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Combate à deficiência de vitamina A: linhas de ação e perspectivas

Controlling vitamin A deficiency: lines of action and prospects

Resumo

A hipovitaminose A é um dos mais importantes problemas nutricionais nos países em desenvolvimento, tanto em termos de magnitude e distribuição espacial, quanto de efeitos deletérios à saúde. Constitui a principal causa de cegueira prevenível na infância. Estudos ep idemiológicos têm demonstrado o papel crucial da vitamina A na redução da mortalidade infantil e materna; embora os efeitos sobre a morbidade sejam menos consistentes. A distribuição universal de megadoses de vitamina A tem sido a medida emergencial mais utilizada na prevenção e controle da carência. A fortificação, bem como, o estímulo à produção e ao consumo de alimentos fontes de vitamina A são ações a serem desenvolvidas a médio e longo prazos. Os principais desafios para o controle da carência de vitamina A, nas próximas décadas, devem estar consubstanciados em um programa alicerçado em três linhas básicas de ação: a complementação diagnóstica, a intervenção em larga escala e o monitoramento/avaliação das ações.

Palavras-chave
Deficiência de Vitamina A; Xeroftalmia; Morbidade; Mortalidade; Saúde Materno-Infantil

Abstract

Vitamin A deficiency is a major nutritional problem in many developing countries, in terms of geographic distribution, magnitude and human suffering. Xerophthalmia is the main preventable cause ofchildhood blindness. Recent ep idemiological studies have reported the role of vitamin A in reducing infant and maternal mortality, although the effects on morbidity are not as consistento Megadoses of vitamin A in capsule distribution campaigns have been the most common intervention as a short term app roach. Food fortification and the stimuli for vitamin A rich food production and consumption by the target population are strategies for the medium and long termo The main challenges to overcome vitamin A deficiency in the next decades should be based on three concerted actions: diagnosis completion, large scale action and monitoring/evaluation.

Key words
Vitamin A deficiency; Xerophthalmia; Morbidity; Mortality; Maternal and Child Health

Considerações gerais

Até recentemente, a importância da carência de vitamina A no panorama da epidemiologia nutricional centrava-se, sobretudo, no fato desta ser considerada como a principal causa de cegueira evitável na infância. Estimativas mundiais apontam que cerca de 190 milhões de pessoas apresentam deficiência subclínica, 13 milhões, xeroftalmia e, como conseqüência, 250.0000 a 500.000 crianças são acometidas de cegueira irreversível, anualmente.11 Sommer A, West KP Jr. Vitamin A deficiency: health, survival and vision. New York: Oxford University; 1996.

A partir da década de 80, uma série de estudos epidemiológicos tem destacado o importante papel da vitamina A na mortalidade e na morbidade por doenças infecciosas. Ensaios clínicos comunitários, randomizados e controlados, mostraram que elevando-se o consumo de vitamina A de crianças, em populações onde a deficiência de vitamina A é prevalente, havia uma redução significativa no risco de morrer. Uma metanálise englobando oito ensaios clínicos concluiu que, em populações similares àquelas onde os ensaios foram realizados, poder-se-ia, racionalmente, esperar uma redução na mortalidade de crianças de 6 meses a 5 anos de idade, da ordem de 23 %. 22 Beaton GH, Martorell R, L'Abbé KA, Edmonston B, McCabe G, Ross AC, Harvey B. Effectiveness of vitamin A supplementation in the control of young child morbidity and mortalitiy in develloping countries. Geneva: Administrative Committee on Coordenation. SubComimitte on Nutrition (ACC/SNC); 1993. (Series Nutrition Policy Discussion paper, 13) Quando investigadas as causas de morte, observou-se um impacto substancial nas mortes relacionadas à diarréia, entretanto nenhum impacto significativo nas mortes relacionadas com as infecções respiratórias baixas. O aumento do consumo de vitamina A parece também reduzir o risco de morbidades severas, embora os resultados de ensaios do impacto de vitamina A na incidência, prevalência, severidade ou duração de doenças tenham sido menos consistentes comparados àqueles sobre mortalidade. Por outro lado, ensaios clínicos com a suplementação com vitamina A em casos graves de sarampo têm demonstrado um significativo decréscimo da mortalidade, bem como, da morbidade.

