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Efeitos do comitê de auditoria e do conselho fiscal na qualidade da informação contábil no Brasil * * Trabalho apresentado no 1º Congresso UnB de Contabilidade e Governança, Brasília, DF, novembro de 2015.

RESUMO

Este estudo avalia os efeitos do comitê de auditoria e do conselho fiscal com suas diferentes características na qualidade da informação contábil no Brasil. As proxies da qualidade da informação contábil utilizadas são: relevância da informação contábil, tempestividade e conservadorismo condicional. A amostra é composta por companhias abertas brasileiras listadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBOVESPA) com liquidez anual superior a 0,001 no período de 2010 a 2013. Os dados foram coletados na base de dados Comdinheiro e nos Formulários de Referência das empresas disponíveis no sítio eletrônico da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou da BM&FBOVESPA. As amostras utilizadas no estudo totalizam 718, 688 e 722 observações para os modelos de relevância, tempestividade e conservadorismo, respectivamente. Os resultados indicam que diferentes arranjos do conselho fiscal e a existência do comitê de auditoria impactam diferentemente as propriedades da informação contábil. A presença do conselho fiscal impactou positivamente a relevância do patrimônio líquido, enquanto a presença do comitê de auditoria, a relevância do lucro. O conservadorismo condicional foi evidenciado no grupo de empresas com conselho fiscal permanente, demonstrando que este tem importância como mecanismo de governança, ao invés da instalação para funcionamento temporário quando solicitado por acionistas em assembleia geral ordinária. A presença de ambos apresentou lucros relevantes para o mercado, mas não tempestivos, o que expõe restrição à relevância encontrada. Por fim, o conselho fiscal turbinado apresentou associação positiva somente na relevância do patrimônio líquido.

Palavras-chave:
qualidade da informação contábil; conselho fiscal; comitê de auditoria; governança corporativa; conselho fiscal turbinado

ABSTRACT

This study evaluates the effects of the audit committee and the fiscal council with their different characteristics on earnings quality in Brazil. The proxies of earnings quality used are: relevance of accounting information, timeliness, and conditional conservatism. The sample consists of Brazilian companies listed on the Brazilian Securities, Commodities, and Futures Exchange (BM&FBOVESPA) with annual liquidity above 0.001 within the period from 2010 to 2013. Data were collected from the database Comdinheiro and the Reference Forms of companies available on the website of the Brazilian Securities and Exchange Commission (CVM) or the BM&FBOVESPA. The samples used in the study totaled 718, 688, and 722 observations for the value relevance, timeliness, and conditional conservatism models, respectively. The results indicate that different arrangements of the fiscal council and the existence of the audit committee differently impact the accounting information properties. The presence of the fiscal council positively impacted the relevance of equity, while the presence of the audit committee, the relevance of earnings. Conditional conservatism is evidenced in the group of companies with a permanent fiscal council, demonstrating that it is significant as a governance mechanism, rather than the installation for temporary operation when asked by shareholders in an ordinary general meeting. The presence of both showed significant earnings for the market, but they were not timely, something which exposes restriction to the relevance found. Lastly, the powered fiscal council showed a positive association only concerning the relevance of equity.

Keywords:
earnings quality; fiscal council; audit committee; corporate governance; powered fiscal council

1. INTRODUÇÃO

A qualidade dos números contábeis está intrinsecamente ligada à qualidade da governança corporativa (Sloan, 2001Sloan, R. (2001). Financial accounting and corporate governance: a discussion. Journal of Accounting and Economics, 32, 335-347.). A contabilidade fornece informações, dentre outras, sobre o desempenho dos executivos que são necessárias para a maioria dos mecanismos de governança corporativa operar com eficiência no combate aos problemas de agência (Bushman & Smith, 2001Bushman, R. M., & Smith, A. J. (2001). Financial accounting information and corporate governance. Journal of Accounting and Economics, 32, 237-333.; Sloan, 2001Dechow, P. M., Sloan, R. G., & Sweeney, A. P. (1996). Causes and consequences of earnings manipulation: an analysis of firms subject to enforcement actions by the SEC. Contemporary Accounting Research, 13(1), 1-36. ).

Estudos anteriores mostraram que o conselho de administração e sua estrutura e composição, e a dos seus comitês, afetam a qualidade dos números contábeis, indicando que boas práticas de governança corporativa beneficiam os acionistas (Trapp, 2009Trapp, A. C. G. (2009). A relação do conselho fiscal como componente de controle no gerenciamento de resultados contábeis (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.; Vafeas, 2000Vafeas, N. (2000). Board structure and the informativeness of earnings. Journal of Accounting and Public Policy, 19(2), 139-160.; Xie, Davidson & Dadalt, 2003Xie, B., Davidson, W. N., & Dadalt, P. J. (2003). Earnings management and corporate governance: the role of the board and the audit committee. Journal of Corporate Finance, 9, 295-316.). Adicionalmente, também vem crescendo a busca pela compreensão da função do comitê de auditoria, órgão assessor do conselho de administração responsável direto pela supervisão dos processos contábeis (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa [IBGC], 2009Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2009). Guia de orientação para melhores práticas de comitês de auditoria. São Paulo, SP: IBCG., 2010Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2010). Código das melhores práticas de governança corporativa. São Paulo, SP: IBCG .; U.S. Government, 2002U.S. Government. Public Law 107-204, 30 Jul. 2002. Sarbanes-Oxley Act. An act to protect investors by improving the accuracy and reliability of corporate disclosures made pursuant to the securities laws, and for other purposes. U.S. Government Publishing Office, Washington, DC, 30 Jul. 2002. Retrieved from Retrieved from https://www.sec.gov/about/laws/soa2002.pdf .
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).

