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A Bioética diante do futuro

EDITORIAL

Editor Executivo da Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil

É prematuro afirmar algo sobre o rumo que tomará a Bioética no século XXI, pois estamos ainda nos seus primeiros anos, e todos os profetas, até hoje, se deram mal nas suas previsões. Entretanto já está clara a necessidade crescente do respeito à Bioética no mundo inteiro, dado o atual desenvolvimento da Ciência e seus métodos e, em particular a sua utilização pela Biologia e áreas correlatas.

Os avanços do conhecimento e as conquistas técnico-científicas da biologia molecular, da genômica e quase certamente na proteômica nos tem proposto problemas de decisão na prática profissional e investigativa que demandam fortemente um posicionamento com os mais altos compromissos éticos - ética diante do próximo, ética diante do ambiente e ética diante do futuro. Qualquer passo em falso, qualquer deslize, qualquer decisão errada cobrará um alto preço para todos. Aí estão os problemas relativos ao uso e pesquisas com células tronco, clonagem, aborto, transgênicos etc.

Ademais, as investigações sobre a própria conduta ética, seus princípios e teorias, a origem de cada decisão moral têm sido objeto do maior interesse. Estudada, ao longo da História, como objeto da Filosofia1,2 (Aristóteles, Platão, Espinosa, Hume, Kant, Stuart Mill e Bentham) muitos estudiosos começam uma nova busca, já desde a segunda metade do século XX - mediante abordagens científicas, inclusive experimentais - de novos elementos que podem fundamentar as decisões éticas.

Aí encontramos o grande psicólogo e educador suíço Jean Piaget investigando experimentalmente as razões psicológicas do comportamento moral; nos dias atuais Hoffman que estudou os aspectos emocionais envolvidos no sentimento de justiça e Rawls ao estudar as razões do sentimento de justiça e equidade. Ou ainda Marc Hauser, em 2006, ao realizar experimentos sobre dilemas morais usando os chamados Trolley Problems.3,4

Estes pesquisadores têm mostrado que os dilemas éticos envolvem mais do que a simples razão; envolvem também a empatia e todo o seu espectro emocional. Assim é que Antônio Damásio escreveu o importante livro "O Erro de Descartes"5 onde demonstra que nosso pensamento e decisões éticas não dependem só da razão, como pensava o filósofo.

Aqui pois, e em consonância com os princípios da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, aprovada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em outubro de 2005 cujo artigo primeiro enuncia:6

A presente Declaração trata das questões de ética suscitadas pela medicina, pelas ciências da vida e pelas tecnologias que lhes estão associadas, aplicadas aos seres humanos, tendo em conta as suas dimensões social, jurídica e ambiental,

a Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil (RBSMI) abre suas páginas para este novo mundo.

Desse modo, a iniciativa do periódico em publicar um número especial, dedicado à Bioética não é um fato trivial. Por outro lado é uma realização de importância para o momento histórico da nossa Revista que completa o décimo ano de vida precisamente no décimo ano do nosso século. Temos, pois, uma grande responsabilidade com este compromisso, inseridos que estamos, na divulgação da ciência biomédica, incluindo os seus aspectos sociais e epidemiológicos. Por uma feliz coincidência, aliás, e como não poderia ser diferente, muitos dos artigos publicados neste número tratam destes aspectos.

Esta edição suplementar, portanto, é a contribuição da RBSMI a tão palpitante tema. Porque tudo se resume ao pensamento de E. Morin: Não vamos deixar de fazer ciência, mas fazer "Ciência com Consciência".7

  • 1. Audi R, editor. The Cambrige Dictionary of Philosophy. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press; 1999.
  • 2. Russel B. História do pensamento occidental: uma aventura dos pré-socráticos a Wittgesntein. Rio de Janeiro, Ediouro; 2001
  • 3. Hauser M. Moral Minds: the nature of right and wrong. HaperCollins Publisher. New York; 2006.
  • 4. Lower B, editor. 50 Teorias filosóficas intelectualmente estimulantes. El dilema del tranvía. Barcelona: Art Blume; 2010. p. 94.
  • 5. Damásio AR. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, Companhia das Letras; 1996.
  • 6
    UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). Declaração universal sobre bioética e direiros humanos. [acesso em 28 dez 2010]. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=65673
  • 7. Morin E. Ciência com consciência. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 1999.
  • A Bioética diante do futuro

    J E Cabral Filho
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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