No entanto, ensaios clínicos similares em crianças portadoras das formas menos graves de sarampo,33 Rosales FJ, Kjolhede C, Goodman S. Efficacy of a single oral dose of 200,000 IU of oil-soluble vitamin A in measles associated morbidity. Am J Epidemiol 1996; 143:443-50. diarréia,44 Bandhari N, Bhan MK, Sazawal S. Impact of massive dose of vitamin A given to preschool children with acute diarrhoea on subsequent respiratory and diarrhoeal morbidity. BMJ: Br Med J 1994; 309:1404-7. e pneumonia55 Kjolhede CL, Chew FJ, Gadomski AM, Marroquin DP. Clinical trial of vitamin A as adjuvant treatment for lower respiratory tract infections. J Pediatr 1995; 126: 807-12. falharam em mostrar de forma clara e, em curto tempo, efeitos benéficos da suplementação com vitamina A.

Estudos recentes em adultos, em países desenvolvidos, têm demonstrado uma associação consistente entre Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) e deficiência de vitamina A.66 Baum MK, Shor-Posner G, Bonveni P, Cassetti I, Manter-Atienza E, Beach RS, Sauberlich HE. Influence of HIV infection on vitamin A status and requirements. Ann NY Acad Sci 1992; 669:165-73.

7 Beach RS, Manter-Atienza E, Shor-Posner G, Javier N, Szapocznik J, Morgan R, Sauberlich HE, Cornwell PE, Eisdorfer C, Baunm MK. Specific nutrient abnormalities in asymptomatic HIV-1 infection. AIDS 1992; 6:701-8.
-88 Semba RD, Muhilal AS, Ward BJ, Griffin DE, Scott AL, Natadisastra G, West KP Jr., Sommer A. Abnormal tcell subset proportions in vitamin-A-deficient childreno Lancet 1993; 341:5-8. Estudo de coorte envolvendo 135 adultos HIV soro positivos e 53 soro negativos, usuários de drogas injetáveis em Baltimore, mostrou que a mortalidade média, em um período de seguimento de 22,8 meses foi significativamente maior no grupo soro positivo que tinha concentrações de retinol sérico <1,05 mmol/L [RR 4,3 (IC9S% :1,1 - 17,8)], depois de aj ustado por uma série de potenciais variáveis de confusão. 88 Semba RD, Muhilal AS, Ward BJ, Griffin DE, Scott AL, Natadisastra G, West KP Jr., Sommer A. Abnormal tcell subset proportions in vitamin-A-deficient childreno Lancet 1993; 341:5-8. Se estes dados preliminares se confirmarem, a suplementação com vitamina A será uma das poucas intervenções para o tratamento e/ou prevenção da infecção pelo HIV. No que diz respeito à suplementação em crianças menores de seis meses de idade, os resultados são ainda conflitantes. Os ensaios clínicos realizados no Nepal99 West KP Jr., Katz J, Shrestha SR, LeClerq SC, Khatry SK, Prahan EK, Adhikari R, Wu LS-F, Pokhrel RP, Sommer A. Mortality of intants < 6 mo of age supplemented with vitamin A: a randomized, double-masked trial in Nepal. Am J Clin Nutr 1995; 62:143-8. não mostraram nenhum impacto na mortalidade.

