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Reflexões sobre a ceratite fúngica por meio dos achados de exames histopatológicos

Resumos

OBJETIVO: Estudo de botões corneanos por meio do exame histopatológico para verificar as alterações ocorridas nos tecidos corneanos numa infecção fúngica e tirar desses achados orientações para o diagnóstico e o tratamento. MÉTODOS: Trabalho retrospectivo, realizado num Banco de Olhos (BOO) entre janeiro de 2006 e junho de 2011, usando dados de prontuários a partir das informações enviadas pelos cirurgiões e sendo examinado material recebido de ceratoplastia penetrante com o exame de 38 peças de 35 pacientes, sendo processadas e feitas de uma a três colorações de acordo com as dificuldades diagnósticas. RESULTADOS: Os pacientes eram na maioria homens, 57% (n=35), a faixa etária acima de 60 anos a mais numerosa com 1/3 dos pacientes. Os casos de ceratite fúngica correspondiam à média de 6,4% (n=597) do material recebido no BOO e 1,65% (n=2310) dos transplantes ocorrido com o material fornecido nos últimos 5 anos. Pelas informações dos cirurgiões 39,5% (n=38) dos casos deviam-se a perfuração corneana. Usando as datas dos transplantes foi feita uma Tábua de Observação. Em 11 (n=38) casos, a córnea procedia de transplante anterior. As formas leveduriformes nos tecidos corneanos eram de 63% (n=38). Em 50% (n=38) dos casos o infiltrado inflamatório era pequeno ou inexistente. A camada de Descemet estava íntegra em 13% (n=38), enquanto eram encontrados fungos na superfície corneana de 45% (n=38) dos casos. CONCLUSÃO: A coleta do material poderá ser feita com sucesso mesmo depois de instalado o tratamento, entretanto, nas úlceras de córnea deve ser feito preferentemente a coleta de material com espátula para exame laboratorial e a microscopia confocal in vivo. A predominância das leveduras poderá ser devido a alterações morfológicas do fungo sofridas no tecido corneano. A penetração intraocular é facilitada por alterações da Camada de Descemet e pela própria capacidade do fungo de penetrar nos tecidos justificando o tratamento sistêmico desde o início.

Ceratite; Ceratite; Infecções oculares fúngicas


PURPOSE: The study of fungal invasion and pathogenicity in corneal tissue observed through the histopathological examination of specimens obtained through penetrating keratoplasty ('PKP') of samples obtained from an Eye Bank ('EB'), with the aim of applying findings in diagnosis and treatment of the condition METHODS: Retrospective non-comparative case studies on samples collected between January 2006 and June 2011 based on identification data comprised of scant historical information sent by surgeons and material obtained through PKP, consisting of 38 samples from 35 patients. Processing involved special stains for fungi in order to detect the presence thereof, with one to three colourations being performed in accordance with diagnostic difficulty in relation to each sample. RESULTS: Patients were predominantly male (20 compared to 15 females), and the most represented age group was 60+ years of age (1/3 of the patients). Mycotic keratitis was detected in 6.4% (n= 597) of cases referred to the EB and in 1.65% (n= 2310) of transplants using corneal material provided by the EB over the last five years. According to historical information provided by surgeons, 39.5% (n= 38) of cases were due to perforation of the cornea. A statistical table was prepared using transplant data. 11 specimens (n= 38) were due to an anterior corneal graft. Yeasts were present in 63% (n= 38), and 50% (n= 38) of corneal tissue had mild or non-existing inflammation. 13% (n= 38) had whole Descemet layers, while 45% (n= 38) presented fungi on the corneal surface. CONCLUSION: Corneal grasping and confocal microscopy may be performed successfully after treatment has been initiated, although in corneal ulcers samples should ideally be collected with a spatula for laboratory testing in vivo. The high prevalence of yeasts in the samples we looked at may be due to morphologic changes in corneal tissue of fungal origin. Intraocular penetration of the fungi is facilitated by changes to the Descemet layer, and assisted by the fungi's own properties. Therefore systemic treatment is justified from the outset.

Keratitis; Keratitis; Eye infections; fungal


ARTIGO ORIGINAL

Reflexões sobre a ceratite fúngica por meio dos achados de exames histopatológicos

Fernando Queiroz MonteI; Niedja Marques StadtherrII

IBanco de Olhos da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará - Fortaleza (CE), Brasil

IIServiço de Oftalmologia do Hospital Geral do Exército - Fortaleza (CE), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fernando Queiroz Monte Rua dr. José Lourenço, nº 2180 - apto. 501 CEP 60115-282 - Fortaleza (CE), Brasil Tel: (85) 3246-6790 E-mail: fernandoqueirozmonte@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Estudo de botões corneanos por meio do exame histopatológico para verificar as alterações ocorridas nos tecidos corneanos numa infecção fúngica e tirar desses achados orientações para o diagnóstico e o tratamento.

