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Testagem para a COVID-19 em pacientes sintomáticos como fator protetivo contra estresse, ansiedade e depressão

Resumo

Objetivos:

determinar a frequência de sintomas de estresse, ansiedade e depressão em pacientes sintomáticos para COVID-19 e avaliar os fatores associados.

Métodos:

entre maio / junho de 2020, foi realizado um estudo transversal prospectivo com participantes sintomáticos para COVID-19 (n = 300). Foi aplicado um questionário online e o DASS-21 para avaliar a saúde mental dos participantes.

Resultados:

observou-se que 28,6%, 29,7% e 27% dos participantes apresentaram sintomas graves/extremos para estresse, ansiedade e depressão, respectivamente. A realização do teste para a COVID-19 constituiu-se como fator de proteção para o desenvolvimento de sintomatologia psíquica, uma vez que mostrou associação significativa nas baixas frequências de depressão grave/extrema [odds ratio (OR)]= 0,26; p=0,002) e de estresse (OR=0,39; p=0,01).

Conclusão:

os indivíduos sintomáticos para COVID-19 constituem um grupo vulnerável que podem apresentar elevada sintomatologia para depressão, ansiedade e estresse. A identificação da frequência de morbidade psiquiátrica e seus fatores associados podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias de saúde mental visando a prevenção e mitigação do impacto psicológico na população sintomática de COVID-19 durante a pandemia.

Palavras-chave
COVID-19; Depressão; Ansiedade; Estresse psicológico; Isolamento

Abstract

Objectives:

to determine the frequency of stress, anxiety, and depression symptoms in symptomatic patients for COVID-19. To evaluate the associated factors involved in these variants.

Methods:

between May/June of 2020, it was conducted a prospective cross-section study with symptomatic participants for COVID-19 (n=300). It was applied an online questionnaire and the DASS-21 to evaluate the mental health of participants.

Results:

it was observed that 28.6%, 29.7% and 27% of the participants showed severe/extreme levels symptoms of stress, anxiety, and depression, respectively. The testing for COVID-19 application had constituted a protective factor for the development of psychiatric morbidity, once it had shown significant association in the low frequencies of severe/extreme depression [Odds Ratio (OR)]= 0.26; p=0.002) and stress (OR=0.39; p=0.01).

Conclusion:

individuals that are symptomatic for COVID-19 are a vulnerable group that may present high symptomatology for depression, anxiety, and stress. The identification of psychiatric morbidity frequency and its associated factors may contribute for the development of mental health strategies aiming at the prevention and mitigation of psychological impact in COVID-19 symptomatic population during the pandemic.

