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Impact of leg length and body mass on the stride length and gait speed of infants with normal motor development: A longitudinal study

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO:

A aquisição da marcha é suportada por mudanças no sistema neuromusculoesquelético da criança. a literatura aponta que modificações nas dimensões das estruturas corporais resultantes do crescimento da criança explicam, em parte, o aprimoramento da marcha no primeiro ano de vida.

OBJETIVOS:

Avaliar se mudanças na massa corporal e comprimento da perna modulam o efeito da prática da marcha independente nos seguintes parâmetros da marcha: velocidade e comprimento da passada.

MÉTODO:

Trinta e dois lactentes com desenvolvimento normal foram acompanhados mensalmente a partir da aquisição da marcha independente até seis meses pós-aquisição. Avaliações longitudinais incluíram mensurações da massa corporal e do comprimento da perna de cada criança. As variáveis temporoespaciais da marcha (velocidade e comprimento da passada) foram documentadas utilizando-se o sistema Qualisys Pro-Reflex(r) . Os dados foram analisados por modelos de regressão multinível, com nível de significância α=0,05.

RESULTADOS:

Encontrou-se um efeito do tempo de prática nas medidas de velocidade (p<0,0001) e comprimento da passada (p<0,0001). a mudança no comprimento da perna teve um efeito marginal na taxa de mudança da velocidade de marcha: crianças cujo crescimento da perna foi mais acelerado apresentaram uma taxa de mudança de velocidade maior (p=0,07). Nenhum outro efeito dos parâmetros antropométricos foi observado.

CONCLUSÕES:

Os resultados sugerem que o tempo de prática promove o aprimoramento do padrão de marcha de lactentes no primeiro ano de vida. Por sua vez, os efeitos do comprimento da perna e da massa corporal de lactentes no tempo permanecem indefinidos.

movimento; antropometria; crianças; marcha


BACKGROUND:

Gait acquisition is supported by changes in the neuromusculoskeletal system of the child. Changes in the dimensions of the body structures resulting from the growth of the child partly explain gait improvement in the first year of life.

OBJECTIVES:

To evaluate whether changes in body mass and leg length modulate the effect of independent gait practice (experience) on gait speed and stride length.

METHOD:

Thirty-two infants with normal development were monitored monthly from the acquisition of independent gait until six months post-acquisition. Longitudinal evaluations included measurements of the body mass and leg length of each child. Temporospatial variables of gait (speed and stride length) were documented using the Qualisys Pro-reflex(r) system. The data were analyzed using multilevel regression models, with a significance level of α=0.05.

RESULTS:

An effect of the practice time on speed (p<0.0001) and stride length (p<0.0001) was observed. The change in leg length had a marginal effect on the rate of gait speed change: children whose leg growth was faster showed a higher rate of speed change (p=0.07). No other effects of anthropometric parameters were observed.

CONCLUSIONS:

The results suggest that the practice time promotes the improvement of the gait pattern of infants in the first year of life. However, the effects of the leg length and body weight of infants on the benefit of practice time remain undefined.

movement; anthropometry; children; gait


Introdução

A emergência da marcha é um importante marco do desenvolvimento motor1-4. A locomoção bípede proporciona ao lactente uma exploração diferenciada do ambiente, promovendo visualização distinta e permitindo a liberação dos membros superiores para manipulação3. Favorece ainda o desenvolvimento cognitivo, social e precede marcos motores mais complexos, como pular e correr5,6.

Apesar da complexidade da marcha, as mudanças que ocorrem ao longo do desenvolvimento, tais como comprimento e frequência da passada, velocidade da marcha e padrão de ativação eletromiográfica, estão bem descritas na literatura6-8, contudo os fatores que suportam tais mudanças ainda não estão completamente esclarecidos. Durante a aquisição da marcha ocorrem mudanças também nos parâmetros antropométricos, incluindo ganho de massa e crescimento corporal, os quais se inter-relacionam com os anteriores, impondo demandas à emergência e ao desenvolvimento desse marco motor9-11. A interação dessa gama de fatores e suas constantes modificações resultam na emergência de estratégias que sejam coerentes com o repertório de capacidades da criança. Esse cenário oferece oportunidades para soluções diferenciadas entre crianças, bem como modificações intracrianças ao longo do tempo, até a aquisição da marcha madura, por volta dos sete anos de idade3,12,13. O período acelerado de crescimento do lactente nos primeiros seis meses após a aquisição da marcha3 impõe desafios à emergência e à aprendizagem desse marco motor. Nessa fase, lactentes exploram diversas estratégias para manter-se de pé e, ao mesmo tempo, deslocarem-se no ambiente6.

