Acessibilidade / Reportar erro

Análise das fibras colágenas do útero de pacientes autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

Resumo

Objetivos:

comparar a porcentagem de fibras colágenas no corpo e colo uterino de mulheres autopsiadas com e sem a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids).

Métodos:

foram selecionados 30 prontuários de mulheres autopsiadas no período de 1988 a 2013. Foram coletados 30 fragmentos do corpo uterino e 30 do colo uterino, dividido em dois grupos, 15 com Aids e 15 sem. A quantificação das fibras colágenas do corpo e colo uterino foi feita nas lâminas coradas por picrosirius, utilizando-se o sistema KS-300®.

Resultados:

a porcentagem de fibras colágenas foi menor no colo (U=336544; p=0,001) e maior no corpo uterino (U=308 726,5; p=0,004) no grupo com a retrovirose quando comparado ao grupo sem a doença. A porcentagem no grupo com Aids foi maior no colo uterino do que no corpo (t=0,4793; p=0,0031). Sendo o mesmo resultado encontrado para o grupo sem Aids (t=2.397; p=0,0637).

Conclusões:

um aumento da porcentagem de fibras colágenas no corpo uterino das mulheres com Aids indica uma resposta imune frente a infecção viral e revela uma falha em manter a infecção restrita ao colo. A interpretação dos parâmetros histoquímicos e morfométricos podem ser úteis no diagnóstico das condições associadas à infecção pelo HIV, contribuindo para a melhora clínica e expectativa de vida.

Palavras-chave
Síndrome da imunodeficiência adquirida; Colo do útero; Colágeno; Autópsia

Abstract

Objectives:

to compare the percentage of collagen fibers in the autopsied women’s uterine body and cervix with and without the Acquired Immunodeficiency Syndrome (Aids).

Methods:

30 autopsied women’s medical files were selected from 1988 to 2013. 30 fragments of the uterine body and 30 cervix were collected and then divided into two groups, 15 with Aids and 15 without, The quantification of the collagen fibers of the uterine body and cervix was performed on slides stained with picrosirius, using the KS-300® system.

Results:

the percentage of collagen fibers was lower for cervix (U=336544; p=0.001) and higher for the uterine body (U=308726,5; p=0.004) in the retroviral group when compared to the group without the disease. The percentage was higher for cervix than the uterine body in the group with Aids (t=0,4793; p=0.0031). the same result was found in the group without Aids (t=2,397; p=0.0637).

Conclusions:

the increase in the percentage of collagen fibers in the uterine body of women with Aids’ indicates an immune response for viral infection and reveals a failure in keeping the infection restricted to the cervix. The interpretation of the histochemical and morphometric parameters can be useful in the diagnosis associated to HIV infection, contributing for clinical improvement and life expectancy.

Key words
Acquired immunodeficiency syndrome; Cervix; Collagen; Autopsy

Introdução

As infecções de transmissão sexual (ITS) continuam a ser um grande problema de saúde pública, no Brasil, de 2007 a junho de 2016, 136.945 casos de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) foram relatados no Sistema de Notificação de Lesões (SINAN).11 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: HIV e Aids. Brasília, DF; 2016. Ano V - n° 01-26. Available in file:///C:/Users/BIA/Downloads/boletim_2016_1_pdf_16375.pdf Accessed in 13-11-17. E durante este período, um total de 44.766 casos foram relatados pelo SINAN apenas em mulheres.11 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: HIV e Aids. Brasília, DF; 2016. Ano V - n° 01-26. Available in file:///C:/Users/BIA/Downloads/boletim_2016_1_pdf_16375.pdf Accessed in 13-11-17.

As mulheres com síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids) apresentam uma diminuição no epitélio cervical, esofágico e da pele,22 Cavellani CL, Rocha LP, Silva RSC, Oliveira LF, Faria HA, Olegario JG, Correa RR, Teixeira VP. The influence of Aids on the morphometric and immune status of the uterine cervix of autopsied patients. Curr HIV Res. 2011; 9 (8): 606-12.