Key words
COVID-19; Depression; Anxiety; Stress psychological; Social isolation

Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente a existência de uma pandemia no dia 11 de março de 2020 causada pelo vírus SARS-CoV-2.11 WHO (Word Health Organization). Overview of public health and social measures in the context of COVID-19: interim guidance; 2020. Available from: https://apps.who.int/iris/rest/bitstreams/1278127/retrieve.
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Além disso, a ausência atual de um tratamento efetivo ou vacina contra o vírus, fez com que a OMS recomendasse a todos os países a adoção de medidas sociais restritivas aliadas a sanitização ambiental e higienização das mãos, sendo assim a rápida disseminação da COVID-19 pode ser desacelerada e seus danos minimizados.11 WHO (Word Health Organization). Overview of public health and social measures in the context of COVID-19: interim guidance; 2020. Available from: https://apps.who.int/iris/rest/bitstreams/1278127/retrieve.
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As medidas encontradas para conter a transmissibilidade do vírus incluem, dentre outras: o distanciamento social, para toda a população; o isolamento social, para os indivíduos infectados; e a quarentena, em caso de potencial exposição ao vírus.22 Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020; 395 (10227): 912-20. Tais medidas restritivas atinge a natureza gregária do ser humano, que possui a necessidade de viver em coletivo e interagir com seus pares,33 Baumeister RF, Leary MR. The need to belong: Desire for interpersonal attachments as a fundamental human motivation. Psychol Bull. 1995; 117 (3): 497-529. podendo produzir sofrimento psíquico significativo, desencadeando estresse agudo e sentimentos como tédio, solidão, raiva e insegurança.22 Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020; 395 (10227): 912-20.,44 Kumar A, Nayar KR. Covid 19 and its mental health consequences. J Ment Heal. 2020; 0(0): 1-2. No geral, as pesquisas que avaliaram o impacto emocional diante da pandemia da COVID-19, identificaram na população em geral sensações de desesperança, desamparo, estigma, culpa e profunda perda de propósito de vida.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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,66 Ozamiz-Etxebarria N, Dosil-Santamaria M, Picaza-Gorrochategui M, Idoiaga-Mondragon N. Stress, anxiety, and depression levels in the initial stage of the COVID-19 outbreak in a population sample in the northern Spain. Cad Saúde Pública. 2020; 36 (4): 1-9. A pandemia da COVID-19 tem sido considerada, não só uma crise epidemiológica, mas também uma crise psicológica77 Weir K. Grief and COVID-19: mourning our bygone lives. American Psychological Association. 2020. Available from: https://www.apa.org/news/apa/2020/04/grief-covid-19
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e social.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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A falta de um tratamento efetivo, a sua propagação a nível mundial e as perdas de vidas, da rotina e financeiras têm contribuído para o surgimento de morbidades psiquiátricas como estresse, ansiedade, depressão.88 Shigemura J, Ursano RJ, Morganstein JC, Kurosawa M, Benedek DM. Public responses to the novel 2019 coronavirus (2019-nCoV) in Japan: Mental health consequences and target populations. Psychiatry Clin Neurosci. 2020; 74 (4): 281-2. Observa-se também o aumento nos números de suicídios99 Goyal K, Chauhan P, Chhikara K, Gupta P, Singh MP. Fear of COVID 2019: First suicidal case in India ! Asian J Psychiatr. 2020; 49: 101989. e de comportamentos de risco à saúde, como o maior consumo de álcool e tabaco.1010 Chodkiewicz J, Talarowska M, Miniszewska J, Nawrocka N, Bilinski P. Alcohol Consumption Reported during the COVID-19 Pandemic: The Initial Stage. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17 (13): 1-11. Os próprios sintomas da infecção como febre, hipóxia e tosse estão associados com um aumento do estado de vigilância e agravamento do quadro de ansiedade e síndrome do pânico.1111 Xiang Y-T, Yang Y, Li W, Zhang L, Zhang Q, Cheung T, et al. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. The Lancet Psychiatry. 2020;7(3):228-9. Em alguns casos, a ansiedade relacionada ao desconhecimento sobre o estado de saúde, a necessidade de checar a temperatura corporal e higienizar as mãos com frequência estiveram associadas ao desenvolvimento ou intensificação de sintomas obsessivo-compulsivos.1212 Li W, Yang Y, Liu Z-H, Zhao Y-J, Zhang Q, Zhang L, et al. Progression of Mental Health Services during the COVID-19 Outbreak in China. Int J Biol Sci. 2020; 16 (10): 1732-8.,1313 Silva RM, Shavitt RG, Costa DL. Obsessive-compulsive disorder during the COVID-19 pandemic. Brazilian J Psychiatry. 2020; 00(00): 7316.

Apesar de alguns países já terem controlado a crise, a pandemia atingiu em cheio as américas, onde os números de casos novos e óbitos crescem diariamente. Um dos países mais afetados é o Brasil, que ainda apresenta subnotificação de casos e de óbitos relativos a COVID-19 em decorrência da escassez de testes para diagnósticos.1414 WHO (Word Health Organization). Laboratory testing strategy recommendations for COVID-19: interim guidance.2020.,1515 Ministério da Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19. Ministério da Saúde. 2020;1:1-398. Available from: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/ddt-covid-19-200407.pdf
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A OMS recomenda que todos os casos suspeitos de infecção, sintomáticos ou não, sejam testados pelo swab de orofaringe e nasofaringe, seguido de análise pela técnica da Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction (RT-PCR).1414 WHO (Word Health Organization). Laboratory testing strategy recommendations for COVID-19: interim guidance.2020. Entretanto, os protocolos de testagem no Brasil não seguiram essa recomendação até 24 de junho, quando o Ministério da Saúde do Brasil determinou a testagem de todos com sintoma gripal.1616 Ministério da Saúde. Saúde passa a testar casos leves de Covid-19. 2020. Available from: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/47113-saude-passa-a-testar-100-dos-casos-leves-de-covid-19
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Antes, a orientação era testar somente os casos graves e, em alguns estados, também os profissionais de saúde e serviços essenciais.1616 Ministério da Saúde. Saúde passa a testar casos leves de Covid-19. 2020. Available from: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/47113-saude-passa-a-testar-100-dos-casos-leves-de-covid-19
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Baseado no exposto acima, o presente estudo teve por objetivo investigar os fatores associados com sintomas psíquicos em pacientes sintomáticos para COVID-19, buscando a prevenção desses transtornos mentais. Assim, nossa hipótese foi que a realização do teste para a COVID-19 em pacientes sintomáticos diminuísse a prevalência de sinais e sintomas de estresse, ansiedade e depressão em pacientes sintomáticos para a COVID-19.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal prospectivo realizado por meio de questionário on-line, no qual foram avaliados participantes de diferentes regiões do Brasil. Foram incluídos brasileiros com mais de 18 anos de idade e sintomáticos para COVID-19. Foram excluídos os participantes que preencheram os questionários de forma incorreta ou duplicada e os participantes assintomáticos para COVID-19. Foi considerado paciente sintomático, caso suspeito para COVID-19, aquele que apresentou algum sintoma de gripe, como febre, tosse, congestão nasal, coriza, dor de garganta, anosmia, disgeusia, ageusia, mialgia, dores no corpo e calafrios.