A influência dos fatores antropométricos na aquisição da marcha ainda é pouco conhecida. No segundo ano de vida, os membros inferiores tornam-se maiores que o tronco, reduzindo a desproporção da dimensão cefálica em relação ao restante do corpo14,15. Essa nova proporção corporal desloca inferiormente a localização do centro de massa da criança, aproximando-o da base de suporte, facilitando o equilíbrio e, consequentemente, a marcha independente16. Somando-se a essas alterações, o aumento do comprimento dos membros inferiores leva ao aumento do comprimento da passada e, consequentemente, da velocidade da marcha2,17,18.

Se, por um lado, o aumento do comprimento da perna facilita o desempenho da marcha, por outro, o ganho de massa constitui um desafio importante para o seu desenvolvimento19. O aumento da massa corporal está diretamente relacionado com o aumento da força a ser gerada durante a marcha, sobretudo nos músculos responsáveis pela impulsão2,18,20. Logo, quanto maior for o ganho de massa, maior será a força necessária para gerar um mesmo comprimento da passada. Além disso, durante a aquisição de marcha, lactentes são obrigados a coordenar os seus movimentos de forma a lidar com consequências funcionais do crescimento de seus membros e tronco21. Essas consequências incluem as forças reativas geradas seja pela interação entre seus próprios segmentos corporais, seja pela interação desses segmentos com o ambiente22. Portanto, quanto maior for a massa da criança, maiores serão essas forças reativas e maior será a exigência (i.e., demanda) em termos de força muscular. Assim, hipotetiza-se, no presente estudo, que o aumento no ganho de massa do lactente durante o desenvolvimento influenciará negativamente o comprimento da passada e, consequentemente, o aumento da velocidade de marcha, até que a criança consiga lidar com as demandas emergentes de forma eficiente.

Apesar de a alteração nos parâmetros temporoespaciais ser característica do desenvolvimento da marcha em crianças normais, a relação entre eles e as mudanças antropométricas pode interferir no processo de aquisição desse marco motor; A complexidade da combinação desses fatores, segundo nosso conhecimento, permanece pouco explorada na literatura. Assim, o objetivo do presente estudo foi investigar o efeito de mudanças no comprimento do membro inferior e na massa corporal de lactentes com desenvolvimento normal nos parâmetros temporoespaciais da marcha: comprimento da passada e velocidade de marcha durante os seis meses pós-aquisição da locomoção independente.

Método

Desenho do estudo

Foi conduzido um estudo longitudinal com crianças lactentes, iniciando na semana de aquisição da marcha até seis meses pós-aquisição. O início da marcha foi definido como aquele mês no qual a criança foi capaz de deambular cinco passos independentemente22,23. As famílias receberam uma visita domiciliar para esclarecimento dos objetivos e procedimentos do estudo. Caso concordassem em participar, as crianças eram avaliadas pelo teste Alberta Infant Motor Scale (AIMS) para possível inclusão. Após a visita inicial foi mantido contato semanal com os pais, até que a criança iniciasse a marcha independente.

Dados antropométricos e parâmetros temporoespaciais da marcha foram coletados na primeira semana de aquisição da marcha e mensalmente nos seis meses seguintes à aquisição, totalizando sete coletas por criança. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil, sob o parecer nº 609/07.Todos os responsáveis pelos participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Participantes

Participaram do estudo 32 crianças selecionadas por conveniência. Os critérios de inclusão foram: nascimento a termo (i.e., idade gestacional superior ou igual a 37 semanas), sem complicações nos períodos pré, peri e pós-natais, com peso ao nascimento superior a 2.500 gramas e desenvolvimento motor grosso normal no momento de inclusão no estudo, segundo o teste AIMS24. Esse teste foi utilizado como critério de inclusão, sendo selecionados apenas lactentes com desenvolvimento normal, ou seja, com percentil de desempenho motor grosso superior a 10%. Os participantes não poderiam fazer uso sistemático de medicação, nem apresentar distúrbios sensoriais (i.e., visuais e/ou auditivos).

