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Efeito do gel da seiva do látex da Hevea brasiliensis na cicatrização de lesões cutâneas agudas induzidas no dorso de ratos

Resumos

Objetivo

: avaliar o efeito da administração tópica do gel-creme de látex em feridas cutâneas agudas induzidas no dorso de ratos.

Métodos

: dezesseis ratos foram submetidos à excisão dermoepidérmica de retalho cutâneo dorsal, circular com 2,5cm de diâmetro. Os animais foram distribuídos em dois grupos, um experimental e outro controle: Grupo Látex- aplicação em todo o leito da ferida do látex em base gel-creme no período zero, no terceiro, no sexto e no nono dias pós-operatórios; Grupo Controle- sem nenhum tratamento sobre a ferida. Foram feitas fotografias das lesões no dia da operação, no sexto e no 14º dia pós-operatório, para análise de área e do maior diâmetro da ferida. Realizou-se a eutanásia de todos os animais no 14º dia pós-operatório. Ressecou-se a pele dorsal e o plano muscular subjacente contendo a ferida para estudo histopatológico.

Resultados

: não houve diferença estatisticamente significante no percentual de fechamento, nos achados histopatológicos ou na redução da área e do maior diâmetro das feridas, entre os grupos estudados no 14º dia pós-operatório.

Conclusão

: nas condições experimentais em que o estudo foi realizado, o gel-creme de látex não interferiu na cicatrização de feridas cutâneas agudas em ratos.

Cicatrização; Látex; Terapêutica; Pele; Ratos


Objective

: to evaluate the effect of topical delivery of latex cream-gel in acute cutaneous wounds induced on the back of rats.

Methods

: we subjected sixteen rats to dermo-epidermal excision of a round dorsal skin flap, with 2.5cm diameter. We divided the animals into two groups: Latex Group: application of cream-gel-based latex throughout the wound bed on postoperative days zero, three, six and nine; Control group: no treatment on the wound. Photographs of the lesions were taken on the procedure day and on the 6th and 14th postoperative days, for analyzing the area and the larger diameter of the wound. We carried out euthanasia of all animals on the 14th postoperative day, when we resected he dorsal skin and the underlying muscle layer supporting the wound for histopathological study.

Results

: there was no statistically significant difference in the percentage of wound closure, in the histopathological findings or in the reduction of the area and of the largest diameter of the wounds among the groups studied on the 14th postoperative day.

Conclusion

: according to the experimental conditions in which the study was conducted, latex cream-gel did not interfere in the healing of acute cutaneous wounds in rats.

Wound healing; Latex; Treatment; Skin; Rats


INTRODUÇÃO

A cicatrização de feridas consiste em uma coordenada cascata de eventos celulares e moleculares que interagem para permitir a reconstituição dos tecidos. A perda tecidual é fator desencadeante da cicatrização e inicia uma série de etapas sobreponentes no tempo, que inclui inflamação, neoformação e remodelamento tecidual. Imediatamente após a injúria, tem início esse processo de reparo, por meio da ação de uma série de fatores de crescimento, citocinas e produtos liberados das plaquetas e dos vasos sanguíneos lesados. Após a formação do coágulo sanguíneo, células inflamatórias invadem o tecido e exercem funções de defesa contra micro-organismos contaminantes, sendo também fontes importantes de fatores de crescimento e citocinas iniciadores da fase proliferativa da cicatrização. Esta, por sua vez, inicia-se com a migração e proliferação de queratinócitos nas bordas da ferida, seguida da multiplicação de fibroblastos dérmicos nas vizinhanças do tecido lesado. Subsequentemente, os fibroblastos iniciam a produção de grandes quantidades de matriz extracelular. Ainda na fase proliferativa, constitui-se o tecido de granulação, nome atribuído pela característica granular devida à presença de capilares neoformados, essenciais ao processo de reparo. Finalmente, ocorre a transição do tecido de granulação para uma cicatriz madura, caracterizada pela continua síntese e degradação de colágeno. A cicatriz é um tecido mecanicamente insuficiente, onde faltam apêndices epidérmicos11. Mendonça RJ, Coutinho-Netto J. Aspectos celulares da cicatrização. An Bras Dermatol. 2009;84(3):257-62.,22. Werner S, Grose R. Regulation of wound healing by growth factors and cytokines. Physiol Rev. 2003;83(3):835-70..