No entanto, na Indonésia1010 Humphrey JH, Agoestina T, Wu L, Usman A, Nurachim M, Subardja D, Hidyat S, Tielsc J, West KP Jr., Sommer A. Impact of neonatal vitamin A supplementation on infant morbidity and mortality. J Pediatr 1996; 128:489-96. foi observado que a taxa de mortalidade era 64 % menor no grupo suplementado com vitamina A. Esses ensaios também forneceram importantes contribuições no que diz respeito aos eventuais efeitos colaterais da administração da megadose, neste grupo etário, por ocasião dos contatos para imunização. Casos de abaulamento da fontanela foram descritos em Bangladesh99 West KP Jr., Katz J, Shrestha SR, LeClerq SC, Khatry SK, Prahan EK, Adhikari R, Wu LS-F, Pokhrel RP, Sommer A. Mortality of intants < 6 mo of age supplemented with vitamin A: a randomized, double-masked trial in Nepal. Am J Clin Nutr 1995; 62:143-8. e na Indonésia,1010 Humphrey JH, Agoestina T, Wu L, Usman A, Nurachim M, Subardja D, Hidyat S, Tielsc J, West KP Jr., Sommer A. Impact of neonatal vitamin A supplementation on infant morbidity and mortality. J Pediatr 1996; 128:489-96. No entanto, o significado funcional do abaulamento da fontanela tem sido questionado, especialmente, por ser devido a apenas um aumento transitório do volume céfalo-raquidiano, na ausência de um aumento real da pressão cérebroespinhal. Ensaio clínico realizado no Peru, Índia e Gana confirmou a segurança na intervenção com vitamina A, nos contatos de imunização em crianças nos seis primeiros meses de vida, mas não mostrou benefícios em termos de status de vitamina A por volta dos seis meses, nem sobre a morbidade infantil. 1111 WHO. World Health Organization. Division on Child Health and Development (DCHD). Immunisation-Linked Vitamin A Supplementation Study Group. Ramdomised trial to assess benefits and safety to vitamin A supplementation linked to immunisation in early infancy. Lancet 1998; 352:1257-63.

Estudo desenhado para avaliar o impacto da suplementação com vitamina A pré-formada e/ou B-caroteno, sobre a mortalidade em mulheres em idade fértil no Nepal, envolvendo 44.646 mulheres, mostrou uma redução significativa da mortalidade (40 % naquelas que receberam vitamina A e 49 % nas que receberam B-caroteno; a suplementação combinada reduziu a mortalidade materna em 44 %.1212 West KP Jr, Katz J, Khatry SK, LeClerq SC, Pradhan EK, Shresta SR, Connor PB, Dali SM, Christian P, Pokhrel RP, Sommer A. Double blind, cluster randomised trial of low dose supplementation with vitamin A or b carotene on mortality related to pregnancy in Nepal. BMJ: Br Med J 1999; 318:570-5.

Estratégias para a ação

Um dos maiores desafios para todos os programas de nutrição e saúde pública nos países em desenvolvimento, na próxima década, será o de transformar estes novos conhecimentos em programas efetivos e de larga escala nas populações vulneráveis.

Existem três principais linhas que devem nortear as abordagens do problema: a suplementação, a fortificação e o estímulo à produção e ao consumo de alimentos fontes de vitamina A. A melhor escolha no tipo de abordagem, ou na combinação de abordagens, e as estratégias específicas que devem ser empregadas vão requerer, necessariamente, estudos cuidadosos em cada contexto. Não há a melhor solução universal, e a escolha deve ser pautada em um diagnóstico que envolva não apenas os aspectos técnicos, mas também, os aspectos políticos e sócioculturais. Devese salientar que melhorar o estado nutricional de vitamina A em crianças dos países em desenvolvimento tem sido considerado como uma das intervenções de maior benefício e menor custo no leque de intervenções em saúde pública. 1313 World Bank. Investing in health: the 1993 world development report. New York: Oxford University, World Bank; 1993.