Medidas

Antropometria

Foram realizadas as medidas antropométricas de cada lactente, massa (kg) e comprimento do membro inferior direito (cm), com o uso de balança digital de precisão e fita métrica, respectivamente25. As medidas foram realizadas pelo mesmo examinador, previamente treinado, para assegurar a padronização dos procedimentos e consistência na coleta dos dados.

Parâmetros temporoespaciais da marcha

Os parâmetros velocidade da marcha e comprimento da passada foram obtidos pelo sistema de análise de movimento Qualisys Pro-reflex MCU (QUALISYS MEDICAL AB(r) , 411 12 Gothenburg, Suécia), com seis câmeras de captação. As crianças deambulavam descalças sobre uma passarela de 4,8 metros de comprimento por 1 metro de largura. Marcas passivas refletoras de 10 mm de diâmetro foram afixadas no membro inferior direito da criança, sempre pelo mesmo examinador treinado nessa atividade, por meio de esparadrapo antialérgico nos seguintes pontos anatômicos: tuberosidade do calcâneo, sobre o maléolo lateral e medial, no espaço entre as cabeças do 1º e 2º metatarsos e sobre o 5º metatarso, com o objetivo de delimitar o segmento de referência (i.e., pé direito) para identificação dos parâmetros temporoespaciais da marcha.

A calibração do sistema foi realizada de acordo com as instruções do fabricante26. Em seguida, a criança permanecia na posição ortostática no centro da passarela, com os pés alinhados, por dez segundos, para registro da posição de referência e orientação das marcas anatômicas. Para estimular a deambulação da criança de forma independente, os pais ou cuidadores se posicionavam na extremidade oposta à da criança, com brinquedos e desenhos de personagens animados. Os dados foram coletados com frequência de captação de 120 Hz e processados usando o software Visual 3D. Cada criança realizou a coleta de aproximadamente 12 ciclos da marcha em cada dia de avaliação. Os mesmos procedimentos foram repetidos nas seis avaliações subsequentes.

Redução dos dados

Inicialmente os dados foram conferidos, de tal forma que os ciclos da marcha com ausência de marcadores foram excluídos, resultando em no mínimo três e no máximo dez ciclos de marcha completos do membro inferior direito dos lactentes. Em seguida, os dados foram transferidos para o software Visual 3D para processamento. Foi feita a construção do modelo biomecânico do segmento do pé com base na posição dos marcadores anatômicos. A delimitação do ciclo da marcha, incluindo os eventos de contato e perda de contato com o solo, foi obtida utilizando a trajetória dos marcadores localizados entre o 1º e 2º metatarsos e do marcador do calcâneo. Os dados foram filtrados com filtro passa-baixa Butterworth de quarta ordem e com frequência de corte de 6 Hz para diminuir os ruídos provenientes da movimentação dos marcadores.

Os eventos foram definidos visualmente pela trajetória dos marcadores do calcâneo e do marcador colocado entre o 1º e 2º metatarsos, utilizando-se o programa Visual 3D. Os gráficos representativos do deslocamento desses marcadores no eixo Y (anterior-posterior) foram usados, permitindo a visualização dos marcadores no plano sagital, registrando os momentos em milissegundos (ms), nos quais os eventos contato inicial 1, retirada dos dedos e contato inicial 2 aconteceram em cada ciclo da marcha27,28. A partir da definição desses eventos, os parâmetros temporoespaciais da marcha (i.e., velocidade e comprimento da passada) foram calculados pelo software Visual 3D. A análise dos dados foi realizada sempre pelo mesmo examinador, com Índice de Correlação Intraclasse (ICC) superior a 0,99, indicando excelente consistência.

Análise estatística

Análises de Regressão Multinível testaram se as variáveis antropométricas (i.e., massa e comprimento da perna) modulam o efeito tempo de prática (i.e., experiência) da marcha independente nas variáveis temporoespaciais velocidade e comprimento da passada. Para cada variável temporoespacial, três modelos foram computados.

