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Cartas ao Editor

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Editor Científico da RBGO

Nos trabalho originais da RBGO de setembro pp., foi publicado excelente artigo de José Antônio Simões et al., intitulado Complicações perinatais em gestantes com e sem vaginose bacteriana. No referido trabalho, os autores chamam a atenção para a detecção precoce e tratamento da Vaginose Bacteriana, como meio de se diminuir a incidência de prematuridade e Rh de baixo peso.

Em 1995, escrevemos um texto no qual abordamos o tema e relacionamos os mesmos problemas gestacionais com a Vaginose bacteriana. Vaginose bacteriana: um enigma ecológico e um equívoco semântico era o título de nossa colaboração. O equívoco semântico que apontamos é a respeito do termo vaginose. Pensamos que a denominação correta deva ser bacteriose. A justificativa é a seguinte: o sufixo grego ose, usa-se para dar uma idéia de excesso. Por exemplo: hemocromatose, excesso de pigmento sangüíneo; gliose, aumento de células gliais; linfocitose, contagem de linfócitos acima do normal; esclerose, produção excessiva de tecido conjuntivo nas artérias; queratose, depósito exagerado de queratina. Então, o excessivo número de bactérias na vagina, deveria ser chamado de Bacteriose vaginal.

Franklin Cunha

Porto Alegre, 21/12/98

Vaginose Bacteriana ou Bacteriose Vaginal?

Procurei com a ajuda do Departamento de Apoio Didático da FCM/UNICAMP, responder essa questão.

Na pesquisa realizada encontramos o termo bacteriose: qualquer moléstia de origem bacteriana. Quanto a vaginose, não está registrado em nenhum dicionário. Isto não significa que o vocábulo em questão, seja incorreto ou que não possa ser usado. No capítulo dedicado à formação de palavras, o lingüista Domingos P. Cegalla relata:

a) o sufixo oso forma adjetivos denotadores de abundância, qualificação acentuada. Ex.: gorduroso, corajoso, arenoso.

b) O sufixo ose (da terminologia científica, usado em Medicina) forma substantivos que denotam estado mórbido, doença. Ex.: neurose, dermatose, nefrose. Por extensão, temos vaginose bacteriana como significando corretamente uma afecção, uma moléstia vaginal decorrente do excesso de bactérias (no caso, especialmente anaeróbicas).

Bem, parece que só há 2 alternativas: podemos deixar de lado tal confusão semântica e continuar a usar o vocábulo vaginose, devidamente credenciado pela literatura médica mundial, ou continuar tentando convencer os autores no sentido de eliminar, de vez, o duplo sentido, usando-se preferencialmente, bacteriose vaginal. Parece-me que sem muito sucesso até agora.

Na minha opinião, acho que devemos continuar empregando o termo Vaginose Bacteriana, visto ser também correto e já consagrado desde sua proposição.

José Antônio Simões

DTG/FCM/UNICAMP

Campinas 3/1/99

Comentário Editorial

A respeito da nomenclatura mais adequada para designar todo o processo decorrente de alterações da flora vaginal, atualmente chamado "Vaginose Bacteriana", antecipo que as justificativas são longas, a exemplo de todo tópico que encerra alguma controvérsia. A discussão foi deflagrada no início dos anos 80, quando a vaginose bacteriana ainda era chamada de "Vaginite Inespecífica". Apesar de ser uma nomenclatura inadequada, desde que não existe fenômeno inflamatório que justifique a terminologia "vaginite", ela foi tolerada por vários anos. Em face de um melhor entendimento da patogênese dessa alteração do ecossistema vaginal, não havia mais sustentação para esta nomenclatura e no limiar da década de 80, abriu-se a discussão objetiva e cientificamente embasada para a busca de um novo nome.

