na base de inúmeros toques que ganham diferentes nomes de acordo com os/as praticantes de Contact Improvisation: “o toque sem exigências” (Chris Aiken), “a mão que não pede nada” (Kirstie Simson), “a mão vazia” (Charlie Morrissey), “tocar para ser tocado/a” (Matthieu Gaudeau)92 59 Citamos essas expressões a partir de experiências pessoais em oficinas realizadas com esses/as professores/as entre 2013 e 2019. Nota do tradutor: na versão em francês “le toucher qui n’exige pas”, “la main qui ne demande rien”, “la main vide” e “toucher pour être touché·e”. . Todas essas expressões mostram um desejo: não comandar, tocar, mas também ser tocado/a. O Contact Improvisation é como um lembrete que fazemos para nós mesmos: por trás de todos os contatos que experimentamos, é possível descobrir e tornar-se sensível a um mutualismo constante, material e físico, por assim dizer. Um lembrete desse fato simples: para tocar, devemos ser tocados/as.

Nesse sentido, podemos compreender a afirmação de Karen Nelson, que fala do Contact Improvisation como uma “revolução pelo toque”:

Conhecemos, ela diz, o toque amoroso, o toque familiar ou amigável, mas o toque de um estranho é, de fato, reservado aos encontros casuais em lugares cheios de gente, como o contato entre a palma de minha mão e os dedos do caixa, quando dá o meu troco (Nelson, 1999NELSON, Karen. ‘La révolution par le toucher. Donner la danse’. Contact Improvisation . Bruxelles: Nouvelles de danse , #38-39, 1999., p. 123; [1996, p. 65])93 60 Nota do tradutor: na versão em francês “révolution par le toucher” e “Nous connaissons, dit-elle, le toucher amoureux, le toucher familial ou amical, mais, de fait, le toucher d’un étranger est laissé aux rencontres hasardeuses dans des lieux bondés, comme le contact entre la paume de ma main et les doigts du caissier remettant la monnaie de mon dólar”. .

De fato, na maioria dos contatos disponíveis entre adultos (salvo no caso do contato erótico, às vezes), o toque esconde um grande poder objetivante. Um dedo apontado, uma mão que me toca na rua ou no metrô, têm o poder de me reduzir ao estado de objeto manipulável (Hall, 1966HALL, Edward T. The Hidden Dimension. New York: Doubleday, 1966. ; Derrida, 2000DERRIDA, Jacques. Le toucher - Jean-Luc Nancy. Paris : Galilée, 2000.; Goldman, 2007GOLDMAN, Danielle. Bodies on the Line: Contact Improvisation and Techniques of Nonviolent Protest. Dance Research Journal, Edinburgh, v. 39, n. 1, 2007.). O Contact é uma ocasião de ensinar outros toques a si mesmo, de experimentar todas essas outras maneiras através das quais aprendemos a ter tato em nossas relações aos outros. Como disse Erin Manning, somos “corpos excessivos” [excessive bodies] (Manning, 2007MANNING, Erin. Politics of touch: Sense, movement, sovereignty. University of Minnesota Press, 2007. , p. 51): transbordamos, ocupamos os lugares uns/umas dos/as outros/as, nos (co)movimentamos. O Contact Improvisation é a oportunidade de estudar esse excesso e de retomar a prudência, a delicadeza, a escuta com as quais podemos alimentar o acontecimento mútuo de um encontro com outro corpo.

Conclusão

Os potenciais políticos de uma prática como a da dança dos indicadores, sem mencionar o próprio Contact Improvisation ou outras grandes aventuras coletivas, únicas, como foram Judson ou Grand Union, podem parecer limitados. Sem dúvida, não podemos imaginar manifestações sendo realizadas a partir dessas práticas, ou uma multidão levada a derrubar regimes políticos liberticidas.

No entanto, podemos dizer que se trata, sim, de um exercício político, mesmo que seja necessário especificar: “micropolítico” (Guattari; Rolnik, 2007GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolitiques. Paris: Les Empêcheurs de penser en rond, 2007.) ou mesmo “nanopolítico” (Plotegher; Zechner; Rübner Hansen, 2013PLOTEGHER, Paolo; ZECHNER, Manuela; RÜBNER HANSEN, Bue. Nanopolitics Handbook. New York: Minor Compositions, 2013.), pois os níveis em que ele atua parecerão bastante íntimos, muito pequenos para atingir (pelo menos diretamente) a esfera classicamente considerada como a da “política”, onde se trata da relação do indivíduo ao grupo. O que nos faz pensar as experiências, sejam elas micro ou nanopolíticas, realizadas no laboratório da sala de trabalho da dança? A articulação de que ideia do sujeito, que ideia do agir, que ideia do sentir, essas experiências nos impõem?

A intenção deste artigo era esboçar uma resposta a essas questões e mostrar como certas práticas de dança podem servir de base para pensar outras maneiras de se estar em relação, além das hierarquias estabelecidas entre o passivo e o ativo, entre o sujeito comandante e os sujeitos comandados. Particularmente, tentamos mostrar que a partir de três aventuras coreográficas coletivas, Judson Dance Theater, Grand Union e Contact Improvisation, é possível identificar diferentes visões de um mesmo paradigma teórico: o do anarquismo. Os três anarquismos descobertos - o anarquismo anti-institucional do Judson, que visa lutar contra os hábitos instituídos, através dos quais prefere-se certos indivíduos em relação a outros, certas virtuoses em relação a outras, certos gestos em relação a outros; o anarquismo improvisado do Grand Union, que visa construir uma zona de autonomia temporária na qual as relações podem ser inventadas a cada instante entre os indivíduos; e o anarquismo mutualista do Contact Improvisation, que busca aguçar as sensibilidades e o tato de seus/suas bailarinos/as para os/as colocar a serviço um/a do/a outro/a - esses três anarquismos contribuem para complexificar a ideia que temos do que pode significar o esforço para suspender as dominações, as hierarquias e, mais amplamente, a própria forma do comando (an-arquia).