O Brasil apresenta uma característica diferente de outros países pela possível presença do conselho fiscal nas empresas, conforme a Lei n. 6.404/1976, a chamada Lei das Sociedades por Ações (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br.
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). É um órgão que pode ser instalado e ter seus membros eleitos em assembleia geral de acionistas como instrumento de fiscalização dos atos dos administradores. Dentre as suas funções, o conselho fiscal é responsável por examinar e opinar sobre as demonstrações financeiras auditadas por auditor externo (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br.
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; IBGC, 2010Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2010). Código das melhores práticas de governança corporativa. São Paulo, SP: IBCG .).

No ambiente brasileiro, pode-se considerar que tanto o conselho de administração e seus comitês como o conselho fiscal possuem funções que visam a reduzir a assimetria informacional, o que pode proporcionar aumento na qualidade da informação divulgada para o mercado, além de propiciar monitoramento mais eficiente dos executivos. Esses órgãos podem contribuir para reduzir os conflitos de agência destacados por Jensen e Meckling (1976Jensen, M. C., & Meckling, W. (1976). Theory of the firm: managerial behavior, agency cost, and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3(4), 305-360.).

Estudos como Ahmed e Henry (2012Ahmed, K., & Henry, D. (2012). Accounting conservatism and voluntary corporate governance mechanisms by Australian firms. Accounting & Finance, 52, 631-662.), Baxter e Cotter (2009Baxter, P., & Cotter, J. (2009). Audit committee and earnings quality. Accounting and Finance, 49(2), 267-290.) e Wild (1996Wild, J. J. (1996). The audit committee and earnings quality. Journal of Accounting, Auditing and Finance, 11(2), 247-276.) apresentaram evidências de que o comitê de auditoria aumenta a qualidade dos números contábeis. No Brasil, Trapp (2009Trapp, A. C. G. (2009). A relação do conselho fiscal como componente de controle no gerenciamento de resultados contábeis (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.) argumenta que o conselho fiscal está relacionado a menores níveis de gerenciamento de resultados.

Desse modo, pesquisar e compreender a relação das funções do conselho fiscal e do comitê de auditoria com a qualidade da informação contábil mostrou-se uma oportunidade de pesquisa pouco explorada pela literatura e conveniente ao ambiente brasileiro. Ademais, a Securities and Exchange Commission (SEC), como consequência da imposição da Lei Sarbanes-Oxley (SOX) (U.S. Government, 2002U.S. Government. Public Law 107-204, 30 Jul. 2002. Sarbanes-Oxley Act. An act to protect investors by improving the accuracy and reliability of corporate disclosures made pursuant to the securities laws, and for other purposes. U.S. Government Publishing Office, Washington, DC, 30 Jul. 2002. Retrieved from Retrieved from https://www.sec.gov/about/laws/soa2002.pdf .
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) de implementação obrigatória do comitê de auditoria, autorizou as empresas brasileiras que possuem American Depositary Receipts (ADR) listadas na New York Stock Exchange (NYSE) a estruturar a governança corporativa, considerando o conselho fiscal com sobreposição ao comitê de auditoria, ou seja, cabe ao conselho fiscal adaptar-se, assumindo também as funções desse comitê, tornando-se o denominado ‘conselho fiscal turbinado’.

O comitê de auditoria e o conselho fiscal apresentam funções comuns relacionadas à geração e ao reporte da informação contábil, porém, são diferentes em muitos aspectos, gerando discussões quanto à instalação de um ou de outro. O mesmo ocorre com a implementação do conselho fiscal turbinado (Furuta & Santos, 2010Furuta, F., & Santos, A. D. (2010). Comitê de auditoria versus conselho fiscal adaptado: a visão dos analistas de mercado e dos executivos das empresas que possuem ADRs.Revista Contabilidade & Finanças, 21(53), 1-23.; PricewaterhouseCoopers [PwC], 2007PricewaterhouseCoopers. (2007). Comitês de auditoria no Brasil: melhores práticas de governança corporativa - o desafio continua (2a. ed.), Brasil: PwC. Retrieved from https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/assets/melhores-praticas-07.pdf.
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).

