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Taxas de cesárea no Estado de São Paulo: desigualdades regionais na assistência obstétrica prestada pelo SUS

Resumo

Objetivos:

analisar a relação entre as taxas de cesárea, segundo grupos da classificação de Robson, dos estabelecimentos que prestam assistência ao parto no SUS no estado de São Paulo e as condições de urbanização.

Métodos:

foram analisados dados de 2016 do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos e do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. O desfecho estudado foi a taxa de cesárea dos estabelecimentos, agrupados por tipo de administração (pública ou por entidades filantrópicas) e por condição de urbanização.

Resultados:

a taxa de cesárea dos serviços que prestam assistência ao parto no SUS no estado de São Paulo foi de 50,5%, variando de 41,1% nas regiões metropolitanas até 75,2% nas regiões de baixa urbanização. As taxas de cesárea dos estabelecimentos de administração pública (38,2%) foram significativamente menores que dos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas (62,3%). Os grupos de Robson que mais contribuíram na taxa global de cesárea foram o 5 (36,6%) e o 2 (21,5%).

Conclusões:

as regiões menos urbanizadas apresentaram taxas de cesárea significativamente maiores que as regiões metropolitanas e de alta urbanização. As taxas de cesárea dos estabelecimentos públicos foram significativamente menores que dos filantrópicos, entretanto, quando separados por condição de urbanização, essa diferença só foi observada nas regiões metropolitanas.

Palavras-chave
Cesárea; Parto; Regionalização; Urbanização; Sistema Único de Saúde

Abstract

Objectives:

to analyze the relation between cesarean section rates in SUS childbirth care establishments in São Paulo State and urbanization conditions, according to Robson group classification system.

Methods:

Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Live Births Information System) and Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (National Registry of Health Establishments) 2016 databases were analyzed. The studied outcome was cesarean section rates in the establishments, grouped by administration type (public or nonprofit entities) and urbanization condition.

Results:

the cesarean section rate in SUS childbirth care establishments was 50.5%, ranging from 41.1% in metropolitan regions up to 75.2% in the low urbanized regions. Cesarean section rates in public administration establishments (38.2%) were significantly lower than the nonprofit administration maternity hospitals (62.3%). Robson groups 5 and 2 contributed mostly to the cesarean section global rate (36.6% and 21.5%, respectively).

Conclusions:

The less urbanized regions showed significantly higher cesarean section rates than the metropolitan and highly urbanized regions. Cesarean section rates of public administration establishments were significantly lower than the nonprofit administration establishments. However, when separated by urbanization condition its difference was only observed in the metropolitan regions.

Key words
Cesarean section; Childbirth; Regionalization; Urbanization; Public health system

Introdução

Nas últimas décadas a prática de cesárea aumentou intensamente em todo o mundo, apesar da falta de evidências que apoiem benefícios maternos e peri-natais substanciais.11 Betrán AP, Ye J, Moller AB, Zhang J, Gülmezoglu AM, Torloni MR. The increasing trend in caesarean section rates: global, regional and national estimates: 1990-2014. PloSone. 2016; 11 (2): e0148343. O Brasil é conhecido mundialmente pelas altas taxas de cesáreas (TC), que continuam aumentando de forma constante em todas as regiões do país, passando a ser a principal via de nascimento desde 2009.22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Brasília, DF; 2015. Apesar da maior frequência nos serviços privados, os serviços públicos também merecem atenção. Em 2014, a TC nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) do Estado de São Paulo foi de 43,5%, apresentando um aumento de 7,7% em relação a 2010.33 Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Plano estadual de saúde - PES: 2016-2019. São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; 2015.

No Brasil, as políticas públicas dirigidas à mudança da assistência ao parto não têm apresentado resultados satisfatórios e as taxas de morbimortalidade materna se mantém altas e estagnadas, além do aumento constante das cesáreas e da prematuridade.44 Diniz CS, Niy DY, Andrezzo HF, Carvalho PC, Salgado HD. A vagina-escola: seminário interdisciplinar sobre violência contra a mulher no ensino das profissões de saúde. Interface Comun Saúde Educ. 2016; 20: 253-9. No Estado de São Paulo observa-se que, a partir do início de 2000, houve redução discreta da mortalidade materna chegando-se a 37 óbitos maternos/100 mil nascidos vivos em 2012, seguido de um aumento acentuado, atingindo 51 óbitos maternos/100 mil nascidos vivos em 2016.55 Brasil. Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde - DATASUS. [acesso 25 fev 2019]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br
http://www.datasus.gov.br...
Para a melhoria da assistência ao parto e nascimento no estado, foram anunciadas iniciativas para assegurar o direito ao parto humanizado em 100% dos estabelecimentos públicos de saúde no âmbito do Estado de São Paulo, previsto pela Resolução SS 42/2015. Também estimulou-se a construção de Planos Institucionais de Humanização nas unidades participantes da Política Estadual de Humanização (PEH), ambas presentes no Plano Estadual de Saúde 2016-2019.