Um convite foi enviado aos participantes por email ou rede social (ex: Instagram, Twitter, Facebook e Whatsapp), pedindo para que eles encaminhassem para outros contatos, seguindo a técnica de amostragem por bola de neve. Os dados do estudo foram coletados pela plataforma Google Forms, a qual foram adicionadas perguntas objetivas e de fácil entendimento. O instrumento foi previamente testado e depois de conduzido um teste piloto, foi observado que o tempo médio de resposta dos participantes era de 7 minutos. Durante o processo de preenchimento dos formulários, foi solicitado aos participantes que respondessem sobre questões relacionadas à saúde mental, hábitos, situações sociodemográficas, que foram afetados ou não pela pandemia COVID-19 e as medidas de distanciamento e isolamento social adotadas.

As variáveis dependentes consistiram em estresse, ansiedade e depressão. As variáveis independentes pesquisadas foram as biológicas, como idade e sexo, e as sociodemográficas como cor/raça, escolaridade, estado civil (companheiro), número de filhos, número de cômodos na residência e religião.

O formulário incluiu, também, perguntas relacionadas a atividadesde lazer e prática de exercícios físicos realizadas antes e durante o período de distanciamento social. Com relação aos antecedentes, foram pesquisados o histórico de ansiedade e depressão, doenças crônicas, etilismo e uso de medicamentos para dormir. Em relação às atividades laborais, abordou-se sobre a prática de atividades remotas, área de atuação e renda mensal antes e durante o distanciamento social.

Os formulários incluíram também as medidas adotadas para prevenção de infecção pelo SARS-CoV-2, como a prática de distanciamento social, história de contato com alguém suspeito ou confirmado para a COVID-19 e realização do teste laboratorial para COVID-19 (teste molecular ou sorológico).O distanciamento social foi definido como uma medida de contenção da comunidade adotada para prevenir a disseminação do SARS-CoV-2.17

A fim de avaliar a saúde mental da população sintomática para a COVID-19, foi utilizado o Depression Anxiety Stress Scales- Short Form, conhecido como DASS-21. A escala foi desenvolvida por Lovibond e Lovibond,1818 Lovibond, S.H., Lovibond PF. Manual for the Depression Anxiety Stress Scales. fourth ed. Sydney: Psychology Foundation; 2004. que foi adaptada e validada para o Brasil por Vignola e Tucci1919 Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014; 155 (1): 104-9. e Patias et al.2020 Patias ND, Machado WDL, Bandeira DR, Dell'Aglio DD. Depression Anxiety and Stress Scale (DASS-21) - Short Form: Adaptação e Validação para Adolescentes Brasileiros. Psico-USF. 2016; 21 (3): 459-69. O DASS-21 consiste em um instrumento do tipo Likert de 4 pontos, no qual os participantes avaliam cada sintoma descrito nos itens de acordo com a última semana (semana anterior). No instrumento, as respostas variam entre 0 (não se aplicou de maneira alguma), 1 (aplicou-se em algum grau ou por pouco tempo), 2 (aplicou-se em um grau considerável ou por uma boa parte do tempo) e 3 (aplicou-se muito ou na maioria do tempo).1919 Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014; 155 (1): 104-9.

Os escores de depressão, ansiedade e estresse são determinados pela soma dos 21 itens ao todo. A DASS-21 também classifica a gravidade dos sintomas a partir de faixas de escores, classificando os sintomas em nível normal, leve, moderado, grave ou muito grave.1818 Lovibond, S.H., Lovibond PF. Manual for the Depression Anxiety Stress Scales. fourth ed. Sydney: Psychology Foundation; 2004. A subescala de estresse é composta pelas questões 1, 6, 8, 11, 12, 14 e 18, que descrevem sintomas normais (se resultados entre 0-14), sinais e sintomas leves (15-18), moderados (19-25), grave (26-33) e muito grave/extremo (> 33). Da mesma forma, a subescala de ansiedade é composta pelas questões 2, 4, 7, 9, 15, 19 e 20, que descrevem sintomas normais (se resultados entre 0-7), sinais e sintomas leves (8-9) moderados (10-14), grave (15-19) e muito grave/extremo (>19). Seguindo esse padrão, a subescala depressão é composta pelas questões 3, 5, 10, 13, 16, 17 e 21, que descrevem sintomas normais (se resultados entre 0-9), sinais e sintomas leves (10-13), moderados (14-20), grave (21-27) e muito grave/extremo (> 27).1919 Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014; 155 (1): 104-9.