O Modelo I teve como objetivo particionar a variância das variáveis temporoespaciais em dois componentes: variância intracriança (i.e., variância entre medidas de uma mesma criança) e variância intercriança (i.e., variância entre medidas de crianças distintas). Caso o resultado do Modelo I indicasse variação intracriança significativa, tal resultado sugeriria um efeito do tempo nas variáveis dependentes analisadas.

No caso de variância significativa intracriança, o Modelo II foi realizado para avaliar se tal variação poderia ser de fato explicada pelo tempo (i.e., experiência). Ou seja, o Modelo II visou testar se o tempo de prática da marcha independente predizia mudança nas variáveis temporoespaciais da marcha. Além disso, o Modelo II teve como objetivo testar se o padrão de mudança das variáveis temporoespaciais ao longo do tempo apresentava efeito significativo entre crianças.

Em caso de diferenças entre crianças no padrão de mudança ao longo do tempo (i.e., capturada pelo coeficiente de regressão b da variável preditora tempo), o Modelo III foi realizado para testar se a taxa de mudança nas variáveis antropométricas, massa e comprimento da perna explicavam parte dessa diferença intercriança.

Resultados

A média de idade de aquisição da marcha independente foi de 378,72 dias (DP=26,08). A média e o desvio padrão das medidas antropométricas (massa e comprimento da perna) e dos parâmetros temporoespaciais da marcha (velocidade da marcha e comprimento da passada), em cada uma das avaliações realizadas, estão representados na Tabela 1.

Tabela 1
Valores de média e de desvio padrão das medidas antropométricas (massa e comprimento da perna) e dos parâmetros temporoespaciais da marcha (velocidade da marcha e comprimento da passada).

Velocidade da marcha

O Modelo I demonstrou uma média geral de velocidade de 0,68 m/s (DP=0,06). A variância intracriança foi significativa (z=9,80, p<0,0001), sugerindo diferença entre medidas obtidas de uma mesma criança. Essa variância representou 93% da variância total dessa variável. Em contrapartida, a variância intercriança não apresentou significância estatística (z=1,37; p=0,17), sendo que ela explicou apenas 7% da variância total.

O Modelo II indicou que parte da variação intracriança estava relacionada ao tempo pós-aquisição. Especificamente, o Modelo II demonstrou um aumento da velocidade associado ao tempo de prática da marcha independente (b=0,07±0,008; T(74) = 8,05; p<0,0001). Esse modelo demonstrou ainda diferença significativa no padrão de mudança de velocidade com o tempo entre crianças. Foram encontradas diferenças nos coeficientes de regressão estimados para cada criança (z=2,88; p<0,0001).

No Modelo III, encontrou-se que a taxa de mudança na massa não afetou significativamente o efeito do tempo no ganho de velocidade (efeito massa = -0,30±0,07; T(29) = -0,460; p=0,65). Contudo, a taxa de mudança no comprimento da perna teve um efeito marginal na velocidade de marcha na direção esperada. Crianças cujo crescimento da perna foi mais acelerado apresentaram uma taxa de mudança de velocidade maior (efeito comprimento da perna = 0,07±0,04; T(29) = 1,92; p=0,07).

Comprimento da passada

No Modelo I, a média geral do comprimento da passada foi de 0,45m (DP=0,01). A variância intercriança representou apenas 7% da variância total, não apresentando significância (z=1,27; p=0,20). Por outro lado, encontrou-se uma variância intracriança significativa (z=9,80; p<0,0001), que explicou 93% da variância total.

O Modelo II confirmou a hipótese de que o tempo de prática de marcha independente aumenta o comprimento da passada, demonstrando um efeito significativo do tempo de aquisição nessa variável temporoespacial (b=0,03±0,002; T(96) = 11,09; p<0,0001). Esse modelo demonstrou ainda uma diferença significativa entre crianças na taxa de mudança do comprimento da passada ao longo do tempo (variância= 0,00009±0,0004; z=2,39; p=0,02).