Vários termos foram propostos para substituir a nomenclatura "Vaginite Inespecífica", algumas baseadas no conhecimento decorrente de pesquisas, a exemplo do trabalho de Holmes e cols. (1981), denominando-a "Vaginose Inespecífica", seguido de Blackwell & Barlow (1982), que denominaram-na "Vaginose Anaeróbica", fundamentando-se no comportamento anaeróbico dos germes predominantes e negando a inespecificidade do nome anterior. Spiegel e cols. (1983) denominaram-na "Vaginose Bacteriana", considerando que o sufixo "ose" dava a exata conotação de alteração vaginal, independente de subespecificações relacionadas ao componente bacteriano. Com tantas alternativas e algumas confusões editoriais, os principais pesquisadores deste tópico decidiram ser oportuno a realização de uma reunião pacificadora para discutirem o assunto. O "Symposium on Bacterial Vaginosis", foi realizado em Estocolmo-Suécia (1984), ocasião em que, oficialmente, propuseram a adoção da terminologia "Vaginose Bacteriana", já utilizada por alguns autores, para definirem a reposição dos lactobacilos vaginais por específicos grupos bacterianos, seguido de alterações nas propriedades do conteúdo vaginal (Weström e cols., 1984). Como a alteração em pauta deriva da substituição de um grupo de bactérias por outro (nem sempre a população bacteriana vaginal está aumentada como um todo), qualquer terminologia destacando o componente bacteriano necessitaria de um nome adicional para sua designação correta.

A aceitação da terminologia "Vaginose Bacteriana" não foi fácil em decorrência de sua inadequação vernacular em conseqüência dos vários sentidos do sufixo "ose". Este sufixo tem múltiplas aplicações, inclusive para indicar excesso, seja numérico ou de concentração (Cunha, 1996). Pessoalmente, em todas as publicações que tenho sobre o assunto chamo a atenção para o fato (Duarte & Landers, 1998) mas não tenho e não conheço sugestão melhor que aquela adotada pelos pesquisadores do assunto há 15 anos atrás. Meu objetivo em apontar a inadequação relativa do termo é puramente pedagógico e usado justamente para estimular um aprofundamento da questão entre aqueles que se dedicam ao estudo desta complicação na busca de uma terminologia com aceitação universal.

Resumindo a questão em epígrafe é minha opinião que o termo "Vaginose Bacteriana" usado para designar a "reposição parcial ou total dos lactobacilos vaginais por específicos grupos bacterianos, seguido de alterações nas propriedades do conteúdo vaginal", segue a linguagem da ciência contemporânea, sendo utilizado universalmente pelos expoentes máximos na pesquisa deste tópico (Hillier & Holmes, 1998 ). Até o momento, penso ser este termo o mais adequado para ser utilizado na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. As referências anexas não são as mais importantes sobre o tema, mas dão perfeito suporte para esta decisão.

Blackwell A, Barlow D. Clinical diagnosis of anaerobic vaginosis (non-specific vaginitis). A pratical guide. Br J Vener Dis 1982; 58:387-93.

Cunha F. Vaginose bacteriana: um enigma ecológico e um equívoco semântico. Revista AMRIGS, Porto Alegre 1996; 40:85-87.

Duarte G, Landers DV. Vulvovaginites-Aspectos epidemiológicos. J Bras Doenças Sex Transm 1998; 10:4-14.

Hillier SL, Holmes KK. Bacterial vaginosis. In: Holmes KK, Mårdh PA, Sparling PF, et al., editors. Sexually Transmitted Diseases. New York: McGraw-Hill Book Co, 3th edition; 1999. p. 563-86.

Holmes KK, Spiegel C, Amsel R, Eschembach DA, Chen KCS, Totten P. Nonspecific vaginosis. Scand J Infect Dis (Suppl) 1981; 26:110-4.

Spiegel CA, Amsel R, Holmes KK. Diagnosis of bacterial vaginosis by direct Gram stain of vaginal fluid. J Clin Microbiol 1983; 18:170-7.

Weström L, Evaldson G, Holmes KK, van der Meijden W, Rylander E, Fredrikson B. Taxonomy of vaginosis; Bacterial vaginosis ¾ A definition. Reports from a Working Group at the Symposium on Bacterial Vaginosis (Stockholm, January 1984). In: Mårdh PA, Taylor-Robinson D, editors. Bacterial Vaginosis. Stockholm: Almqvist & Wiksell Int; 1984. p. 259-60.

Geraldo Duarte

Pittsburg, 14/2/99

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 1999
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