Desde a Antiguidade, o homem tenta interferir nesse processo de reparo tecidual. Nas últimas décadas, muito esforço tem sido dispensado para identificar substâncias e técnicas no manejo de feridas, capazes de favorecer a cicatrização. Também a busca de substâncias com atividade angiogênica tem sido intensa, por seu grande potencial de aplicação clínica. Apesar disto, a cicatrização de feridas ainda permanece um problema clínico desafiador33. Velnar T, Bailey T, Smrkolj V. The wound healing process: an overview of the cellular and molecular mechanisms. J Int Med Res. 2009;37(5):1528-42..

O uso do látex natural da seringueira Hevea braziliensis para fins medicinais é alternativa que agrega biocompatibilidade e baixo custo. Diversos estudos sugeriram a existência, no látex, de fatores de crescimento capazes de atuar em tecidos humanos estimulando a neovascularização, adesão celular e formação de matriz extracelular, embora esse mecanismo de ação não tenha sido completamente elucidado44. Mendonça RJ. Purificação e caracterização de uma proteína angiogênica, indutora de fibroplasia e cicatrizante presente no látex natural da seringueira Hevea brasiliensis [tese]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2008.. A biomembrana de látex da seringueira, com finalidade terapêutica foi desenvolvida por Coutinho-Netto, no Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto/SP. No ano de 1996, o primeiro trabalho realizado utilizou esse material na reconstrução de defeitos experimentais no esôfago de cães. Demonstrou-se influência da prótese na neoformação tecidual, sugerindo a possibilidade do seu uso como substituto ou promotor da formação de órgãos e tecidos, embora tenha havido eliminação do material55. Mrué F. Substituição do esôfago cervical por prótese biossintética de látex. Estudo experimental em cães [dissertação]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 1996.. Estudos experimentais subsequentes demonstraram a atuação favorecedora da biomembrana no reparo de defeitos da parede abdominal de ratos66. Ferreira PG. Avaliação do efeito da membrana de látex Hevea brasiliensis no reparo de defeito da parede abdominal de rato [dissertação]. Alfenas: Universidade Federal de Alfenas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas; 2009., reconstrução conjuntival em coelhos77. Pinho ECCM, Sousa SJF, Schaud F, Lachat JJ, Coutinho-Netto J. Uso experimental da biomembrana de látex na reconstrução conjuntival. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(1):27-32., como prótese na inguinoplastia videolaparoscópica em cães88. Sousa LH, Ceneviva R, Coutinho-Netto J, Mrué F, Sousa Filho LH, Silva OC. Morphologic evaluation of the use of a latex prosthesis in videolaparoscopic inguinoplasty: an experimental study in dogs. Acta Cir Bras. 2011;26(Suppl 2):84-91., no revestimento da cavidade aberta em timpanomastoidectomias9 9. Sousa LCA, Piza MRT, Coutinho-Netto J, Ruiz DB, Schmidt VB. Biomembrana de látex: novo método para o revestimento da cavidade aberta nas timpanomastoidectomias. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(3):331-6.e substituição do pericárdio de cães1010. Sader SL, Coutinho Netto J, Barbieri Neto J, Mazzetto SA, Alves Júnior P, Vanni JC, et al. Substituição parcial do pericárdio de cães por membrana de látex natural. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2000;15(4):338-44.. A biocompatibilidade da biomembrana, necessária para sua utilização como biomaterial, foi comprovada por uma série de estudos experimentais1111. Mrue F, Netto JC, Ceneviva R, Lachat JJ, Thomazini JA, Tambelini H. Evaluation of the biocompatibility of a new biomembrane. Mat Res. 2004;7(2):277-83.

12. Zimmermann M, Raiser AG, Barbosa ALT, Novosad D, Steffen RPB, Lukarsewsk R, et al. Teste de biocompatibilidade e resistência de membranas de látex em cães. Ciênc Rural. 2007;37(6):1719-23.
-1313. Frade MAC, Coutinho Netto J, Gomes FG, Mazzucato EL, Andrade TAM, Foss NT. Curativo de biomembrana vegetal e hipersensibilidade. An Bras Dermatol. 2011;86(5):885-91.. A biomembrana, na forma de curativo, constitui uma proposta útil para tratar as úlceras de pressão, promovendo rápido desbridamento, granulogênese e aceleração da cicatrização1414. Frade MAC, Salathiel AM, Mazzucato EL, Coutinho Netto J, Foss NT. A natural biomembrane as a new proposal for the treatment of pressure ulcers. Med Cutan Iber Lat Am. 2006;34(3):137-42.. Efeitos semelhantes foram observados na sua utilização em úlceras crônicas flebopáticas1515. Frade MA, Valverde RV, de Assis RV, Coutinho-Netto J, Foss NT. Chronic phlebopathic cutaneous ulcer: a therapeutic proposal. Int J Dermatol. 2001;40(3):238-40..