Na tentativa de reduzir as TC, a OMS propôs que a classificação de Robson (CR) seja utilizada como instrumento padrão nos diferentes países para avaliar, monitorar e comparar as TC ao longo do tempo, tanto em um mesmo hospital, quanto entre diferentes hospitais.66 OMS (Organização Mundial da Saúde). Declaração da OMS sobre taxas de cesáreas. Genebra; 2014. Além disso, a classificação pode auxiliar na caracterização do tipo de população atendida, na análise do atendimento obstétrico e na modificação das práticas para adequar as TC em grupos específicos, visando melhores desfechos maternos e perinatais.77 WHO (World Health Organization). Robson classification: Implementation manual. Geneva; 2017.

Vale ressaltar ainda que avançar na compreensão das TC requer considerar o modelo de atenção ao parto nas diferentes localidades. Segundo Patah e Malik88 Patah LE, Malik AM. Modelos de assistência ao parto e taxa de cesárea em diferentes países. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (1): 185-94. o modelo assistencial ao parto é um importante fator explicativo para o desfecho da via de nascimento. Os autores chamam atenção para as relações complexas e conflituosas entre prestadores de serviços, médicos e pacientes, sobretudo nas regiões metropolitanas e nos grandes centros urbanos do Brasil, onde ocorre maior participação da sociedade civil em movimentos de ampliação da cidadania.88 Patah LE, Malik AM. Modelos de assistência ao parto e taxa de cesárea em diferentes países. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (1): 185-94. As profundas desigualdades regionais do território nacional, em especial no acesso aos serviços de saúde, dizem respeito não apenas às grandes regiões do Brasil e suas unidades federativas, mas, sobretudo, à enorme concentração de investimentos, de bens e serviços, em centros urbanos privilegiados.99 Albuquerque MV, Viana AL, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22: 1055-64. Esse aspecto ganha ainda mais relevância quando se considera o estado de São Paulo e a heterogeneidade de sua rede urbana.1010 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Regiões de influência das cidades - Regic/2007. Rio de Janeiro; 2008. Cabe complementar que a maior oferta de recursos humanos e tecnológicos e de equipamentos de saúde existentes em regiões de urbanização mais adensada, como as metropolitanas e os grandes centros urbanos, podem conformar modelos de atenção ao parto diferentes daqueles existentes em regiões de menor adensamento urbano.

Este artigo tem como objetivo analisar a relação entre as TC, segundo grupos da classificação de Robson, dos estabelecimentos que prestam assistência ao parto no SUS no estado de São Paulo e as condições de urbanização de onde estes estabelecimentos estão localizados.

Métodos

Foram analisados os dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), gerenciados pelo Ministério da Saúde e disponíveis online na página do Departamento de Informática do SUS (Datasus), referentes aos nascidos vivos no Estado de São Paulo no ano de 2016. As taxas de cesárea de cada grupo da Classificação de Robson por estabelecimentos de saúde onde ocorreram os nascimentos foram obtidas pelo painel de monitoramento de nascidos vivos segundo classificação de risco epidemiológico (Grupos de Robson), disponibilizadas pelo Departamento de Informação e Análise Epidemiológica da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Para o propósito deste estudo, foram priorizados os grupos de 1 a 5 da Classificação de Robson, que se referem às gestações únicas, fetos em apresentação cefálica e a termo. Esses grupos concentraram 85,1% de todos os nascidos vivos em 2016 no Estado de São Paulo e a expectativa é que tenham taxas de cesárea menores em relação aos grupos de 6 a 10. Os grupos 1 e 2 compreendem as nulíparas, sendo que no grupo 1 ocorreu o trabalho de parto (TP) espontâneo e no grupo 2 o TP não ocorreu ou foi induzido. Os grupos 3 e 4 compreendem as multíparas sem cesárea prévia, sendo que no grupo 3 ocorreu o TP espon-tâneo e no grupo 4 o TP não ocorreu ou foi induzido. Já o grupo 5 se refere às multíparas com cesárea prévia.

Com base nas informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), foram excluídos todos os estabelecimentos que constavam como “Entidades Empresariais” no campo “Natureza Jurídica”, ou seja, os estabelecimentos privados. Foram incluídos apenas os estabelecimentos que prestam serviços para o SUS, ou seja, os que se apresentavam no campo “Natureza Jurídica” como “Administração Pública” e como “Entidades sem Fins Lucrativos”. Entre os estabelecimentos classificados como “Entidades sem Fins Lucrativos” foram excluídos aqueles que não ofereciam leitos obstétricos ao SUS.

O desfecho estudado foi as taxas de cesárea dos estabelecimentos onde ocorreram os nascimentos. Os estabelecimentos foram agrupados por tipo de administração do serviço (pública ou por entidades filantrópicas) e por regiões de saúde segundo sua condição de urbanização (metropolitana, alta urbanização, média urbanização e baixa urbanização), conforme proposto por Duarte.1111 Duarte LS. Desenvolvimento desigual e a regionalização do SUS: uma análise territorial dos recursos financeiros para as redes de atenção à saúde no Estado de São Paulo (2009-2014) [Tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2016.