3 Rocha LP, Silva R, Olegario J, Correa R, Teixeira VPA, Cavellani CL. Esophageal epithelium of women with AIDS: Thickness and local immunity. Pathol Res Pract. 2010; 206 (4): 248-52.
-44 Favarato GKNA, Silva ACS, Oliveira LFO, Ferraz, MLF, Teixeira VPA, Cavellani CL. Skin aging in patients with acquired immunodeficiency syndrome. Ann Diagn Pathol. 2016; 24 (10): 35-9. e a primeira linha de defesa contra a aquisição do HIV no trato genital feminino é o revestimento mucoso da barreira epitelial.55 Wira CR, Rodriguez-Garcia M, Patel MV. The role of sex hormones in immune protection of the female reproductive tract. Nat Rev Immunol. 2015; 15: 217-30. Estudos demonstram que o HIV pode interagir por meio da gp120 com células imunes que ativam respostas e reparações inflamatórias locais.66 Dixon LJ, Barnes M, Tang H, Pritchard MT, Nagy LE. Kupffer cells in the liver. Compr Physiol. 2013; 3 (2): 785-97. No entanto, às vezes essa interação pode ocorrer produzindo ativações inadequadas77 Del Cornò M, Cappon A, Donninelli G, Varano B, Marra F, Gessani S. HIV-1 gp120 signaling through TLR4 modulates innate immune activation in human macrophages and the biology of hepatic stellate cells. J Leukoc Biol. 2016; 100 (3): 599-606. e aumento da produção de proteína quimioatrativa de colágeno e monócito (um quimioatrativo de macrófagos).88 Tuyama AC, Hong F, Saiman Y, Wang C, Ozkok D, Mosoian A, Chen P, Chen BK, Klotman ME, Bansal MB. Human immunodeficiency virus (HIV)-1 infects human hepatic stellate cells and promotes collagen I and monocyte chemoattractant protein-1 expression: implications for the pathogenesis of HIV/hepatitis C virus-induced liver fibrosis. Hepatology. 2010; 52 (2): 612-22.

O colo uterino é um tecido fibroso denso que está localizado na parte mais baixa do útero.99 Bauer M, Mazza E, Nava A, Zeck W, Eder M, Bajka M, Cacho F, Lang U, Holzapfel GA. In Vivo Characterization of the Mechanics of Human Uterine Cervices. Ann N Y Acad Sci. 2007; 1101 (1): 186-202. A atividade mecânica do colo tem duas funções: antes do parto, deve permanecer fechada e resistir à carga mecânica da gravidez e no momento do parto, deve ser macia para se deformar e se dilatar permitindo a passagem do feto.1010 Myers KM, Feltovich H, Mazza E, Vink J, Bajka M, Wapner RJ, Hall TJ, House M. The mechanical role of the cervix in pregnancy. J Biomech. 2015; 48 (9): 1511-23. A organização do colágeno no tecido cervical humano desempenha portanto um papel importante na função estrutural do tecido.1111 Yao W, Gan Y, Myers KM, Vink JY, Wapner RJ, Hendon CP. Collagen Fiber Orientation and Dispersion in the Upper Cervix of Non-Pregnant and Pregnant Women. PLoS ONE. 2016; 11 (11): e0166709.

O colágeno cervical se dispõe como fibras em uma hierárquica rede embutida em uma viscosa substância superficial de glicosaminoglicanos carregados negativamente e outras proteínas.1010 Myers KM, Feltovich H, Mazza E, Vink J, Bajka M, Wapner RJ, Hall TJ, House M. The mechanical role of the cervix in pregnancy. J Biomech. 2015; 48 (9): 1511-23. O colágeno (tipos I e III) compõe 34 a 77% do peso seco,1212 Zork NM, Myers KM, Yoshida K, Cremers S, Jiang H, Ananth CV, Wapner RJ, Kitajewski J, Vink J. A systematic evaluation of collagen cross-links in the human cervix. Am J Obstet Gynecol. 2015; 212 (3): 321.e1-8.,1313 Feltovich H, Hall TJ. Quantitative imaging of the cervix: setting the bar. Ultrasound Obstet Gynecol. 2013; 41 (2): 121-8. com evidência em estudos de tecidos humanos que esse conteúdo de peso seco permanece constante durante a gestação.1414 Myers K, Socrate S, Tzeranis D, House M. Changes in the biochemical constituents and morphologic appearance of the human cervical stroma during pregnancy. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2009; 144: S82-9. Em geral, a rede de fibra de colágeno é relatada como anisotrópica com diferentes orientações preferenciais em regiões anatômicas distintas dentro do colo do útero.1515 Gan Y, Yao W, Myers KM, Vink JY, Wapner RJ, Hendon CP. Analyzing three-dimensional ultrastructure of human cervical tissue using optical coherence tomography. Biomed Opt Express. 2015; 6 (4): 1090-108.

