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Impactos da eliminação da consolidação proporcional nas demonstrações contábeis da Itaúsa

RESUMO

O objetivo deste trabalho é avaliar os impactos da eliminação do método de consolidação proporcional (CP) para reconhecimento dos investimentos em joint ventures, com a adoção do Pronunciamento Técnico CPC 19 (R2) nos valores reportados pela Itaúsa - Investimentos Itaú S.A., bem como identificar quais ajustes contábeis são necessários para explicar as diferenças nos valores reportados. Até 31 de dezembro de 2012, eram permitidos dois métodos para reconhecimento desses investimentos: CP e equivalência patrimonial (MEP). A adoção do CPC 19 (R2), a partir de 1º de janeiro de 2013, trouxe importantes alterações e a eliminação da CP foi a mais polêmica. São muitos os usuários e pesquisadores que defendem esse método, sustentando que ele produz informações mais relevantes. Os efeitos dessa alteração, com impactos relevantes nos valores reportados pela investidora, foram bastante evidentes no Brasil, pois quase a totalidade das empresas utilizava a CP. Escolheu-se o caso da Itaúsa e, consequentemente, do Itaú Unibanco Holding, por ser esse o maior grupo privado do Brasil e representar um investimento relevante para sua investidora. As análises indicaram que o valor do ativo reportado pela Itaúsa usando a CP foi 832% maior do que o valor obtido pelo MEP. Para as dívidas e as receitas, esse percentual foi ainda muito maior: 5.096% e 17.771%, respectivamente. Tal impacto afeta indicadores financeiros, rankings setoriais e demais análises financeiras. Por exemplo, o indicador de endividamento passou de 91% para 16%, quando da alteração para o MEP. As análises também identificaram um conjunto de ajustes contábeis que explicam as diferenças nos valores reportados pela Itaúsa, e esses ajustes vão além do simples reconhecimento dos valores proporcionais das joint ventures, incluindo goodwill, resultados não realizados, entre outros. Acredita-se que a principal contribuição deste trabalho é permitir um melhor entendimento sobre a relevância do CP C19 (R2) para o mercado brasileiro, bem como suas consequências para o maior grupo privado brasileiro.

Palavras-chave:
consolidação proporcional; equivalência patrimonial; joint ventures; Itaúsa

ABSTRACT

This research aims to evaluate the impacts of the elimination of the proportionate consolidation method to recognize joint ventures investments, with the adoption of the Technical Pronouncement CPC 19 (R2), on the accounting amounts reported by Itaúsa - Investimentos Itaú S.A., and identify which accounting adjustments are necessary to explain the differences in reported amounts. Until December 31, 2012, there were two methods to recognize these investments: proportionate consolidation and equity method. The adoption of CPC 19 (R2), from January 1, 2013, brought relevant changes and the elimination of the proportionate consolidation method was the most controversial one. There are many users and researchers that argue that this method provides more relevant information. The effects of this change, with significant impacts on the amounts reported by the joint venturer firm, were even more relevant in Brazil, since almost all Brazilian firms used the proportionate consolidation. It was chosen the case of Itaúsa and, consequently, of Itaú Unibanco Holding because this is the largest private group in Brazil and represents a relevant investment for its joint venturers. The analyses indicated that the total asset reported by Itaúsa using proportionate consolidation was 832% higher than the value reported by the equity method. For liabilities and revenues, this percentage was even higher: 5,096% and 17,771%, respectively. This impact affects financial indicators, industry rankings, and other financial analyses. For example, the debt indicator decreased from 91% to 16%, when the accounting method was changed to the equity method. The analyses also indicated a set of accounting adjustments that explain the differences in the accounting amounts reported by Itaúsa, and these adjustments are beyond the recognition of the proportionate amounts of joint ventures, including goodwill, unrealized intercompany results, among others. The main contribution of this research is to discuss the relevance of CPC 19 (R2) to the Brazilian market and its consequences for the largest private group in Brazil.

Keywords:
proportionate consolidation; equity method; joint ventures; Itaúsa

1. INTRODUÇÃO

Até 31 de dezembro de 2012, antes da vigência da International Financial Reporting Standards (IFRS) 11, não havia consenso entre os órgãos normatizadores internacional e americano, entenda-se International Accounting Standards Board (IASB) e Financial Accounting Standards Board (FASB), sobre aspectos conceituais para avaliação de investimentos em joint ventures (Furuta, 2005Furuta, F. (2005). Estudo da consolidação proporcional nas empresas que atuam no mercado brasileiro (Master’s Thesis, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo). Retrieved from http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-05102006-174105/pt-br.php.
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; Richardson, Roubi & Soonawalla, 2012Martins, G. A., & Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas (2a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.).

Existiam basicamente dois métodos: consolidação proporcional (CP) e método de equivalência patrimonial (MEP). Neste último, a investidora reconhece sua participação nos ativos líquidos da investida em uma única conta; isso também se dá nos resultados. Na CP, a investidora adiciona as participações proporcionais que mantêm em cada um dos respectivos valores de suas investidas (e não em uma única linha, como no MEP) aos seus ativos, passivos, receitas e despesas. A utilização de um método em detrimento do outro pode resultar em diferenças significativas nos valores reportados pelas investidoras (Furuta, 2005Furuta, F. (2005). Estudo da consolidação proporcional nas empresas que atuam no mercado brasileiro (Master’s Thesis, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo). Retrieved from http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-05102006-174105/pt-br.php.
http://www.teses.usp.br/teses/disponivei...
; Richardson et al., 2012Martins, G. A., & Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas (2a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.; Santos, 2011Santos, J. A. F. C. (2011). Tratamento contabilístico dos interesses em entidades conjuntamente controladas nos sectores da construção e do real estate (Master’s Thesis, ISCTE Business School, Portugal). Retrieved from https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/4882/1/Dissertacao_Mestrado_Jose_Santos_Dez2011.pdf.
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) e, por consequência, no entendimento e nas análises efetuadas a partir deles.

Essa divergência de práticas é antiga e o FASB, órgão normatizador americano, jamais aceitou a CP como opção válida para o reconhecimento dos investimentos em joint ventures. Porém o IASB, até 31 de dezembro de 2012, não só permitia, mas também recomendava a CP para esses casos. No Brasil, a Instrução no 247/1996 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em linha com o IASB, trouxe a obrigatoriedade da utilização da CP, e isso foi mantido pelo Pronunciamento Técnico CPC 19 (Comitê de Pronunciamentos Contábeis [CPC], 2009Comitê de Pronunciamentos Contábeis (2009). Pronunciamento técnico CPC 19 - Investimento em Empreendimento Controlado em Conjunto (Joint Venture). ), quando o Brasil adotou as IFRS.

É importante observar que, apesar de essa escolha contábil não ter sido permitida para as empresas brasileiras reguladas pela CMV, ela existia nas normas internacionais de contabilidade emitidas pelo IASB. Assim, existia grande variabilidade de práticas contábeis entre as empresas, sendo que o MEP predominava em países de origem anglo-saxônica e a CP em países da Europa Continental (Santos, 2011Santos, J. A. F. C. (2011). Tratamento contabilístico dos interesses em entidades conjuntamente controladas nos sectores da construção e do real estate (Master’s Thesis, ISCTE Business School, Portugal). Retrieved from https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/4882/1/Dissertacao_Mestrado_Jose_Santos_Dez2011.pdf.
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).