A inserção na análise das regiões de saúde caracterizadas por sua condição de urbanização foi motivada pela necessidade de considerar as diferenças regionais onde os estabelecimentos estudados estão localizados. O Estado de São Paulo apresenta heterogeneidades territoriais relacionadas, entre outras coisas, à concentração da população, à atividade econômica e à oferta de recursos, que devem ser levadas em conta para a formulação de políticas públicas. A rede urbana representa a síntese territorial dos múltiplos processos que derivam da organização social e produtiva de um determinado espaço. Por esse motivo, utilizou-se nesse estudo a tipologia proposta por Duarte,1111 Duarte LS. Desenvolvimento desigual e a regionalização do SUS: uma análise territorial dos recursos financeiros para as redes de atenção à saúde no Estado de São Paulo (2009-2014) [Tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2016. que se baseia nos estudos Regiões de Influência das Cidades (REGIC)1010 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Regiões de influência das cidades - Regic/2007. Rio de Janeiro; 2008. e Rede urbana e regionalização do Estado de São Paulo.1212 EMPLASA. Rede urbana e regionalização do Estado de São Paulo. São Paulo: EMPLASA; 2011. A partir desses estudos, Duarte classifica os 645 municípios do estado de São Paulo em sete tipos, a saber1111 Duarte LS. Desenvolvimento desigual e a regionalização do SUS: uma análise territorial dos recursos financeiros para as redes de atenção à saúde no Estado de São Paulo (2009-2014) [Tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2016.:

  • 1) município metropolitano - faz parte de região metropolitana, porém não é considerado o principal núcleo urbano da região;

  • 2) centro metropolitano - faz parte de região metropolitana e é considerado o principal núcleo urbano da região;

  • 3) município de aglomeração urbana - compõem a aglomeração urbana, porém sua centralidade não se destaca no funcionamento do conjunto da aglomeração urbana;

  • 4) centro de aglomeração urbana - compõem a aglomeração urbana e se destaca pela relevância na centralidade do seu núcleo urbano;

  • 5) centro regional isolado - não faz parte de aglomeração urbana, metropolitana ou não, e apresenta relevância na centralidade do núcleo urbano;

  • 6) pequeno centro regional - não faz parte de aglomeração urbana, metropolitana ou não, e a centrali-dade do seu núcleo urbano é de pequena intensidade; e

  • 7) centros locais - a centralidade dos seus núcleos urbanos atende apenas aos limites do seu território.

A partir dessa tipologia dos municípios paulistas é possível caracterizar as 63 regiões de saúde (RS) em quatro categorias de condições de urbanização:

  • - RS de Baixa urbanização: formadas apenas por municípios classificados como Centros Locais, ou seja, sem a presença de municípios que compõem o estrato superior da rede urbana, ou são compostas por municípios classificados como Pequeno Centro Regional. Foram identificadas 20 RS nesta categoria.

  • - RS de Média urbanização: compostas por Centros Regionais Isolados, além dos Centros Locais e as RS compostas por Centros Regionais Isolados, Centros Locais e também dos municípios classificados como Pequenos Centros Regionais. Foram identificadas 16 RS nesta categoria.

  • - RS de Alta urbanização: foram agregadas as 19 RS que têm no seu território municípios classificados como Aglomeração Urbana e ou Centro de Aglomeração Urbana. Ou seja, são RS com diversas composições que, além desses municípios, também podem contar com a presença de municípios na categoria de Centros Locais e de Pequenos Centros Regionais.

  • - RS Metropolitana: todas as RS que coincidem ou estão incluídas nos recortes das Regiões Metropolitanas formais do estado de São Paulo. Vale ressaltar que a de São Paulo, da Baixada Santista e Metropolitana de Campinas, comportam o Centro Metropolitano, e que as demais, que são aquelas que se localizam no entorno do município de São Paulo, não apresentam municípios que se destacam por sua polarização. Foram 8 RS identificadas nesta categoria.

Na comparação entre as taxas de cesárea segundo tipo de administração dos estabelecimentos onde ocorreram os nascimentos (administração pública direta ou administração por entidades filantrópicas) foi utilizado o teste Mann-Whitney U. Na comparação entre as taxas de cesárea segundo localização do estabelecimento onde ocorreram os nascimentos (regiões metropolitanas, alta urbanização, média urbanização e baixa urbanização) foi utilizado o teste Kruskal-Wallis. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando a versão 13.0 do StataStation, TX, USA 2013). Para todas as análises, a significância estatística foi definida por um valor de p<0,05.

Resultados

A Tabela 1 apresenta características das RS segundo condição de urbanização. A maior parte da população encontra-se nas regiões metropolitanas (58,5%), assim como a maior participação do PIB estadual (66,2%). No ano de 2016, os 339 estabelecimentos de saúde que prestam assistência ao parto para o SUS no estado de São Paulo registraram 428.817 nascidos vivos, sendo 49% nascidos em 112 estabelecimentos de administração direta pública e 51% nascidos em 227 estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas. Observa-se que 81% dos estabelecimentos de administração pública estão localizados em regiões metropolitanas ou de alta urbanização (n=91). Referente aos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas, ocorre o inverso, ou seja, a maior parte deles está concentrada em regiões menos urbanizadas. Percebe-se também que todas as RS do estado (n=63) possuem estabelecimentos que prestam assistência ao parto para o SUS, sejam de administração pública ou administrados por entidades filantrópicas. Entretanto, nota-se que os estabelecimentos de administração pública estão mais concentrados nas regiões mais urbanizadas, sendo que 100% das regiões metropolitanas possuem pelo menos um estabelecimento (n=8). Já nas regiões de baixa urbanização este número cai para 30% (n=6).