Poderia esse exemplo confirmar os benefícios possíveis de se pensar as danças pós-modernas ou contemporâneas em termos de anarquia, ao invés de pensá-las em termos de democracia? Talvez não. Mas talvez, pelo menos, ele mostre o que deixaríamos de ganhar se não variarmos as imagens do político que empregamos quando tentamos pensar a dança.

Références

  • BANES, Sally. Democracy’s Body: Judson Dance Theater, 1962-1964. Durham: Duke University Press, 1993a.
  • BANES, Sally. Greenwhich Village 1963: Avant-Garde Performance and the Effervescent Body. Durham: Duke University Press , 1993b.
  • BERGSON, Henri. L’Évolution Créatrice. Paris: Puf, 1907.
  • BEY, Hakim. TAZ. Zone Autonome Temporaire. Paris: Éditions de l’Éclat, 2007.
  • BIGÉ, Romain. Gestes du Contact Improvisation. Rennes: Musée de la danse, 2018.
  • BURT, Ramsay. Judson Dance Theater: Performative Traces. London; New York: Routledge, 2006.
  • CVEJIC, Bojana. ‘A Physical Quest For Natural Rights’. In: BIGÉ, Romain (Ed.). Steve Paxton: Drafting Interior Techniques. Lisbon: Culturgest, 2019.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est-ce que la philosophie? Paris : Minuit, 1991.
  • DERRIDA, Jacques. Le toucher - Jean-Luc Nancy. Paris : Galilée, 2000.
  • DESPRET, Vinciane. Ces Émotions qui nous Fabriquent. Ethnopsychologie de l’authenticité. Paris , Seuil, 1999.
  • DESPRET, Vinciane. Naissance d’une Théorie Éthologique. La danse du cratérope écaillé. Paris : Empêcheurs de penser rond, 2015.
  • FELBER, Christian. ‘Contact vs. Capitalism’. At the Contactfestival Freiburg, curated by Daniela Schwartz with responses by Adrian Russi, Eckhard Müller, Sara Shelton Mann, Steve Paxton, Daniel Lepkoff, Nita Little, and Nancy Stark Smith. Contact Quarterly, Northampton, CQ Unbound, 2014. Disponible sur: <Disponible sur: https://contactquarterly.com/cq/unbound/view/contact-vs-capitalism#$ >. Consulté le: 15 mars 2018.
    » https://contactquarterly.com/cq/unbound/view/contact-vs-capitalism#$
  • FOSTER, Susan Leigh. The Signifying Body: Reaction and Resistance in Postmodern Dance. Theatre Journal, Baltimore, v. 37, n. 1, p. 44-64, March 1985.
  • FULKERSON, Mary. Prendre le gant sans la main. Contact Improvisation. Bruxelles: Nouvelles de danse, #38-39, 1999.
  • GINOT, Isabelle. Une structure démocratique instable. In: DÉPARTEMENT danse de UFR Arts Paris 8. Mobiles: danse et utopie. Paris: L’Harmattan, 1999. P. 112-118.
  • GODFROY, Alice. Les dessous du Corps-Objet: une pratique du tact. Corps-Objet-Image, Strasbourg, n. 1, février 2015.
  • GOLDMAN, Danielle. Bodies on the Line: Contact Improvisation and Techniques of Nonviolent Protest. Dance Research Journal, Edinburgh, v. 39, n. 1, 2007.
  • GOULD, Stephen J. Kropotkin was no Crackpot. Natural History, v. 97, n. 7, 1988.
  • GRAEBER, David. Pour une anthropologie anarchiste. Montréal: Lux éd., 2006.
  • GRAEBER, David. Are You An Anarchist? The Answer May Suprise You! The Anarchist Library, 2010. Disponible sur: <Disponible sur: https://theanarchistlibrary.org/library/david-graeber-are-you-an-anarchist-the-answer-may-surprise-you >. Consulté le 15 mars 2017.
    » https://theanarchistlibrary.org/library/david-graeber-are-you-an-anarchist-the-answer-may-surprise-you
  • GRAND UNION. Performances at Oberlin College: January 1972. New York: New York Public Library for Performing Arts Archives, 1972. (MGZ MD 132 box 1 folder 1).
  • GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolitiques. Paris: Les Empêcheurs de penser en rond, 2007.
  • HALL, Edward T. The Hidden Dimension. New York: Doubleday, 1966.
  • HINES, Terence. Pseudoscience and the Paranormal. Buffalo: Prometheus Books, 2003.
  • JAMES, William. The Principles of Psychology. v. 2. New York: Henry Holt and Company, 1890.
  • JOHNSTON, Jill. Democracy. The Village Voice, New York, Aug. 23, 1962.
  • JOHNSTON, Jill. Marmalade Me. Hanover: University Press of New England, 1998.
  • KROPOTKINE, Petr Alekseevič. L’entr’Aide: un facteur de l’évolution. Paris : Hachette, 1906.
  • LAX, Thomas J. Allow me to begin again. In: JANEVSKI, Ana; LAX, Thomas J. Judson Dance Theater. The Work Is Never Done. New York: Moma, 2018.
  • LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, 2011.
  • LORDON, Frédéric. La Condition Anarchique. Paris : Le Seuil, 2018.
  • LOUPPE, Laurence. Poétique de la danse contemporaine, la suite. Bruxelles: éditions Contredanse, 2007.
  • MALATESTA, Errico. L’Anarchie. Montréal: Lux, 2004.
  • MANNING, Erin. Politics of touch: Sense, movement, sovereignty. University of Minnesota Press, 2007.
  • NELSON, Karen. ‘La révolution par le toucher. Donner la danse’. Contact Improvisation . Bruxelles: Nouvelles de danse , #38-39, 1999.
