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Prevenção e tratamento de efeitos adversos de antipsicóticos

Prevenção e tratamento de efeitos adversos de antipsicóticos

Paulo B Abreua,b, Gustavo Bolognesib e Neusa Rochab

aDepartamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRGS. bPrograma de Esquizofrenia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Introdução

As drogas antipsicóticas, por ocasionarem prejuízo na sexualidade e no controle de peso dos seus usuários, têm seus efeitos adversos como os principais responsáveis pela descontinuação, pela baixa adesão, pela redução da qualidade de vida, da interação e da adaptação social. Com freqüência, observa-se que a troca por outro antipsicótico provoca uma mudança do perfil de efeitos indesejados, e não a supressão dos mesmos. Assim, deve-se escolher o menos desastroso para o sujeito. O clínico deve estar sensível para as dificuldades particulares de seu paciente, e selecionar o medicamento com maior efeito antipsicótico e menor desconforto e risco. Assim como os antipsicóticos de nova geração (ANG) ou atípicos (como clozapina, risperidona, olanzapina e quetiapina) significaram uma grande contribuição ao tratamento farmacológico das psicoses, ainda não é tempo de aposentar os de primeira geração, não só por seus efeitos clínicos, mas também por sua eventual vantagem em pacientes nos quais existe preocupação com o ganho de peso e com o controle de glicemia.

Revisão da literatura

Os autores realizaram uma revisão sistemática da literatura de 1998 a 1999 (Excepta medica; palavras-chave: neuroleptics, side-effects). Dos 1.568 artigos identificados foram selecionados os 300 mais recentes que descreviam métodos de prevenção e tratamento dos efeitos adversos mais citados dos antipsicóticos. Não foi verificada a existência de antipsicótico destituído de efeitos adversos. Os efeitos mais citados foram: neurotoxicidade, acatisia, síndrome neuroléptica maligna (SNM), delirium, hipotermia, hiperprolactinemia, discinesia tardia (DT), alterações endócrinas (amenorréia, aumento de peso, disfunção sexual), sialorréia, hipotensão postural e blefarospasmo. Nos itens abaixo, são citadas as medidas mais recomendadas para a prevenção e o tratamento desses efeitos adversos.

Efeitos neurológicos

Neurotoxicidade

Os registros de neurotoxicidade ocorrem principalmente junto à desidratação e ao desequilíbrio hidroeletrolítico durante o uso de antipsicóticos, ou à associação de antipsicóticos com lítio.1 A melhor medida de prevenção nos dois casos é o asseguramento de adequado balanço hídrico. Reserva-se a associação de lítio para situações em que haja um ganho terapêutico real, suspendendo a mesma em caso de dúvida quanto a esse ganho ou pela possibilidade de ocorrência de sintomas como tremor, incoordenação motora e síndrome cerebelar, delirium e discinesia.

Discinesia tardia (DT)

Pelo risco de surgimento desses efeitos, deve-se, em nível preventivo, reservar o uso continuado de antipsicóticos somente aos casos de esquizofrenia ou psicose persistente nos transtornos de humor, limitando o tempo de uso nos demais casos. É importante assegur a adesão e a manutenção de níveis estáveis de antipsicóticos, sem uso preventivo de antiparkinsonianos2 e sem uso desnecessário de fluoxetina. Foi evidenciada melhora em 1/3 dos casos de DT com vitamina E.3 Bassit & Louzã-Neto4 propõem dois diferentes algoritmos de acordo com a gravidade da DT. Na DT leve a moderada, deve-se primeiramente avaliar a necessidade do uso de antipsicótico. Em caso de piora com a retirada desse, tentar estabilizadores de humor antes de reintroduzir o antipsicótico. Na necessidade de manutenção, reduzir a dose do neuroléptico clássico ou trocar por um ANG. Na ausência de melhora da DT, adicionar vitamina E e, por fim, trocar por clozapina.4 Na DT grave, antes de clozapina, associar em seqüência: (1) vitamina E (1600 uI/dia), (2) bloqueador de canal de cálcio (nifedipina), (3) antagonista de noradrenalina (clonidina), (4) benzodiazepínicos, (5) depletor de dopamina (reserpina e oxpertina), (6) agonista colinérgico (tacrina), (7) agonista dopaminérgico (amantadina), (8) agonista serotoninérgico 5-HT1 (buspirona), (9) agonista de receptores para ácido gama-aminobutírico (gabapentina, progabida, valproato ou baclofen), (10) inibidor seletivo de recaptação de serotonina, (11) antagonistas opióides, (12) estrógeno (prednisona), (13) esteróides e (15) eletroconvulsoterapia. Na ineficácia dessas medidas, trocar por ANG que não clozapina e, na piora ou falta de efeito, usar clozapina. Essa deve ser tentada em primeiro lugar isoladamente e, se necessário, depois em combinação com os supressores usados anteriormente. Na intolerância a clozapina, deve-se então retornar a antipsicóticos que foram eficazes antes, começando em doses mais baixas e elevando gradualmente a dose até níveis mais altos que os tentados anteriormente, associando em seguida os supressores já citados. Na suspeita de que a intolerância a clozapina possa ter ocorrido por elevação abrupta de dose, podem-se reintroduzir doses baixas e elevação lenta de dose. Em casos refratários, existe o relato de uso de dietas ricas em aminoácidos de cadeia ramificada, insulina ou abordagem cirúrgica (talamotomia).5 A irreversibilidade desse último procedimento, e sua pouca disponibilidade, deixa-o para casos excepcionais.