Estudos subsequentes comprovaram que as propriedades angiogênicas e de aceleração devem-se a ação de uma substância protêica presente na fração soro do látex44. Mendonça RJ. Purificação e caracterização de uma proteína angiogênica, indutora de fibroplasia e cicatrizante presente no látex natural da seringueira Hevea brasiliensis [tese]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2008.,1616. Mendonça RJ, Maurício VB, Teixeira LdeB, Lachat JJ, Coutinho-Netto J. Increased vascular permeability, angiogenesis and wound healing induced by the serum of natural latex of the rubber tree Hevea brasiliensisI. Phytother Res. 2010;24(5):764-8.. Essa descoberta estimulou o desenvolvimento de um gel-creme para uso tópico, indicado no tratamento e cicatrização de feridas, produzido a partir do soro base contendo as frações protêicas bioativas adicionado a uma base gel creme.

O objetivo desta pesquisa foi estudar o efeito do gel-creme de látex na cicatrização de feridas cutâneas agudas induzidas no dorso de ratos.

MÉTODOS

Este trabalho foi realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Brasil. Foram adotados os princípios éticos em experimentação animal, preconizados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA), instituição filiada ao International Council for Laboratory Animal Science e à Legislação Brasileira de Animais de Experimentação, Lei Federal nº 6638, de 1979. O projeto da pesquisa foi submetido à apreciação e aprovação pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (protocolo de aprovação número 52.439/2011).

Foram estudados 16 ratos (Rattus norvegicus albinus, Rodentia mammalia), da linhagem Wistar, adultos, machos, com média de idade de 60 dias, pesando entre 188 e 386 gramas. Instituiu-se, antes do início do experimento, período de aclimatação de sete dias. Os animais permaneceram em alojamento próprio, sob temperatura e umidade ambientes, em ciclo circadiano (claro/escuro), com livre acesso a água e a ração específica (Purina(r) - Labina).

Desenho do experimento

Os animais foram distribuídos de forma aleatória em dois grupos, com oito animais em cada grupo, sendo um experimental e um controle: Grupo Látex- aplicação do soro do látex em base gel-creme em todo o leito da ferida, no período zero, no terceiro, no sexto e no nono dias pós-operatórios. Grupo Controle- sem nenhum tratamento sobre a ferida. Realizou-se a eutanásia de todos os animais no 14º dia pós-operatório.

Procedimento cirúrgico

Os animais foram anestesiados com cloridrato de xilazina na dose de 10mg/kg de peso corporal, combinado com cloridrato de cetamina na dose de 75mg/kg de peso corporal, por via intramuscular. Atingido o plano anestésico, cada animal foi colocado sobre prancha cirúrgica, em decúbito ventral. Após a tricotomia, seguiu-se a técnica operatória com a mesma padronização para os animais de todos os grupos, conforme já descrito pelos autores em publicação prévia1717. Penhavel MVC, Nascimento VHT, Durães EFR, Carneiro FP, Sousa JB. Effects of carbon dioxide therapy on the healing of acute skin wounds induced on the back of rats. Acta Cir Bras. 2013;28(5):334-9.. O centro da região depilada foi previamente demarcado com punch dermatológico metálico de 2,5cm de diâmetro e a excisão da pele foi completada com bisturi (Figura 1). A hemostasia foi feita por compressão digital com gaze. Em seguida, Os animais do grupo látex receberam aplicação manual do látex em base gel-creme, em quantidade suficiente para cobrir a superfície da ferida. No grupo controle, foi feita apenas a lesão, seguida de hemostasia.

Figura 1
- Excisão da pele. Detalhe da área demarcada pelo punch, seccionada respeitando-se o plano muscular.

O gel-creme de látex foi reaplicado no terceiro, no sexto e no nono dias pós-operatórios. Todos os animais, incluindo os do grupo controle, foram previamente anestesiados nos dias supracitados. No terceiro e no nono dias, os animais do grupo experimento foram anestesiados para a adequada aplicação do gel-creme na ferida e, os do controle para que os animais fossem expostos às mesmas situações de estresse, exceto à aplicação do gel-creme.

Nenhum dos grupos recebeu curativo oclusivo após a aplicação dos tratamentos. Ao final dos procedimentos, os animais eram recolocados nas suas respectivas gaiolas, nas mesmas condições do pré-operatório.