Tabela 1
Características socioeconômicas, demográficas e de acesso à saúde segundo condição de urbanização das regiões de saúde. Estado de São Paulo, 2016.

Também é importante destacar que a relação de médicos por 1000 habitantes diminui conforme a condição de urbanização, fato que também ocorre com a relação de enfermeiros obstétricos por estabelecimento que presta assistência aos partos. No ano de 2016, 80% dos enfermeiros obstétricos trabalhando no SUS no Estado de São Paulo se concentravam nas regiões metropolitanas.

Segundo dados do CNES, as entidades filantrópicas destinam em média 63,4% dos leitos obstétricos ao SUS. Entre os 227 estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas, 134 eram Santas Casas (dados não mostrados em tabelas).

Na Figura 1 é possível verificar que o percentual de nascidos vivos em estabelecimentos de administração pública diminui acentuadamente conforme a urbanização, passando de 69,5% nas regiões metropolitanas para 7,9% nas regiões de baixa urbanização. Em relação à presença de estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas, o percentual aumenta conforme a urbanização diminui, com proporção de 31,1% nas regiões metropolitanas e 88,3% nas regiões de baixa urbanização.

Figura 1
Distribuição dos nascidos vivos e dos locais de nascimento segundo tipo de administração e condição de urbanização das regiões de saúde. Estado de São Paulo, 2016.

Na Figura 2, ao analisar os estabelecimentos segundo rede urbana, verifica-se que, tanto nos estabelecimentos de administração pública quanto nos que são administrados por entidades filantrópicas, de maneira geral, quanto menos urbanizada a região maior é a TC, com diferenças estatisticamente significantes tanto em relação ao conjunto de nascidos vivos, quanto aos grupos 1 a 5 da CR. Em relação aos estabelecimentos de administração pública, o grupo 1 apresenta a maior TC nas regiões de média urbanização (52,1%). O grupo 2 teve a maior taxa nas regiões de baixa urbanização (79,7%). A maior TC do grupo 3 foi nas regiões de média urbanização (18,4%). Já no grupo 4, a maior TC foi nas regiões de baixa urbanização (44,7%). Por último, o grupo 5 apresentou a maior TC nas regiões de baixa urbanização (88,2%). Em todos os grupos as menores TC se encontram nas regiões metropolitanas. Quando se observam os nascimentos nos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas, em todos os grupos as regiões de baixa urbanização apresentaram as maiores TC, com 72,5% no grupo 1, 83,7% no grupo 2, 35,9% no grupo 3, 58,0% no grupo 4, e 93,6% no grupo 5. Vale destacar que as menores TC nestes estabelecimentos são mais altas do que as menores taxas apresentadas nos estabelecimentos de administração pública para os grupos 1, 3 e 4.

Figura 2
Taxas de cesárea dos estabelecimentos de administração pública e por entidades filantrópicas segundo grupos de Robson e a condição de urbanização das regiões de saúde. Estado de São Paulo, 2016.

**p<0,01; ***p<0,001.


Na Tabela 2 é possível evidenciar que as diferenças entre as TC dos estabelecimentos segundo o tipo de administração (pública ou filantrópica) são estatisticamente significantes em apenas algumas categorias de condição de urbanização. Quando se olha o total de regiões de saúde, sem diferenciá-las por condição de urbanização, as TC dos estabelecimentos de administração públicos são significantemente menores do que as taxas dos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas, tanto em relação ao total de nascidos vivos, quanto em relação aos grupos de 1 a 5. Esta diferença se mantém nas regiões metropolitanas para o total de nascidos e para os grupos 1 a 5. Nas regiões de alta urbanização apenas a TC dos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas referente ao grupo 1 é significativamente maior que os estabelecimentos públicos. Já nas regiões de média e baixa urbanização as taxas não diferem significativamente. Vale destacar a taxa de cesárea em nulíparas em trabalho de parto espontâneo de 72,5% nos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas localizados em regiões de baixa urbanização.

Tabela 2
Taxas de cesárea dos estabelecimentos segundo tipo de administração, grupos de Robson e condição de urbanização das regiões de saúde. Estado de São Paulo, 2016.

Na Tabela 3 é apresentada a contribuição relativa dos grupos de 1 a 5 da Classificação de Robson na taxa de cesárea global. Em relação ao conjunto de todos os estabelecimentos, observa-se que os grupos 1, 2 e 5 concentram 68,8% de todas as cesáreas realizadas. Outra questão que chama atenção refere-se à proporção de mulheres que entram em trabalho de parto. Entre as primigestas (grupos 1 e 2) apenas 42,1% entra em TP espontaneamente (n=59.734), e entre as multíparas que já tiveram parto normal (grupos 3 e 4) a proporção é de 53,4% (n=66.166). Quando os estabelecimentos são divididos por tipo de administração, nota-se que as contribuições relativas dos grupos 1 e 2 na TC global são significativamente maiores nos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas (p<0,05 e p<0,01, respectivamente). Quando os estabelecimentos são analisados de forma separada por rede urbana, nota-se que a contribuição relativa do grupo 2 dos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas nas regiões metropolitanas é significativamente maior do que nos estabelecimentos de administração pública (p<0,01). Nas regiões de alta, média e baixa urbanização as contribuições relativas não diferem significativamente.