MÉTODOS: Trabalho retrospectivo, realizado num Banco de Olhos (BOO) entre janeiro de 2006 e junho de 2011, usando dados de prontuários a partir das informações enviadas pelos cirurgiões e sendo examinado material recebido de ceratoplastia penetrante com o exame de 38 peças de 35 pacientes, sendo processadas e feitas de uma a três colorações de acordo com as dificuldades diagnósticas.

RESULTADOS: Os pacientes eram na maioria homens, 57% (n=35), a faixa etária acima de 60 anos a mais numerosa com 1/3 dos pacientes. Os casos de ceratite fúngica correspondiam à média de 6,4% (n=597) do material recebido no BOO e 1,65% (n=2310) dos transplantes ocorrido com o material fornecido nos últimos 5 anos. Pelas informações dos cirurgiões 39,5% (n=38) dos casos deviam-se a perfuração corneana. Usando as datas dos transplantes foi feita uma Tábua de Observação. Em 11 (n=38) casos, a córnea procedia de transplante anterior. As formas leveduriformes nos tecidos corneanos eram de 63% (n=38). Em 50% (n=38) dos casos o infiltrado inflamatório era pequeno ou inexistente. A camada de Descemet estava íntegra em 13% (n=38), enquanto eram encontrados fungos na superfície corneana de 45% (n=38) dos casos.

CONCLUSÃO: A coleta do material poderá ser feita com sucesso mesmo depois de instalado o tratamento, entretanto, nas úlceras de córnea deve ser feito preferentemente a coleta de material com espátula para exame laboratorial e a microscopia confocal in vivo. A predominância das leveduras poderá ser devido a alterações morfológicas do fungo sofridas no tecido corneano. A penetração intraocular é facilitada por alterações da Camada de Descemet e pela própria capacidade do fungo de penetrar nos tecidos justificando o tratamento sistêmico desde o início.

Descritores: Ceratite/diagnóstico; Ceratite/patologia; Infecções oculares fúngicas/diagnóstico

INTRODUÇÃO

A ceratite micótica tinha características pouco atraentes para os centros de pesquisas porque além de ser mais frequentes nas regiões de clima quente, composta de países que despendem pouco recurso em pesquisa. Por outro lado, acometia populações rurais que vêm decrescendo nos últimos séculos devido à urbanização iniciada após a revolução industrial. Entretanto a sua definição foi feita num país de clima temperado, onde os casos são raros. Foi descrita pela primeira vez por Leber, em 1879, um camponês, de 54 anos, que trabalhando numa máquina trituradora (Dreschmaschine) recebeu um leve trauma na córnea por um fragmento de aveia (haferspelze)(1). Já em 1907, Zade apresentou o caso de uma camponesa de 44 anos e ao fazer o levantamento na literatura, encontrou 22 casos de ceratite micótica. Anexo ao texto apresentou o desenho da forma encontrada no laboratório, mostrando o aspecto de Aspergillus(2).

Na segunda metade do século XX houve um aumento crescente no número de casos, sobretudo pela generalização do uso de antibióticos e corticosteróides tópicos e ao aumento do número de transplantes e de pacientes imunodeprimidos, o que fez nascer um relativo interesse, pois passou a acometer pessoas das áreas urbanas.

Poucos foram os artigos publicados em que se estudava a histopatologia da córnea nas infecções fúngicas. O artigo mais amplo que tivemos acesso foi o de Naumann et al.(3) os quais apresentaram casos recebidos pelo Armed Forces Laboratory of Ocular Pathology, que recebeu casos do sul dos Estados Unidos da America e de países da África e América do Sul. Antes, Zimmerman, usando a mesma amostra, havia mostrado imagens de tecido corneano de 7 casos(4).

Existe uma explicação prática para o pouco interesse da histopatologia para esses casos, acrescentada as que colocamos acima, é de que através dela não se poderá chegar ao diagnóstico etiológico que tem um interesse mais direto para o tratamento, segundo o pensamento ontogênico predominante na medicina. Entretanto, ao dispor de uma quantidade satisfatória de casos, resolvemos tirar proveito dos achados para refletir sobre a doença e oferecer sugestões que sirvam para minimizar os efeitos danosos dela. Fomos movidos pela curiosidade sobre o que passa no tecido corneano nessa infecção. Os casos examinados não tinham nenhum resultado de exame microbiológico e parcas informações o que nos permitiu explorar ao máximo o que se visualizava nas lâminas e procuramos tirar as lições que pudessem ter um interesse prático.

MÉTODOS

Estudo realizado no Banco de Olhos da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, que, para controlar melhor os casos de urgência, exigiu que fossem enviadas as córneas dos receptores para que pudessem ser submetidas a exame histopatológico. Os casos que não fossem de urgência poderiam ter o material examinado se o cirurgião desejasse obter algum esclarecimento sobre eles.

O material enviado vinha apenas com o formulário padrão preenchido com dados sumários sobre o caso, não havendo informações adicionais. Não havia história clínica detalhada dos sinais clínicos somente os que poderiam servir como justificativa, mas sem dados cronológicos da evolução da enfermidade.