  • NEWMAN, Barnett. ‘The True Revolution is Anarchist!’: Forword to Memoirs of a Revolutionist by Peter Kropotkin. [1968]. In: NEWMAN, Barnett. Selected Writings and Interviews. Edited by John P. O’Neill. Berkeley: University of California Press, 1990.
  • NOVACK, Cynthia J. Sharing the Dance. Contact Improvisation and American Movement Culture. Madison: Univ of Wisconsin Press, 1990.
  • PAXTON, Steve. ‘A dancer is...’. New York: New York Public Library for Performing Arts Archives , 1970. (MGZ MD 132 box 1 folder 16).
  • PAXTON, Steve. The Grand Union. The Drama Review: TDR, Cambridge, Massachusetts, v. 16, n. 3, p. 128-134, 1972.
  • PAXTON, Steve. Contact Improvisation . The Drama Review: TDR , Cambridge, Massachusetts, v. 19, n. 1, p. 40-42, 1975.
  • PAXTON, Steve. Solo dancing. Contact Quarterly , Northampton, v. 2, n. 3, Spring 1977.
  • PAXTON, Steve. Entretien. Lisières, Marseille, 1999.
  • PAXTON, Steve. ‘Re: Pre and trans-individual’. Lettre du 11 juillet 2015. (Archives personnelles de Romain Bigé).
  • PAXTON, Steve. ‘D’un pied sur l’autre (1972-1975)’. Édité et traduit par Romain Bigé. Recherches en danse, Traductions, mis en ligne le 16 juin 2017. Disponible sur: <Disponible sur: https://journals.openedition.org/danse/1235 >. Consulté le 23 octobre 2019.
    » https://journals.openedition.org/danse/1235
  • PAXTON, Steve. Gravity. La gravité. Traduit par Denise Luccionni. Bruxelles: Contredanse, 2018.
  • PERRIN, Julie. Du quotidien. Une impasse critique. In: FORMIS, Barbara (Dir.). Gestes à l’œuvre. Paris: De l’Incidence éditions, 2008. P. 86-97.
  • PLOTEGHER, Paolo; ZECHNER, Manuela; RÜBNER HANSEN, Bue. Nanopolitics Handbook. New York: Minor Compositions, 2013.
  • PROUDHON, Pierre-Joseph. Qu’est-ce que la propriété? Paris : Garnier Frères, 1849.
  • RAINER, Yvonne. Some Restrospective Notes. Tulane Drama Review, Cambridge, Massachusetts, v. 10, n. 2, p. 168-178, Winter 1965.
  • RAINER, Yvonne; BROWN, Trisha. Conversation à propos de Glacial Decoy. In: BRUNEL, Lise et al. Trisha Brown. Paris : Éditions Bougé, 1987. P. 29-37.
  • RAINER, Yvonne; PAXTON, Steve. Conversation Between Yvonne Rainer and Steve Paxton / Conversation entre Yvonne Rainer et Steve Paxton. In: BENOIT, Agnes (Ed.). On the Edge: Dialogues on Dance Improvisation in Performance. Bruxelles: Contredanse , 1997.
  • RANCIÈRE, Jacques. Aux bords du politique. Paris : Gallimard, 1998.
  • SERVIGNE, Pablo; CHAPELLE, Gauthier. L’entraide: l’autre loi de la jungle. Paris : Éditions Les Liens qui libèrent, 2017.
  • SPENCER, Herbert. The Principles of Biology. London: William and Norgate, 1864.
  • STARHAWK. Webs of Power. Notes from the Global Uprising. Gabriola (BC): New Society Publishers, 2008.
  • STARK SMITH, Nancy. A Question of Copyright. Some History, 1975. Contact Quarterly , Northampton, v. 23, n. 1, Winter/Spring 1998.
  • STARK SMITH, Nancy. Harvest. Contact Quarterly , Northampton, v. 31, n. 2, Summer/Fall 2006.
  • STARK SMITH, Nancy; PAXTON, Steve. The Politics of Mutuality. Contact Quarterly , Northampton, v. 34, n. 1, Summer/Fall 2018.
  • STIRNER, Max. L’Unique et sa Propriété. Paris : Stock, 1899.
  • TLFi. Trésor de la langue Française informatisé. Anarchie: Définition de ANARCHIE. Nancy: ATILF - CNRS; Université de Lorraine, 1994. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.cnrtl.fr/definition/anarchie >. Consulté le: 18 déc. 2018.
    » http://www.cnrtl.fr/definition/anarchie
  • VOLLAIRE, Christiane. L’anarchie esthétique. Revue Lignes, Fécamp, n. 16, p. 160-169, 2005.
  • YOHALEM, Hannah. Displacing Vision: Contact Improvisation , Anarchy, and Empathy. Dance Research Journal , Cambridge, v. 50, n. 2, p. 45-61, 2018.
  • 1
    Este artigo pôde ser escrito graças ao apoio visível e invisível de diversas pessoas que me receberam em seus espaços de trabalho e de vida. Ele também recebeu o financiamento da Fondation des Treilles, “uma fundação criada por Anne Gruner Schlubmerger que tem por vocação lançar e alimentar o diálogo entre as ciências e as artes visando o progresso da criação e da pesquisa contemporâneas. A fundação também acolhe pesquisadores/as e escritores/as em sua propriedade de Treilles, no departamento francês do Var www.les-treilles.com”. Nota do tradutor: na versão em francês “une fondation créée par Anne Gruner Schlubmerger qui a notamment pour vocation d’ouvrir et de nourrir le dialogue entre les sciences et les arts afin de faire progresser la création et la recherche contemporaines. Elle accueille également des chercheur·euse·s et des écrivain·e·s dans son domaine des Treilles (Var) www.les-treilles.com”.