Tabela 3
Contribuição relativa na taxa global de cesárea dos estabelecimentos segundo tipo de administração, grupos de Robson e condição de urbanização das regiões de saúde. Estado de São Paulo, 2016.

Discussão

Este é o primeiro estudo que comparou as TC dos estabelecimentos que prestam assistência ao parto no SUS segundo RS com diferentes condições de urbanização do estado de São Paulo.

O estudo encontrou que, no estado de São Paulo, 51% dos nascidos vivos, nasceram nos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas Nas regiões de média e baixa urbanização essas proporções foram de 79,4% e 92,1% dos nascidos vivos, respectivamente. Apenas nas RS classificadas como metropolitanas a porcentagem de nascidos vivos foi maior nos estabelecimentos públicos, de 69,5%. Ou seja, nas regiões menos urbanizadas a grande maioria dos nascimentos ocorreram nos estabelecimentos filantrópicos, reflexo da oferta desse tipo de estabelecimento nessas regiões.

Um achado importante neste estudo refere-se às diferenças entre as TC dos estabelecimentos públicos e filantrópicos. Nas regiões metropolitanas há uma diferença bastante clara entre essas taxas, tendo os estabelecimentos públicos as menores TC. À medida que se analisam as regiões menos urbanizadas, essas diferenças já não são mais significativas, ou seja, as TC dos estabelecimentos públicos são semelhantes às taxas dos estabelecimentos filantrópicos, além de se mostrarem bastante altas, se assemelhando às taxas dos estabelecimentos privados brasileiros.1313 Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RM, Torres JA, Dias MA, Moreira ME. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health. 2016; 13 (3): 128. Zaiden et al.1414 Zaiden L, Nakamura-Pereira M, Gomes MAM, Esteves-Pereira AP, Leal MC. Influência das características hospitalares na realização de cesárea eletiva na Região Sudeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2020; 36 (1): e00218218. encontraram que há uma maior chance de realizar cesáreas eletivas em estabelecimentos localizados fora das capitais e em estabelecimentos que não atendem exclusivamente o SUS (hospitais mistos). Apesar de haver limites para fins comparativos, já que os autores não diferenciam a condição de urbanização das cidades que não são capitais, podemos afirmar que os resultados vão ao encontro dos achados do presente estudo.

Quando são analisados os dados segundo rede urbana, identifica-se que nos estabelecimentos filantrópicos as taxas de cesárea são maiores nas regiões de baixa urbanização em todos os Grupos de Robson analisados neste estudo (G1 a G5). Quando analisados os dados referentes aos estabelecimentos públicos, verificou-se que nos grupos que compreendem mulheres que entraram em TP espontaneamente (G1 e G3) houve maior taxa de cesárea nas regiões de média urbanização. Nos grupos que incluem mulheres que não entraram em TP espontaneamente (G2 e G4) e mulheres submetidas à cesárea anterior (G5) houve maior taxa de cesárea nas regiões de baixa urbanização. Em todos os grupos da Classificação de Robson as menores taxas de cesárea ocorreram nas regiões metropolitanas.

Sobre a realização de cesárea em mulheres que não entraram em TP espontaneamente, Zaiden et al. 1414 Zaiden L, Nakamura-Pereira M, Gomes MAM, Esteves-Pereira AP, Leal MC. Influência das características hospitalares na realização de cesárea eletiva na Região Sudeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2020; 36 (1): e00218218. observaram a influência das características hospitalares sobre a chance de realização de cesariana eletiva na região Sudeste do país. Dentre as mulheres com parto financiado pelo SUS, os autores identificaram uma maior prevalência deste procedimento em hospitais privados que recebem tanto financiamento público quanto privado (hospitais mistos), fora das capitais e com menor volume anual de partos. Os autores levantam a hipótese de que o tipo de assistência prestada para pacientes do SUS em hospitais mistos sofram um tipo de “contaminação” da forma de organização dos hospitais privados, aumentando a prevalência de cesárea em mulheres antes de entrar em TP espontaneamente. Alonso et al.1515 Alonso BD, Silva FM, Latorre MD, Diniz CS, Bick D. Caesarean birth rates in public and privately funded hospitals: a cross-sectional study. Rev Saúde Pública. 2017; 51: 101 também observaram que, na região Sudeste, apesar de haver diversos fatores (socioeconómicos, demográficos, clínicos, entre outros) associados a maiores TC, o mais significativo referiu-se à fonte de financiamento privada da assistência recebida.