Um banco de dados foi criado para submeter os dados coletados aos testes de consistência e limpeza, obtendo-se a listagem das variáveis e corrigindo-se os erros. Após o tratamento dos dados primários, os dados prosseguiram para análise estatística.

A análise foi realizada no programa estatístico Epi-info versão 3.5.1 (Centers for DiseaseControl and Prevention - CDC, Estados Unidos da América -EUA, Atlanta, DC). Primeiramente, foi realizada uma análise univariada para descrever a distribuição das variáveis dependentes e independentes na população de estudo, utilizando-se o teste de qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, quando pertinentes. Calculou-se a razão de prevalência e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Na análise multivariada, o modelo inicial consistiu em variáveis explicativas com p<0,20, sendo calculados a razão de chance (OR) e seu intervalo de confiança a 95%. As variáveis com nível de significância <0,05 permaneceram no modelo final.

Antes do preenchimento do questionário por todos os participantes, foi disponibilizado um termo de consentimento on-line na primeira seção que exigia uma assinatura virtual dos participantes para que pudessem continuar a preencher o questionário on-line. Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) e pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Os respectivos Certificados de Apresentação de Apreciação Ética são 30623020.1.3001.5201 e 30623020.1.0000.5206.

Resultados

Foram obtidas 3,765 respostas, sendo excluídos 565 indivíduos que não completaram o questionário ou preencheram o questionário de forma duplicada. Além disso, 3,465 respostas de indivíduos que eram assintomáticos foram excluídas, restando 300 participantes para análise. Entre esses, a idade média foi de 33.0 ± 11.6 anos, variando entre 18 a 78 anos.

Foram calculadas a prevalência de sinais e sintomas de estresse, ansiedade e depressão nos participantes sintomáticos para a COVID-19 (n=300) e a gravidade da sintomatologia. Em relação a subescala de estresse, 122 (40,7%) participantes foram considerados normais, 40 (13,3%) leves, 52 (17,3%) moderado e 86 (28,6%) grave a extremo. A subescala de ansiedade evidenciou que 111 (37%) participantes eram normais, 23 (7,7%) leve, 77 (25,7%) moderados e 89 (29,7%) grave a extrema. Concernente a subescala de depressão, 111 (37%) participantes foram normais, 44 (14,7%) leve, 64 (21,3%) moderada e 81 (27%) foram considerados como depressão grave a extrema (Tabela 1). As Tabelas 2, 3 e 4 reportam os resultados das análises univariadas da associação entre as variáveis estudadas e os sintomas graves/extremos de estresse, ansiedade e depressão, respectivamente.

Tabela 1
Prevalência de estresse, ansiedade e depressão, segundo a gravidade em pacientes sintomáticos para a COVID-19.
Tabela 2
Variáveis associadas a estresse grave/extremo em sintomáticos para a COVID-19.
Tabela 3
Variáveis associadas a ansiedade grave/extrema em sintomáticos para a COVID-19.
Tabela 4
Variáveis associadas a depressão grave/extrema em sintomáticos para a COVID-19.

Quanto a presença de sinais e sintomas de estresse grave/extremo observou-se, após análise multivariada, uma associação significativa com o sexo feminino (OR= 2.18; IC95%= 1.02-4.65), não possuir filhos (OR= 3.27; IC95%= 1.69-6.35), residência com menos de três cômodos (OR= 2.97; IC95%= 1.15-7.66), manter, iniciar ou aumentar o uso de medicações para dormir (OR= 3,22; IC95%= 1.69-6.13), histórico de ansiedade e depressão (OR= 2.03; IC95%= 1.04-3.96), diminuir ou não praticar atividades de lazer (OR= 2.76; IC95%= 1.23-6.17) e a realização de teste para a COVID-19 (OR= 0.39 IC95%= 0.18-0.82) (Tabela 2).

Em relação a ansiedade, notou-se que os sinais e sintomas de ansiedade grave/extrema apresentaram associação significativa, através da análise multivariada, com a diminuição da renda (OR= 2.39; IC95%= 1.32-4.32), ausência de religião (OR= 2.61; IC95%= 1.39-4.89), ausência de filhos (OR= 3.17; IC95%= 1.70-5.94), antecedentes de ansiedade e depressão (OR= 2.15; IC95%= 1.12-4.11), uso de medicação para dormir (OR = 3.53; IC95%= 1.856.74), diminuir ou não praticar atividades de lazer (OR= 4.91; IC95%= 2.15-11.20) e histórico de contato com alguém suspeito para COVID-19 (OR= 2.45; IC95%= 1.28-4.70) (Tabela 3).