Nos últimos 15 anos, muitos governantes e doadores não têm dado a devida prioridade nos programas de intervenção nutricional. A demonstração de que mesmo os casos leves e moderados de desnutrição protéico-calórica aumentam o risco de mortalidade nos países em desenvolvimento1414 Pelletier DL. The relationship between child anthropometry and mortality in developing countries: implications for policy, programs and future research. J Nutr 1994; 124: (Suppl):S2047-S81. e as evidências de que, além da vitamina A, outras deficiências, incluindo ferro, iodo, e zinco, são causas básicas tanto de morbidade, quanto de mortalidade em crianças pobres,1515 Sazawal S, Black RE, Bhan MK, Jalla S, Bhandari N, Sinha A, Mahjumdar S. Zinc supplementation reduces the incidence of persistent diarrhea and dysentery among low socioeconomic children in India. J Nutr 1996; 126: 443-50. significa que a área da nutrição tem todas as evidências de que necessita para se insistir que as intervenções nutricionais sejam integradas nos programas de saúde. Ressalte-se que não deveria ser uma mera adição ao conjunto de programas, mas uma prioridade fundamental ao lado da imunização, do manejo da diarréia, das infecções do trato respiratório e da malária, dentre outros.1616 Ross DA. Vitamin A and public health: challenges for the next decade. Proc Nutr Soc 1998; 57:159-65.

Suplementação medicamentosa

Na hipovitaminose A, tem sido recomendada a suplementação semestral de vitamina A, mediante aplicação de megadoses (200.000 UI), com distribuição universal, em crianças na idade pré-escolar, como medida de caráter emergencial. As campanhas periódicas de multi-vacinação e o trabalho de visitas domiciliares dos agentes de saúde, principalmente nas áreas rurais, podem ser uma boa alternativa para a aplicação dessa estratégia.1717 WHO. World Health Organization. Distribution of vitamin A during the National Imunnisation Day. Geneva: WHO; 1986.

No entanto, várias experiências têm questionado este tipo de intervençãc· profilática, sobretudo, em termos de efetividade. A distribuição universal de cápsulas de vitamina A em Bangladesh mostrou ser uma estratégia eficaz por reduzir a incidência de cegueira noturna na população urbana, mas com baixa efetividade nas áreas rurais de abrangência do programa, decorrente da baixa cobertura da população vulnerável. 1818 McLaren DS, Frigg M. Sight and life manual on vitamin A deficiency disorders (VADD). 2nd ed. Basel: Task Force Sight and Life; 2001.

As apreensões iniciais sobre a possibilidade de redução na soro-conversão da vacina anti-sarampo quando administrada conjuntamente com a vitamina A1919 Semba RD, Munasir Z, Beeler J, Akib A, Muhilal AS, Sommer A. Reduced seroconversion to measles in infants given vitamin A with measles vaccination. Lancet 1995; 345 :1330-2. foram minimizadas a partir de ensaio clínico subseqüente realizado em Guiné Bissau.2020 Benn CS, Aaby P, Bale C, Olsen J, Michaelson KF, George E, Whittle H. Randomized trial of effect of vitamin A supplementation on the antibody response to measles vaccine in Guinea-Bissau, West Africa. Lancet 1997; 350: 101-5. Até o presente, parece ser seguro o uso da cápsula de vitamina com a vacina anti-sarampo, quando administrada na idade usual de 9 meses.

Tendo em vista a estreita relação entre hipovitaminose A, desnutrição energético-protéica e infecções, seria recomendável a suplementação vitamínica em crianças hospitalizadas com desnutrição grave patologias infecciosas, notadamente, o sarampo.

Considerando-se que o leite materno é a principal fonte de vitamina A nos seis primeiros meses de vida e que supre em cerca de 80% os requerimentos de vitamina A, até o segundo ano de vida, uma abordagem alternativa na suplementação com vitamina A em crianças que são amamentadas é através do leite materno.

Recente revisão sobre a suplementação em crianças na primeira infância concluiu que esquemas profiláticos nos quais a mãe recebe 200.000 UI de vitamina A após o parto, e os recém-nascidos recebem 4 doses de 50.000 UI no nascimento, e durante os contatos para imunização, asseguram, na quase totalidade dos casos, um status de vitamina A adequado durante o primeiro ano de vida.2121 Humphrey JH, Rice AL. Vitamin A supplementation of young infants. Lancet 2000; 356:422-4.