Essa divergência entre o IASB e o FASB perdurou até maio de 2011, quando o IASB emitiu a IFRS 11 - Joint Arrangements, que substitui a International Accounting Standards (IAS) 31 e a Standard Interpretation Committee (SIC) 13 e representou a maior revisão feita nessa norma desde sua emissão, em 1990 (International Accounting Standards Board [IASB], 2007aInternational Accounting Standards Board. (2007a). IASB proposes improvements to the accounting for joint arrangements. Retrieved from http://www.ifrs.org/News/Press-Releases/Documents/ED9JointArrangements.pdf.
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). A IFRS 11 está em vigência desde 1º de janeiro de 2013 e, no Brasil, foi traduzida por meio da emissão do Pronunciamento Técnico CPC 19 (R2) - Negócios em Conjunto (CPC, 2012Comitê de Pronunciamentos Contábeis (2012). Pronunciamento técnico CPC 19 (R2) - Negócios em conjunto. Retrieved from http://static.cpc.mediagroup.com.br/Documentos/274_CPC_19_%20R2_rev%2003.pdf.
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).

É justamente essa alteração na norma sobre avaliação de investimentos em joint ventures que justifica a realização deste trabalho. A IFRS 11, e consequentemente o CPC 19 (R2), trouxe importantes alterações em termos conceituais e práticos, mas uma das mais polêmicas foi a eliminação da CP como alternativa válida para reconhecimento dos investimentos em joint ventures.

Assim, a partir de 2013, a utilização do MEP passou a ser obrigatória e isso, para algumas empresas, gerou impacto bastante significativo nos valores reportados, dado que, em geral, a alteração da CP para o MEP gera redução nos valores de ativo, passivo, receitas e despesas reportados pelas investidoras. Portanto, a adoção da IFRS 11 influenciou não apenas a forma de apresentação das demonstrações contábeis e os indicadores financeiros, mas também possíveis divulgações de rankings setoriais, notas explicativas e até mesmo a necessidade de renegociação de covenants (Betancourt & Baril, 2013Betancourt, L., & Baril, C. P. (2013). Accounting for joint ventures moves closer to convergence. The CPA Journal, 83(2), 26-31.; Ernst & Young, 2011Ernst & Young. (2011). Challenges in adopting and applying IFRS 11. Retrieved from http://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/Applying_IFRS_11/$FILE/Applying_IFRS_11.pdf.
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; Leitner-Hanetseder & Stockinger, 2014Jifri, K. A., & Citron, D. (2009). The value-relevance of financial statement recognition versus note disclosure: evidence from goodwill accounting. European Accounting Review, 18(1), 123-140.).

Esse impacto foi bastante evidente no Brasil, considerando-se que quase a totalidade das empresas utilizava a CP. Em 2011, antes da emissão do CPC 19 (R2), existiam 134 empresas de capital aberto no mercado brasileiro com investimentos em empreendimentos controlados em conjunto. Dessas, apenas três não utilizavam a CP: Gerdau S.A., Metalúrgica Gerdau e Banco Santander. Isso demonstra a relevância do CPC 19 (R2) e a importância de se conhecer seus efeitos no mercado brasileiro.

Além do potencial de gerar grandes impactos, essa norma também foi bastante polêmica. Afinal, países como França, Holanda, Espanha, Suécia, Suíça, Brasil e Canadá defendiam a abordagem da CP (Furuta, 2005Furuta, F. (2005). Estudo da consolidação proporcional nas empresas que atuam no mercado brasileiro (Master’s Thesis, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo). Retrieved from http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-05102006-174105/pt-br.php.
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; International Financial Reporting Standards Foundation [IFRS], 2011; Santos, 2011Santos, J. A. F. C. (2011). Tratamento contabilístico dos interesses em entidades conjuntamente controladas nos sectores da construção e do real estate (Master’s Thesis, ISCTE Business School, Portugal). Retrieved from https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/4882/1/Dissertacao_Mestrado_Jose_Santos_Dez2011.pdf.
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; Sarquis, 2015Sarquis, R. W. (2015). Eliminação do método de consolidação proporcional para reconhecimento dos investimentos em joint ventures: quais os impactos para as empresas do mercado brasileiro? (Master’s Thesis, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo). Retrieved from http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-26032015-161923/en.php.
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; Souza, Tavares, Anjos & Lopes, 2015Stoltzfus, R. L., & Epps, R. W. (2005). An empirical study of the value-relevance of using proportionate consolidation accounting for investments in joint ventures. Accounting Forum, 29(2), 169-190.). Adicionalmente, parte das pesquisas acadêmicas não dá suporte à decisão do IASB de eliminar a CP, por entender que esse método produz informações de maior relevância para o usuário (Bauman, 2007Bauman, M. P. (2007). Proportionate consolidation versus the equity method: additional evidence on the association with bond ratings. International Review of Financial Analysis, 16(5), 496-507.; Betancourt & Barril, 2013Betancourt, L., & Baril, C. P. (2013). Accounting for joint ventures moves closer to convergence. The CPA Journal, 83(2), 26-31.; Graham, King & Morril, 2003Graham, R. C., King, R. D., & Morrill, C. K. (2003). Decision usefulness of alternative joint venture reporting methods. Accounting Horizons, 17(2), 123-137.; Soonawalla, 2006Soonawalla, K. (2006). Accounting for joint ventures and associates in Canada, UK, and US: do US rules hide information? Journal of Business Finance & Accounting, 33(3-4), 395-417.; Stoltzfus & Epps, 2005Stoltzfus, R. L., & Epps, R. W. (2005). An empirical study of the value-relevance of using proportionate consolidation accounting for investments in joint ventures. Accounting Forum, 29(2), 169-190.). Especificamente, essas pesquisas argumentam que a CP fornece informações com maior poder preditivo (Graham et al., 2003Graham, R. C., King, R. D., & Morrill, C. K. (2003). Decision usefulness of alternative joint venture reporting methods. Accounting Horizons, 17(2), 123-137.), mais relevantes para a constituição de prêmios de riscos de títulos (Stoltzfus & Epps, 2005Stoltzfus, R. L., & Epps, R. W. (2005). An empirical study of the value-relevance of using proportionate consolidation accounting for investments in joint ventures. Accounting Forum, 29(2), 169-190.) e para explicar o rating de títulos (Bauman, 2007Bauman, M. P. (2007). Proportionate consolidation versus the equity method: additional evidence on the association with bond ratings. International Review of Financial Analysis, 16(5), 496-507.), com maior capacidade de previsão de lucros futuros e de maior relevância (Soonawalla, 2006Soonawalla, K. (2006). Accounting for joint ventures and associates in Canada, UK, and US: do US rules hide information? Journal of Business Finance & Accounting, 33(3-4), 395-417.).

O grau dessa polêmica pode ser aferido pelo número de cartas-comentário enviadas em resposta ao Exposure Draft 09 - Joint Arrangements. Durante o período de audiência pública do IASB, das 111 cartas recebidas, mais de 61% (ou seja, 68 cartas) manifestaram-se contrárias à eliminação da CP. E mais: do total de boards e órgãos normatizadores da Europa e empresas de auditoria que se manifestaram nas cartas-comentário, aproximadamente 80% não concordam com a decisão do IASB.

Mesmo com todas as críticas recebidas e evidências contrárias, o IASB manteve sua decisão e eliminou a possibilidade de utilização da CP. Dentre os argumentos utilizados pelo IASB, os dois principais são: (i) a CP contraria as definições de ativo e passivo da Estrutura Conceitual; (ii) todas as informações que antes eram fornecidas pela CP podem ser obtidas por meio das notas explicativas. Esse segundo argumento foi um dos principais motivadores deste trabalho.

Diante do exposto, considerando tanto o impacto gerado para as empresas quanto a polêmica dessa norma, este trabalho buscará responder à seguinte questão de pesquisa: quais os impactos da eliminação da CP, com a adoção do CPC 19 (R2), nos valores reportados pela Itaúsa - Investimentos Itaú S.A.?