  • 2
    Na versão em inglês “[…] human beings are, under ordinary circumstances, about as reasonable and decent as they are allowed to be, and can organize themselves and their communities without needing to be told how” et “power corrupts”. Nota do tradutor: as traduções de trechos em inglês apresentadas neste artigo foram feitas a partir das versões em francês, realizadas pelo/a autor/a.
  • 3
    O dicionário Bailly dá dois significados principais à palavra arqué: a. começo, origem, ponto de partida (é o sentido que encontramos em palavras como arqueologia, arquétipo); b. comando, poder, autoridade (é o sentido que encontramos em palavras como anarquia, monarquia, oligarquia...). Frequentemente, os filósofos refletem sobre o encontro desses dois significados (por exemplo: Rancière, 1998RANCIÈRE, Jacques. Aux bords du politique. Paris : Gallimard, 1998. ; Lordon, 2018LORDON, Frédéric. La Condition Anarchique. Paris : Le Seuil, 2018. ). Os anarquistas, geralmente, se contentam com o segundo.
  • 4
    Nota do tradutor: na versão em francês “[...] les positions de subversion, de transgression, d’émancipation qui caractérisaient au début du XXème siècle le dadaïsme politico-esthétique issu de la culture anarchiste sont souvent devenues des positions standard des nouveaux académismes contemporains”.
  • 5
    Nota do tradutor: na versão em francês “contre-valeur créatrice du confus”.
  • 6
    Nota do tradutor: na versão em francês “déhiérarchiser les processus, les parties du corps, les espaces”.
  • 7
    Aliás, uma situação não pode ser conforme ao anarquismo; ela pode apenas ser renovada, permanentemente reinventada, renegociada pelo conjunto de seus sujeitos. Como escreve Errico Malatesta, para responder àqueles que gostariam de saber como seria uma sociedade anarquista: “[...] nós não somos mais profetas do que os outros, e se tivéssemos a pretensão de dar uma solução oficial a todos os problemas que surgirão na vida da sociedade do futuro, seria uma maneira realmente estranha de compreender a abolição do governo. Seria nos declarar como um governo e prescrever um código universal para os homens de hoje e de amanhã” (Malatesta, 2004MALATESTA, Errico. L’Anarchie. Montréal: Lux, 2004., p. 57). Nota do tradutor: na versão em francês “[...] nous ne sommes pas plus prophètes que les autres, et si jamais nous avions la prétention de donner une solution officielle à tous les problèmes qui se présenteront dans la vie de la société future, ce serait une façon vraiment étrange de comprendre l’abolition du gouvernement. Ce serait nous déclarer gouvernement et prescrire un code universel pour les hommes d’aujourd’hui et de demain”.
  • 8
    André Lepecki (2011LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, 2011.) fala de “coreopolítica” e de “coreopolícia” em referência à oposição articulada por Rancière, em Dez teses sobre a política, entre a polícia (cuja função é “polir” as relações e cujo lema convida a “circular, não há nada para ver aqui”) e a política (cuja função é acolher as divergências e cujo lema convida a “manifestar” sobre o que é desprezado no espaço público).
  • 9
    Steve Paxton nasceu em 1939 no Arizona, nos Estados Unidos. Formado em ginástica e em dança, ele muda para Nova Iorque nos anos 1950, onde dança com companhias como as de José Limon e de Merce Cunningham. Fazendo parte dos primeiros concertos do Judson Dance Theater, ele desenvolve uma atenção especial aos movimentos ordinários, da caminhada aos gestos esportivos, passando pelos gestos domésticos. Ele faz parte dos primeiros bailarinos do Continuous Project Altered Daily (1969), lançado por Yvonne Rainer, que, a partir de 1970, dá origem ao coletivo Grand Union. Paralelamente às turnês desse coletivo, ele inicia, em 1972, o Contact Improvisation, uma forma de dança que ele interpreta e ensina internacionalmente até o fim dos anos 1980, período a partir do qual ele se concentra nas improvisações em solo ou em duo (particularmente com Lisa Nelson) e no desenvolvimento de uma nova prática coreográfica, Material for the Spine.
  • 10
    Para muitos, e como atestam os dicionários, a anarquia é sinônimo de caos, de desordem e de violência. Assim, no vocábulo anarquia do Trésor de la langue française (TLFi, 1994TLFi. Trésor de la langue Française informatisé. Anarchie: Définition de ANARCHIE. Nancy: ATILF - CNRS; Université de Lorraine, 1994. Disponible sur: <Disponible sur: http://www.cnrtl.fr/definition/anarchie >. Consulté le: 18 déc. 2018.
    http://www.cnrtl.fr/definition/anarchie...
    ), ela é sistematicamente conotada de forma negativa como um “estado de desordem no qual se encontra uma coletividade por enfraquecimento do poder político” ou como “desordem, confusão, resultante de uma falta de organização”. A maior parte dos anarquistas negam essa associação. Como indica claramente Proudhon, em Qu’est-ce que la propriété?, o primeiro texto da história que reivindicou ser parte do anarquismo: “[...] mesmo gostando muito da ordem, eu sou, em toda a força do termo, anarquista” (Proudhon, 1849PROUDHON, Pierre-Joseph. Qu’est-ce que la propriété? Paris : Garnier Frères, 1849., p. f247). Nota do tradutor: na versão em francês, respectivamente “état de désordre dans lequel se trouve une collectivité par faiblesse du pouvoir politique”, “désordre, confusion due à un défaut d’organisation” e “[...] quoi que très ami de l’ordre, je suis, dans toute la force du terme, anarchiste”.
  • 11
    Grand Union (literalmente, Grande União) ou Rio Grande Grand Union, sem artigo, é o nome legal do coletivo, atribuído por Yvonne Rainer e David Gordon em 1970. Frequentemente, seus membros escrevem com artigo, de forma errada, “o Grand Union”, o que torna as coisas ainda mais complicadas. Sobre este aspecto, ver Paxton (2017, nota 3).