O material recebido era encaminhado para o Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital Geral de Fortaleza onde o Banco de Olhos é sediado. O exame macroscópico dos botões corneanos foi realizado pelo patologista do Banco de Olhos que, depois de descrevê-lo recortava o material e colocava para ser incluído de forma que pudessem ser examinadas todas as camadas da córnea. A inclusão foi feita em parafina, depois da qual o material foi cortado com espessura de 5µ. Todo material foi corado por Hematoxilina-eosina, nos casos em que havia dúvida de consolidação do diagnóstico de ceratite fúngica foram realizadas as colorações de PAS (Periodic Acid of Schiff reaction), de Prata metanamina, na reação de Gomori, e a coloração de Masson. Na maioria dos casos não houve dificuldades para o diagnóstico com a coloração de rotina (Hematoxilina-Eosina) e as poucas dúvidas foram tiradas com o auxílio de outras colorações. Enfim, a Hematoxilina-Eosina foi utilizada isoladamente em 30 casos (79%), associada à Prata metanamina, em 3 casos (7,9%); as duas colorações acrescentada o PAS foram realizadas em 4 (10.5%) casos; e a tripla associação, com a substituição do PAS pelo Masson, em 1 (2,6%) caso.

O levantamento teve início em janeiro de 2006 e foi concluído em junho de 2011. Foram examinados retrospectivamente, 597 casos de um total 2310 transplantes realizados no período, dos quais 38 exames tiveram o diagnóstico histopatológico de ceratite fúngica.

No protocolo da pesquisa foram obtidos os dados do prontuário do paciente em que eram colhidas as informações do cirurgião sobre o transplante constante na solicitação da córnea para a cirurgia.

Para o preenchimento de dados das lâminas foram considerados os seguintes dados: colorações usadas, morfologia dos fungos, aspecto geral da córnea, localização do parasita, aspecto da camada de Descemet e descrição de infiltrado inflamatório na córnea. Os dados foram tabulados, para apresentação dos resultados.

RESULTADOS

A composição da amostra quanto ao gênero foi de 20 homens e 15 mulheres acometidos, como houve três casos de recidiva, essas ocorreram em dois homens e uma mulher.

Quanto à faixa etária dos pacientes, observamos que não houve casos da doença antes dos 20 anos de idade e o mais idoso tinha 81 anos. Entre os 20 e 29 anos, houve 3 (8,5%) casos; na de 30 a 39, 8 (23%) casos; já entre 40-49, foram 6 (17%) casos; enquanto na faixa de 50-59, ocorreram 5 (14%) casos; entretanto o maior número de casos ocorreu acima de 60 anos, que concentrou 11 (31,5%) casos.

Nos dados gerais da amostra constam a distribuição anual de material vindo de botões corneanos obtidos através de transplante em 35 pacientes onde foram diagnosticados 38 casos de ceratite fúngica, nos cinco anos e meio em que foram enviados. Na tabela 1 estão expostos os casos de ceratite fúngica para cada ano, comparada ao número de córneas enviadas ao Banco de Olhos para a comprovação da urgência do caso sendo determinada a taxa de frequência da doença naquela amostra; constam, ainda, o número de transplantes realizados no período com córneas fornecidas pelo Banco de Olhos e a taxa anual para a ceratite fúngica.

Tabela 1

Casos diagnosticados, por meio de exame histopatológico, no período de janeiro de 2006 a junho de 2011, com percentagens anuais dos casos relacionadas ao material enviado para exame e a taxa anual em relação ao total dos transplantes

As informações oferecidas pelos cirurgiões, para justificar a prioridade dos transplantes propostos, estão alinhadas na tabela 2.

Tabela 2

Informações contidas no pedido de liberação de córnea pelo Banco de Olhos, nos pacientes em que foram diagnosticados a ceratite fúngica

Houve um grande número de casos de ceratites fúngicas que pudemos acompanhar a sua evolução do quadro sob o aspecto cronológico por meio dos prontuários e anotações do Banco de Olhos. Nos casos acompanhados foi possível ter a certeza de cura da ceratite nos casos em que havia um transplante subsequente ao da cirurgia em que foi diagnosticada a ceratite fúngica. Ao se submeter a outra cirurgia sendo verificado que não havia mais a infecção e ficava registrada a cura , mas os que não tiveram material enviado não eram contados como curados. Como pareceram significativos os números de casos de cirurgia, resolvemos estudar este aspecto por meio de uma Tábua de Observação.

Tábua de observação de coorte de casos de ceratite fúngica submetido ao transplante de córnea

Na Tábua de Observação constatamos: No caso 1: houve dois transplantes sem diagnóstico histológico de ceratite fúngica (cores amarela e laranja), antes dela ser diagnosticada quando passa À cor vermelha. Nos casos 2 e 10 foram encontradas ceratite fúngica em dois transplantes e depois não foi enviado mais nenhum material cirúrgico (cor vermelha). Nos casos 3, 5 e 7 houve o diagnóstico da ceratite em estudo, mas no transplante seguinte não foi encontrado o parasita (cor verde). No caso 4, o tempo de diagnóstico, entre o primeiro e o segundo transplante, foi longo sendo a infecção tardia (amarelo seguido de vermelho), mas a recidiva foi tratada num tempo menor, mas ficou na tábua como se tivesse sido tratado da infecção por muito tempo, porque o longo tempo que esteve bem sem tratamento entrou na coluna do transplante, para que não alongássemos a Tábua, mesmo sendo a recidiva da infecção tratada de imediato. Nos casos 6, 8 e 11, o primeiro transplante não mostrava a infecção do segundo (amarelo e vermelho). No ccaso 9 foi encontrado o fungo no primeiro transplante, que não se manifestou nos dois seguintes (duas tonalidades de verde).