O objetivo deste trabalho é analisar que impactos a adoção do CPC 19 (R2) provocou nos valores reportados pela Itaúsa, buscando-se a recomposição dos valores com a utilização das notas explicativas. Em outras palavras, este trabalho tem o propósito de avaliar os impactos da “desconsolidação” das informações do Itaú Unibanco Holding nos valores reportados pela sua principal investidora, a Itaúsa, bem como identificar os ajustes necessários para explicar as diferenças nos valores reportados.

Optou-se por analisar os impactos da adoção do CPC 19 (R2) em uma empresa do mercado brasileiro, considerando que no Brasil o impacto da alteração da norma foi bastante significativo, conforme mencionado. Especificamente, optou-se por escolher o caso da Itaúsa por três motivos principais: (i) O Itaú Unibanco Holding, joint venture da Itaúsa, é o maior banco privado brasileiro, além de ser o maior grupo privado do Brasil, conforme informações do Anuário Melhores & Maiores da revista Exame; (ii) o Itaú Unibanco Holding representa um investimento relevante para a Itaúsa, sendo seu principal ativo; e (iii) conforme será evidenciado ao longo do trabalho, dentre todas as empresas de capital aberto do mercado brasileiro, a Itaúsa foi a que apresentou o maior impacto com a eliminação da CP, quando da adoção do CPC 19 (R2). Justifica-se, assim, a realização desse trabalho com as demonstrações contábeis da Itaúsa.

Acredita-se que a principal contribuição deste trabalho não seja apenas discutir uma norma contábil relevante, mas demonstrar seus impactos nas demonstrações contábeis do maior grupo privado do Brasil, com a proposta de, a partir das notas explicativas, recomposição daquela que seria a demonstração consolidada, caso o CPC 19 (R2) não tivesse vetado a CP.

Apesar de a norma já estar em vigor no Brasil desde 2013, a discussão sobre a relevância e adequação da CP ainda é necessária e oportuna. Após a obrigatoriedade de se utilizar o MEP para reconhecimento desses investimentos, algumas empresas brasileiras, por considerarem esse tipo de informação mais relevante para a tomada de decisão gerencial, continuaram a divulgar as informações por segmento operacional utilizando a CP. Como exemplo, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e o Bradesco mencionam explicitamente o fato de que a administração da companhia decidiu por divulgar a CP para apresentação das informações por segmento, pois considera que tais informações são mais relevantes para tomada de decisão. A Klabin seguiu caminho semelhante, ao divulgar qual seria o valor da receita de vendas caso seus investimentos em joint ventures ainda fossem consolidados proporcionalmente.

Adicionalmente, tendo em vista a magnitude dos resultados encontrados na análise do caso Itaúsa, a presente pesquisa também estendeu essa análise para outras entidades, com o propósito de verificar se os efeitos da adoção do CPC 19 (R2) também seriam significativos. Portanto, os resultados desta pesquisa também contribuem ao evidenciar que os impactos da eliminação da CP, com a adoção do CPC 19 (R2), não foram relevantes apenas para a Itaúsa, mas também para as outras entidades do mercado brasileiro.

Além da introdução, este trabalho está estruturado em outras seis seções. A seção 2 apresenta a discussão entre CP e MEP, a seção 3 aborda o processo de emissão da IFRS 11, na seção 4 é feita a descrição dos procedimentos metodológicos, as seções 5 e 6 apresentam as análises do caso da Itaúsa e a aplicação para outras empresas, respectivamente, e a seção 7 apresenta as considerações finais.

2. CP VERSUS MEP

Até o final de 2012, anteriormente à IFRS 11, a IAS 31 permitia a escolha do método de reconhecimento dos investimentos em joint ventures entre a CP e o MEP. No MEP, também conhecido por “consolidação em uma única linha”, a investidora reconhece sua participação no ativo líquido (patrimônio líquido) da investida em uma única conta, da mesma forma que o faz para os resultados. Em contrapartida, na CP, a investidora reconhece sua participação em cada um dos ativos, passivos, receitas e despesas da joint venture nas suas próprias demonstrações contábeis, em cada uma das contas correspondentes, e não em uma única conta, como no MEP. É como se o valor do investimento fosse distribuído, linha a linha, para cada ativo e passivo do balanço da investidora, bem como o resultado de equivalência patrimonial distribuído, linha a linha, para cada receita e despesa que integram o resultado da investidora (Martins, Gelbcke, Santos & Iudícibus, 2013Martins, E., Gelbcke, E. R., Santos, A., & Iudícibus, S. (2013). Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades (2a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.).

Para Richardson et al. (2012Martins, G. A., & Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas (2a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.), o ponto principal da discussão sobre a adequação dos dois métodos é se a investidora deve consolidar ativos e passivos controlados em conjunto com ativos e passivos controlados integralmente, ou seja, se a controladora em conjunto de fato controla e tem obrigações sobre os ativos e passivos conjuntos, respectivamente, que justifiquem sua inclusão no balanço. Esse é o principal motivo pelo qual o FASB nunca aceitou a CP como alternativa válida para reconhecimento desses investimentos. Para esse órgão normatizador, a existência de controle conjunto não atende à definição de controle integral (já que as partes do negócio compartilham o controle) e, portanto, os investimentos em joint ventures não podem ser reconhecidos pela abordagem da consolidação, mesmo que proporcional (Furuta, 2005Furuta, F. (2005). Estudo da consolidação proporcional nas empresas que atuam no mercado brasileiro (Master’s Thesis, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo). Retrieved from http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-05102006-174105/pt-br.php.
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; Martins et al., 2013Martins, E., Gelbcke, E. R., Santos, A., & Iudícibus, S. (2013). Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades (2a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.).

A literatura apresenta diversos argumentos favoráveis e contrários tanto ao MEP quanto à CP. A Tabela 1 apresenta uma síntese desses argumentos.

Tabela 1
Argumentos favoráveis tanto à consolidação proporcional (CP) quanto à equivalência patrimonial (MEP)

Em resumo, conforme observado na Tabela 1, o MEP pode estar retirando do balanço dívidas em que a investidora é responsável, assim como a CP pode estar reconhecendo, nas demonstrações consolidadas da investidora, ativos que essa de fato não controla (Richardson et al., 2012Martins, G. A., & Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas (2a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.). Nesse contexto, é importante destacar que, ao mesmo tempo em que a CP impossibilita que as investidoras em conjunto mantenham dívidas fora do balanço, ela também permite o reconhecimento da parcela proporcional de cada um dos ativos da joint venture. Ressalta-se, entretanto, que o reconhecimento de valores iguais para ativos e passivos não resulta, do ponto de vista relativo, em efeitos semelhantes nas análises e indicadores financeiros.

A utilização de um método em detrimento do outro pode resultar em diferenças significativas nos valores reportados pelas controladoras em conjunto (Furuta, 2005Furuta, F. (2005). Estudo da consolidação proporcional nas empresas que atuam no mercado brasileiro (Master’s Thesis, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo). Retrieved from http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-05102006-174105/pt-br.php.
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; Richardson et al., 2012Martins, G. A., & Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas (2a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.; Santos, 2011Santos, J. A. F. C. (2011). Tratamento contabilístico dos interesses em entidades conjuntamente controladas nos sectores da construção e do real estate (Master’s Thesis, ISCTE Business School, Portugal). Retrieved from https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/4882/1/Dissertacao_Mestrado_Jose_Santos_Dez2011.pdf.
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; Sarquis, 2015Sarquis, R. W. (2015). Eliminação do método de consolidação proporcional para reconhecimento dos investimentos em joint ventures: quais os impactos para as empresas do mercado brasileiro? (Master’s Thesis, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo). Retrieved from http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-26032015-161923/en.php.
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). Em geral, os valores de ativos, passivos, receitas e despesas da controladora são menores quando reportados pelo MEP do que quando reportados pela CP.