Os pacientes com Aids geralmente apresentam um aumento do número de fibras colágenas devido à deterioração dos mecanismos imunes naturais, à susceptibilidade a agentes virais, fúngicos, bacterianos e parasitários, bem como a ocorrência de doenças inflamatórias.22 Cavellani CL, Rocha LP, Silva RSC, Oliveira LF, Faria HA, Olegario JG, Correa RR, Teixeira VP. The influence of Aids on the morphometric and immune status of the uterine cervix of autopsied patients. Curr HIV Res. 2011; 9 (8): 606-12.

O objetivo deste estudo foi comparar a porcentagem de fibras colágenas no corpo e colo uterino de mulheres autopsiadas com e sem Aids. Assim, o estudo pretende contribuir para uma melhor compreensão da influência da Aids nas mudanças uterinas.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) sob o protocolo 2689.

É um estudo quantitativo, transversal e descritivo. Analisamos retrospectivamente um total de 482 protocolos de autópsia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM), Uberaba, Estado de Minas Gerais, do período de 1988 a 2013. Destes protocolos, 15 mulheres autopsiadas com diagnóstico de Aids foram selecionadas (Figura 1). Os critérios de seleção foram idade > 18 anos e gênero feminino. Excluímos as mulheres que os protocolos de autópsia estavam incompletos e que não possuíam o útero em boas condições para análise. Além disso, para o grupo selecionado, o diagnóstico de Aids foi feito pela evidência de pelo menos uma das doenças que definem a síndrome apresentada no momento da autópsia e a contagem de linfócitos T CD4 + abaixo de 200 células / mm3.1616 Centers for Disease Control and Prevention. HIV/AIDS Surveillance Report. Atlanta, US. 2003; (Vol. 15): 40. Available in https://www.cdc.gov/hiv/pdf/library/reports/surveillance/cdc-hiv-surveillance-report-2003-vol-15.pdf.
https://www.cdc.gov/hiv/pdf/library/repo...
O diagnóstico anatomopa-tológico realizado por dois patologistas médicos também relataram que, em todas as mulheres com Aids selecionadas para o presente estudo, a causa da morte era doença infecciosa. Para critérios de comparação, um grupo controle foi selecionado de 15 mulheres autopsiadas no mesmo período, sem Aids, pareadas ao grupo de estudo de acordo com as variáveis idade, cor (branca ou não branca) e índice de massa corporal (IMC).

Figura 1
Fluxograma da amostra de estudo.

No colo uterino, foi feita uma secção mediada onde foi retirado um fragmento de aproximadamente 3 milímetros (mm) de espessura. No corpo uterino, foi feito um corte na parede uterina onde o epitélio encontrava-se preservado sendo retirado um fragmento de aproximadamente 3 milímetros (mm). Assim, em ambos os grupos, reunimos 15 fragmentos do corpo e 15 fragmentos do colo uterino constituindo um total de 60 fragmentos.

Os fragmentos foram fixados em formaldeído 10% e desidratados em álcoois com concentrações crescentes (70 a 100%), diafanizados em xilol e incluídos em parafina. Foram confeccionadas lâminas em cortes seriados com 4µm de espessura. Os fragmentos foram capturados em lâminas de vidro com poli-L-lisina® e processados para a histoquímica.

Para quantificar a porcentagem de fibras colágenas no corpo e colo uterino, as lâminas foram coradas com picrosirius e examinadas sob luz polarizada na objetiva de 40x (aumento final de 1600x) a imagem digitalizada mostrava a área constituída de colágeno, com aspecto birrefringente, e coloração avermelhada. A quantificação foi realizada em todo o comprimento das lâminas usando o sistema KS-300®, no qual o observador marcou as fibras colágenas para a obtenção do percentual dessas fibras por área de campo analisada e o número de campos variou de 18 a 42.