Na Tábua de Observação não tivemos uma homogeneidade de dados, por isso foram mantidas as datas da realização das cirurgias sem o cálculo do intervalo médio entre elas, objetivo geral do seu uso. A ausência de dados cronológicos sobre o início do tratamento não permitiu estabelecer média e desvio padrão por se tratarem, em grande parte, dos dados de doenças com evolução sensivelmente diferentes, precisando de dados específicos para estabelecer períodos de decorrência dela.

Como percebemos a existência de uma relativamente grande quantidade de cirurgias, antes e depois do transplante, com diagnóstico histológico, procuramos o motivo das intervenções cirúrgicas envolvidas nos casos que detalhamos na tabela 3.

Tabela 3

Tipo de cirurgias antes e depois de transplantes de córnea em que foi detectada a ceratite fúngica

Fazendo um apanhado descritivo, vemos uma preponderância das formas leveduriformes vistas isoladamente em 24 (63%), no entanto, em 12 (32%) dos casos encontramos tanto leveduras, como hifas; enquanto os casos em que só havia hifas, reduziam-se a 2 (5%) casos.

Para delimitar o grau de vulnerabilidade do globo ocular à disseminação da infecção, procuramos ver o comportamento da Camada de Descemet, que é tida como uma das barreiras a se opor à penetração intraocular do parasita, desde que a infecção foi favorecida pela ruptura da barreira anterior - epitélio e Camada de Bowman. Para isso temos a tabela 4 em que verificamos que somente em 13% dos casos a Descemet não apresenta anormalidade e um dado que preocupa é o de que em 34% dos casos o fungo foi flagrado atravessando a Camada de Descemet.

Tabela 4

Estudo da camada de Descemet no botão corneano retirado do receptor, nos transplantes em que foi diagnosticada a ceratite fúngica

A presença de infiltrado inflamatório também foi pesquisada na metade dos casos, praticamente não havia hiperemia; havia moderada hiperemia em 15 (39,5%) dos casos; os casos de hiperemia intensa limitaram-se a 4 (10,5%).

Verificamos que nos botões enviados para exame encontrávamos uma grande quantidade de fungos na superfície, no local desepitelizado ou com ulceração, por isso, resolvemos contabilizá-lo. Havia na parte superficial da peça a presença de fungo em 17 (45%) casos e, restrita à parte profunda dos cortes, em 21 (55%) casos.

Os fungos têm ou tomam, durante a sua penetração na córnea, formas variadas como pode ser vista nas figuras 1A, 1B e 1C. As figuras 1C e 1D mostram como o parasita fica na superfície da córnea tanto como leveduras ou micélios que são constituídos por hifas.

Figura 1A

Figura 1B

Figura 1C

Figura 1D

Figura 1 - A) Vemos fungos leveduriformes com aspecto variado: (c) núcleo com forma de crescente; (o) com a disposição em ogiva; (h) na forma de halteres. Observa-se a ausência de reação inflamatória (HE x 200); B) Podem ser vistas tanto hifas, como pseudo-hifas e hifa septada bifurcada, ao lado de levedura com aspecto de crescente. Neste caso não se vê reação inflamatória (HE x 200); C) Fungos leveduriformes sobre superfície desepitelizada e, mais profundamente, formas translucentes de leveduras em que ressalta a sua espessa cápsula, e uma pseudo-hifa clamidiforme composta por quatro leveduras menores e uma maior (HE x 200 ); D) Micélio, na superfície ulcerada da córnea, composto por hifas não septadas (HE x 120)

Na parte mais profunda, além das que ficam paralelas à superfície, vemos hifas perpendiculares, como está mostrado na Figura 2A. Na tabela 5, há indicação de que na Camada de Descemet, em 34% da amostra, havia a presença de parasitas tanto na forma de esporo ou levedura como de hifa (Figura 2B). Como se observa, há variadas alterações da Camada de Descemet, que uma olhada na Tabela 7 torna evidente, podemos verificar na figura 2C, esporos dentro da camada próximos a uma zona de ruptura e vemos, na figura 2D, diversas fases da penetração do fungo na Camada de Descemet.