Esse impacto pode ser ainda mais relevante em alguns setores de atividade, como construção e transporte, industriais e utilidade pública. Como consequência do impacto nos valores reportados pelas empresas, a adoção da CP ou do MEP pode impactar uma série de indicadores financeiros, rankings setoriais, necessidade de controles adicionais, renegociação de covenants decorrentes de contratos de empréstimos e financiamento e, consequentemente, o processo de tomada de decisão (Betancourt & Baril, 2013Betancourt, L., & Baril, C. P. (2013). Accounting for joint ventures moves closer to convergence. The CPA Journal, 83(2), 26-31.).

3. PROCESSO DE MUDANÇA NA NORMATIZAÇÃO: A EMISSÃO DA IFRS 11

A análise do período de audiência pública e das cartas enviadas por diversos usuários das informações contábeis durante o processo de elaboração da IFRS 11 é um bom indicativo da polêmica criada com a decisão do IASB de eliminar a CP.

A emissão de uma norma, pelo IASB, é um processo completo e que leva tempo. Dentre as fases que compõem esse processo, vale destacar a fase de desenvolvimento e emissão do Exposure Draft (ED), etapa obrigatória, já que representa o principal veículo utilizado pelo IASB para consultar o público. Durante o período em que o ED é enviado para consulta pública, diversos usuários da informação contábil podem enviar cartas-comentário expressando suas opiniões sobre as alterações propostas pelo IASB. Essas cartas são analisadas pelo IASB e levadas em consideração antes de se emitir uma nova norma.

No caso da IFRS 11, o IASB emitiu o Exposure Draft 09 - Joint Arrangements, em 13 de setembro de 2007, sendo que o período de audiência pública para o envio das cartas-comentário ficou aberto até 11 de janeiro de 2008. O IASB recebeu 111 cartas de mais de 35 países, em resposta à proposta de alteração da IFRS 11. O elevado número de cartas enviadas é um indicativo tanto da importância quanto da incerteza dos usuários da informação contábil sobre as alterações propostas pelo IASB.

Aproximadamente 70% das cartas foram enviadas por representantes de países europeus. Além disso, 11 cartas foram enviadas por países da América do Norte (10%), nove pela Ásia (8%), cinco pela África e Oceania (5% cada), duas pela América Central (2%) e apenas uma única carta foi enviada pelos países da América do Sul. Os principais grupos de usuários que se manifestaram foram: boards e órgãos reguladores (33%) e empresas não financeiras (32%). Nenhuma carta foi enviada por entidades ou profissionais brasileiros, apesar da representatividade dos investimentos em joint venture em nosso país.

No ED 09, o IASB sugeriu cinco questões para guiar os respondentes, ao enviarem os seus comentários: uma questão relacionada com as definições e terminologias propostas, duas questões relacionadas com a contabilização dos investimentos em negócios em conjunto e, por fim, duas questões sobre o nível de exigência de disclosure proposto.

Para se ter ideia da polêmica gerada pela proposta feita pelo IASB relativa à eliminação da CP, das 111 cartas enviadas, mais de 61% (ou seja, 68 cartas) manifestaram-se contrárias a decisão do IASB. Esse é um número bastante expressivo e pode ser considerado uma evidência de que a alteração proposta pelo IASB foi bastante controversa. As justificativas apresentadas pelos respondentes que se manifestaram contrários, em sua maioria, estão alinhadas com os argumentos favoráveis à CP encontrados na literatura anterior e evidenciados na Tabela 1. Além disso, percebeu-se uma preocupação, por parte dos respondentes, com o fato de o IASB buscar maior convergência com o FASB (já que esse nunca permitiu a CP), porém, às custas da qualidade da informação contábil.

Adicionalmente, observa-se que, dos 21 boards e órgãos normatizadores da Europa que enviaram cartas, 17 manifestaram-se contrários à decisão do IASB. Isso representa mais de 80% desses órgãos. De forma semelhante, das cinco empresas de auditoria da Europa que se manifestaram, quatro (Ernst & Young, PricewaterhouseCoopers [PWC], Deloitte e KPMG) foram contrárias à eliminação da CP.

Em geral, os argumentos utilizados por essas quatro empresas de auditoria estão alinhados. Por exemplo, as quatro mencionaram que o IASB não forneceu explicações suficientes sobre os motivos pelos quais o MEP é mais adequado do que a CP. Reconheceram que a CP pode apresentar inconsistências conceituais, mas defenderam que o MEP não pode ser considerado superior, pois também apresenta inconsistências conceituais que não foram consideradas pelo IASB. Para a Deloitte, os dois métodos apresentam inconsistências com a Estrutura Conceitual, sendo que o uso do MEP pode não atender ao princípio da representação fidedigna ao não refletir de forma adequada o desempenho e o fluxo de caixa das investidoras em conjunto. Em nossa opinião, tais inconsistências decorrem dos pontos negativos (limitações) do MEP mencionados na seção 2 deste artigo, sendo que a principal delas é a possibilidade de manter dívidas fora do balanço.

Sendo assim, a PWC ressaltou que o IASB não deveria eliminar a CP sem antes analisar a validade dos métodos alternativos. Para isso, tanto a KPMG quanto a PWC mencionaram que, considerando-se a relevância do tema, o IASB deveria ter conduzido um projeto mais amplo (e não de curto prazo). A Ernst & Young mencionou que o IASB, que antes defendia a CP, alterou sua opinião sem explicar os motivos, além de ressaltar que o IASB não deveria tratar da mesma forma investimentos em coligadas e joint ventures.

Essas informações em conjunto indicam que tanto o número de cartas enviadas quanto as justificativas apresentadas contrariam a decisão do IASB de eliminar a CP. Com todas as críticas e sugestões recebidas, o IASB realizou algumas alterações no ED 09 antes da emissão da IFRS 11, porém manteve a decisão de eliminar a CP como opção para reconhecimento dos investimentos em joint venture.

As justificativas utilizadas pelo IASB para eliminar a CP são praticamente as mesmas apresentadas pelos defensores do MEP que destacamos anteriormente. Adicionalmente, o IASB também argumenta que todas as informações que os investidores poderiam obter com o uso da CP poderão ser obtidas nas notas explicativas. Isso porque, em conjunto com a IFRS 11, o IASB também emitiu uma norma específica para regulação da divulgação de informações sobre investimentos em outras sociedades, incluindo as joint ventures: a IFRS 12 - Disclosure of Interests in Other Entities.

Sobre esse argumento do IASB, é importante destacar que, apesar do aumento e melhoria nas exigências de divulgação de informações sobre as joint ventures, os investidores não avaliam da mesma forma as informações divulgadas nas próprias demonstrações contábeis e em notas explicativas. Para Jifri e Citron (2009International Financial Reporting Standards Foundation. (2011). Effect analysis: IFRS 11 joint arrangements and disclosures for joint arrangements included in IFRS 12 disclosure of interests in other entities. Retrieved from http://www.ifrs.org/Alerts/ProjectUpdate/Documents/IFRS11_Effectanalysis.pdf.
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), os investidores podem estar desvalorizando as informações divulgadas em notas explicativas, tanto por falta de conhecimento quanto pelo custo de processar informações que não são diretamente obtidas nas demonstrações contábeis.

Mesmo considerando-se as justificativas do IASB como válidas, acredita-se que, apesar de a CP apresentar algumas inconsistências em relação à Estrutura Conceitual, já que a empresa não pode dar a destinação que julgar mais adequada para sua parcela proporcional nos ativos da joint venture sem o consentimento unânime de todas as partes envolvidas, é esse o método que produz informações de maior relevância para o usuário. Em algumas situações, apesar de as dívidas serem efetivamente da joint venture, a empresa investidora pode ser, mesmo que não de forma legal, corresponsável por essas obrigações, mantendo, portanto, a responsabilidade sobre o desempenho e a manutenção das operações dessa joint venture. A reputação da investidora será claramente prejudicada se a joint venture não cumprir com suas obrigações (Betancourt & Baril, 2013Betancourt, L., & Baril, C. P. (2013). Accounting for joint ventures moves closer to convergence. The CPA Journal, 83(2), 26-31.). Consequentemente, nossa opinião é que essas obrigações deveriam estar refletidas nas demonstrações contábeis da investidora.