  • 12
    Na versão em inglês: “A dancer is both medium and artist. // It is time again to attempt anarchy. For one, anarchy is simple. Anarchy for a group requires special conditions of communication. The Grand Union is a blend of artists. A group. This is a basic theatrical form: a social group exploring the human image and the cultural appartenances. The social structure we are produces results, exerts controlls beyond our individual devinings. The point, of course, is theater, not anarchy. // Occasionally, it is good to work alone. Occasionnally, it is god to work together. // See, see how it comes apart. // see how it goes together. // The Union suits”.
  • 13
    Nota do tradutor: na versão em francês “– On vous considère comme un anarchiste, est-ce vrai? – Individualiste serait sans doute un mot plus juste. […] Le mot anarchiste est connoté péjorativement. Je considère que le pouvoir doit être partagé, on ne peut le détenir que de façon occasionnelle. Il ne s’agit pas de nier le pouvoir, il est parfois entre nos mains, notamment lorsque nous avons une décision à prendre, et cela arrive souvent dans la vie ou sur scène: il y a un moment où quelque chose est de notre ressort, c’est notre responsabilité. En ce sens, on ne peut être anarchiste (sans pouvoir) en permanence. Par contre, s’efforcer à être sans pouvoir, voilà une position interessante”.
  • 14
    Cf. por exemplo e respectivamente: Stirner (1899STIRNER, Max. L’Unique et sa Propriété. Paris : Stock, 1899. ) [1845]; Bey (2007) [1991]; e Graeber (2006) [2004].
  • 15
    Na versão em inglês: “No to spectacle No to virtuosity No to transformations and magic and make-believe No to the glamour and transcendency of the star image No to the heroic No to the anti-heroic No to trash imagery No to involvement of performer or spectator No to style No to camp No to seduction of spectator by the wiles of the performer No to eccentricity No to moving or being moved”.
  • 16
    Na versão em inglês: “Implicit in the work of the three artists discussed above is an attack on this very elemental premise of traditional Western dance: the projection of a star supported by a hierarchal imperialist organization (e.g., the kings and queens of the ballet, the tragic heroes and heroines of the modern dance). While I'm at it, I should mention a few other correlative notions that are also under attack. These are, of course, the trappings of any hierarchical system: the pomp and splendor and glamour and spectacle and seduction and virtuosic accomplishments required by aristocratic expectations”.
  • 17
    Na versão em inglês: “Every underground movement is a revolt against one authority or another. The dance underground of the sixties is more than this natural child-parent affair. The new choreographers are outrageously invalidating the very nature of authority. The thinking behind the work goes beyond democracy into anarchy. No member outstanding. No body necessarily more beautiful than any other body. No movement necessarily more important or more beautiful than any other movement”.
  • 18
    Na versão em inglês: “[…] neither a unified aesthetic nor a political program, functioning without a designated leader. Their story is one of mutual refusal”.
  • 19
    Fundada em 1917, a American Friends Service Committee (AFSC) é uma associação Quaker que trabalha pela “promoção da paz, da justiça, e a expressão prática da fé em ação” (como indica o site na internet consultado em 17 de outubro de 2018). O que hoje é chamado de Método Quaker de Negócios (Quaker Business Method) é uma prática quase meditativa, na qual o recolhimento silencioso é uma fase crucial da preparação, e onde o consenso não é buscado pelo debate, mas pela apresentação de testemunhos em primeira pessoa, visando atingir uma visão unitária sobre o assunto em questão (com-senso: sentir juntos). Para uma apresentação crítica sobre a abordagem Quaker e seus desdobramentos nos métodos de comunicação não-violenta, ver Starhawk (2008STARHAWK. Webs of Power. Notes from the Global Uprising. Gabriola (BC): New Society Publishers, 2008., p. 221). Nota do tradutor: na versão em francês “promotion de la paix, de la justice, et l’expression pratique de la foi dans l’action”.
  • 20
    Na versão em inglês: “I remember feeling that it was important to make decisions by consensus rather than majority vote. That was partly a political feeling, because we all felt that establishment dance and choreography had discriminated against us in an authoritarian way. I was working as a volunteer at the American Friends Service Committee, and that made me want to work in my daily life and work situations in the way that people were trained to struggle with problems at AFSC. I guess I did try to articulate those ideas at Judson. I had a conviction that a consensus was better than a democratic vote. The majority would always end up with some minority”.
  • 21
    Na versão em inglês: “[…] That meant there was no politicking. There was no point in getting three or four more people on your side. Everyone had to agree that this was the way it was going to be done”.
  • 22
    Nota do tradutor: na versão em francês “répartition démocratique du mouvement dans le corps tout entier”
  • 23
    Na versão em inglês: “While Banes therefore saw art as a reflection of the spirit of its age, she still subscribed to the modernist paradigm of art’s steady progress towards a goal of formally pure abstraction. Progress in the arts, in her view, catalyses social progress, but only through affirmation. She therefore argued that the work of Judson Dance Theater was entirely affirmative in relation to US society in the 1960s: ‘the arts suddenly seemed freshly empowered […] to provide a means for – indeed, to embody – democracy”.
  • 24
    Um “grupo integralmente composto por coreógrafos”, é como é definido Grand Union em 1974, em um flyer do Annenberg Center conservado na New York Library for Performing Arts: “a unique performance group composed entirely of choreographers”. A expressão é importante pois ela representa a suspensão da hierarquia coreógrafo/a-bailarino/a que ela implica: Grand Union é um grupo no qual há somente autores/as... Os membros do Rainer and Dance Group que fazem parte da criação do CPAD em 1969 (do qual saiu o Grand Union) são Becky Arnold, Barbara Lloyd (Dilley), Douglas Dunn, David Gordon, Steve Paxton e Yvonne Rainer. Dong (nome artístico de Lincoln Scott), Trisha Brown e Nancy Lewis (Green) juntam-se a eles para formar o coletivo Grand Union no outono de 1970.