Figura 2A

Figura 2B

Figura 2C

Figura 2D

Figura 2A) Existe uma hifa paralela à superfície corneana, o que é comum, e uma hifa perpendicular na parte mais profunda do estroma. A Camada de Descemet mostra esporos na sua estrutura e tem dobra e espessamento (HE x 200); B) Hifa septada dentro da Camada de Descemet, que está subjacente a um microabcesso da parte mais interna do estroma corneano (HE x 120); C) Há microabcesso na parte mais interna do estroma corneano, em que se vê esporo de fungo. A Camada de Descemet apresenta uma ruptura e apesar dessa facilidade para penetração existe fungo que penetra na sua estrutura, o que comprova a sua indolência aliada a um grande poder de penetração (HE x 120); D)Vemos esporos de fungos em que, um já penetrou parcialmente na Câmara anterior, e o outro já se encontra no interior da Câmara (HE x 200).

Uma forma menos comum de apresentação dos fungos é a da formação de micetoma, que está situado no local da incisão do transplante anterior do qual a estrutura achada é um dos sinais da recidiva (Figura 3A). Comprovando que o parasita penetra na Câmara anterior do globo ocular, vemos hipópio com a presença de parasitas na figura 3B.

Figura 3A

Figura 3B

Figura 3A) Um micetoma, que é um amontoado fúngico, está situado dentro da incisão de ceratoplastia que foi realizada antes de se manifestar a infecção fúngica (HE x 80); B) Hipópio, no qual, as setas apontam para formações leveduriformes (HE x 200).

DISCUSSÃO

Os estudos sobre a etiologia das ceratites seguem duas linhas: de um lado vendo o aspecto preventivo, do outro o aspecto etiológico quando se trata de estabelecer uma terapêutica. Ao estudar a flora da conjuntiva, valoriza-se o aspecto preventivo e epidemiológico no momento em que as infecções oportunistas estão em ascensão. Por isso, em decorrência disso a preocupação é mais dirigida para o lado bacteriológico(5-12), e valorizada a presença de fungos saprófitas na conjuntiva(13-16). Podemos testemunhar a preocupação com a ceratite fúngica de alguns artigos(17,18).

Os estudos histopatológicos sobre ceratite fúngica são raros tendo, mesmo assim, já sido realizado no Brasil(19), embora com amostra de botões provindos de transplante "à quente" como na maioria dos casos que nos chegaram às mãos. Esse artigo que poderia ajudar confirmando ou abrindo uma visão mais crítica sobre a nossa amostra, infelizmente, não foram exploradas as alterações tissulares, ele serviu apenas para homologar o diagnóstico previamente feito no exame do material coletado de úlceras.

Tendo recebido um número de casos acima do esperado de ceratite fúngica, em material enviado para Banco de Olhos para controle dos casos de urgência e com quase nenhuma informação do cirurgião, procuramos investigar dentro de um restrito universo, sobretudo diante do assustador número de casos no ano de 2009, o que alertou da possibilidade de ser um caso de saúde pública. Procuramos deduzir dos achados quais as medidas preventivas que poderiam ser tomadas e/ou transmitidas aos oftalmologistas clínicos e aos cirurgiões do segmento anterior do olho.

A quase totalidade dos artigos mostra o resultado de exames laboratoriais identificando a espécie do fungo. Não podendo contar com esse útil recurso tivemos que tomar as informações das respostas tissulares e identificar a grosso modo o gênero. A identificação das espécies era impossível porque as peças vinham fixadas com formol neutro sem que pudesse ser obtido material para cultura.

O trabalho não tem valor como diagnóstico etiológico, mas alerta sobre condutas clínicas no tratamento de ceratites e no pós-operatório das cirurgias de catarata e de transplante de córnea. Dispondo de parcas informações, tivemos que fazer nossa investigação quase como as dos homens da caverna analisando o mundo exterior conforme fala Platão (427-348 a.C.) no Livro VII, da República. Como apoio, usamos a Histopatologia para confirmar o diagnóstico e para verificar o que poderia ser oferecido de prático tanto para ajudar no diagnóstico etiológico, fazer reflexões epidemiológicas, alertar sobre o tratamento e sugerir medidas para evitar recidiva.

Um dado que revela um aspecto da mudança, e que vem sendo detectada a alguns anos, no fator de risco da ceratite fúngica é o que aponta para o predomínio das infecções oportunistas, no lugar do traumatismo com vegetais, dos achados clássicos. Um dos argumentos, a favor é a da faixa etária acometida composta de pessoas com mais de 60 anos de idade, ainda que possamos associar à cirurgia de catarata, conforme apontamos nos nossos resultados.

Do ponto de vista epidemiológico, temos que resolver se o achado deve ser tomado como um dado de prevalência ou como de incidência. Segundo os dados mostrados na tabela 1. Os casos chegados ao Banco de Olhos caracterizam incidência porque têm o caráter de notificação comprovada de fungo. No entanto, poderá ser considerada como prevalência pontual(20). Vemos que na determinação da taxa de incidência, o ano de 2009 foi batido pelo de 2011, enquanto ao estudar prevalência pontual, a taxa de 2009 foi mais que 2,5 vezes maior que a de 2011, o que serviria de alerta para as autoridades sanitárias. Não poderemos falar em termos absolutos porque muitos dos casos foram diagnosticados clinicamente e tratados com obtenção da cura dos pacientes. Podemos utilizar com sentido inverso a frase atribuída a Diógenes (404-323 a.C.), pelo filósofo grego Diógenes Laércio, que visitando um templo foi-lhe mostrado uma grande quantidade de "ex-votos" como uma prova da benevolência dos deuses a quem os recorria, aquele filósofo questionou: Quantos recorreram e não foram atendidos? Na nossa amostra, vimos os insucessos sem ter acesso aos casos com resultado satisfatório.

