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A vigilância do óbito como instrumento para reduzir a invisibilidade da exclusão social e assistencial de mulheres e crianças

As mortes maternas e infantis constituem problema de saúde pública na maioria dos países, apesar de predomi-nantemente evitáveis. Entendendo a negação à vida como a supressão ao direito humano mais elementar, a Organização das Nações Unidades estimulou os países a assumirem compromissos para o seu enfrentamento desde o ano 2000, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), atualizadas em novas metas a serem alcançadas até 2030 nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).11 Grove J, Claeson M, Bryce J, Amouzou A, Boerma T, Waiswa P, Victora C, Kirkland Group. Maternal, newborn, and child health and the Sustainable Development Goals-a call for sustained and improved measurement. Lancet. 2015; 386 (10003): 1511-4.

Entretanto, as mortes fetais igualmente relevantes, além de não contempladas nos ODM e ODS, são negli-genciadas e imperceptíveis à sociedade e ao poder público por não serem foco de atenção particular. A visibili-dade concedida à mortalidade materna e infantil por meio do monitoramento dos ODM favoreceu a redução do problema, ainda que não uniformemente, em todos os países e que, mesmo entre os que mais avançaram, per-manecem dívidas com populações específicas como as indígenas, quilombolas, ciganas, ribeirinhas e em situ-ação de rua.22 Merali HS, Lipsitz S, Hevelone N, Gawande AA, Lashoher A, Agrawal P, Spector J. Audit-identified avoidable factors in maternal and perinatal deaths in low resource settings: a systematic review. BMC Pregnancy Childbirth. 2014; 14 (280): 1-12.,33 WHO (World Health Organization). Death reviews: maternal, perinatal and child. WHO 2013. [cited 2016 Jan 24]. Available from: http://www.who.int/pmnch/knowledge/publications/summaries/ks27/en/
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Para que se desenvolvam políticas públicas efetivas direcionadas às mulheres e crianças, é imprescindível um adequado conhecimento quanto à relevância dos problemas, seus determinantes e circunstâncias de sua ocorrência. Países que dispõem de sistemas de informação de registro contínuo completo dimensionam com se-gurança a magnitude da mortalidade, embora por vezes as informações sejam insuficientes para apreender os fatos relacionados ao óbito e identificar grupos socialmente marginalizados.44 Frias PG, Szwarcwald CL, Lira PIC. Avaliação dos sistemas de informações sobre nascidos vivos e óbitos no Brasil na década de 2000. Cad SaúdePública. 2014; 30 (10): 2068-280.

No Brasil e em países que dispõem desses sistemas, além do aprimoramento da contagem dos óbitos mater-no, fetal e infantil e da qualidade das informações, é necessário compreender o evento em profundidade e em múltiplas perspectivas, para identificar os grupos mais afetados pelas iníquas condições de acesso a bens e serviços e intervir sobre elas.55 Stratulat P, Curteanu A, Caraus T, Petrov V, Gardosib J. The experience of the implementation of perinatal audit in Moldova. BJOG. 2014; 121 (Suppl. 4): 167-71.,66 Vanderlei LCM, Navarrete MLV. Mortalidade infantil evitável e barreiras de acesso a atenção básica no Recife, Brasil. Rev Saúde Pública. 2013; 47 (2): 379-89.

Há décadas os óbitos materno e infantil são utilizados como eventos sentinela pela sua capacidade de avaliar a qualidade da atenção à saúde em muitos países que adotam diferentes arranjos organizacionais na in-vestigação dos casos, condicionados pelo perfil epidemiológico, assistencial e capacidade operacional. Só mais recentemente os óbitos fetais foram incorporados na agenda de eventos passíveis de vigilância.77 GOV.UK. Department for Education. Child death reviews: forms for reporting child deaths. [cited 2017 Jan 09]. Available from: http://www.nrhmhp.gov.in/sites/default/files/files/Child%20death%20Review%20guidelines.pdf
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A vigilância do óbito ao informar aos interessados sobre a cadeia de contigências que culminaram com uma morte potencilamente evitável reconhece a estratégia como ferramenta de gestão, favorece a reflexão crítica dos envolvidos com o caso e amplia a possibilidade de melhoria no acesso às açoes e serviços durante a ges-tação, parto, nascimento, puerpério e puericultura.88 Bensaïd K, Yaroh AG, Kalter HD, Koffi AK, Amouzou A, Maina A, Kazmi N. Verbal/Social Autopsy in Niger 2012-2013: A new tool for a better understanding of the neonatal and child mortality situation. J Glob Health. 2016; 6 (1): 010602. De forma igual, o planejamento de intervenções focadas em obstáculos a uma assistência de qualidade contribui para redução de mortes evitáveis e iniquidades sociais sendo um instrumento para desnaturalizar as mortes consentidas pela sociedade.

Evidentemente a disseminação de informações e esclarecimentos sobre este tema aos profissionais da área, aos gestores e aos órgãos de saúde materno-infantil é bastante necessária, não sendo portanto irrelevante a con-tribuição dos periódicos científicos com escopo epidemiológico envolvendo a saúde da mulher e especialmente a saúde da criança.

References

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    Grove J, Claeson M, Bryce J, Amouzou A, Boerma T, Waiswa P, Victora C, Kirkland Group. Maternal, newborn, and child health and the Sustainable Development Goals-a call for sustained and improved measurement. Lancet. 2015; 386 (10003): 1511-4.
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    Merali HS, Lipsitz S, Hevelone N, Gawande AA, Lashoher A, Agrawal P, Spector J. Audit-identified avoidable factors in maternal and perinatal deaths in low resource settings: a systematic review. BMC Pregnancy Childbirth. 2014; 14 (280): 1-12.
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    Frias PG, Szwarcwald CL, Lira PIC. Avaliação dos sistemas de informações sobre nascidos vivos e óbitos no Brasil na década de 2000. Cad SaúdePública. 2014; 30 (10): 2068-280.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017
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