O Modelo III não confirmou a hipótese de que a taxa de mudança na massa corporal e no comprimento da perna explicaria parte da diferença entre crianças observada na taxa de mudança no comprimento da passada. Tanto a taxa de mudança na massa quanto a taxa de mudança no comprimento da perna não afetaram significativamente o efeito do tempo no ganho do comprimento da passada (efeito massa: 0,01±0,02; T(29) = 0,54; p=0,60; efeito comprimento da perna: 0,02±0,01; T(29) = 1,44; p=0,16).

Discussão

Este estudo teve como objetivo avaliar se as variáveis independentes, massa e comprimento da perna direita, modulam o efeito do tempo de prática da marcha independente na velocidade e comprimento da passada em lactentes com desenvolvimento normal. O tempo de prática foi associado a uma variação significativa entre as medidas de velocidade e comprimento da passada de uma mesma criança.

A ausência de efeito significativo da taxa de mudança da massa nas variações de velocidade e comprimento da passada ao longo do tempo sugere que, em crianças com valores de massa dentro da faixa de normalidade, que foi o caso da presente amostra, o possível efeito negativo do ganho de massa seja compensado por outros fatores associados ao ganho de habilidade, que interferem diretamente na maturação da marcha, como o ganho de força muscular, melhor controle do equilíbrio e ganho de eficiência neuromotora. Garciaguirre et al.20 demonstraram que a marcha de lactentes foi negativamente afetada quando mochilas com peso eram posicionadas em seus troncos durante a fase de aquisição. No entanto, com o desenvolvimento, as crianças aprenderam a ajustar suas estratégias locomotoras frente a essa condição, mantendo o seu desempenho mesmo na presença de pesos extras adicionados aos seus corpos. Assim, a adaptação ao aumento da massa parece ocorrer de forma gradual. Portanto, lactentes possivelmente adaptam-se ao longo do tempo às mudanças em sua massa, não se evidenciando uma determinada fase específica de desestabilização. Ao mesmo tempo em que essa modificação de massa ocorre, novas estratégias de compensação, como aumento de força e aprimoramento do equilíbrio, vão sendo adquiridas e incorporadas no padrão da marcha emergente. No entanto, caso a amostra deste estudo incluísse crianças com sobrepeso, o acelerado ganho de massa poderia ter dificultado tais adaptações e um efeito negativo da taxa de mudança da massa nos parâmetros temporoespaciais da marcha poderia ter sido demonstrado. Entretanto, essa suposição permanece como hipótese a ser empiricamente testada.

A taxa de mudança do comprimento da perna exerceu um efeito marginal na velocidade da marcha, o que sugere que o aumento da velocidade poderia estar associado ao efeito do aumento do comprimento da perna no comprimento da passada. Contudo, a análise não confirmou essa hipótese. É possível que uma explicação para esse resultado seja o fato de que lactentes não possuem o padrão de marcha pendular do adulto, ou seja, seus passos não são proferidos para frente ou no plano sagital. Devido ao alargamento da base de suporte, característica marcante nessas crianças por seu reduzido controle de equilíbrio, seus passos são mais diagonalizados, portanto, até que ocorra a emergência do padrão de marcha pendular, o aumento do comprimento da perna não implicará diretamente em aumento da passada29.

Na amostra estudada, as mudanças antropométricas não exerceram influência nas mudanças dos parâmetros temporoespaciais da marcha no período de seis meses pós-aquisição. Esses resultados corroboram os de Bartlett15 que analisou, longitudinalmente, a relação entre as alterações antropométricas e o desenvolvimento motor grosso de 132 lactentes com desenvolvimento motor normal. O Índice de Massa Corporal (IMC - dado pela razão da massa corporal pelo quadrado da estatura) foi calculado, porém não houve correlação significativa desse parâmetro com o desenvolvimento motor dos lactentes. De maneira semelhante, Adolph et al.17 analisaram, longitudinalmente, a marcha de lactentes de ambos os sexos. Tanto os lactentes do sexo masculino quanto os do feminino apresentaram aumento em suas dimensões corporais de forma semelhante ao longo do tempo, contudo as medidas antropométricas foram preditores fracos da habilidade de caminhar nesses lactentes. Além disso, após controlar o efeito do tempo na habilidade de caminhar, o efeito modesto das variáveis antropométricas deixou de ser significativo.