Síndrome neuroléptica maligna (SNM)

Uma medida preventiva da SNM é evitar a associação com carbamazepina. Still6 descreve o tratamento com dantrolene e bromocriptina.

Distonia tardia

Da mesma forma que na DT, na distonia tardia não existe tratamento aceito universalmente,4 sendo a prevenção a melhor medida. Deve-se reservar o uso de antipsicóticos aos casos de real necessidade, e avaliar ocorrências de sintomas motores antes do uso de medicação. São em geral indicados os anticolinérgicos (trihexefenidil 15 mg/dia),4 baclofen, clozapina, toxina botulínica local (com resultados inconsistentes), benzodiazepínicos7 e L-dopa associada a anticolinérgicos.8

Tremor tardio

Nessa ocorrência, existe a indicação de troca por clozapina.9

Convulsões

Uma vez que todos os antipsicóticos reduzem o limiar convulsivante, recomenda-se a revisão da história de convulsões nos candidatos a uso, especialmente de clozapina. Na presença de convulsões, indica-se o tratamento sintomático, sem evidência de superioridade de um anticonvulsivante em especial.10

Sedação

No caso da sedação transitória de início de tratamento, a melhor medida de prevenção é a elevação lenta da dose. Em uso prolongado, a melhor prevenção é o ajuste periódico a cada 3 meses. Quando não é possível diminuir a dose nem trocar por outro fármaco, pode-se associar fluoxetina. Quando utilizado metilfenidato, deve ser esclarecido para a família e para o paciente o risco de surgimento de sintomas psicóticos.

Hipotermia

Schwaninger11 descreve como provável mecanismo de hipotermia o antagonismo de receptores serotoninérgicos 5-HT2, sendo de ocorrência maior com ANG. Esse autor propõe o tratamento com drogas agonistas 5-HT2 como sibutramina, com cuidado em relação à possibilidade de surgimento de hipertermia juntamente com a redução de peso.

Acatisia

Gardos12 propõe tratamento com vitamina E, além de propranolol, benzodiazepínicos e clonidina. Não há eficácia comprovada para o uso de anticolinérgicos.

Blefarospasmo

Propõe-se redução da dose do antipsicótico.13

Parkinsonismo

Não existe evidência de vantagem de uso preventivo de drogas antiparkinsonianas (McDermid, 1998).2 Com o surgimento desses efeitos, deve-se tentar a redução da dose de antipsicótico e, se não houver resolução, pode-se tratar com anticolinérgicos, amantadina ou difenidramina, sendo que a última apresenta menor eficácia e menos efeitos colaterais. Estudos demonstram a eficácia dos benzodiazepínicos, propranolol e clonidina.

Efeitos hematológicos

Eosinofilia

Recomenda-se a suspensão do antipsicótico.

Neutropenia

Ocorre mais freqüentemente com a clozapina. Há a necessidade de vigilância hematológica semanal nas primeiras 18 semanas e, depois desse prazo, mensalmente. Em casos leves, tentar associação com lítio.

Agranulocitose

Também mais comum com clozapina. A melhor medida preventiva é o controle hematológico adequado e a troca pela redução gradual em caso de ausência de melhora. Em casos graves, utilizar estimuladores de medula.

Efeitos endocrinológicos

Aumento de peso

Ocorre com praticamente todos os antipsicóticos, principalmente com os típicos de baixa potência e os ANG. Nesses últimos é postulado um mecanismo misto de bloqueio de receptores 5-HT2c, beta3-adrenérgicos, histaminérgicos H1 e dopaminérgicos D2. Uma vez que muitos dos ANG possuem essa quádrupla ação, a melhor medida preventiva consiste na restrição de seu uso continuado, com monitoração precoce e adoção de medidas não farmacológicas de controle de peso, como dieta balanceada, atividade física regular e controle do uso de álcool, especialmente em pacientes com risco de diabetes.14 Stahl15 recomenda "lutar ou trocar" (fight or switch), com associação de drogas pró-dopamina-noradrenalina (bupropiona), pró-noradrenalina-serotonina (sibutramina), pró-B3-noradrenalina + agonismo 5-HT2C (Venlafaxina), ou agonistas 5-HT2C (nefazodone) + agonistas D2 (cabergolida e bromocriptina).