Infelizmente altas doses de vitamina A podem ser teratogênicas, especialmente, quando dadas no início da gravidez. Logo, a suplementação maciça não é recomendada em mulheres, exceto, no período que compreende as seis primeiras semanas do post partum. 22 Ensaio clínico randomizado, realizado na Indonésia, mostrou que a suplementação via mãe aumentou significativamente as concentrações de retinol sérico na criança durante pelo menos os oito primeiros meses de vida.2323 Stoltzfus RJ, Hakimi M, Miller KW, Rasmussen KM, Dawiesah S, Habicht J-P, Dibley MJ. High dose vitamin A supplementation of breast-feeding Indonesian mothers: effects on the vitamin A status of mother and infant. J Nutr 1993; 123:666-75. A suplementação via leite materno evitaria os potenciais efeitos colaterais que poderiam ocorrer na suplementação dada diretamente à criança nos seis primeiros meses de vida.

Estudos provenientes da Ásia têm demonstrado que a deficiência de vitamina A pode ser comum em mulheres grávidas e nutrizes. 1212 West KP Jr, Katz J, Khatry SK, LeClerq SC, Pradhan EK, Shresta SR, Connor PB, Dali SM, Christian P, Pokhrel RP, Sommer A. Double blind, cluster randomised trial of low dose supplementation with vitamin A or b carotene on mortality related to pregnancy in Nepal. BMJ: Br Med J 1999; 318:570-5.,2424 Katz J, Khatry SK, West KP, Humphrey JH, LeClerq SC, Pradhan EK, Pohkrel RP, Sommer A. Night blindness is prevalent durir.g pregnancy and lactation in rural Nepal. J Nutr 1995; 125:2122-7. No entanto, até recentemente, a atenção foi sempre dirigida aos perigos das altas doses para o feto2222 International Vitamin A Consultative Group (IVACG). The safe use of vitamin A by women during the reproductive years. Washington (DC): IVACG;1986. e as restrições que isto impõe para a suplementação, ou mesmo o consumo de alimentos ricos em vitamina A, a exemplo do fígado durante ii gravidez.11 Sommer A, West KP Jr. Vitamin A deficiency: health, survival and vision. New York: Oxford University; 1996. Por outro lado, a deficiência de vitamina A também parece estar relacionada com defeitos na embriogênese.2525 Olson JA. Biochemistry of vitamin A and carotenoids. In: Sommer A, West KP Jr, editors. Vitamin A deficiency: health, survival, and visiono New York: Oxford University; 1998. p. 221-50. Logo, aumentar o consumo de vitamina A em mulheres grávidas deficientes beneficiará tanto a mãe quanto o concepto ou o recém-nascido.

Fortificação de alimentos

Como intervenções a médio prazo, no combate à hipovitaminose A, existem as propostas e experiências de enriquecimento de alimentos estratégicos. Várias experiências bem sucedidas de enriquecimento de alimentos variados, como o açúcar, o trigo, a farinha de milho e o arroz, têm sido relatadas em diferentes regiões do planeta.2626 Arroyave G, Mejia LA, Aguilar JR. The effect of vitamin A fortification of sugar on the serum vitamin A leveis of pre-school Guatemalan children: a longitudinal evaluation. Am J Clin Nutr 1981; 34:41-9.

O açúcar na América Central e o glutamato monossódico na Ásia Meridional foram os primeiros veículos extensivamente testados, largamente distribuídos e avaliados sob o ponto de vista do impacto na saúde pública.11 Sommer A, West KP Jr. Vitamin A deficiency: health, survival and vision. New York: Oxford University; 1996.