Sinais e sintomas de depressão grave/extrema apresentaram, através da análise multivariada, associação com a ausência de religião (OR= 2.28; IC95%= 1.19-4.36), ausência de filhos (OR= 3.88; IC95%= 1.93-7.77), uso de medicamentos para dormir (OR= 5.71; IC95%= 3.0-10.86), diminuir ou não fazer uso de exercícios físicos (OR= 2.62; IC95%= 1.27-5.38) e diminuir ou não fazer uso de atividades de lazer (OR= 3.10; IC95%= 1.30-7.45). A realização do teste para a COVID-19 apresentou associação negativa, ou seja, aqueles que realizaram o teste para a COVID-19 apresentaram menor frequência de depressão grave/extrema (OR= 0.26; IC95%= 0.11-0.61) (Tabela 4).

Discussão

Embora uma grande parte da população não será infectada pelo vírus SARS-CoV-2, o cenário atual tem sido vivenciado globalmente um momento de crise que possui um potencial traumático,2020 Patias ND, Machado WDL, Bandeira DR, Dell'Aglio DD. Depression Anxiety and Stress Scale (DASS-21) - Short Form: Adaptação e Validação para Adolescentes Brasileiros. Psico-USF. 2016; 21 (3): 459-69.,2121 Horesh D, Brown AD. Traumatic stress in the age of Covid-19: A call to close critical gaps and adapt to new realities. Psychol Trauma. 2020; 12 (4): 331-5. devido às múltiplas crises que a pandemia da COVID-19 tem proporcionado. Diferentemente de outros surtos virais, a pandemia da COVID-19 tem ganhado grandes proporções mediante o compartilhamento de informações em larga escala e em tempo real. A ansiedade em relação a um futuro incerto, pela ausência de uma cura ou vacina e os efeitos das medidas adotadas para evitar a maior disseminação da doença têm contribuído para o aumento de sofrimento psíquico na população em geral.44 Kumar A, Nayar KR. Covid 19 and its mental health consequences. J Ment Heal. 2020; 0(0): 1-2.

As prevalências de sinais e sintomas de estresse, ansiedade e depressão obtida em nosso estudo foi alta, quando comparada a encontrada em outros países.2222 Salari N, Hosseinian-Far A, Jalali R, Vaisi-Raygani A, Rasoulpoor S, Mohammadi M, et al. Prevalence of stress, anxiety, depression among the general population during the COVID-19 pandemic: a systematic review and metaanalysis. Global Health. 2020; 16 (1): 57. De acordo com uma metanálise,2222 Salari N, Hosseinian-Far A, Jalali R, Vaisi-Raygani A, Rasoulpoor S, Mohammadi M, et al. Prevalence of stress, anxiety, depression among the general population during the COVID-19 pandemic: a systematic review and metaanalysis. Global Health. 2020; 16 (1): 57. a prevalência de estresse obtida a partir de cinco estudos (n=9.075) correspondeu a 29,6% da amostra, enquanto que a de ansiedade e a de depressão,que incluiu 17 estudos (n= 63.439) e 14 estudos (n=44.531), correspondeu a 31,9% e 33,7%, respectivamente. Esses estudos consideraram qualquer grau de gravidade (leve, moderada, grave ou extrema).2222 Salari N, Hosseinian-Far A, Jalali R, Vaisi-Raygani A, Rasoulpoor S, Mohammadi M, et al. Prevalence of stress, anxiety, depression among the general population during the COVID-19 pandemic: a systematic review and metaanalysis. Global Health. 2020; 16 (1): 57. Destaca-se que essa revisão incluiu a população em geral e nosso estudo foi realizado com uma população mais vulnerável a apresentar transtornos psicológicos, visto que vivenciam a possibilidade de estarem ou não contaminados com o vírus, situação que pode ser percebida como ansiogênica e mobilizante emocionalmente.

Porém, a prevalência de morbidade psiquiátrica identificada na população sintomática para a COVID-19, em nosso estudo, se aproxima de pesquisas com populações gerais, como se observa no primeiro estudo que avaliou o impacto psicológico nos chineses durante o início da pandemia2323 Wang C, Pan R, Wan X, Tan Y, Xu L, Ho CS, et al. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17 (5): 1729. e também em um estudo realizado na Turquia que analisou a população com diagnóstico de COVID-19.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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Wang et al.2323 Wang C, Pan R, Wan X, Tan Y, Xu L, Ho CS, et al. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17 (5): 1729. observou que mais da metade dos participantes, 53.8%, apresentou impacto psicológico moderado a grave diante do surto da COVID-19. O estudo também encontrou que o estado de saúde ruim, avaliado pelo próprio participante, e a presença de sintomatologia física como calafrios, mialgia, tosse, tontura e dor de garganta obtiveram associação estatisticamente significativa com os elevados índices de estresse, ansiedade e depressão. Indicando, portanto, que pacientes sintomáticos são de risco para o desenvolvimento de morbidades psiquiátricas.2323 Wang C, Pan R, Wan X, Tan Y, Xu L, Ho CS, et al. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17 (5): 1729.