Documentação da evolução das feridas

Com os animais fixados na mesa cirúrgica, foram medidos o maior e o menor diâmetro das feridas, utilizando-se paquímetro para comparação com a medida inicial padronizada. Nesse tempo, foi feito o registro fotográfico digital das feridas. Esse procedimento foi realizado na data da operação e repetido sexto dia e no 14º dia pós-operatório. A imagem da lesão foi transportada para o software Image J(r) e, após a delimitação da periferia pelo método poliline (demarcação de todos os pontos da lesão), a imagem da ferida foi analisada nos parâmetros de área e maior diâmetro.

Coleta do material para estudo

No 14º dia pós-operatório, os 16 animais foram anestesiados com cetamina e xylazina intramusculares. Em seguida, um bloco dorsal, contendo a ferida e plano muscular subjacente foi excisado. A eutanásia foi realizada com dose letal de thiopental por via intraperitoneal, na dose de 25mg/Kg. As peças foram conservadas em formol para estudo histopatológico.

Histopatologia

Para a análise histopatológica, os fragmentos incluídos em parafina foram corados com hematoxilina-eosina e examinados ao microscópio óptico. Analisou-se a quantidade de colágeno, de fibroblastos e de infiltrados mononuclear e polimorfonuclear. Esses parâmetros foram graduados em escala de 0 a 3 indicando, respectivamente, amostras com ausência, quantidade escassa, moderada ou acentuada da variável analisada. Os neovasos foram quantificados em cinco campos de grande aumento. A presença ou ausência de reepitelização, de corpo estranho, de abscesso e de folículos pilosos na cicatriz também foram documentadas.

Análise estatística

Os dados foram analisados utilizando-se o software Sigma Stat(r) 3.5. As comparações das áreas e dos maiores diâmetros das feridas nos grupos látex e controle, em cada um dos dias de estudo, foram feitas por meio do teste One Way Analisys of Variance (ANOVA). Para as variáveis histológicas, foram usados os testes Exato de Fisher e Qui-Quadrado. O nível de significância (p) utilizado para se rejeitar a hipótese da nulidade foi 0,05.

RESULTADOS

Medidas das feridas

Comparando-se os grupos controle e látex, no dia da operação, no sexto e no 14º dias pós-operatórios, a área das feridas não apresentou diferença estatisticamente significante (Tabela 1).

Tabela 1
- Áreas das lesões em cm2 nos grupos controle e látex.

O percentual de fechamento das feridas do dia zero ao dia seis não apresentou diferença estatisticamente significante na comparação intergrupos (p=0,136). Observou-se, no entanto, maior percentual de fechamento no látex em relação ao controle, de 63,1% e 59,5%, respectivamente.

Avaliação microscópica

As tabelas 2, 3 e 4 demonstram a comparação histológica intergrupos no 14º pós-operatório, não apresentando diferença com significância estatística em nenhum item analisado. Apesar de não ser significante estatisticamente, o número de neovasos no grupo látex, observados em campos microscópicos de grande aumento, foi maior comparado ao grupo controle (Figura 2).

Tabela 2
- Comparação histológica intergrupos controle-látex no 14º dia pós-operatório.

Tabela 3
- Comparação histológica intergrupos controle-látex no 14º dia pós-operatório (2).

Tabela 4
- Comparação intergrupos controle-látex - quantificação de neovasos no 14º dia pós-operatório.

Figura 2
- Fotomicrografia de tecido de reparação da pele de ratos - 14 dias de pós-operatório.

DISCUSSÃO

Diversas pesquisas comprovaram que a biomembrana produzida a partir do látex natural da Hevea braziliensis é biocompatível e possui propriedades angiogênicas, de adesão celular e de formação de matriz extra celular1111. Mrue F, Netto JC, Ceneviva R, Lachat JJ, Thomazini JA, Tambelini H. Evaluation of the biocompatibility of a new biomembrane. Mat Res. 2004;7(2):277-83.. Em úlceras de pressão, a biomembrana propiciou o rápido desbridamento das feridas, granulogênese e completa cicatrização, produzindo cicatrizes planas e estéticas1414. Frade MAC, Salathiel AM, Mazzucato EL, Coutinho Netto J, Foss NT. A natural biomembrane as a new proposal for the treatment of pressure ulcers. Med Cutan Iber Lat Am. 2006;34(3):137-42.. Resultados semelhantes foram observados em pacientes diabéticos com dificuldades de cicatrização1818. Frade MA, Cursi IB, Andrade FF, Coutinho-Netto J, Barbetacc FM, Foss NT. Management of diabetic skin wounds with a natural latex biomembrane. Med Cutan Iber Lat Am. 2004;32(4):157-62.. Quando utilizada em pacientes com úlceras venosas crônicas, a biomembrana atuou como um fator indutor da cicatrização, sobretudo na fase inflamatória, confirmado pela intensa exsudação e desbridamento das lesões, promovendo a transformação do microambiente das úlceras venosas crônicas1919. Frade MAC, Assis RVC, Coutinho Netto J, Andrade TAM, Foss NT. The vegetal biomembrane in the healing of chronic venous ulcers. An Bras Dermatol. 2012;87(1):45-51..