4. DESENHO METODOLÓGICO

O objetivo deste trabalho é avaliar os impactos da eliminação da CP com a adoção do CPC 19 (R2) nos valores reportados pela Itaúsa, bem como identificar quais ajustes contábeis são necessários para explicar as diferenças nos valores reportados. Optou-se por analisar as demonstrações de uma única empresa, com a finalidade de permitir um aprofundamento maior nas análises e, principalmente, sobre a natureza dos ajustes contábeis necessários para explicar as diferenças nos valores reportados entre a CP e o MEP. A Itaúsa foi escolhida, pois, conforme mencionado anteriormente, sua principal joint venture é o Itaú Unibanco Holding, maior grupo privado do Brasil, e pelo fato de ser a empresa do mercado brasileiro que apresentou o maior impacto nos valores reportados com a adoção da IFRS 11/CPC 19 (R2).

Considerando a natureza do objetivo proposto, a abordagem metodológica utilizada por esta pesquisa pode ser classificada como descritiva, orientada por técnica documental (Martins & Theóphilo, 2009Major, M. J. (2017). O positivismo e a pesquisa “alternativa” em contabilidade. Revista Contabilidade & Finanças, 28(74), 173-178.), já que todas as informações foram coletadas das demonstrações contábeis publicadas pela Itaúsa.

É importante destacar que, mesmo tratando-se da análise de uma única empresa (a Itaúsa), este artigo não pode ser classificado como estudo de caso. Conforme Major (2017Leitner-Hanetseder, S., & Stockinger, M. (2014). How does the elimination of the proportionate consolidation method for joint venture investments influence European companies? ACRN Journal of Finance and Risk Perspectives, 3(1), 1-18.), a abordagem de estudo de caso tem sido bastante utilizada e recomendada para obtenção de conhecimentos mais específicos, já que busca estudar a realidade por meio da interação do pesquisador com as evidências. Porém, a autora destaca que os estudos de caso, por geralmente utilizarem teorias organizacionais e sociológicas, diferenciam-se das pesquisas que buscam descrever as práticas de contabilidade (Major, 2017). Nesse sentido, acredita-se que o presente trabalho está mais alinhado com a abordagem metodológica descritiva do que com a de estudo de caso.

A Itaúsa é uma holding que tem por objeto apoiar as empresas de cujo capital participa. Por meio de suas investidas, atua no segmento financeiro (Itaú Unibanco Holding), painéis de madeira, louça e metais sanitários (Duratex), tecnologia da informação (Itautec) e produtos químicos (Elekeiroz). Todas as decisões financeiras do conglomerado são concentradas na Itaúsa.

A Itaúsa tem investimentos em duas joint ventures: na Itaú Unibanco Participações (Iupar), onde detém participação direta, e no Itaú Unibanco Holding, onde detém tanto participação direta quanto indireta, por meio da própria Iupar. Com a adoção do CPC 19 (R2), a Itaúsa deixa de consolidar proporcionalmente seus investimentos no Itaú Unibanco Holding e na Iupar, passando a utilizar o MEP.

É importante mencionar que o investimento mais relevante da Itaúsa é o Itaú Unibanco Holding. Sendo assim, a eliminação da CP, com a adoção do CPC 19 (R2), impactou de forma substancial os valores reportados pela Itaúsa, tendo em vista que a transição para o MEP resulta, em geral, na redução de ativos, passivos, receitas e despesas.

A escolha do caso do Itaú Unibanco Holding e, portanto, da Itaúsa para realização deste trabalho pode ser justificada por três motivos principais. Primeiro, o Itaú Unibanco Holding é o maior banco privado brasileiro, além de também ser o maior grupo privado do Brasil. Segundo, o Itaú Unibanco Holding assim como a Iupar são investimentos relevantes para a Itaúsa. Terceiro, conforme será demonstrado, dentre as empresas de capital aberto do mercado brasileiro, a Itaúsa foi a que apresentou o maior impacto com a eliminação da CP nos valores de ativos, passivos, receitas e despesas.

Para atingir o objetivo proposto, optou-se por utilizar os próprios valores republicados pela Itaúsa quando da adoção do CPC 19 (R2), que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2013. Na demonstração de 2013, as empresas tiveram que reapresentar a demonstração de 2012, bem como a conciliação entre os valores originalmente publicados utilizando a CP e os valores reapresentados após a adoção do CPC 19 (R2) utilizando o MEP.

Portanto, para responder à questão de pesquisa deste trabalho, acessaram-se as informações das demonstrações contábeis da Itaúsa encerradas em 2013, ano de adoção do CPC 19 (R2), e, de forma comparativa, as informações das demonstrações contábeis encerradas em 2012. Com base nos valores republicados pela Itaúsa, foi possível identificar os impactos nos valores reportados e, com base nas informações sobre os investimentos nas joint ventures (Itaú Unibanco Holding e Iupar), divulgadas em notas explicativas, identificar os ajustes contábeis que justificam as diferenças nos valores reportados.

Por fim, é importante mencionar que, com as informações divulgadas, foi possível analisar o impacto em três valores das demonstrações contábeis da Itaúsa: ativo total, recursos totais (passivo + patrimônio líquido) e receita. Do ponto de vista técnico, o ideal seria apresentar, de forma mais detalhada, os diversos componentes desses grupos, mas, com as informações divulgadas, isso não foi possível. Como se vê, essa é mais uma perda de informação provocada pela substituição da CP pelo MEP.

5. ANÁLISE DO CASO DA ITAÚSA

A análise do caso da Itaúsa será realizada em duas etapas. Primeiro, serão analisados os impactos da eliminação da CP, com a adoção do CPC 19 (R2) nos valores reportados pela Itaúsa, já que seus investimentos no Itaú Unibanco Holding e Iupar deixaram de ser consolidados. Na sequência, serão identificados e descritos os ajustes contábeis que explicam as diferenças nos valores reportados pela Itaúsa. Especificamente, serão identificados os ajustes necessários para recomposição dos valores que seriam reportados pela CP, a partir das informações apresentadas pelo MEP.

Conforme já mencionado, analisaram-se as demonstrações contábeis de 2013 e de 2012 (de forma comparativa). Entretanto, os valores de referência são das demonstrações contábeis encerradas em 2012. A Itaúsa, em 31 de dezembro de 2012, tinha participação direta na Iupar de 66,53%, e no Itaú Unibanco Holding sua participação direta era de 19,59%, mas, considerando-se a participação indireta detida por meio da Iupar, ela totalizava 36,78%. Ambos os investimentos são classificados como joint ventures da Itaúsa.

5.1 Análise dos Impactos nos Valores Reportados pela Itaúsa

Para demonstrar a magnitude do impacto da eliminação da CP nos valores reportados pela Itaúsa, a Tabela 2 apresenta, no ano de adoção do CPC 19 (R2), os valores inicialmente reportados em 31 de dezembro de 2012 utilizando a CP e, posteriormente, os mesmos valores reapresentados em 31 de dezembro de 2013, após a alteração da CP para o MEP.