Em relação aos fatores associados às morbidades psiquiátricas avaliadas, um resultado que se sobressaiu com destaque foi a associação significativa entre a realização do teste para a COVID-19 e a diminuição de sinais e sintomas graves/extremo de estresse, ansiedade e depressão. Poucas pesquisas analisaram a força da associação entre a realização de testes para a COVID-19 e a presença de morbidades psiquiátricas. No estudo da Turquia, realizado com a população não contaminada pelo vírus, os resultados não identificaram associação significativa entre níveis de depressão e a realização do teste da COVID-19.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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Entretanto, uma pesquisa que avaliou a testagem para a COVID-19 em repatriados europeus que chegavam a França de voos vindo de Wuhan, na China, observou que a ação de testagem nos repatriados consistiu em um fator minimizador de ansiedade.2424 Lagier JC, Colson P, Tissot Dupont H, Salomon J, Doudier B, Aubry C, et al. Testing the repatriated for SARS-Cov2: Should laboratory-based quarantine replace traditional quarantine? Travel Med Infect Dis. 2020; 34 (January): 101624. Segundo os autores, o rápido diagnóstico, além de tranquilizar os testados, pode consistir em uma ferramenta de manejo da situação de crise e auxiliar na tomada de decisões referente ao estabelecimento de quarentena.2424 Lagier JC, Colson P, Tissot Dupont H, Salomon J, Doudier B, Aubry C, et al. Testing the repatriated for SARS-Cov2: Should laboratory-based quarantine replace traditional quarantine? Travel Med Infect Dis. 2020; 34 (January): 101624. Apesar do estudo ter focado em indivíduos assintomáticos, contribui e corrobora com a associação entre a testagem para a COVID-19 e a diminuição do impacto psicológico nos testados.2424 Lagier JC, Colson P, Tissot Dupont H, Salomon J, Doudier B, Aubry C, et al. Testing the repatriated for SARS-Cov2: Should laboratory-based quarantine replace traditional quarantine? Travel Med Infect Dis. 2020; 34 (January): 101624. Similar a esse último estudo,2424 Lagier JC, Colson P, Tissot Dupont H, Salomon J, Doudier B, Aubry C, et al. Testing the repatriated for SARS-Cov2: Should laboratory-based quarantine replace traditional quarantine? Travel Med Infect Dis. 2020; 34 (January): 101624. o presente estudo também observou baixos níveis de estresse, ansiedade e depressão naqueles que foram testados para a COVID-19, entretanto nossa população consistiu em indivíduos sintomáticos. O estudo sugere que indivíduos sintomáticos são mais suscetíveis a apresentarem sinais de estresse, ansiedade e depressão,1111 Xiang Y-T, Yang Y, Li W, Zhang L, Zhang Q, Cheung T, et al. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. The Lancet Psychiatry. 2020;7(3):228-9. provavelmente devido ao medo das possíveis complicações da doença. Foi acordado, entretanto, que a testagem para a COVID-19 protegeu eles contra esses riscos, uma vez que a maioria dos indivíduos sintomáticos que fizeram o exame apresentaram um resultado negativo para a COVID-19.