A análise estatística foi executada usando o software SigmaStat® 2.03. As variáveis quantitativas foram testadas quanto à normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste paramétrico t de Student (t) foi aplicado para comparar dois grupos com variáveis de distribuição normal e variância homogênea. O teste não-paramétrico Mann-Whitney (U) foi utilizado para comparar dois grupos com variáveis de distribuição não normal e variância não homogênea. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas com p<0,05.

Resultados

Os grupos foram pareados de acordo com a idade (t= 1,326; p<0,001), IMC (t=6,165; p<0,002) e cor (branco ou não branco). Das 30 mulheres selecionadas, a idade média foi de 37,40 ± 7,16 anos no grupo retroviral e 38,20 ± 8,00 anos no grupo sem Aids e a idade variou de 25 a 49 anos para os dois grupos. Entre as mulheres com Aids, 8 (53,3%) foram classificadas como brancas, sendo o mesmo para as mulheres sem Aids. O IMC no grupo com Aids foi de 22,20 ± 4,08 kg / m2 e no grupo sem Aids foi de 26,83 ± 4,86 kg / m2.

A porcentagem de fibras colágenas no colo uterino foi significativamente menor no grupo com Aids (U=336544; p=0,001) (Tabela 1, Figura 2) quando comparado ao grupo sem a doença.

Tabela 1
Comparação da porcentagem de fibras colágenas do colo uterino com a porcentagem de fibras colágenas do corpo uterino no grupo de mulheres com e sem Aids.
Figura 2
Análise microscópica das fibras colágenas, indicadas por setas amarelas, do colo uterino através de microscopia óptica. (Picrosírius, 1600X).

(A) fibras colágenas de mulher com Aids, sob luz comum; (B) fibras colágenas de mulher com Aids sob luz polarizada; (C) fibras colágenas de mulher sem Aids, sob luz comum; (D) fibras colágenas de mulher sem Aids, sob luz polarizada.


Na comparação da porcentagem de fibras colágenas no corpo uterino, o grupo com Aids apresentou uma porcentagem significativamente maior do que o grupo sem Aids (U=308726,500; p=0,004) (Tabela 1, Figura 3).

Figura 3
Análise microscópica das fibras colágenas, indicadas por setas amarelas, do corpo co útero por microscopia óptica. (Picrosírius, 1600X).

(A) fibras colágenas de mulher com Aids, sob luz comum; (B) fibras colágenas de mulher com Aids sob luz polarizada; (C) fibras colágenas de mulher sem Aids, sob luz comum; (D) fibras colágenas de mulher sem Aids, sob luz polarizada.


Na comparação da porcentagem de fibras colágenas do colo uterino com a porcentagem de fibras colágenas do corpo uterino, no grupo de mulheres com Aids, essa porcentagem foi significativamente maior no colo uterino (t=0,479; p=0,003) (Tabela 2). Sendo o mesmo resultado obtido no grupo sem Aids (t=2,397; p=0,064) (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação da porcentagem de fibras colágenas do colo uterino com a porcentagem de fibras colágenas do corpo uterino no grupo de mulheres com e sem Aids.

A Tabela 3 mostra as causas de morte e possíveis infecções presentes em ambos os grupos.

Tabela 3
Descrição da causa da morte e outras infecções no grupo de mulheres com e sem Aids.

Discussão

As mulheres com Aids apresentaram uma porcentagem significativamente menor de fibras colágenas no colo uterino quando comparadas ao grupo sem a síndrome. Na comparação da porcentagem de fibras colágenas do colo uterino com a porcentagem de fibras colágenas do corpo uterino para o grupo com Aids, essa porcentagem foi significativamente maior no corpo uterino. De acordo com a literatura, os pacientes com Aids geralmente têm um aumento na quantidade de fibras colágenas. Esse aumento está associado à ativação e inflamação do sistema imunológico de forma crônica nesses locais.22 Cavellani CL, Rocha LP, Silva RSC, Oliveira LF, Faria HA, Olegario JG, Correa RR, Teixeira VP. The influence of Aids on the morphometric and immune status of the uterine cervix of autopsied patients. Curr HIV Res. 2011; 9 (8): 606-12. O desequilíbrio entre as células CD4 e CD8 na infecção pelo HIV pode levar à alterações nos perfis de citocinas, com redução de citocinas antifibróticas mediadas por uma diminuição do interferão (IFN) -gama de células Th1 e um aumento nas citocinas profibróticas (IL-4, IL-5, IL-10 e IL-13) devido a um aumento relativo no sinal de Th2.1717 Mastroianni CM, Lichtner M, Mascia C, Zuccalà P, Vullo V. Molecular mechanisms of liver fibrosis in HIV/HCV coinfection. Int J Mol Sci. 2014; 15 (6): 9184-208.,1818 Roszkiewicz J, Smolewska E. Kaleidoscope of autoimmune diseases in HIV infection. Rheumatol Int. 2016; 36: 1481-91.