Um dado preocupante encontrado neste estudo foi o fato de que, ao contrário do esperado, menos da metade (42,1%) das mulheres nulíparas com feto único, a termo e com apresentação cefálica entrou em trabalho de parto espontaneamente (Grupo 1). Isso sugere um ciclo vicioso, no qual as nulíparas recebem uma assistência que não as permitem entrar em trabalho de parto espontaneamente e são submetidas a intervenções que resultam em altas TC no grupo 1, que foi de 39,0%. Isso se contrasta com estudos de outros países, como na Holanda, onde o grupo 1 apresentou TC de 9,6%1313 Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RM, Torres JA, Dias MA, Moreira ME. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health. 2016; 13 (3): 128. e nos Estados Unidos, onde essa taxa foi de 14,8%.1616 Zhang JW, Branch W, Hoffman M, De Jonge A, Li SH, Troendle J, Zhang J. In which groups of pregnant women can the caesarean delivery rate likely be reduced safely in the USA? A multicentre cross-sectional study. BMJ Open. 2018; 8(8): e021670. No presente estudo a TC em nulíparas com gestação única e feto na apresentação cefálica (grupos 1 e 2) foi de 49,3%, revelando ser maior que a taxa nacional. Dias et al.1717 Dias MA, Domingues RM, Schilithz AO, Nakamura-Pereira M, Leal MC. Factors associated with cesarean delivery during labor in primiparous women assisted in the Brazilian Public Health System: data from a National Survey. Reprod Health. 2016; 13 (3): 114. encontraram TC de 35,8% em nulíparas com gestação única e feto na apresentação cefálica assistidas nos serviços públicos de saúde no Brasil. É importante destacar que o grupo 2 (nulíparas que não entraram em TP espontaneamente) representou a segunda maior contribuição relativa na TC global, com 21,5% no estado de São Paulo, chegando a 27,3% nos hospitais públicos da região de baixa urbanização. Também merece destaque a TC do Grupo 1 nas regiões de baixa urbanização, onde 70,4% dessas mulheres realizaram cesárea. Esse mesmo grupo nos estabelecimentos das regiões metropolitanas apresentou uma TC significativamente menor, de 29,5%. No Uruguai1818 Aguirre R, Antón JI, Triunfo P. Análisis de las cesáreas em Uruguay por tipo de centro hospitalario. Gac Sanit. 2018; pii: S0213-9111(18)30045-1. não foram encontradas diferenças significativas nas TC do grupo 1 entre o interior (24,8%) e capital (22,7%), sendo essas taxas semelhantes às taxas encontradas no presente estudo na região metropolitana.

Assim como em outros estudos, foram encontradas TC próximas de 100% entre mulheres do grupo 5 da CR, ou seja, mulheres que já haviam sido submetidas a cesárea anterior. Além disso, este grupo representou a maior contribuição relativa na TC global, com 36,6% no estado de São Paulo, chegando a 43,4% nos hospitais públicos da região de baixa urbanização, sem apresentar diferenças estatisticamente significantes entre os estabelecimentos de administração pública e filantrópica nas diferentes regiões. Em estudo sobre os nascimentos na Holanda, o grupo 5 representou 18,1% da contribuição relativa na TC global.1919 Zhang J, Geerts C, Hukkelhoven C, Offerhaus P, Zwart J, de JongeA. Caesarean section rates in subgroups of women and perinatal outcomes. BJOG. 2016; 123 (5): 754-61. Já nos Estados Unidos, o grupo 5 contribuiu com 29,5% de todas as cesáreas realizadas.1616 Zhang JW, Branch W, Hoffman M, De Jonge A, Li SH, Troendle J, Zhang J. In which groups of pregnant women can the caesarean delivery rate likely be reduced safely in the USA? A multicentre cross-sectional study. BMJ Open. 2018; 8(8): e021670. Oliveira et al.2020 Oliveira RR, Melo EC, Novaes ES, Ferracioli PLRV, Mathias TAF. Factors associated to caesarean delivery in public and private health care systems. Rev Esc Enferm USP. 2016; 50 (5): 733-40. encontrou um aumento de 11 vezes na chance de uma nova cesárea entre as mulheres do grupo 5 residentes em Maringá, Estado do Paraná, assistidas pelo SUS. Já Alonso et al. 1515 Alonso BD, Silva FM, Latorre MD, Diniz CS, Bick D. Caesarean birth rates in public and privately funded hospitals: a cross-sectional study. Rev Saúde Pública. 2017; 51: 101 encontraram uma chance 22 vezes maior de realizar outra cesárea entre as mulheres assistidas pelo SUS na Região Sudeste.

A indicação de uma nova cesárea parece ser a prática mais comum, apesar de não haver evidências científicas que mostrem aumento significativo de risco de um parto vaginal entre essas mulheres e da cirurgia de repetição oferecer maior risco em futuras gestações.2020 Oliveira RR, Melo EC, Novaes ES, Ferracioli PLRV, Mathias TAF. Factors associated to caesarean delivery in public and private health care systems. Rev Esc Enferm USP. 2016; 50 (5): 733-40. Estudo realizado no Uruguai também demonstra uma cultura de cesárea pós cesárea, onde no grupo 5, 80,4% das mulheres realizam uma nova cesárea.2121 Tapia V, Betran AP, Gonzales GF. Caesarean section in Peru: analysis of trends using the Robson Classification System. PloSone. 2016; 11 (2): e0148138. Na Holanda, Zhang et al.1919 Zhang J, Geerts C, Hukkelhoven C, Offerhaus P, Zwart J, de JongeA. Caesarean section rates in subgroups of women and perinatal outcomes. BJOG. 2016; 123 (5): 754-61. mostraram que entre as mulheres com cesárea anterior que entram em trabalho de parto, 75% evoluem com sucesso para o parto vaginal, sem observarem riscos aumentados de mortalidade infantil ou hemorragia pós-parto. Embora a experiência da Holanda não possa ser reproduzida no Brasil devido às diferenças substanciais no modelo de assistência, a magnitude da disparidade entre os dois países referente ao parto normal após cesárea sugere que existe um campo importante para futuros avanços. Após ser submetida a uma primeira cirurgia, as mulheres de São Paulo ficam sujeitas a outras cesáreas. Dessa forma, o modelo de assistência produz TC que tendem a aumentar, sendo necessárias políticas capazes de transformar essa lógica, levando em conta as distintas realidades regionais. É possível afirmar, portanto, que quanto menor a urbanização das Regiões de Saúde, maiores as Taxas de Cesárea em todos os Grupos de Robson estudados, evidenciando uma grande quantidade de cesáreas possivelmente desnecessárias nestas mulheres.