Os casos estudados nesta pesquisa foram os que não responderam ao tratamento que não foram feitos exames microbiológicos e que clinicamente tivessem quadro compatível com ceratite bacteriana, como explicitamente era indicado por 7 cirurgiões, enquanto somente dois casos foram tratados para ceratite fúngica e que não foi capaz de reverter o quadro infeccioso (Tabela 2).

O dado de que foram poucos os diagnósticos pré-operatórios de ceratite fúngica deve ser visto com cuidado. De um lado, o quadro de evolução indolente ocorreu na metade dos casos, conforme mostramos na apresentação dos resultados. A questão da hiperemia intensa da informação do cirurgião, com infiltrado reduzido nos cortes histopatológicos, encontrado em muitos casos, leva à seguinte questão epistemológica: a reação inflamatória exteriorizada como foi relatada na justificativa do cirurgião se choca com o pouco infiltrado encontrado no exame histopatológico - o que precisará ser pesquisado em estudo prospectivo?

Não temos autoridade para dizer que houve erro, pois seria um julgamento à distância e os dados muito reduzidos. Mesmo nos 10 casos (26,3%) em que havia uma ulceração severa com reduzida ou inexistente hiperemia, não poderemos arguir incompetência ou desconhecimento do cirurgião por não termos dados da história que mostre a evolução ou a sintomatologia. Por outro lado, o impressionante número de casos de enucleação para comprovação do diagnóstico, o trabalho de Naumann et al., mostrou não somente a impotência do arsenal terapêutico de uma época, mas também uma mudança de conduta ao longo do tempo(3). Após o trabalho deles houve uma mudança de postura dos cirurgiões que, contando com exames de maior acurácia, limitaram as enucleações aos casos suspeitos de tumor intraocular. A evisceração passou a ser usada nos casos de infecção ocular. Não existe, no meio onde trabalhamos a cultura do envio sistemático de material proveniente de evisceração para exame histopatológico ocasionando que, os casos em que não houve recidiva comprovada, não poderiam ser considerados curados, pois, podem ter apresentado endoftalmite e tiveram o seu olho eviscerado.

A falta de exames laboratoriais para as ceratites pode ocorrer até em serviços universitários, apesar de os fatores operacionais favoráveis, como chamam a atenção Tanure et al., de que persistem ainda casos onde o fungo só é positivamente identificado por exame histopatológico de botões corneanos. As culturas de material corneano positivo podem requerer vários dias ou semanas para a identificação final(21).

Pela preponderância indiscutível dos casos da forma filamentosa dos fungos nos estudos realizados no Brasil chegando a cifras superiores a 70%(11,13,14,18), embora não haja consenso de quem predomina entre eles. Para Salera et al. os casos eram de 60% Fusarium e 30% Aspergilus, ambos filamentosos(17), já, Santos et al. detectavam uma predominância dos filamentosos semelhante, mas os mais comuns eram o Penicillium e o Cladosporium(16), filamentosos eram mais comuns com números mais modestos, com preponderância do Fusarium 32%, do Aspergilus 17% e do Penicillium 10%, segundo Carvalho et al.(18); Dalfré et al. encontraram em maior quantidade Fusarium 44% e Geotricum 23%(14).

Em outros países, o mais frequentemente relatado fungo isolado foi o Aspergillus, na Pensilvânia; na Arábia Saudita, o maior número de casos é do Aspergilus, Trycophytum e Aspergillus, todos filamentosos(22) no Japão, Fusarium e o Aspergillus(23); na Índia eles também são os mais frequentes(24), e o mesmo se repete na China,em que os filamentosos são encontrados em 90% dos casos(25).

Olhando a tabela 3, verificamos o elevado número de casos relacionados com cirurgias anteriores. Tivemos 20 cirurgias que levaram à infecção fúngica da córnea, como foram realizadas na amostra 47 cirurgias no total, então corresponderia a 42,5% dos casos. Isto diferia pouco de achados da Arábia Saudita. Jastaneiah et al. encontraram na sua amostra que as cirurgias anteriores ao diagnóstico de ceratite fúngica chegaram a 38,7% dos casos(22).

Ao vermos as figuras 1C e 1D, em que os fungos permanecem na superfície da córnea, partimos para quantificar nos nossos casos a possibilidade de diagnosticar a presença do fungo nos casos em que o tratamento era instalado. Verificamos que existiam um significativo número de casos (45%) e que eles permaneciam na superfície, embora houvesse penetração profunda do parasita na córnea, estando de acordo com Garg et al., que fizeram também um trabalho apoiado na histopatologia(24). Defendemos a afirmação equivocada de Naumann et al. que os fungos eram encontrados em toda a espessura da córnea, mas em quase todos os casos havia ausência de fungos na superfície da córnea ou na cratera da úlcera(3), por trabalharem aqueles autores com material vindo de enucleação.