Além do processo infeccioso, outros fatores também podem alterar os níveis de citocinas nos fluidos genitais, como o uso de contraceptivos orais, gravidez, idade e o uso de antissépticos vaginais.1919 Sturm-Ramirez K, Gaye-Diallo A, Eisen G, Mboup S, Kanki PJ. High levels of tumor necrosis factor-alpha and interleukin-1 beta in bacterial vaginosis may increase susceptibility to human immunodeficiency virus. J Infect Dis. 2000; 182 (2): 476-73. No entanto, estudos mostram que na infecção crônica pelo HIV, as células epiteliais, os fibro-blastos e as células imunes que residem nos tecidos do aparelho reprodutivo feminino contribuem para o pool de citocinas, quimiocinas e fatores de crescimento presentes nos hormônios sexuais do tecido, estradiol e progesterona.2020 Wira CR, Rodriguez-Garcia M, Shen Z, Patel M, Fahey JV. The Role of Sex Hormones and the Tissue Environment in Immune Protection Against HIV in the Female Reproductive Tract. Am J Reprod Immunol. 2014; 72 (2): 171-81. Como os fibroblastos respondem a vários mediadores imunológicos, as alterações imunes nos pacientes com HIV podem afetar suas funções, levando a modificações nas respostas de produção e / ou degradação de fibras colágenas.2121 Coimbra DD, Lustosa JC, Sarmento DF, Lima RB, Pessoa OMN. Colagenoma eruptivo em paciente HIV+. An Bras Dermatol. 2008; 83 (2): 141-5.

No presente estudo, uma porcentagem significativamente maior de fibras colágenas foi detectada no corpo uterino de pacientes com Aids quando comparada ao grupo não-doente. Quando as células epiteliais do trato genital superior são expostas ao HIV, a barreira mucosa é comprometida, juntamente com a ação secreção de citocinas pró-inflamatórias pelas células epiteliais.2222 Nazli A, Kafka JK, Ferreira VH, Anipindi V, Mueller K, Osborne BJ, Dizzell S, Chauvin S, Mian MF, Ouellet M, Tremblay MJ, Mossman KL, Ashkar AA, Kovacs C, Bowdish DM, Snider DP, Kaul R, Kaushic C. HIV-1 gp120 induces TLR2- and TLR4-mediated innate immune activa-tion in human female genital epithelium. J Immunol. 2013; 191 (8): 4246-58. As secreções pelas células epiteliais do aparelho reprodutivo feminino têm efeitos significativos para determinar se uma infecção pelo HIV irá ou não ocorrer. Por exemplo, muitos desses fatores de células epiteliais são quimiocinas / citocinas que atraem / ativam células imunes no local da infecção pelo HIV.2323 Wira CR, Ghosh M, Smith JM, Shen L, Connor RI, Sundstrom P, Frechette GM, Hill ET, Fahey JV. Epithelial cell secretions from the human female reproductive tract inhibit sexually transmitted pathogens and Candida albi-cans but not Lactobacillus. Mucosal Immunol. 2011; 4 (3): 335-42. O número de células alvo do HIV ativadas (células T CD4 +, macrófagos e células dendríticas) presentes no ponto de exposição ao vírus pode aumentar as chances da infecção ocorrer. Alternativamente, alguns dos mesmos fatores têm atividade anti-HIV e previnem que a infecção ocorra. Este aparente paradoxo em relação à infecção pelo HIV é dependente de muitos fatores, incluindo a quantidade de fatores epiteliais secretados no trato reprodutivo feminino, a presença de patógenos co-infectantes, a presença de enzimas proteolíticas, o equilíbrio do hormônio sexual, o estado de ativação das células, a interação com outros fatores secretados por outras células, bem como células epiteliais e os tipos de células imunes presentes.2020 Wira CR, Rodriguez-Garcia M, Shen Z, Patel M, Fahey JV. The Role of Sex Hormones and the Tissue Environment in Immune Protection Against HIV in the Female Reproductive Tract. Am J Reprod Immunol. 2014; 72 (2): 171-81.