Tabela 2
Demonstrações de 2012 reapresentadas: Itaúsa - Investimentos Itaú S.A. (em milhões de reais)

Como se pode aferir pela Tabela 2, as diferenças podem alcançar cifras relevantes. Claro que para os valores de patrimônio líquido e lucro líquido as diferenças apresentam-se como irrelevantes, afinal, como já dito, o MEP, em essência, representa uma forma simplificada de consolidação. Entretanto, as diferenças são bastante expressivas nos demais valores das demonstrações contábeis da Itaúsa. Por exemplo, o valor do ativo total da Itaúsa obtido pela CP é 832% maior que o valor que seria obtido pelo MEP. Da mesma forma, o montante de $ 35.028 reconhecido como receita de juros e rendimentos nas demonstrações contábeis elaboradas pelo método de CP passa para apenas $ 196 quando da elaboração pelo MEP. Ou seja, os valores de receita de juros e rendimentos da Itaúsa elaborados pela CP são 17.771% maiores do que os valores obtidos pelo MEP.

Esses valores demonstram como os impactos da eliminação da CP, quando da adoção do CPC 19 (R2), foram significativos para os valores reportados pela Itaúsa. A magnitude desse impacto pode ser justificada tendo em vista que, conforme mencionado, dos investimentos detidos pela Itaúsa, os investimentos em joint ventures são os mais relevantes. Ao utilizar a CP para reconhecer seus investimentos no Itaú e na Iupar, as dívidas da Itaúsa representam um valor 5.096% maior do que o valor das dívidas divulgado pela Itaúsa com a utilização do MEP.

Essa alteração nos valores reportados pela Itaúsa impacta de forma substancial os indicadores financeiros da empresa. Por exemplo, com as informações elaboradas pelo método de CP, o indicador de endividamento da empresa (passivo/ativo) era de aproximadamente 91%. Tal indicador cai para apenas 16% quando da utilização do MEP. Sendo assim, verifica-se que a eliminação da CP, com a adoção do CPC 19 (R2), impactou de forma significativa seus indicadores financeiros. Isso, por exemplo, pode significar sensíveis alterações em rankings setoriais e até mesmo a necessidade de renegociação de covenants.

5.2 Identificação dos Ajustes Contábeis Realizados pela Itaúsa

A constatação das enormes diferenças apresentadas nas demonstrações da Itaúsa indicou a necessidade de verificar se, por meio das notas explicativas, como justificou o IASB, poder-se-ia realmente recompor os valores anteriormente divulgados pela CP a partir dos valores publicados pelo MEP. Para tanto, coletaram-se, nas notas explicativas da Itaúsa, todas as informações disponíveis sobre as joint ventures, bem como os valores republicados pela Itaúsa, e passou-se a identificar os ajustes contábeis realizados. A identificação desses ajustes foi praticamente completa, tendo em vista que, após realizar os ajustes, os valores obtidos são muito próximos do que foi efetivamente publicado pela Itaúsa. Na sequência, demonstrar-se-ão os ajustes efetuados para os valores de ativo total, recursos totais (passivo + patrimônio líquido) e receita.

5.2.1 Ajustes contábeis para o valor do ativo total da Itaúsa.

A Tabela 3 apresenta o conjunto de ajustes realizados que explicam as diferenças nos valores de ativo total reportados pela Itaúsa, partindo-se dos valores obtidos pelo MEP, com a utilização das informações constantes das notas explicativas, chegando-se ao valor apresentado pela CP.

Tabela 3
Ajustes contábeis identificados para o valor de ativo total da Itaúsa - Investimentos Itaú S.A. (em milhões de reais)

Realizando os ajustes contábeis descritos, seguindo a ordem apresentada na Tabela 3, é possível verificar que o valor estimado do ativo total da Itaúsa utilizando a CP seria $ 364.007. Quando se compara esse valor com o efetivamente publicado pela Itaúsa ($ 364.017), conforme Tabela 2, obtém-se diferença mínima de apenas $ 10, evidenciando que os ajustes contábeis identificados são relevantes para explicar as diferenças nos valores reportados.

A seguir são apresentadas as descrições dos principais ajustes contábeis identificados:

Exclusão dos investimentos entre investidas - A Itaúsa tem investimentos tanto na Iupar quanto no Itaú Unibanco Holding, sendo que a participação neste último ocorre tanto de forma direta quanto indireta (por meio da Iupar). Assim, esse ajuste deve ser feito para evitar a duplicidade de valores. Ademais, deve ser eliminado não apenas o valor do investimento que a Iupar tem no Itaú Unibanco Holding, mas também valores de ativo e/ou passivo que possam existir entre as duas empresas. Nesse caso, ajustou-se o valor de juros sobre o capital próprio (JSCP) que existia entre a Iupar e o Itaú Unibanco Holding. Observar que, após o ajuste, o valor do ativo total da Iupar é de apenas $ 9.

Eliminação de saldos de transações intercompanhias - Em 31 de dezembro de 2012, não existiam saldos de transações entre a Itaúsa e suas joint ventures, porém, caso existissem, tais valores deveriam ser eliminados quando da recomposição dos valores que seriam reportados pela CP. Ademais, ressalta-se que independentemente de, nas demonstrações contábeis da Itaúsa, ser identificado saldo devedor ou credor para as joint ventures, deve ser considerada a soma dos saldos tanto no ativo quanto no passivo, mesmo que esteja sendo feita apenas a análise do ativo total.

Resultado não realizado (RNR) líquido do imposto de renda (IR) - No caso da Itaúsa, existe um valor de $ 220 de RNR decorrente de operações entre a Itaúsa e o Itaú Unibanco Holding. No balanço da Itaúsa elaborado pelo MEP, o ativo específico que gerou esse RNR estava inflado em $ 220 e, como contrapartida, existia uma conta redutora de investimentos no mesmo montante. Quando ocorre a CP, o ativo específico que estava inflado é reduzido pelo valor do lucro não realizado de $ 220. A contrapartida será na conta redutora de investimentos, que também é eliminada no processo de consolidação, justificando, assim, o segundo ajuste de $ 220 na conta de investimento no Itaú Unibanco Holding.

Goodwill - Conforme nota 20 da demonstração contábil de 2013 da Itaúsa, em maio de 2010, o Bank of America Corporation (BAC) vendeu sua participação no capital social do Itaú Unibanco Holding, sendo que as ações ordinárias foram adquiridas pela Itaúsa. Na data da aquisição, a Itaúsa registrou um goodwill de 257. No balanço da Itaúsa elaborado pelo MEP, esse valor de goodwill estará registrado em uma subconta de investimentos. Porém, quando da CP, o valor do goodwill deve ser transferido da conta de investimentos para o intangível. Portanto, quando da recomposição dos valores da CP, a partir das informações apresentadas pelo MEP, o valor do goodwill é ajustado como uma adição nos ativos proporcionais do Itaú Unibanco Holding que serão reconhecidos, sendo que a contrapartida será na subconta de goodwill no grupo de investimentos, que deixará de existir na demonstração consolidada.

Mais valia de ativos - Não é o caso. Porém, se algum dos investimentos em joint ventures da Itaúsa tivesse sido adquirido com mais valia de ativos, no balanço elaborado pelo MEP, esse valor seria reconhecido em uma subconta de investimentos. Porém, na consolidação, esse valor é transferido da conta de investimentos para as contas de ativo e passivo que geraram essa mais valia. Portanto, quando se estima o valor da CP com base nas informações obtidas pelo MEP, o valor da mais valia deve ser ajustado nos ativos e passivos proporcionais das joint ventures, tendo como contrapartida a conta de investimentos, já que essa será eliminada. Ressalta-se, porém, que a mais valia de ativos líquidos gera IR diferido. No balanço da investidora, essa mais valia é registrada líquida do IR diferido. Entretanto, quando ocorre a consolidação (mesmo que proporcional), essa mais valia será reclassificada para as contas de ativo e passivo que a geraram, mas essa transferência ocorre no valor bruto (sem descontar o IR diferido). Como contrapartida, será reconhecida uma conta de IR diferido no passivo não circulante do balanço consolidado.