Para avançar na discussão sobre as diferenças regionais encontradas neste estudo, é importante analisar os dados do território paulista. É possível perceber uma forte concentração regional quando se observa que 58,5% da população e 66,2% do PIB estão localizados nas oito RS metropolitanas do Estado de São Paulo. Essa concentração territorial estadual se reflete na oferta dos recursos de saúde, entre eles, no número de médicos e de enfermeiros obstétricos disponíveis. É possível observar que a densidade médica por mil habitantes no conjunto das RS metropolitanas (razão de 2,7) é maior que a do Estado de São Paulo (razão de 2,4). As demais RS, quando analisadas agregadas por condições de urbanização (alta, média e baixa), apresentam densidade menor que a média do estado, razão de 2,2, 2,0 e 1,6 respectivamente. Quando se analisa a densidade de enfermeiros obstétricos por estabelecimento de saúde que prestam assistência ao parto no SUS, também se verifica essa desigualdade. Enquanto que no Estado de São Paulo existem 1,1 enfermeiros obstétricos por estabelecimento, no conjunto das RS metropolitanas essa razão é de 2,8. Já as regiões de alta, média e baixa urbanização possuem, respectivamente, 0,4, 0,2 e 0,3 enfermeiros obstétricos por estabelecimento de saúde.

Com uma menor presença de profissionais médicos nas regiões menos urbanizadas é possível que haja também menor oferta de médicos que se contraponham à lógica assistencial medicalizada e intervencionista, limitando as possibilidades de seleção dos profissionais que atuam nos estabelecimentos dessas regiões. A partir dos dados referentes a quantidade de enfermeiros obstétricos por estabelecimento de saúde também é possível afirmar que não há um direcionamento no modelo assistencial que possibilite que a assistência ao parto de baixo risco/ risco habitual seja realizada por profissionais não médicos. Esse achado também pode estar relacionado às diferentes características socioculturais e de modelos de atenção adotados nas diferentes localidades, os quais interferem diretamente na escolha da via de nascimento, tanto pelos profissionais, quanto pelas mulheres, uma vez que as condições patológicas de saúde materna e fetal não apresentam diferenças substanciais nas diversas regiões do mundo, conforme sugerem Patha e Malik.88 Patah LE, Malik AM. Modelos de assistência ao parto e taxa de cesárea em diferentes países. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (1): 185-94.

Fica evidente a necessidade de estudos brasileiros que busquem aprofundar o entendimento do papel do modelo assistencial ao parto e da incorporação do profissional não médico na quantidade de cesáreas realizadas. Sabe-se que o Brasil tem um modelo de assistência obstétrica altamente medica-lizada, com uso intenso de tecnologia e pouca participação de enfermeiros obstétricos e obstetrizes.88 Patah LE, Malik AM. Modelos de assistência ao parto e taxa de cesárea em diferentes países. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (1): 185-94. Em alguns países, o modelo de assistência ao parto não centrado no médico mostra-se bastante consolidado. Na Holanda, por exemplo, apenas 44,9% dos nascimentos são assistidos por médicos, com os atendimentos concentrados nas cesáreas eletivas, bebês em apresentação não cefálica, gestações múltiplas, partos pré termo, partos pós-cesárea e trabalho de parto induzido.1919 Zhang J, Geerts C, Hukkelhoven C, Offerhaus P, Zwart J, de JongeA. Caesarean section rates in subgroups of women and perinatal outcomes. BJOG. 2016; 123 (5): 754-61. O Peru conta com uma forte inserção de parteiras, as quais atendem 70,3% das mulheres do G1 e 81,9% das mulheres do G3. Nesses grupos a TC observada foi de 17,0 e 6,68%, respectivamente.2121 Tapia V, Betran AP, Gonzales GF. Caesarean section in Peru: analysis of trends using the Robson Classification System. PloSone. 2016; 11 (2): e0148138. No Brasil não é possível saber qual o percentual de mulheres assistidas por enfermeiras obstétricas ou obstetrizes já que o Sinasc não oferece essa informação.

Além do modelo assistencial, uma das explicações possíveis para as alarmantes taxas de cesárea observadas neste estudo refere-se à formação médica brasileira. Estudo qualitativo realizado por Nakano et al.,2222 Nakano AR, Bonan C, Teixeira LA. O trabalho de parto do obstetra: estilo de pensamento e normalização do "parto cesáreo" entre obstetras. Physis: Rev Saúde Coletiva. 2017; 27: 415-32. que analisou entrevistas com médicos obstetras formadores de opinião (professores, palestrantes, editores de revistas especializadas e autores de artigos e livros), identificou que a cesariana é vista como um modo normal de nascer, uma cirurgia segura, que proporciona maior controle sobre o nascimento e protege dos riscos que outras intervenções podem oferecer. Os autores apontam que a cesárea se tornou parte constituinte da identidade do obstetra, sendo ela o que o diferencia da assistência prestada por outros profissionais habilitados a acompanhar partos fisiológicos.2222 Nakano AR, Bonan C, Teixeira LA. O trabalho de parto do obstetra: estilo de pensamento e normalização do "parto cesáreo" entre obstetras. Physis: Rev Saúde Coletiva. 2017; 27: 415-32.