A elaboração de um gel de látex contendo as frações protêicas responsáveis pela indução de angiogênese representa o aprimoramento biotecnológico das pesquisas com o látex natural da Hevea brasiliensis. Obtêm-se o produto mediante técnica de separação de frações protêicas em cromatografia líquida de alto desempenho, liofilização e formulação em gel-creme. Segundo estudos realizados pelo fabricante, as frações protêicas apresentam atividades biológicas de estimulo a angiogênese, proliferação celular de fibroblastos, síntese de colágeno e reforço da matriz extracelular e inibição da síntese de colagenase2020. Pelenova Biotecnologia, Valeant Farmacêutica do Brasil. Avanço Tecnológico para recomposição cutânea. Monografia de produto farmacêutico (soro de látex natural Hevea brasiliensis). São Paulo; 2012.. Foi também conduzido, pelo mesmo grupo, um estudo que utilizou o gel de látex em pacientes com úlceras crônicas, com resultados favoráveis.

Em estudo para avaliar a biocompatibilidade da biomembrana, em 2004, Mrué et al. avaliaram a indução de cicatrização pelo biomaterial utilizando um modelo de úlceras dérmicas agudas circulares de 0,5cm provocadas em orelha de coelhos. O grupo tratado com biomembrana apresentou epitelização precoce em relação ao controle e, nas amostras histopatológicas, evidenciou-se presença de fibras colágenas organizadas, sem sinal de fibrose, e neovasos1111. Mrue F, Netto JC, Ceneviva R, Lachat JJ, Thomazini JA, Tambelini H. Evaluation of the biocompatibility of a new biomembrane. Mat Res. 2004;7(2):277-83..

Nas condições experimentais do presente estudo, não foi possível comprovar, em termos de redução de área da ferida e de achados histopatológicos, a eficácia do látex em gel, uma vez que estes parâmetros não apresentaram significância estatística na comparação com o grupo controle. No estudo de Mrué1111. Mrue F, Netto JC, Ceneviva R, Lachat JJ, Thomazini JA, Tambelini H. Evaluation of the biocompatibility of a new biomembrane. Mat Res. 2004;7(2):277-83., a conformação flexível da biomembrana permitiu o contato direto e permanente da úlcera por meio de pontos de sutura. Em estudo avaliando angiogênese, permeabilidade vascular e cicatrização, o soro do látex, acrescido a um gel de carboximetilcelulose, foi aplicado no dia da operação e no terceiro, sexto e nono dias pós-operatórios, observando-se aceleração da cicatrização1616. Mendonça RJ, Maurício VB, Teixeira LdeB, Lachat JJ, Coutinho-Netto J. Increased vascular permeability, angiogenesis and wound healing induced by the serum of natural latex of the rubber tree Hevea brasiliensisI. Phytother Res. 2010;24(5):764-8.. O presente estudo utilizou o látex com a mesma frequência de aplicação, porém, diferentemente do estudo supracitado, as úlceras não receberam curativo oclusivo após cada aplicação, o que pode ter propiciado que o produto ficasse menos tempo em contato com a ferida do animal. Estes fatos podem ter causado interferência na observação de eventual diferença entre este grupo e os demais. Outra limitação do presente estudo é o tamanho amostral, com apenas oito animais em cada grupo. Uma amostra maior poderia aumentar o poder estatístico nesta pesquisa. Para estudos futuros, sugere-se que diferentes quantidades do produto sejam utilizadas a fim de propor uma dose, em relação ao tamanho da lesão, suficiente para promover um possível efeito satisfatório. Biópsias seriadas das lesões também poderão ser úteis para avaliar a influência do gel-creme de látex em períodos evolutivos específicos da cicatrização.

Em conclusão, nas condições experimentais em que o estudo foi realizado, o gel-creme de látex não influenciou a cicatrização de feridas cutâneas agudas em ratos.

  • 1
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  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2015
  • Aceito
    21 Dez 2015
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