A nossa amostra apresentou um resultado diverso das outras amostras, partindo dos achados puramente morfológicos dos fungos com predominância de formas leveduriformes. Temos a considerar dois fatos: 1° - o crescimento do número de casos de ceratite fúngica depois da popularização de tratamentos com o uso de antibióticos, sobretudo de amplo espectro, e pelo uso indiscriminado de corticosteróides nas doenças e no pós-operatório do segmento anterior do olho, bem como aspectos ligados à urbanização das populações; 2° o comportamento biológico do fungo no interior dos tecidos como descreveram McGee et al.(26). Segundo esses autores as alterações morfológicas eram devido à adaptação ao parasitismo por fungos saprófitos e a invasão de tecidos pode comumente ser observado como eles se desenvolvem em hospedeiros. Patógenos podem sofrer diferentes tipos de dimorfismo geralmente expresso pela transição de forma filamentosa para um modo de crescimento a de levedura quando invadem o tecido

Falam a favor da nossa argumentação que os casos apresentados em artigos, como de ceratite fúngica, virem de exames complementares de material colhido da superfície corneana, enquanto trabalhamos com o que aconteceu no interior dos tecidos. A figura 2 de Carvalho et al.(18) difere muito das que apresentamos porque foram feitas a partir de material colhido com espátula na superfície corneana para exame direto e cultura.

Nos ajudam, ainda, as afirmações de Höfling-Lima et al. de que os fungos leveduriformes se manifestam mais em pacientes submetidos previamente a cirurgias oculares, imunossuprimidos local ou sistemicamente. Eles se relacionam ao uso de medicações tópicas ou sistêmicas, doenças debilitantes e a presença de micoses sistêmicas. Os procedimentos cirúrgicos oculares anteriores à infecção foram significantemente mais associados às micoses por fungos leveduriformes. O uso de antibióticos tópicos foi observado tanto em infecções leveduriformes quanto filamentosas(27). O grande número dos botões corneanos que examinamos provinham de pacientes com a infecção fúngica depois de terem se submetido a cirurgias, portanto submetidos à medicação anti-infecciosa e anti-inflamatória.

Baseado nesses achados, sugerimos que sejam feitas pesquisas nos casos em que não há resposta ao tratamento das ceratites fúngicas filamentosas para verificar se não seria mais eficaz o emprego, nesses casos, de tratamento indicado para as ceratites leveduriformes, baseado nas possíveis alterações morfológicas do fungo. Em casos de tão pouca especificidade da ação medicamentosa, se não poderia ter resultado melhor ao atacar formas do parasito atuante do que sua forma superficial. Portanto, partir para outra orientação conceitual - tratar a alteração morfológica e não a manifestação etiológica. Mesmo com as alterações morfológicas do fungo e a prevalência da forma filamentosa sobre a levedura nos exames com material da superfície da córnea mostra, mesmo assim, defendemos a necessidade do exame microbiológico na procura de sinais clínicos antes do tratamento e esperar o resultado de pesquisas para saber se deve mudar a estratégia terapêutica.

Podemos fazer uma avaliação dos sinais clínicos, mais subjetivos, com os achados histopatológicos, mais objetivos, ao comparar as informações oferecidas pelos cirurgiões com o achado da histopatologia. A informação de que cerca de 40% era de processo inflamatório com intensa hiperemia, quando foi encontrado no exame histopatológico um infiltrado maior em menos que um terço dos casos. A constatação de pequena ou nenhuma reação inflamatória foi feita na metade dos casos. O número de informações de hiperemia moderada foi quase a metade do que correspondia a infiltrado moderado encontrado nos cortes histológicos. Estes dados poderão dar o nível de confiabilidade da informação subjetiva em relação à realidade do interior dos tecidos. Expõe também uma dificuldade no diagnóstico correto quando não se apela pelo diagnóstico etiológico no caso particular da ceratite fúngica.

Na figura 2C vemos uma ruptura da camada de Descemet e nas proximidades esporos no interior dela. A idéia de risco da penetração intraocular do parasito se dá pela leitura da tabela 4 onde vemos a alta incidência de alterações da camada de Descemet que favoreceria a passagem do fungo. No entanto, elas justificariam a manifestação de edema corneano. Vemos na ceratite fúngica, desepitelização ou ulceração, que facilita ao fungo partir da superfície para o estroma. A penetração através do estroma poderá ser feita por termotaxia ou quimiotaxia, associadas às proteases fungais que podem contribuir para a destruição da matriz extracelular, detectadas por Hua et al.(28).