Dividendos e/ou JSCP - Em 31 de dezembro de 2012, não existiam saldos de dividendos e/ou JSCP entre a Itaúsa e suas joint ventures. Porém, caso existissem, esses valores precisariam ser eliminados na CP. Ressalta-se, porém, que os valores de dividendos e/ou JSCP devem ser ajustados de forma diferente dos saldos e transações intercompanhias. No caso de transações intercompanhias, parte do valor, que corresponde à participação da outra investidora em conjunto na joint venture, é considerada realizada e, portanto, o valor da transação deve ser eliminado de forma proporcional. Em contrapartida, no caso de dividendos e/ou JSCP declarados pela joint venture e ainda não pagos para a investidora, esse valor já corresponde ao valor devido para a investidora e, portanto, deve ser integralmente eliminado.

Adiantamento para futuro aumento de capital (AFAC) - Apesar de não ter sido observado no caso da Itaúsa, esse ajuste é bastante relevante. Esse tipo de adiantamento normalmente é contabilizado na conta de investimento ou em outra conta do ativo não circulante da investidora. Porém, essa diferença não impacta o valor do ajuste, apenas altera a ordem de apresentação. No caso da joint venture, esse AFAC será contabilizado em uma conta do passivo. Quando ocorre a consolidação, esses valores são eliminados: o valor registrado no ativo da investidora contra o valor registrado no passivo da joint venture. Porém, uma observação deve ser feita, já que o AFAC pode ser considerado tanto um passivo como um instrumento patrimonial. Essa classificação dependerá das condições e termos do AFAC. Se for contabilizado como passivo da joint venture, será necessário fazer a eliminação do ativo da investidora contra o passivo da investida, conforme já explicado. Porém, se contabilizado no patrimônio líquido, não será necessário fazer nenhum ajuste, nem no ativo, nem no passivo, pois o valor do AFAC já estará incluso no valor do patrimônio líquido da joint venture e, por equivalência, no valor patrimonial do investimento da investidora na joint venture. Quando esse investimento é eliminado contra o patrimônio líquido da joint venture, o valor do AFAC também o é.

5.2.2 Ajustes contábeis para o valor de recursos totais da Itaúsa.

A Tabela 4 apresenta o conjunto de ajustes realizados que explicam as diferenças nos valores de recursos totais (capitais de terceiros e próprios) reportados pela Itaúsa a partir do valor obtido pelo MEP e chegando-se ao apresentado pela CP.

Tabela 4
Ajustes contábeis identificados para o valor de recursos totais da Itaúsa - Investimentos Itaú S.A. (em milhões de reais)

Seguindo a ordem dos ajustes apresentada na Tabela 4, é possível verificar que o valor estimado de recursos totais da Itaúsa utilizando a CP seria de $ 364.022. Quando se compara esse valor com o efetivamente publicado pela Itaúsa, que foi $ 364.017, encontra-se uma diferença de apenas $ 5, confirmando que os ajustes contábeis por nós identificados são relevantes para explicar as diferenças nos valores reportados pela Itaúsa.

As descrições dos principais ajustes contábeis identificados para explicar as diferenças no valor de recursos totais reportados pela Itaúsa estão apresentadas a seguir:

Saldos e transações intercompanhias - Conforme já descrito nos ajustes do ativo total, caso existissem saldos de transações entre a Itaúsa e suas joint ventures, tais valores deveriam ser eliminados no processo de consolidação (mesmo que proporcional).

Dividendos e/ou JSCP - Esse ajuste também já foi descrito nos ajustes do ativo total. Porém, é importante ressaltar que deve ser considerada apenas a parcela de dividendos obrigatórios nesse ajuste, uma vez que dividendos adicionais permanecem classificados no próprio patrimônio líquido, pois dependem da aprovação da assembleia. Como os dividendos adicionais geram apenas uma mutação interna do patrimônio líquido, não causam impactos para fins de MEP.

AFAC - Se a Itaúsa tivesse realizado um AFAC e esse fosse contabilizado como passivo na joint venture, esse valor deveria ser eliminado na CP. Se for contabilizado como instrumento patrimonial, nenhum ajuste será necessário, conforme já descrito.

Provisão para patrimônio líquido negativo - Esse ajuste seria necessário se a Itaúsa tivesse investimento em alguma joint venture com patrimônio líquido negativo. Nas demonstrações elaboradas pelo MEP, quando a participação da investidora nos prejuízos da joint venture se igualar ou exceder o saldo contábil do seu investimento, a investidora deve descontinuar o reconhecimento de sua participação em perdas futuras (deixando, portanto, de reconhecer o investimento no ativo). Após reduzir até zero o saldo contábil desse investimento, a investidora poderá reconhecer perdas adicionais, por meio do reconhecimento de um passivo, apenas na extensão em que tenha, de fato, incorrido em obrigações legais, ou construtivas, em nome da joint venture. Caso essa situação tenha ocorrido, no processo de consolidação esse passivo reconhecido será eliminado contra a conta do patrimônio líquido negativo.

Variação no patrimônio líquido - Esse ajuste é bastante interessante, já que, inicialmente, seria esperado que tanto o patrimônio líquido quanto o lucro líquido consolidado da investidora não sofressem variações em decorrência da alteração no método utilizado (MEP ou CP). Entretanto, ao analisar o caso da Itaúsa, nota-se diferença no valor do patrimônio líquido consolidado, sendo que tal diferença ocorre na conta de “acionistas não controladores”. Essa diferença pode ser justificada tendo em vista que a Itaúsa tem investimentos em joint ventures, que controlam outras empresas com um percentual de participação inferior a 100%, surgindo a figura dos acionistas não controladores. No patrimônio líquido consolidado do Itaú Unibanco Holding, o valor de acionistas não controladores é de $ 96. Quando ocorrer a CP, a Itaúsa reconhecerá sua parcela de participação sobre esses acionistas não controladores no seu próprio patrimônio líquido. Isso justifica a existência de variação no patrimônio líquido da Itaúsa quando da alteração do MEP para a CP. No caso da Itaúsa, esse ajuste foi de $ 35, que corresponde à sua participação total no Itaú Unibanco (36,78%) multiplicado pelo valor dos acionistas não controladores ($ 96).

Por fim, caso o interesse fosse identificar os ajustes contábeis necessários para explicar as diferenças apenas nos valores de capital de terceiros (e não recursos totais) da Itaúsa, bastaria não realizar o ajuste das variações no patrimônio líquido, ou seja, o ajuste de $ 35.

5.2.3 Ajustes contábeis para o valor de receita da Itaúsa.

A Tabela 5 apresenta o conjunto de ajustes necessários para explicar as diferenças nos valores de receita reportados pela Itaúsa. É válido ressaltar que foi utilizada a linha de receita de juros e rendimentos, considerando que sua principal joint venture é o Itaú Unibanco Holding. Ademais, como a principal finalidade da Iupar é manter a titularidade da participação no Itaú Unibanco Holding, sua receita é composta pelo resultado do MEP, não apresentando, portanto, receita de juros e rendimentos.

Tabela 5
Ajustes contábeis identificados para o valor de receita da Itaúsa - Investimentos Itaú S.A. (em milhões de reais)

Os ajustes contábeis identificados para explicar as diferenças nos valores de receita reportados pela Itaúsa são bem mais simples do que aqueles identificados para os valores de ativo e recursos totais, já que não foram identificados ajustes adicionais, além do reconhecimento da receita proporcional das joint ventures. Sendo assim, a partir da receita das joint ventures, eliminam-se as transações intercompanhias, tais como compra e venda de mercadorias e produtos. Na sequência, aplica-se o percentual de participação.

Como não foram identificados valores de transações entre a Itaúsa e suas joint ventures durante o período, o valor estimado de receita da Itaúsa utilizando a CP seria de $ 35.639. O valor de receita efetivamente publicado pela empresa, conforme a Tabela 2, foi de $ 35.028, gerando a diferença de apenas 1,7%.