O medo de estar infectado e de infectar outras pessoas é uma reação normal e possibilita que os indivíduos evitem se expor a situações de riscos e adotem medidas de proteção.2525 Harper CA, Satchell LP, Fido D, Latzman RD. Functional Fear Predicts Public Health Compliance in the COVID-19 Pandemic. Int J Ment Health Addict. 2020; 44 (0): 1-21. Entretanto quando o medo se torna exacerbado pode produzir reações emocionais disfuncionais, ativando e potencializando transtornos psiquiátricas pré-existentes.2626 Colizzi M, Bortoletto R, Silvestri M, Mondini F, Puttini E, Cainelli C, et al. Medically unexplained symptoms in the times of COVID-19 pandemic: a case-report. Brain Behav Immun Health. 2020 (5): 100073. Available from: https://doi.org/10.1016Zj.bbih.2020.100073
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Ainda, é provável que o teste para COVID-19 traga uma sensação de tranquilidade para os indivíduos sintomáticos e assintomáticos.A realização do teste confirmando ou descartando o diagnóstico da COVID-19 pode minimizar o medo do desconhecido e possibilitar o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento positivas, reduzindo o sofrimento psíquico e, consequentemente, diminuindo os níveis de estresse, ansiedade e depressão. O resultado do teste para a COVID-19 indicando que o indivíduo já foi contaminado pelo vírus pode promover, também, uma sensação de segurança proveniente da ideia que adquiriu o ‘passaporte para a imunidade’: os anticorpos de memória imunológica de longa duração agem, se a pessoa for novamente infectada pelo vírus causador da COVID-19, sendo assim o indivíduo não desenvolve a doença mais uma vez. É importante ressaltar que não há estudos conclusivos que indiquem uma imunidade de longa duração contra o SARS-CoV-2.2727 WHO (Word Health Organization). "Immunity passports" in the context of COVID-19. 2020. Available from: https://www.who.int/news-room/commentaries/detail/.
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Em relação às outras variáveis estudadas, observa-se que o sexo feminino apresentou associação significativa com sintomas de estresse grave/extremo (p<0,05) e com ansiedade grave/extrema. Outros estudos também identificaram que mulheres são mais susceptíveis a desenvolver ansiedade e estresse durante a pandemia.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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,2222 Salari N, Hosseinian-Far A, Jalali R, Vaisi-Raygani A, Rasoulpoor S, Mohammadi M, et al. Prevalence of stress, anxiety, depression among the general population during the COVID-19 pandemic: a systematic review and metaanalysis. Global Health. 2020; 16 (1): 57.,2323 Wang C, Pan R, Wan X, Tan Y, Xu L, Ho CS, et al. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17 (5): 1729. Apesar da literatura apontar que mulheres apresentam maiores riscos de ter depressão comparado ao sexo oposto,2828 Lim GY, Tam WW, Lu Y, Ho CS, Zhang MW, Ho RC. Prevalence of Depression in the Community from 30 Countries between 1994 and 2014. Sci Rep. 2018; 8 (1): 2861. o presente estudo não observou associação entre o sexo feminino com sintomas de depressão grave/extrema, ficando esta variável de fora da análise multivariada. Na Índia também não foi observada diferença significativa entre o nível de depressão entre homens e mulheres.2929 Rehman U, Shahnawaz MG, Khan NH, Kharshiing KD, Khursheed M, Gupta K, et al. Depression, Anxiety and Stress Among Indians in Times of Covid-19 Lockdown. Community Ment Health J. 2020. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32577997
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A ausência de filhos e de companheiro(a) também foram identificados como fatores de risco para o desenvolvimento de estresse, ansiedade e depressão grave/extremo. Observa-se que estar sozinho durante o período de quarentena/isolamento social consiste em uma situação de risco para o surgimento ou agravamento de transtornos mentais.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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A idade mais jovem também esteve associada com maior frequência de morbidade psiquiátrica, corroborando com outro s autores.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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,2323 Wang C, Pan R, Wan X, Tan Y, Xu L, Ho CS, et al. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17 (5): 1729.,2929 Rehman U, Shahnawaz MG, Khan NH, Kharshiing KD, Khursheed M, Gupta K, et al. Depression, Anxiety and Stress Among Indians in Times of Covid-19 Lockdown. Community Ment Health J. 2020. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32577997
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Indivíduos com menor idade são em sua maioria estudantes, população amplamente afetada pelas mudanças de rotina e medidas restritivas de isolamento que fecharam as escolas ao redor do mundo.66 Ozamiz-Etxebarria N, Dosil-Santamaria M, Picaza-Gorrochategui M, Idoiaga-Mondragon N. Stress, anxiety, and depression levels in the initial stage of the COVID-19 outbreak in a population sample in the northern Spain. Cad Saúde Pública. 2020; 36 (4): 1-9. A dificuldade de acesso a plataformas online de ensino à distância e a falta de acesso à internet consistem em situações ansiogênica experienciadas por uma parcela de alunos economicamente desfavorecidos. Indivíduos mais jovens podem vivenciar inseguranças quanto a continuidade do aprendizado e ingresso ao ensino superior, temendo que as mudanças comprometam a futura inserção no mercado de trabalho. Além disso, a maior vulnerabilidade psicológica da população mais jovem pode ser explicada pelo maior acesso a informações distorcidas e alarmantes através das mídias e redes sociais.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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,66 Ozamiz-Etxebarria N, Dosil-Santamaria M, Picaza-Gorrochategui M, Idoiaga-Mondragon N. Stress, anxiety, and depression levels in the initial stage of the COVID-19 outbreak in a population sample in the northern Spain. Cad Saúde Pública. 2020; 36 (4): 1-9. O uso de medicação para dormir esteve significamente associado com as três dimensões avaliadas pelo DASS-21. Este resultado aponta que a população com sintomas da COVID-19 tem apresentado dificuldades para dormir como consequência dos altos níveis de estresse, ansiedade e depressão. Reflexo, também, das preocupações entorno da possibilidade de agravamento do quadro clínico, necessitando ser hospitalizado, e decorrente das dificuldades em permanecer em quarentena.22 Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020; 395 (10227): 912-20.,1111 Xiang Y-T, Yang Y, Li W, Zhang L, Zhang Q, Cheung T, et al. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. The Lancet Psychiatry. 2020;7(3):228-9.