No Brasil, algumas experiências com o enriquecimento de alimentos com vitamina A têm sido descritas.2727 ILSI. International Life Sciences Institute, Brasil. Enriquecimento e restauração de alimentos com micronutrientes: uma proposta para o Brasil. São Paulo: ILSI Brasil; 2000. O açúcar, a farinha de milho, óleos comestíveis e o arroz têm sido os veículos mais comumente testados. Campos2828 Campos FACS. Estratégias para sobrevivência das crianças: arroz enriquecido com vitamina A [tese doutorado] . Recife: Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco; 1999. observou que o enriquecimento do arroz com vitamina A, distribuído às crianças institucionalizadas em creches do Recife, causou um impacto significativo no status nutricional de vitamina A, onde, um ano póssuplementação, nenhuma criança do estudo apresentou resposta relativa à dose de retinol positiva, que seria indicativa de reservas hepáticas de vitamina A ainda insuficientes.

A abertura de um farum de discussões sobre a questão da fortificação de alimentos, seria extremamente desejável. Ao avaliar-se a adequação de uma possível fortificação de um alimento, devem ser obedecidos alguns pressupostos básicos, tais como, o de que o alimento veículo sej a amplamente consumido pela população alvo, tecnicamente viável, sem contudo, alterar a palatabilidade do produto, nem tampouco, elevar o seu custo financeiro de forma a inviabilizar o seu acesso. Deve-se ressaltar que um programa sustentável de fortificação de alimentos deve, necessariamente, refletir o esforço colaborativo entre produtores, setor público, pesquisadores e doadores.

Produção e consumo de alimentos ricos em vitamina A

Numa perspectiva mais a longo prazo, no enfrentamento das carências nutricionais específicas, deve-se trabalhar no incentivo à produção e ao consumo de alimentos ricos em nutrientes.

São ainda limitadas as experiências que relatam este tipo de estratégia no combate à hipovitaminose A. No entanto, vale ressaltar o sucesso de ações neste sentido que vêm sendo desenvolvidas no Niger, Filipinas e Indonésia,2929 USAID. United States Agency for International Development. Strategies for promoting vitamin A: production, consumption & supplementation. Washington, DC: The Academy for Educational Development; 1996. envolvendo atividades de educação nutricional ou comunicação via marketing social, horticultura, acessibilidade ao alimento e avanços tecnológicos, sobretudo, na área de cultivo e preservação dos alimentos.

O papel da educação nutricional, em níveis distintos, é fundamental para conscientizar a população sobre o problema, estimulando a produção e consumo de alimentos ricos em micronutrientes, bem como visando a mudança de práticas alimentares inadequadas. Logo, campanhas de comunicação social devem ser lançadas, envolvendo todos os veículos disponíveis para divulgar os benefícios dos alimentos ricos em vitamina A disponíveis no país, sobretudo aqueles de origem animal. Neste sentido, deve-se ressaltar a contribuição de De Pee et al. ,3030 De Pee S, West CE, Muhilal AS, Karyadi D, Hautvast JGA. Lack of improvement in vitamin A status with increased consumption of dark-green leafy vegetables. Lancet 1995; 346:75-81. questionando a biodisponibilidade dos precursores de vitamina A, nos alimentos de origem vegetal e a sua retenção no processamento e armazenamento dos alimentos.3131 Rodrigues-Amaya DB. Carotenoids and food preparation: the retention of provitamin A caratenoids in prepared, processed, and stored foods. Campinas: John Snow; 1997. É provável que a biodisponibilidade de vitamina A das fontes vegetais sej am muito menores do que até hoje tem sido considerada.

É importante neste caso, ressaltar a relevância de ações simultâneas relacionadas com a prevenção e tratamento de diarréias, infecções respiratórias, doenças imunopreveníveis, e da própria desnutrição energético-protéica.

Recomenda-se utilizar todos os meios necessários para levar ao conhecimento dos governos, dos profissionais de saúde e da população, informações básicas sobre o problema das carências nutricionais específicas. É urgente, para o cumprimento desse papel, desenvolver um trabalho de capacitação de recursos humanos em diferentes instâncias, desde a formação profissional básica, até a escala de treinamento em serviço.3232 Batista-Filho M, Diniz AS. Combate às deficiências de micronutrientes no Brasil. Rev IMIP 1993; 7:121-5.