6. ANÁLISE DAS DEMAIS EMPRESAS COM INVESTIMENTOS EM JOINT VENTURES NO MERCADO BRASILEIRO

A eliminação da CP como alternativa válida para reconhecimento dos investimentos em joint ventures com a adoção do CPC 19 (R2) não impactou apenas a Itaúsa. No final de 2013, o primeiro ano de adoção do CPC 19 (R2), existiam 125 empresas de capital aberto no mercado brasileiro com investimentos em joint ventures. Apesar de a análise do impacto da adoção do CPC 19 (R2) nessas empresas não fazer parte do objetivo principal da presente pesquisa, que foi explorar os impactos nas demonstrações da Itaúsa, acredita-se que tais informações podem ser de grande relevância para o leitor, já que, dessas 125 empresas, 45 também apresentaram diferenças significativas nos valores reportados quando da adoção do CPC 19 (R2). Para demonstrar a magnitude desses impactos, a Tabela 6 apresenta as diferenças encontradas nos valores reportados por algumas empresas em que a alteração da CP para o MEP produziu um impacto de pelo menos 10% no valor de ativo/recursos totais e/ou no valor da receita líquida.

Tabela 6
Impacto nos valores reportados pelas demais empresas (em milhões de reais)

Pela Tabela 6 é possível perceber que não apenas para a Itaúsa, mas para diversas outras empresas do mercado brasileiro, os valores reportados pela CP são significativamente maiores do que os valores reportados pelo MEP.

Com o propósito de avaliar se os ajustes contábeis identificados para explicar as diferenças nos valores reportados pela Itaúsa também são aplicáveis para outras empresas, optou-se por analisar se os valores estimados, com base nos ajustes contábeis identificados para essas outras empresas, também são próximos do que foi efetivamente por elas publicado.

Para tanto, utilizou-se o conjunto de 45 empresas, que representa a totalidade das empresas de capital aberto do mercado brasileiro com investimentos em joint ventures, que foi afetado pela adoção do CPC 19 (R2) única e exclusivamente pela alteração da CP para o MEP e que republicaram os balanços comparativos com informações suficientes nas notas explicativas sobre suas joint ventures.

As análises indicaram que os ajustes contábeis identificados para o caso da Itaúsa também são aplicáveis para a maior parte das outras empresas. Considerando-se uma diferença de até 2% entre os valores obtidos com base nos ajustes contábeis identificados e os valores efetivamente republicados pelas empresas para os valores de ativo total e recursos totais, os ajustes contábeis identificados no caso da Itaúsa também explicam as diferenças observadas nos valores reportados de 38 das 45 empresas analisadas. No caso dos valores de receita, esse número é de 29 empresas (do total de 39 empresas com informações disponíveis, tendo em vista que das 45 empresas, seis não divulgaram o valor da receita líquida).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi analisar os impactos da eliminação da CP, com a adoção da IFRS 11/CPC 19 (R2), nos valores reportados pela Itaúsa. Especificamente, buscou-se avaliar os impactos da “desconsolidação” do Itaú Unibanco nos valores reportados pela sua controladora em conjunto, a Itaúsa, bem como identificar quais ajustes contábeis são necessários para explicar as diferenças nos valores reportados.

A adoção do CPC 19 (R2), a partir de 1º de janeiro de 2013, trouxe importantes alterações, mas uma das mais polêmicas foi a eliminação da CP como alternativa válida para reconhecimento dos investimentos em joint ventures e a consequente obrigatoriedade do uso do MEP. Essa decisão do IASB foi bastante controversa, já que muitos países utilizavam a CP e, em geral, as pesquisas acadêmicas sugerem que esse método produz informações de maior relevância.

Acredita-se que, apesar de a CP apresentar algumas inconsistências conceituais com as definições de ativo e passivo da Estrutura Conceitual, é esse o método que produz informações de maior relevância para o usuário. A utilização do MEP para reconhecimento dos investimentos em joint ventures pode produzir uma visão distorcida sobre a real situação econômico-financeira da empresa, principalmente em relação ao nível de endividamento. Em algumas situações, apesar de as dívidas serem efetivamente da joint venture, a empresa investidora pode ser corresponsável por essas obrigações, mesmo que não de forma legal. Consequentemente, nossa opinião é que essas obrigações deveriam estar refletidas nas demonstrações contábeis das controladoras em conjunto.

Como exemplo prático, vale destacar o desastre ambiental ocorrido em 2015, com o rompimento da barragem da Samarco, uma joint venture entre a Vale e a BHP Billiton. Mesmo tendo apenas o controle compartilhado e não integral, tanto a Vale quanto a BHP Billiton foram corresponsáveis pelas dívidas da Samarco. Tais dívidas não estão apresentadas nas demonstrações contábeis da Vale e da BHP Billiton, já que o investimento na Samarco é contabilizado pelo MEP, produzindo uma visão distorcida da situação financeira dessas empresas.

A alteração da CP para o MEP pode produzir impactos significativos nos valores reportados pelas investidoras, sendo que esses impactos ficaram evidentes no mercado brasileiro, em que quase a totalidade das empresas utilizava a CP. Dentre as empresas do mercado brasileiro, escolhemos como destaque o caso da Itaúsa. Tal escolha baseou-se no fato de ser a Itaúsa o maior grupo privado do Brasil e o Itaú Unibanco Holding representar um investimento significativo para sua investidora. Outro fato que também pesou na escolha foi a constatação de que a Itaúsa foi a empresa do mercado brasileiro que apresentou o maior impacto nos valores reportados.

As análises realizadas indicaram que o valor do ativo total da Itaúsa obtido pela CP é 832% maior do que o valor obtido pelo MEP. Da mesma forma, o valor das dívidas da Itaúsa utilizando a CP é 5.096% maior do que o valor obtido pelo MEP. No caso dos valores de receita de juros e rendimentos, esse percentual é de 17.771%. Esses números demonstram a relevância das alterações provocadas pela adoção do CPC 19 (R2) nos valores reportados pela Itaúsa. É evidente que tal impacto acaba por afetar os indicadores financeiros, rankings setoriais e até mesmo a indicação da necessidade de renegociação de covenants.

Com a análise do caso da Itaúsa, foi possível identificar um conjunto de ajustes contábeis que explicam as diferenças nos valores reportados pela empresa. Principalmente no caso dos valores de ativo, recursos totais e receitas de juros e rendimentos, os ajustes vão além do simples reconhecimento dos valores proporcionais das joint ventures, como, por exemplo, a existência de mais valia de ativos, goodwill, resultados não realizados, entre outros ajustes. Verificou-se, ainda, que os ajustes contábeis identificados no caso da Itaúsa também explicam as diferenças nos valores reportados pela maior parte de um conjunto de 45 empresas do mercado brasileiro.

Nesse contexto, acredita-se que os objetivos deste trabalho foram alcançados e a questão de pesquisa respondida. Ao analisar as consequências da eliminação da CP, com a adoção do CPC 19 (R2) nos valores reportados pela Itaúsa, bem como identificar e discutir os ajustes contábeis que justificam essas diferenças observadas, permite-se um melhor entendimento sobre a natureza e importância do CPC 19 (R2) para o mercado brasileiro, bem como suas consequências para o maior grupo privado do Brasil. Tal discussão é tempestiva e relevante, tendo em vista que algumas empresas, como a CSN, o Bradesco e a Klabin, mesmo após a adoção do CPC 19 (R2), continuam a divulgar, na nota de informações por segmento operacional, os valores que seriam apresentados caso seus investimentos em joint ventures ainda fossem consolidados proporcionalmente, por considerarem que esse método produz informações de maior relevância para tomada de decisão gerencial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2018
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2016
  • Aceito
    22 Set 2017
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