No útero durante a fase proliferativa, os agregados linfóides consistem em grupos de células T CD4 + ou CD8 + discretas (300 células). Durante a fase secretora, os agregados linfóides aumentam para 3000-4000 células.2424 Wira CR, Fahey JV. A new strategy to understand how HIV infects women: identification of a window of vulnerability during the menstrual cycle. AIDS. 2008; 22 (15): 1909-17. Esses achados nos levam a propor a hipótese de uma "janela de vulnerabilidade" (começando na ovulação e durando entre 7 a 10 dias até a fase secretora do ciclo) o que sugere que alterações endócrinas modulam a proteção imunológica de forma a aumentar a probabilidade da infecção pelo HIV e pelas infecções sexualmente transmissíveis (ITS).2424 Wira CR, Fahey JV. A new strategy to understand how HIV infects women: identification of a window of vulnerability during the menstrual cycle. AIDS. 2008; 22 (15): 1909-17.,2020 Wira CR, Rodriguez-Garcia M, Shen Z, Patel M, Fahey JV. The Role of Sex Hormones and the Tissue Environment in Immune Protection Against HIV in the Female Reproductive Tract. Am J Reprod Immunol. 2014; 72 (2): 171-81.

Portanto, esta porcentagem de fibras colágenas aumentadas no corpo uterino no grupo com Aids pode estar relacionada à infecção crônica pelo HIV, uma vez que a indução de uma resposta imune celular, caracterizada pela predominância de linfócitos T citotóxicos, apesar de ter um efeito protetor na infecção genital contra HIV-1,2525 Iqbal Sm, Ball TB, Kimani P, Thottingal P, Embree JE, Fowke KR, Plummer FA. Elevated T cell counts and RANTES expression in the genital mucosa of HIV-1-resis-tant Kenyan commercial sex workers. J Infect Dis. 2005; 192 (5): 728-38. não é suficiente para controlar a viremia em pacientes com infecção crônica.2626 Draenert R, Verril CL, Tang Y, Allen TM, Wurcel AG, Boczanowski M, Lechner A, Kim AY, Suscovich T, Brown NV, Addo MM, Walker BD. Persistent recognition of autol-ogous virus by high-avidity CD8 T cells in chronic, progressive human immunodeficiency virus type 1 infec-tion. J Virol. 2004; 78 (2): 630-41. Uma vez depositado na vagina, o esperma se move rapidamente no colo uterino, corpo, trompas de Falópio e ovários, levando potencialmente a exposição sobre uma grande superfície mucosa e fenotípica diversa.2727 Racicot K, Cardenas I, Wunsche V, Aldo P, Guller S, Means RE, Romero R, Mor G. Viral infection of the pregnant cervix predisposes to ascending bacterial infection. J Immunol. 2013; 191 (2): 934-41. Esses fatores tornam as mulheres mais vulneráveis a infecções sexualmente transmissíveis após a relação sexual e podem ser responsáveis pela dificuldade em estabelecer uma imunidade eficiente contra infecções, uma vez que a maioria dos microorganismos de transmissão sexual são transportados em grandes quantidades de plasma seminal imunomodulador.2828 Lima YAR, Alves MFC. O Sistema imune da mucosa do trato genital feminino e o impacto das doenças sexualmente transmissíveis. Rev Patol Trop. 2008; 37 (4): 295-309.

Nas análises histoquímicas e morfométricas deste estudo em pacientes femininas autopsiadas com e sem Aids, a porcentagem de fibras colágenas foi maior no corpo uterino de mulheres com Aids. Isso indica que uma resposta imune à infecção viral induz uma maior produção destas fibras como mecanismo para reparar as lesões causadas. Além disso, revela uma falha no organismo na tentativa de manter a infecção restrita ao colo uterino.