  • 25
    Na versão em inglês: “The Grand Union came into being in the fall of 1970 to fulfill the individual and collective needs of a group of people who had been variously associated as friends, choreographers, and performers for as many as ten years, dating from the beginning of the famous Judson Dance Theater in New York City. The work they do is collaborative in that ideas can be contributed by anyone. Since all of the performers are trained dancers, the emphasis is on movement. However there are props and constumes used which; when combined in various ways, can produce an intensely imagistic theater. An ongoing, constantly changing approach to work results in no two performances being alike. Sometimes the evening seems to be about fun and games; sometimes it is solmen and highly symbolic. Sometimes it is hard to characterize. In this respect, the Grand Union seems to be more about process and involvement and transition than about any fixed view of art and theater”.
  • 26
    Nota do tradutor: na versão em francês “collectif théâtral anarcho-démocratique”.
  • 27
    Nota do tradutor: na versão em francês “Le chemin n’était pas clair pour tous les membres. Nous sommes conditionnés pour l’esclavage volontaire. Dans une démocratie, les dictateurs doivent exiger des autres qu’ils soient esclaves; une chance pour les dictateurs, le mode de vie américain produit des esclaves qui ne sont pas conscients du mécanisme de cette production”.
  • 28
    Nota do tradutor: na versão em francês “[...] des formes de liberté individuelle au sein du groupe et de stimuler de nouveaux modes de conscience”
  • 29
    Nota do tradutor: na versão em francês “La TAZ en tant que festival. Stephen Pearl Andrews proposa, comme image de la société anarchiste, le dîner, où toute structure d’autorité se dissout dans la convivialité et la célébration. Ici nous pourrions également évoquer le concept des sens comme base du devenir social de Fourier – le ‘tactrut’ et la ‘gastrosophie’ – ainsi que son ode aux implications négligées du goût et de l’odorat”.
  • 30
    Nota do tradutor: na versão em francês “Dans un travail de ce type, les yeux apprennent à juger avec plus d’acuité, la peau devient hypersensible aux qualités du toucher, en particulier les bras; […] la confiance est mise à l’épreuve des nerfs, poussée à sa limite. Comprendre où l’attention de l’autre est focalisée devient facile: c’est instinctif. Et c’est aussi crucial pour la sécurité et pour la communication”.
  • 31
    Nota do tradutor: na versão em francês “esthétique à l’état brut”.
  • 32
    Nota do tradutor: na versão em francês “La famille, dit-il, est fermée par la génétique, par la possession par l’homme de la femme et des enfants, par la totalité hiérarchique de la société agraire/industrielle. La bande est ouverte – certes pas à tous mais, par affinités électives, aux initiés liés par le pacte d’amour. La bande n’appartient pas à une hiérarchie plus grande, mais fait plutôt partie d’une structure horizontale de coutumes, de famille élargie, d’alliance et de contrat, d’affinités spirituelles, etc”.
  • 33
    Nota do tradutor: na versão em francês “l’enchevêtrement des vies”.
  • 34
    Nota do tradutor: na versão em francês “Les membres [de Grand Union] s’échappent et reviennent dans des structures élastiques, jouant souvent autant sur les niveaux de compréhension mutuelle que sur la forme originelle. Cette compréhension des états physiques et mentaux des autres est le résultat d’innombrables années de répétitions, de fêtes communes et de longues nuits passées à faire des retours sur chaque représentation”.
  • 35
    Nota do tradutor: na versão em francês “[...] l’improvisation [a paru] la forme dans laquelle tous pouvaient participer de manière égale, sans recourir à des hiérarchies sociales arbitraires à l’intérieur du groupe”.
  • 36
    Nota do tradutor: na versão em francês “permissive, interchangeable, élastique, imprécise”.
  • 37
    Nota do tradutor: na versão em francês “Le travail [initié dans Grand Union] continue. Et c’est toujours, pour reprendre les termes de Jill Johnston, ‘d’hommes et de femmes ordinaires’ qu’il est question, même si […] à présent, les accidents individuels arrivent dans le contexte d’un système de duo qui a été nommé Contact Improvisation”.
  • 38
    A estreia da peça Contact Improvisations ocorre na galeria John Weber em Nova Iorque, do 1° ao 5 de junho de 1972, cinco horas por dia, das 13 às 18 horas. A prática foi apresentada em uma sala em cuja parede do fundo são projetados Dr Chicago e Cry Dr Chicago, de George Manupelli, dois filmes experimentais nos quais Steve Paxton interpreta um personagem pequeno de um toxicômano. Os/as participantes da performance na John Weber Gallery são um grupo formado por antigos/as estudantes e colegas reencontrados por Steve Paxton durante os anos 1960 e 1970: Tim Butler, Laura Chapman, Barbara Dilley, Leon Felder, Mary Fulkerson, Tom Hast, Daniel Lepkoff, Nita Little, Alice Lusterman, Mark Peterson, Curt Siddall, Emily Siege, Nancy Stark Smith, Nancy Topf e David Woodberry.
  • 39
    Nota do tradutor: na versão em francês “[une vingtaine de] danseurs et danseuses se sautaient les un·e·s sur les autres, testaient collisions, touchés et portés devant des visiteur·euse·s interloqué·e·s [se sont transformées] en une forme de danse expérimentale transmise un peu partout dans le monde. […] De l’extérieur, le Contact Improvisation ressemble tantôt à des chiens qui se chamaillent, tantôt à des gens qui font l’amour, tantôt à des gens qui font la sieste, tantôt à de la voltige”.