É possível afirmar que no Brasil há dois modelos de assistência ao parto que convivem de forma concomitante. Um refere-se a um modelo privado, onde as mulheres são atendidas por médicos de sua escolha, tendo a possibilidade de realizar pré-natal e parto com o mesmo profissional. Há também um modelo público de assistência, garantido pelo SUS, no qual as mulheres são assistidas durante o pré-natal por profissionais que não irão realizar sua assistência ao parto. Essas mulheres são encaminhadas a um pronto atendimento obstétrico, onde serão assistidas por profissionais plantonistas, em sua maioria médicos. Esses profissionais não possuem vínculo com as pacientes e sua remuneração independe da via de nascimento. O modelo de assistência ao parto praticado no SUS assemelha-se ao modelo Europeu, o qual apresentou uma taxa de cesárea de 25% em 20 1 6.2323 Batista-Filho M, Rissin A. A OMS e a epidemia de cesarianas. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2018; 18 (1): 5-6. Porém, ainda que com um modelo de assistência semelhante, o Brasil apresenta TC alarmantes nos estabelecimentos públicos e, como revelado neste estudo, no estado de São Paulo a taxa foi de 50,5%. Ambos os tipos de estabelecimentos analisados neste estudo, públicos e filantrópicos, possuem um modelo de assistência onde as mulheres são assistidas no parto por profissionais plantonistas, porém o desfecho da via de nascimento difere segundo tipo de administração e localização dos estabelecimentos.

Algumas limitações deste estudo devem ser citadas. Primeiramente, não foi possível discriminar os nascimentos nos estabelecimentos administrados por entidades filantrópicas segundo fonte de financiamento (SUS ou privado/convênio), uma vez que a base de dados do Sinasc não fornece esse tipo de informação, apenas o local de nascimento. Portanto, as TC desses estabelecimentos podem ter o viés de contabilizar também os nascimentos financiados por convênios ou particulares, que, como se sabe, realizam majoritariamente cirurgias cesarianas. Outra limitação deve-se ao fato de que o painel de monitoramento de nascidos vivos segundo classificação de risco epidemiológico (Grupos de Robson) não apresenta os grupos 2 (nulíparas) e 4 (multíparas sem cesárea anterior) subdivididos de modo a distinguir as cesáreas eletivas das cesáreas após indução de parto. Logo, a prática de cesáreas eletivas, questão que demanda grande preocupação para a saúde das mulheres e bebês, não pôde ser contabilizada e discutida. Por último, como já citado em estudo anterior, existe um potencial erro de classificação de algumas mulheres que foram admitidas no serviço em TP espontâneo, mas utilizou-se ocitocina para condução do TP e, portanto, pertenceriam aos grupos 1 e 3, porém podem ter sido erroneamente classificadas nos grupos 2 e 4.1313 Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RM, Torres JA, Dias MA, Moreira ME. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health. 2016; 13 (3): 128.

Este estudo traz a importância de investigar as diferenças regionais na organização da assistência ao parto, e compreender o alcance das políticas públicas nessas distintas realidades, e demonstra a heterogeneidade da assistência ao parto no SUS do estado de São Paulo, apesar da existência de diretrizes que deveriam ser seguidas por todos os municípios. Deve-se chamar atenção para as diferentes TC quando analisadas as diferentes condições de urbanização regional e as formas de administração dos estabelecimentos. As regiões menos urbanizadas apresentaram TC significativamente maiores que as regiões metropolitanas e de alta urbanização. Quando considerada a administração do estabelecimento, nota-se que as TC dos estabelecimentos públicos foram significativamente menores que as taxas dos filantrópicos. Essa diferença se manteve nas regiões metropolitanas, mas, à medida que são observadas as regiões menos urbanizadas, as TC entre os dois tipos de administração foram semelhantes. Novos estudos são necessários para compreender o comportamento das TC nos estabelecimentos públicos e filantrópicos do estado de São Paulo, especialmente nas regiões de menor urbanização. Não é possível afirmar o motivo dessas diferenças regionais, porém, os dados apontam para o fato de que as regiões menos urbanizadas, apesar de terem menos médicos disponíveis, não contam com profissionais não médicos para realizar assistência ao parto, ou seja, a menor disponibilidade de médicos não altera a centralidade da assistência no modelo biomédico. Para melhor compreensão dessa realidade, novas pesquisas são necessárias para que possa se compreender de forma mais detalhada o modelo assistencial, o perfil e disponibilidade de profissionais, bem como as políticas locais para diminuição das taxas de cesárea. Os resultados deste estudo contribuem para o entendimento da complexidade relacionada às altas TC que o estado de São Paulo enfrenta e também que as diferentes realidades regionais do território paulista precisam ser consideradas pelas políticas de saúde que visam a diminuição das taxas de cesárea.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2019
  • Revisado
    25 Jun 2020
  • Aceito
    24 Ago 2020
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