A interpretação dos parâmetros avaliados no corpo e colo uterino pode ser muito útil no diagnóstico de condições associadas à infecção pelo HIV. Isso pode contribuir para as condições clínicas e expectativa de vida do paciente. Além de favorecer o desenvolvimento de medidas terapêuticas que impeçam o estabelecimento de complicações relacionadas à Aids.

Agradecimentos

O presente estudo teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Melhoramento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba (FUNEPU).

Referências

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: HIV e Aids. Brasília, DF; 2016. Ano V - n° 01-26. Available in file:///C:/Users/BIA/Downloads/boletim_2016_1_pdf_16375.pdf Accessed in 13-11-17.
  • 2
    Cavellani CL, Rocha LP, Silva RSC, Oliveira LF, Faria HA, Olegario JG, Correa RR, Teixeira VP. The influence of Aids on the morphometric and immune status of the uterine cervix of autopsied patients. Curr HIV Res. 2011; 9 (8): 606-12.
  • 3
    Rocha LP, Silva R, Olegario J, Correa R, Teixeira VPA, Cavellani CL. Esophageal epithelium of women with AIDS: Thickness and local immunity. Pathol Res Pract. 2010; 206 (4): 248-52.
  • 4
    Favarato GKNA, Silva ACS, Oliveira LFO, Ferraz, MLF, Teixeira VPA, Cavellani CL. Skin aging in patients with acquired immunodeficiency syndrome. Ann Diagn Pathol. 2016; 24 (10): 35-9.
  • 5
    Wira CR, Rodriguez-Garcia M, Patel MV. The role of sex hormones in immune protection of the female reproductive tract. Nat Rev Immunol. 2015; 15: 217-30.
  • 6
    Dixon LJ, Barnes M, Tang H, Pritchard MT, Nagy LE. Kupffer cells in the liver. Compr Physiol. 2013; 3 (2): 785-97.
  • 7
    Del Cornò M, Cappon A, Donninelli G, Varano B, Marra F, Gessani S. HIV-1 gp120 signaling through TLR4 modulates innate immune activation in human macrophages and the biology of hepatic stellate cells. J Leukoc Biol. 2016; 100 (3): 599-606.
  • 8
    Tuyama AC, Hong F, Saiman Y, Wang C, Ozkok D, Mosoian A, Chen P, Chen BK, Klotman ME, Bansal MB. Human immunodeficiency virus (HIV)-1 infects human hepatic stellate cells and promotes collagen I and monocyte chemoattractant protein-1 expression: implications for the pathogenesis of HIV/hepatitis C virus-induced liver fibrosis. Hepatology. 2010; 52 (2): 612-22.
  • 9
    Bauer M, Mazza E, Nava A, Zeck W, Eder M, Bajka M, Cacho F, Lang U, Holzapfel GA. In Vivo Characterization of the Mechanics of Human Uterine Cervices. Ann N Y Acad Sci. 2007; 1101 (1): 186-202.
  • 10
    Myers KM, Feltovich H, Mazza E, Vink J, Bajka M, Wapner RJ, Hall TJ, House M. The mechanical role of the cervix in pregnancy. J Biomech. 2015; 48 (9): 1511-23.
  • 11
    Yao W, Gan Y, Myers KM, Vink JY, Wapner RJ, Hendon CP. Collagen Fiber Orientation and Dispersion in the Upper Cervix of Non-Pregnant and Pregnant Women. PLoS ONE. 2016; 11 (11): e0166709.
  • 12
    Zork NM, Myers KM, Yoshida K, Cremers S, Jiang H, Ananth CV, Wapner RJ, Kitajewski J, Vink J. A systematic evaluation of collagen cross-links in the human cervix. Am J Obstet Gynecol. 2015; 212 (3): 321.e1-8.
  • 13
    Feltovich H, Hall TJ. Quantitative imaging of the cervix: setting the bar. Ultrasound Obstet Gynecol. 2013; 41 (2): 121-8.
  • 14
    Myers K, Socrate S, Tzeranis D, House M. Changes in the biochemical constituents and morphologic appearance of the human cervical stroma during pregnancy. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2009; 144: S82-9.