  • 40
    Nota do tradutor: na versão em francês “Aux États-Unis, une forme de danse a récemment émergé qui considère chaque danseur·euse comme une surface sur laquelle jouer, un sol. Baptisée CONTACT IMPROVISATION, cette forme ressemble à la lutte, au jitterbug, à la baise, à un rouler-bouler et à la jongle”.
  • 41
    Nota do tradutor: na versão em francês “Les personnes pratiquant le Contact sont des révolutionnaires. Nous nous entraînons dans l’art du toucher le sol et de nous unifier avec les forces de la Terre. Nous sentons nos corps. Nous touchons les autres. Nous bougeons nos masses, nous nourrissons les dépossédés de toucher, les affamés de confiance, les accros au moment présent, ceux qui font la confusion entre l’amour, le sexe et le toucher. Nous apprenons à recevoir un toucher qui nourrit. Nous apprenons à permettre à nos corps d’être supportés, peut-être pour la première fois depuis l’enfance. Nous apprenons à donner le centre de notre poids à une autre personne. Nous décidons de nous ouvrir par la curiosité, la sensualité, l’émotion et la physicalité. Les tissus du corps se ramollissent et se relâchent. Les défenses se font moindres. Nous nous ouvrons”.
  • 42
    O diálogo de onde foi tirada essa expressão, intitulado Politics of mutuality, é bastante revelador da atitude indulgente dos/as fundadores/as em relação à autoridade: “Steve Paxton: Você me disse que gostaria que desconstruíssemos juntos o mito segundo o qual teríamos ‘abandonado o Contact Improvisation para o povo’... Nancy Stark Smith: Que você teria dado para as pessoas. SP: Sim, mas, parece que nós todos/as juntos/as demos para as pessoas. Mas o que, exatamente, você quer dizer? NSS: Eu quero desconstruir a ideia que, ao não ter registrado o copyright do Contact Improvisation, você teria intencionalmente pensado ‘Vamos deixá-lo para as pessoas’. Eu tenho a impressão que era apenas porque você não estava interessado pelo copyright e o que ele implicava: controlar e regular, e que você simplesmente não tinha vontade de se aborrecer com este tipo de coisas. SP: É verdade, mas por que as duas coisas não poderiam ser verdade ao mesmo tempo? Por que seria necessário desconstruir uma versão e promover outra?” (Stark Smith; Paxton, 2018STARK SMITH, Nancy; PAXTON, Steve. The Politics of Mutuality. Contact Quarterly , Northampton, v. 34, n. 1, Summer/Fall 2018., p. 36). Na versão em inglês: “Steve Paxton: You were talking about debunking the myth — the so-called myth — that we gave it to the people… Nancy Stark Smith: That you gave it to the people. SP: […] Well, we all gave it to the people. What exactly are you debunking? NSS: I’m debunking the idea that in not going forward with the copyrighting of Contact Improvisation you were intentionally thinking, ‘No, I want to give this to the people’. My sense was that it was more a function of just not being interested in going the route of copyrighting and then having to check people and regulate it, and that you just didn’t want to be bothered with that stuff. SP: Totally, but can’t you see that both can be true at once? Why debunk one and promote the other?”.
  • 43
    Na versão em inglês: “to become the ‘contact cops’ of the world”.
  • 44
    Assim, muitas pessoas não hesitam em ensinar o Contact Improvisation após apenas alguns anos de prática (foi o caso dos/as fundadores/as...). Ao longo dos seis últimos anos, em que dividi espaços de prática americanos e europeus, pude observar que, geralmente, os/as professores/as começam a transmissão do Contact Improvisation primeiro entre eles/as, pelo desejo de constituir um grupo de parceiros locais; é raro que comecem a dar aulas para aumentar a renda. Sobre esse assunto, ver Stark Smith (2006STARK SMITH, Nancy. Harvest. Contact Quarterly , Northampton, v. 31, n. 2, Summer/Fall 2006.), que compara o Contact Improvisation ao poker: como não se pode jogar sozinho/a, é preciso ensinar a outras pessoas para poder praticar. Certamente, isso não impede alguns indivíduos de fazer uma carreira ou produzir uma renda ensinando ou organizando eventos de Contact Improvisation, e de fazê-lo de acordo com lógicas econômicas bastante semelhantes a das empresas capitalistas (Felber, 2014), mas essa tendência não parece ser dominante.
  • 45
    Nota do tradutor: na versão em francês “Toutes ces formes émergent naturellement, mais je n’ai jamais vraiment cherché à les enseigner, sinon pour souligner ce que l’on gagne à ne pas se les fixer comme rôles prédéfinis dans l’aspect social et relationnel de l’improvisation, et pour indiquer quelles formes s’avèrent sans issue. Les débutants ont tendance à tomber dans une forme et à s’y cantonner plusieurs secondes durant. Personne n’est forcé d’être actif ou passif pendant longtemps, et il est désirable d’avoir l’intelligence et la liberté de choisir quel mode est approprié à l’improvisation qui est en train d’avoir lieu. Le couple dépasse alors le niveau des réponses socio-glandulaires pour atteindre un niveau supra-social”.
  • 46
    Nota do tradutor: na versão em francês “entente mutuelle”.
  • 47
    Nota do tradutor: na versão em francês “donner ou recevoir le poids de l’autre à tout instant” e “un état d’être ou d’esprit qui soutienne une liberté mutuelle mêlée d’entraide”.