Ansiedade e depressão grave/extrema foram mais presentes em portadores de doenças crônicas. Pacientes com múltiplas comorbidades são considerados grupo de risco para desenvolver maiores complicações clínicas e apresentar um pior prognóstico se contaminados pela COVID-19. Por estes motivos, esta população apresenta medo mais intenso de adquirir a doença, estando mais susceptíveis a desenvolver transtornos psiquiátricos.66 Ozamiz-Etxebarria N, Dosil-Santamaria M, Picaza-Gorrochategui M, Idoiaga-Mondragon N. Stress, anxiety, and depression levels in the initial stage of the COVID-19 outbreak in a population sample in the northern Spain. Cad Saúde Pública. 2020; 36 (4): 1-9.,2323 Wang C, Pan R, Wan X, Tan Y, Xu L, Ho CS, et al. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17 (5): 1729.

A correlação encontrada entre a diminuição ou ausência de exercícios físicos e de atividades de lazer com os sinais e sintomas de estresse, ansiedade e depressão grave/extrema aponta para a importância de se manter ativo durante o período de pandemia. Maiores níveis de depressão foram identificados em indivíduos que relataram mudanças na rotina diária.55 Ustun G. Determining depression and related factors in a society affected by COVID-19 pandemic. Int J Soc Psychiatry. 2020. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0020764020938807
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Uma possível explicação para este fato é que passar mais tempo em casa pode aumentar a exposição a mídias sociais, a qual contém uma gama excessiva de informações imprecisas sobre a pandemia -incluindo fake News e informações imprecisas - que pode contribuir para o aumento do medo e ansiedade. Como resultado disso, os autores demonstraram que a prática de exercícios físicos e atividades de lazer atuam como medidas de suporte para o enfrentamento dos problemas durante o período de distanciamento social.3030 Jiloha R. COVID-19 and Mental Health. Epidemiol Int. 2020; 05 (01): 7-9. Também, essas atividades atuaram como fatores protetivos para o desenvolvimento de morbidades psiquiátricas.

O presente estudo possui algumas limitações. Visando otimizar o tempo e ampliar a captação dos participantes, o estudo foi realizado a partir de um formulário on-line. A amostra foi limitada, portanto, a indivíduos com acesso à internet e que faziam uso de mídias sociais, em geral, constituído por participantes jovens.

Pelo fato de o estudo ter sido realizado com os indivíduos sintomáticos para a COVID-19, os resultados obtidos não podem ser estendidos para a população geral. Porém, o perfil da amostra constitui um diferencial neste estudo, visto que a maioria das pesquisas se concentram em avaliar as repercussões psicológica da pandemia na população geral.

Apesar de alguns participantes terem realizado o teste para a COVID-19, os resultados dos testes não foram de conhecimento dos autores, não sendo possível diferenciar os sintomáticos com COVID-19 e os sintomáticos sem COVID-19. A comparação de sinais e sintomas de estresse, ansiedade e depressão entre estes dois grupos pode consistir em um objeto de estudo futuro.

Segundo a OMS,1414 WHO (Word Health Organization). Laboratory testing strategy recommendations for COVID-19: interim guidance.2020. a testagem consiste em uma ferramenta estratégica de resposta ao problema de saúde pública. A partir do teste é possível identificar e gerenciar novos casos de COVID-19, reduzindo a subnotificação, fazendo com que o cenário seja mais claro para que as autoridades desenvolvam estratégias visando a redução da transmissibilidade do vírus e os impactos econômicos e sociais. Ademias, nosso estudo demonstrou que a realização do teste para a COVID-19 se comporta como um fator protetivo contra estresse, ansiedade e depressão na amostra analisada. Sugere-se que a testagem seja realizada para fins de prevenção do desenvolvimento de morbidade psiquiátrica na população sintomática. A população sintomática para a COVID-19 consiste em um grupo vulnerável a desenvolver níveis significativos de depressão, ansiedade e estresse quando comparado a população geral durante a pandemia.

A realização do teste para a COVID-19 possibilita que as incertezas, fantasias e ansiedade sejam dirimidas dando lugar para o desenvolvimento de estratégias de cuidado e enfrentamento, incluindo, se contaminado, a solicitação de realização da quarentena para o paciente diagnosticado com a COVID-19, seguido pelo devido tratamento dos sintomas. A importância de analisar a prevalência de morbidades psiquiátricas, seus fatores de riscos e de proteção na população sintomática para a COVID-19 recai no desenvolvimento de estratégias de saúde mental que englobem o tratamento dos casos agudos, prevenção e mitigação do impacto psicológico nesta população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Fev 2021

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2020
  • Aceito
    07 Dez 2020
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