Hiperglicemia

Ocorre mais com os ANG, e as melhores medidas preventivas são as mesmas utilizadas na prevenção do ganho de peso. Pessoas com maior risco de diabetes devem cumprir com monitorização periódica de glicemia e com medida de tolerância à glicose no caso de aumento de glicemia ou peso corporal.

Hiperprolactinemia

Diretamente relacionada à potência antidopaminérgica da droga e evidenciada com mais freqüência com neurolépticos típicos e alguns ANG, como a risperidona. A prevenção é importante em pacientes com tumores de hipófise, sendo indicada a troca do neuroléptico pela clozapina16 ou, em caso de impossibilidade de uso por problemas hematológicos, pela olanzapina.

Amenorréia

Mais freqüente com neurolépticos de alta potência, sendo proposta a redução de dose, ou troca por ANG. Dursun17 propõe tratamento com vitaminas E e B6, porém com poucas confirmações de seus achados. No caso de aumento importante de prolactina, a redução da dose do antipsicótico demonstrou melhora somente nos homens.

Ginecomastia

Ocorre mais freqüentemente com os neurolépticos de alta potência, especialmente em associação com fluoxetina. Deve-se evitar associação com essa droga especialmente em homens.

Efeitos cardiovasculares

Hipotensão postural

O paciente deve ser orientado a se levantar com cuidado, depois de permanecer sentado durante algum tempo. Em raros casos é necessária a prescrição de meias elásticas ou vasopressores.

Alterações eletrocardiográficas

A mais comum é o aumento de intervalo Q-T. O tratamento consiste na diminuição da dosagem da droga.

Síndromes psiquiátricas secundárias

Mania

O tratamento consiste no uso de drogas antimaníacas. Deve-se, no entanto, evitar o uso de lítio e carbamazepina por problemas associados, optando-se por valproato - se não houver preocupação com ganho de peso.

Catatonia

A questão mais importante no surgimento de sintomas de catatonia diz respeito à possibilidade de instalação de um quadro de DA, DT ou SNM. Assim, o primeiro passo é uma avaliação clínica sobre o possível pródromo dessas situações. Em caso de ativação do mesmo quadro psicótico, sem relação com DA/DT/SNM, pode-se aumentar a dose do antipsicótico, trocar por outro de maior potência ou por clozapina na ausência de efeito terapêutico. Também existe indicação de associação de neurolépticos com benzodiazepínicos, como o lorazepan.

Sintomas obsessivo-compulsivos

Biondi18 descreve tratamento desses sintomas com clomipramina.

Miscelânea

Sialorréia

Para esse efeito adverso, que ocorre principalmente com clozapina, uma das alternativas é o uso de tricíclicos.

Superdosagem

É recomendada terapia de suporte.

Síndrome serotoninérgica fatal

Ocorre mais freqüentemente com ANG. A maior medida preventiva consiste em elevar lentamente o antipsicótico.

Conclusão

Infelizmente, não existe antipsicótico isento de efeitos indesejados. A vantagem clínica de um grupo de drogas muitas vezes expõe o usuário a complicações particulares, como no caso dos ANG, que apresentam melhor tolerabilidade de efeitos parkinsonianos, SNM, distonias e problemas de ejaculação, porém com maior risco de ganho de peso, hiperglicemia ou redução de libido. Da mesma forma, a clozapina apresenta a vantagem de menor risco de SNM, DT, distonias (inclusive sendo usada no tratamento dos últimos), mas também está associada a maior ganho de peso, sedação e sialorréia. Sendo assim, não existe fórmula única ou universal. O tratamento precisa ser individualizado e o uso continuado de antipsicóticos deve ser reservado aos pacientes que efetivamente necessitam dessa indicação, como os esquizofrênicos e em alguns casos de demência ou transtorno bipolar com psicose. Além disso, por meio do estudo do perfil individual de sensibilidade a efeitos colaterais, deve-se optar pela utilização da menor dose possível, pois pode haver uma pequena variabilidade individual na dose necessária para induzir vários dos efeitos indesejáveis, como ganho de peso e distonia. Cautela, detecção precoce de efeitos adversos, diminuição de dose, troca por outra droga, suspensão de associações desnecessárias e modificação comportamental são as estratégias recomendadas. A associação de diferentes agentes farmacológicos precisa ser utilizada em seqüência, visando um maior controle de sintomas, uma maior qualidade de vida e menores custos familiar, individual e social. Por fim, pacientes e familiares devem estar conscientes, desde o início do tratamento, de que não existe a droga perfeita, de que a vantagem de um sintoma ou efeito pode significar desvantagem em outro e de que o importante é o contato continuado, com diálogo constante para buscar o balanço mais favorável entre controle de sintomas e tolerabilidade, de uma fórmula individualizada dentro da relação médico-paciente.

Correspondência:

Paulo Belmonte de Abreu

Faculdade de Medicina da UFRGS

Rua Engenheiro Álvaro Nunes Pereira, 340/1107 - CEP 90570-110 Porto Alegre, RS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2000
  • Data do Fascículo
    Maio 2000
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