  • 15
    Gan Y, Yao W, Myers KM, Vink JY, Wapner RJ, Hendon CP. Analyzing three-dimensional ultrastructure of human cervical tissue using optical coherence tomography. Biomed Opt Express. 2015; 6 (4): 1090-108.
  • 16
    Centers for Disease Control and Prevention. HIV/AIDS Surveillance Report. Atlanta, US. 2003; (Vol. 15): 40. Available in https://www.cdc.gov/hiv/pdf/library/reports/surveillance/cdc-hiv-surveillance-report-2003-vol-15.pdf
    » https://www.cdc.gov/hiv/pdf/library/reports/surveillance/cdc-hiv-surveillance-report-2003-vol-15.pdf
  • 17
    Mastroianni CM, Lichtner M, Mascia C, Zuccalà P, Vullo V. Molecular mechanisms of liver fibrosis in HIV/HCV coinfection. Int J Mol Sci. 2014; 15 (6): 9184-208.
  • 18
    Roszkiewicz J, Smolewska E. Kaleidoscope of autoimmune diseases in HIV infection. Rheumatol Int. 2016; 36: 1481-91.
  • 19
    Sturm-Ramirez K, Gaye-Diallo A, Eisen G, Mboup S, Kanki PJ. High levels of tumor necrosis factor-alpha and interleukin-1 beta in bacterial vaginosis may increase susceptibility to human immunodeficiency virus. J Infect Dis. 2000; 182 (2): 476-73.
  • 20
    Wira CR, Rodriguez-Garcia M, Shen Z, Patel M, Fahey JV. The Role of Sex Hormones and the Tissue Environment in Immune Protection Against HIV in the Female Reproductive Tract. Am J Reprod Immunol. 2014; 72 (2): 171-81.
  • 21
    Coimbra DD, Lustosa JC, Sarmento DF, Lima RB, Pessoa OMN. Colagenoma eruptivo em paciente HIV+. An Bras Dermatol. 2008; 83 (2): 141-5.
  • 22
    Nazli A, Kafka JK, Ferreira VH, Anipindi V, Mueller K, Osborne BJ, Dizzell S, Chauvin S, Mian MF, Ouellet M, Tremblay MJ, Mossman KL, Ashkar AA, Kovacs C, Bowdish DM, Snider DP, Kaul R, Kaushic C. HIV-1 gp120 induces TLR2- and TLR4-mediated innate immune activa-tion in human female genital epithelium. J Immunol. 2013; 191 (8): 4246-58.
  • 23
    Wira CR, Ghosh M, Smith JM, Shen L, Connor RI, Sundstrom P, Frechette GM, Hill ET, Fahey JV. Epithelial cell secretions from the human female reproductive tract inhibit sexually transmitted pathogens and Candida albi-cans but not Lactobacillus. Mucosal Immunol. 2011; 4 (3): 335-42.
  • 24
    Wira CR, Fahey JV. A new strategy to understand how HIV infects women: identification of a window of vulnerability during the menstrual cycle. AIDS. 2008; 22 (15): 1909-17.
  • 25
    Iqbal Sm, Ball TB, Kimani P, Thottingal P, Embree JE, Fowke KR, Plummer FA. Elevated T cell counts and RANTES expression in the genital mucosa of HIV-1-resis-tant Kenyan commercial sex workers. J Infect Dis. 2005; 192 (5): 728-38.
  • 26
    Draenert R, Verril CL, Tang Y, Allen TM, Wurcel AG, Boczanowski M, Lechner A, Kim AY, Suscovich T, Brown NV, Addo MM, Walker BD. Persistent recognition of autol-ogous virus by high-avidity CD8 T cells in chronic, progressive human immunodeficiency virus type 1 infec-tion. J Virol. 2004; 78 (2): 630-41.
  • 27
    Racicot K, Cardenas I, Wunsche V, Aldo P, Guller S, Means RE, Romero R, Mor G. Viral infection of the pregnant cervix predisposes to ascending bacterial infection. J Immunol. 2013; 191 (2): 934-41.
  • 28
    Lima YAR, Alves MFC. O Sistema imune da mucosa do trato genital feminino e o impacto das doenças sexualmente transmissíveis. Rev Patol Trop. 2008; 37 (4): 295-309.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2017
  • Aceito
    02 Mar 2018
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br