É importante que a situação das deficiências em micronutrientes seja considerada de forma articulada pelos programas que se ocupam da saúde da mulher, da criança e do adolescente, recomendando-se, ademais, que o problema seja compreendido de forma integrada com as demais carências nutricionais de importância epidemiológica.3333 Diniz AS. Aspectos clínicos, subclínicos e epidemiológicos da hipovitaminose A no estado da Paraíba [tese doutorado]. Recife: Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco; 1997.,3434 Kolsteren P, Rahman S, Hilderbrandt K, Diniz AS. Treatment for iron deficiency anaemia with a combined supplementation of iron, vitamin A and zinc in women of Dinajpur, Bangladesh. Eur J Clin Nutr 1999; 53: 102-6.

As campanhas de promoção e proteção do aleitamento materno devem ser cada vez mais enfatizadas e componentes de uma ação em defesa da saúde e do bem-estar da população.

Principais desafios para as próximas décadas

Um programa de prevenção e controle da carência de vitamina A deve estar alicerçado em pelo menos três linhas básicas de ação: a intervenção, o monitoramento/avaliação e a complementação diagnóstica.3535 Santos LMP, Batista-Filho M, Diniz AS. Epidemiologia da carência de vitamina A no Nordeste do Brasil. Boi Ofic Sanit Panam 1996; 120:525-36.

Intervenção

Implementação de intervenções efetivas e sustentáveis em larga escala para a prevenção da morbidade severa e da mortalidade atribuída a deficiência de vitamina A.

Monitoramento/avaliação

São ações desejáveis para o monitoramento/avaliação das carências nutricionais específicas e factíveis de serem implantadas no contexto brasileiro:

  • estabelecimento de Centros e Unidades Sentinelas, em áreas estratégicas do país, para que funcionem como um termômetro epidemiológico e possibilitem o acompanhamento contínuo da situação alimentar e nutricional referente aos micronutrientes; 1616 Ross DA. Vitamin A and public health: challenges for the next decade. Proc Nutr Soc 1998; 57:159-65.

  • a produção de um informe anual sobre o problema e atividades de controle das carências em micronutrientes.

Estas medidas devem se achar integradas numa proposta global e setorial de desenvolvimento econômico e social, assegurando-se fluxos contínuos de recursos e articulação entre os órgãos públicos relacionados com o problema.

Complementação diagnóstica

  • uso do Kit diagnóstico durante as campanhas de multivacinação, para coletar de forma sistemática dados atualizados da situação nutricional dos grupos vulneráveis;

  • exame ocular de rotina nos hospitais pediátricos para detectar casos suspeitos de xeroftalmia, sobretudo corneal, e favorecer o tratamento precoce, prevenindo ou minimizando as seqüelas oculares;3636 Araújo RL, Diniz AS, Santos LMP. Diagnóstico e evolução de casos de ceratomalácia e xeroftalmia. J Pediatr 1984; 57:419-24.

  • desenvolvimento de estudos multicêntricos sobre a composição, em equivalentes de retinol, dos principais alimentos fontes de vitamina A nas diversas regiões do país, bem como a realização de inquéritos epidemiológicos envolvendo outros grupos populacionais, a exemplo de mulheres em idade fértil, grupo etário recentemente identificado como de potencial risco à hipovitaminose A;

  • estudos sobre a eficácia e segurança da suplementação em crianças menores de seis meses e em mulheres grávidas, no sentido de incorporar as intervenções apropriadas ao grupo alvo, nos programas de saúde materno-infantil;

  • estudos randomizados para avaliar o impacto da suplementação com vitamina A na transmissão e progressão do HIV;

  • investigação da importância funcional na deficiência de vitamina A em crianças de maior idade e adolescentes, e o desenho de intervenções para cobrir este grupo alvo;

  • Estudos sobre a biodisponibilidade dos precursores de vitamina A em alimentos de origein vegetal e sobre o potencial impacto da intervenção dietética para elevar o nível de vitamina A na população.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2001
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