  • 48
    De forma parecida, uma das fundadoras do Contact Improvisation, Mary Fulkerson, fala sobre o Contact Improvisation como de um “anarquismo responsável”: “Lembro do Contact hoje, após 27 anos de desenvolvimento de imagens mente-corpo na coreografia. Eu estava interessada na criação de formas participativas, caóticas, com estruturas semelhantes à da vida, que autorizavam uma renovação e uma mudança contínuas, mas que também envolviam linhas de previsibilidade. Ao longo dos seis últimos anos do meu trabalho, desenvolvi o conceito de ‘anarquia responsável’ para dominar e guiar esta pesquisa” (Fulkerson, 1999 FULKERSON, Mary. Prendre le gant sans la main. Contact Improvisation. Bruxelles: Nouvelles de danse, #38-39, 1999.[1996], p. 197). Nota do tradutor: na versão em francês “anarchisme responsable” e “Je me souviens du Contact aujourd’hui, après 27 ans de déve loppement d’images esprit-corps dans la chorégraphie. J’étais inté ressée par la création de formes participatives, chaotiques, aux structures ressemblant à la vie, qui autorisaient un renouvellement et un changement continus, mais qui impliquaient aussi des lignes de prédictibilité. À travers les six dernières années de mon travail, j’ai développé le concept d’‘anarchie responsable’ pour maîtriser et guider cette recherche”.
  • 49
    Na versão em inglês: “revolutionary ferment” e “creative way”.
  • 50
    Na versão em inglês: “As Darwin’s Theory began its disfiguring mutation into Social Darwinism, Prince Kropotkin began his investigation of cooperation and even sacrifice within species. It is instructive to note that Social Darwinism became popular, and Kropotkin's work has been neglected. Nature, ‘red in tooth and claw’, captured our imaginations. And of course, not only war, but capitalistic economies spring to mind. Indeed, every aspect of mind sets employing the terms ‘versus’ is implicated, such as racism, sexism, nationalism, religionism, any set which understands life as competition. Not a pretty picture. Yet evidently one we need to contemplate”.
  • 51
    Na versão em inglês: “This survival of the fittest”.
  • 52
    Nos últimos 20 anos, vários trabalhos em biologia, etologia e ecologia tendem a confirmar o que Kropotkin havia suposto: que a cooperação é um fator da evolução no mínimo tão determinante quanto a competição (cf. Gould, 1988GOULD, Stephen J. Kropotkin was no Crackpot. Natural History, v. 97, n. 7, 1988.; Servigne; Chapelle, 2017SERVIGNE, Pablo; CHAPELLE, Gauthier. L’entraide: l’autre loi de la jungle. Paris : Éditions Les Liens qui libèrent, 2017.).
  • 53
    Na versão em inglês: “CI falls between the social constructs. Haha. It may be a lever which lets us shift the social understanding we receive. It is an activity couched in the terms defined in movements between a parent and infant, ie supportive, reflexive, mutual, developmental. In this way, it is fundamentally life-like, at least in the basic moments of emerging life, and maybe we can question why life continues development into individuation, separation, competition, aggression, and so forth into war and atrocity”.
  • 54
    Nota do tradutor: na versão em francês “Ce qui m’intéresse dans […] le Contact Improvisation, c’est qu’il s’agit d’un jeu où ton adversaire n’est autre que toi-même, et où tu as besoin d’être deux pour gagner. Cela s’oppose à toutes les situations où ton opposant, c’est l’autre, et où seul l’un de vous deux peut gagner”.
  • 55
    Nota do tradutor: na versão em francês “tact”.
  • 56
    O oui-ja ou ouijie board (conhecido no Brasil como ‘jogo do copo’) é um tabuleiro de necromancia para médiuns iniciantes com a inscrição das letras do alfabeto e das palavras ‘sim’ e ‘não’. Com esse tabuleiro, os/as médiuns posicionam seus dedos indicadores sobre um triângulo e, após invocar um espírito (‘Tem algum espírito aqui?’), assistem ao milagre de sentir o triângulo mover-se para escrever uma mensagem, independentemente da vontade dos participantes. Geralmente, explica-se esse fenômeno como um caso de ilusão ideomotora, na qual o sujeito é levado a produzir movimentos sem ter consciência (cf., por exemplo, James, 1890JAMES, William. The Principles of Psychology. v. 2. New York: Henry Holt and Company, 1890. , cp. 26; Hines, 2003HINES, Terence. Pseudoscience and the Paranormal. Buffalo: Prometheus Books, 2003., p. 47). A dança dos indicadores proposta por Nancy Stark Smith baseia-se no mesmo fenômeno: estando à escuta, eu sigo os movimentos de meu/minha parceiro/a, que também está à escuta, a ponto que temos ambos/as a sensação de ser guiados/as, sem que haja nenhum guia.
  • 57
    Descrevemos aqui uma versão pessoal do exercício finger ouija, adaptado de oficinas feitas com Nancy Stark Smith nos anos 2010, e com outros/as praticantes de Contact Improvisation que o utilizam em suas práticas de transmissão.
  • 58
    Nota do tradutor: na versão em francês “Quand vous avez deux corps, et que l’un d’eux place son poids, imaginons, sur l’épaule ou sur le dos de l’autre, un centre de masse partagé émerge entre les deux unités. Les deux corps deviennent un seul, du moins en relation à la gravité”.
  • 59
    Citamos essas expressões a partir de experiências pessoais em oficinas realizadas com esses/as professores/as entre 2013 e 2019. Nota do tradutor: na versão em francês “le toucher qui n’exige pas”, “la main qui ne demande rien”, “la main vide” e “toucher pour être touché·e”.
  • 60
    Nota do tradutor: na versão em francês “révolution par le toucher” e “Nous connaissons, dit-elle, le toucher amoureux, le toucher familial ou amical, mais, de fait, le toucher d’un étranger est laissé aux rencontres hasardeuses dans des lieux bondés, comme le contact entre la paume de ma main et les doigts du caissier remettant la monnaie de mon dólar”.
  • Este texto inédito, traduzido por André Mubarack, também se encontra publicado em francês neste número do periódico.
  • Editora-responsável: Anna Mirabella

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2018
  • Aceito
    24 Jan 2019
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Paulo Gama s/n prédio 12201, sala 700-2, Bairro Farroupilha, Código Postal: 90046-900, Telefone: 5133084142 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: rev.presenca@gmail.com