O efeito de mudanças antropométricas no desempenho da marcha ao longo do desenvolvimento pode não ter sido evidenciado pelo fato de as análises realizadas capturarem apenas relações lineares entre essas variáveis. De acordo com a teoria dos Sistemas Dinâmicos, o desenvolvimento motor infantil é decorrente de mudanças de um sistema complexo, sob influência de múltiplos componentes30,31. No entanto, essas mudanças não ocorrem de maneira linear32. Em outras palavras, os parâmetros temporoespaciais da marcha podem ser alterados sem a modificação da massa ou do comprimento da perna, assim como um pequeno aumento da massa ou do comprimento da perna pode contribuir para modificações desses parâmetros. Dessa forma, é possível que as análises lineares realizadas não tenham sido capazes de capturar a natureza de tal efeito, que pode apresentar-se como fenômeno não linear.

Uma restrição dos resultados deste estudo deve-se ao fato de a amostra ter sido composta apenas por lactentes com valores de massa dentro da faixa de normalidade. A ausência de lactentes com sobrepeso na amostra possivelmente reduziu a variância na taxa de mudança da massa ao longo do tempo, o que pode ter dificultado a identificação da associação hipotetizada entre a taxa de mudança de massa e o desempenho da marcha. Estudos futuros que comparem o desenvolvimento da marcha em lactentes com e sem sobrepeso podem testar a associação entre a taxa de mudança de massa e as variáveis temporoespaciais velocidade e comprimento da passada.

Uma possível limitação do estudo pode ter sido o fato de terem sido coletados apenas os dados do membro inferior direito de cada lactente, entretanto a colocação dos marcadores não alterou o padrão de marcha dos lactentes, sendo considerados, na análise, apenas passos regulares e estáveis, garantindo a validade dos parâmetros da marcha coletados. Um ponto positivo nos procedimentos de coleta de dados deste estudo incluiu as estratégias de motivação utilizadas para manter o interesse da criança durante a deambulação em cada coleta, permitindo que os lactentes ficassem motivados com a atividade.

Este estudo pode contribuir para a área de fisioterapia indicando elementos que devem ser considerados no processo de avaliação e no raciocínio clínico. Durante a emergência e primeiros seis meses de aquisição da marcha, o lactente se depara com as demandas de aprendizagem do novo marco motor e, concomitantemente, com mudanças em ritmo acelerado de estruturas diretamente envolvidas com a marcha (i.e., membros inferiores). Apesar de os resultados terem demonstrado que tais mudanças antropométricas não impactam o desenvolvimento de parâmetros temporoespaciais da marcha em lactentes com desenvolvimento normal, é importante atentar para a possibilidade de que, na presença de uma condição de saúde, as demandas inerentes ao crescimento corporal juntamente com as demandas da aprendizagem e aprimoramento da marcha podem apresentar-se como grandes desafios para crianças com deficiências nas estruturas e funções do corpo. Profissionais da área de reabilitação que lidam diretamente com crianças de diferentes grupos clínicos devem atentar para o impacto do crescimento infantil na aquisição e desenvolvimento de marcos motores, como a marcha, e buscar adequar as funções corporais de tal forma a atender também as alterações nas estruturas durante períodos de acelerado crescimento.

Os resultados deste estudo demonstram que o aumento do comprimento da perna direita assim como o ganho de massa não estão relacionados às mudanças nas variáveis temporoespacias da marcha, especificamente, velocidade e comprimento da passada, pelo menos em crianças normais. Apesar de ter sido encontrada uma variação significativa entre as medidas de velocidade e comprimento da passada de uma mesma criança, essa variação foi explicada pelo tempo de prática, ou seja, período de acompanhamento longitudinal. Além disso, houve diferença significativa na taxa de mudança das variáveis velocidade e comprimento da passada entre crianças. No entanto, as mudanças antropométricas nessa faixa etária parecem não estar associadas a tais diferenças.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento (CDS – Programa Pesquisador Mineiro - processo nº 00259-10), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de Doutorado, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de iniciação científica.

Agradecemos especialmente aos pais pela participação de seus filhos no presente estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2013

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2012
  • Revisado
    15 Out 2012
  • Aceito
    05 Nov 2012
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