A importância dada à camada de Descemet como sendo uma barreira à penetração no interior do olho pelo fungo pode ser seriamente posta em dúvida pela fotografia mostrada. Não dá para avaliar qual o grau de dificuldade que ela impõe, quando vemos o fungo penetrando na camada de Descemet no lugar de aproveitar a facilidade do ponto em que ela está rota. De acordo, ainda com os autores supracitados, existem cepas que, inoculadas experimentalmente invadem a córnea em 24 horas, sendo que outros avançam rapidamente nos primeiros três dias, ficam lentas até o quinto dia; Há cepas que não têm penetração de hifas, acrescentaram ainda que a aderência conidial, a germinação de esporos e as hifas com extensões ajudam na invasão. A presença de esporos dos fungos no corpo da Descemet mostra alta capacidade invasiva do fungo e justifica o emprego de tratamento sistêmico desde o início.

A presença de esporos dos fungos no corpo da Descemet mostra alta capacidade invasiva do fungo e justifica o emprego de tratamento sistêmico.

Embora uma revisão bibliográfica mostrasse que a endoftalmite se manifestasse em pacientes com vulnerabilidade da sua saúde geral(29), ao ver o artigo de Godoy et al. (30) mostrando caso de endoftalmite após ceratoplastia penetrante, sabendo da penetração dos fungos e das alterações da camada de Descemet que facilitavam a invasão intraocular e não tendo nenhum retorno sobre casos submetidos a transplantes, em que pode ter havido casos de endoftalmite fúngica, na nossa amostra sem que tivéssemos conhecimento. Acrescento ainda a afirmação de Uno que o Fusarium e o Aspergillus podem atingir rapidamente o espaço intraocular(23).

Retornando a dados dos resultados que mostram que 2/3 dos nossos casos tinham morfologia leveduriforme. Não temos uma explicação mecânica para o fato, embora possamos usar o argumento de que a medida que o fungo penetra ele vai passando de filamentoso para leveduriforme como a leitura de McGee et al. nos leva a pensar(26). Para confrontar este argumento a figura 2A mostra hifa perpendicular à superfície na parte mais interna do terço interno do estroma corneano. As hifas ficam, quase sempre, paralelas à superfície corneana, a sua posição perpendicular foi encontrada em pesquisas experimentais em coelhos submetidos ao uso acentuado de corticóide(31).

A figura 3A que mostra um micetoma no local da incisão feita para um transplante realizado anteriormente, serve para confirmar a hipótese de Garg et al. da contaminação do túnel de incisão da cirurgia da catarata com incisão autocolante sem sutura(32).

A conduta de Xie et al. aconselhando a ceratoplastia penetrante para a úlcera fúngica rebelde(25) tem a sua razoabilidade, pois, tivemos a cura comprovada em quatro pacientes após o segundo transplante, mas em dois outros não houve cura da ceratite comprovada, embora não tenham se submetido a outros transplantes e comprovamos recidiva em três casos que não ficaram explícitos por ter sido usada a mesma cor na recidiva como pode ser visto na Tábua de Observação. O êxito maior desses autores deve-se à associação de antifúngicos tópico e sistêmico, por até 2 meses após o transplante, à ciclosporina e eventualmente corticóide quando já tinha reação inflamatória grande antes do transplante.

Através do que foi discutido podemos aconselhar que deve ser procurado fazer o diagnóstico etiológico das ceratites, incluindo a pesquisa de fungos. Caso não tenha sido tomada essa providência poderá ser feito a coleta do material sobre a zona ulcerada, devido à significativa probabilidade de recuperar o diagnóstico que deveria ser feito antes do início do tratamento. Devido o grande lapso de tempo, levando em conta a urgência da situação, seria necessário uma microscopia confocal in vivo, para que pudesse ser orientado mais precocemente o tratamento(25-33).

CONCLUSÃO

No presente trabalho, colocamos a realidade de uma amostra, que em muitos dados, não correspondem aos achados comuns para a doença. Fazemos uma exposição de achados, partindo de inferências que nos levaram a deduções, motivo que nos limitamos concluir com sugestões para pesquisas experimentais que possam esclarecer alguns dos achados.

O fato de ser encontrada a predominância de formas leveduriformes, contrariando tanto os achados nacionais e internacionais, podem ser atribuídas a que os estudos mostravam a pesquisa de agente etiológico através da microbiologia e o material que nos foi dado a estudar pertenciam a botões corneanos obtidos através de ceratoplastias perfurantes. Abre-se um campo de pesquisa para saber se o fungo filamentoso tende a se tornar leveduriforme logo que as hifas penetram nos tecidos e para verificar se elas responderiam à medicação leveduriforme.

O quadro da infecção mostra uma preocupante capacidade de penetração do fungo cuja possibilidade de penetrar no meio intraocular é facilitada pelo edema corneano e as alterações que traz para a camada de Descemet tornando imperativo o uso sistêmico de medicamento desde o início do tratamento.

Aconselhamos, finalmente, a pesquisa etiológica nos casos de ceratite, incluindo a microscopia confocal.

Recebido para publicação em: 9/4/2012

Aceito para publicação em: 29/5/2012

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

Trabalho realizado no Banco de Olhos da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará

Hospital Geral de Fortaleza - Fortaleza (CE), Brasil. Vencedor, na Categoria Master, do 40° Prêmio Varilux de Oftalmologia

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      09 Abr 2012
    • Aceito
      29 Maio 2012
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