Os dois órgãos não deveriam ser considerados mutuamente excludentes, uma vez que suas funções, responsabilidades, hierarquia e composição são distintas. Primeiramente, os dois estão em posições hierárquicas diferentes na organização: o comitê de auditoria é subordinado ao conselho de administração, formado preferencialmente por representantes independentes deste, enquanto o conselho fiscal é autônomo e não está vinculado a nenhum órgão da administração, sendo composto por representantes dos acionistas. Dessa forma, as regras de independência também são diferentes entre eles; em relação às funções e competências, ao comitê de auditoria são delegadas atividades próprias da função ‘administração’, e o conselho fiscal é uma ferramenta institucional do direito de fiscalização dos acionistas sobre a gestão (Furuta & Santos, 2010Furuta, F., & Santos, A. D. (2010). Comitê de auditoria versus conselho fiscal adaptado: a visão dos analistas de mercado e dos executivos das empresas que possuem ADRs.Revista Contabilidade & Finanças, 21(53), 1-23.; PwC, 2007PricewaterhouseCoopers. (2007). Comitês de auditoria no Brasil: melhores práticas de governança corporativa - o desafio continua (2a. ed.), Brasil: PwC. Retrieved from https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/assets/melhores-praticas-07.pdf.
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). Nesse sentido, a adoção dos dois órgãos na mesma organização poderia contribuir para maior transparência das ações dos gestores e melhores práticas de governança corporativa (Santos, 2009Santos, A. G. D. (2009). Comitê de auditoria: uma análise baseada na divulgação das informações de empresas brasileiras (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Assim, considerando o ambiente de governança corporativa do mercado de capitais brasileiro, este estudo investiga o seguinte problema de pesquisa: quais os efeitos do comitê de auditoria e do conselho fiscal sobre a qualidade das informações contábeis das empresas listadas na BM&FBOVESPA?

O objetivo deste estudo é avaliar os efeitos do comitê de auditoria e do conselho fiscal e de seus diferentes arranjos - conselho fiscal geral (quando da sua existência, seja como permanente ou temporário), conselho fiscal permanente, temporário ou turbinado - sobre a qualidade da informação contábil no Brasil.

Como proxies para mensurar a qualidade da informação contábil foram adotados os modelos de relevância, tempestividade e conservadorismo condicional, conforme Almeida (2010Almeida, J. E. F. (2010). Qualidade da informação contábil em ambientes competitivos (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.), Barth, Landsman e Lang (2008Barth, M. E., Landsman, W. R., & Lang, M. H. (2008). International accounting standards and accounting quality. Journal of Accounting Research, 46(3), 467-498.) e Lopes e Walker (2008Lopes, A. B., & Walker, M. (2008). Firm-level incentives and the informativeness of accounting reports: an experiment in Brazil [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=1095781 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1095781.
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).

A importância desta pesquisa está centrada no fato de existir extensa literatura internacional sobre a qualidade da informação contábil e seu relacionamento com mecanismos de governança corporativa, diferentemente da realidade brasileira. Além disso, a literatura nacional é incipiente para consolidar o entendimento sobre o relacionamento do comitê de auditoria e do conselho fiscal com a qualidade das demonstrações contábeis. Por fim, esta pesquisa traz como diferencial para a literatura internacional a inclusão do conselho fiscal como mecanismo de governança corporativa e suas interações com a qualidade da informação contábil.

Os resultados indicam diferentes efeitos dos órgãos analisados sobre as proxies de qualidade do lucro. O conselho fiscal, de modo geral, seja de forma permanente ou temporária, impactou positivamente a relevância do patrimônio líquido e o comitê de auditoria, a relevância do lucro. Paralelamente, os resultados para as empresas que possuem conselho fiscal instalado permanentemente mostram que tanto a relevância do patrimônio líquido como a do lucro é aumentada, além do reconhecimento oportuno de perdas econômicas (conservadorismo condicional), demonstrando a importância da instalação permanente do conselho fiscal no controle da qualidade das demonstrações financeiras. As firmas com conselho fiscal turbinado apresentaram relevância somente do patrimônio líquido dentre todas as métricas de qualidade utilizadas, o que contribui com a discussão existente entre acadêmicos e profissionais sobre a perda de foco nas atribuições desse órgão: por exemplo, PwC (2007PricewaterhouseCoopers. (2007). Comitês de auditoria no Brasil: melhores práticas de governança corporativa - o desafio continua (2a. ed.), Brasil: PwC. Retrieved from https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/assets/melhores-praticas-07.pdf.
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).

Este estudo está dividido, após esta Introdução, da seguinte maneira: 2. Referencial teórico e desenvolvimento das hipóteses; 3. Metodologia, na qual são apresentados detalhes dos modelos, desenvolvimento da amostra e estimadores; 4. Análise dos resultados por cada modelo e suas variações; 5. Análise de robustez; e 6. Considerações finais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO E DESENVOLVIMENTO DAS HIPÓTESES

Bushman e Smith (2001Bushman, R. M., & Smith, A. J. (2001). Financial accounting information and corporate governance. Journal of Accounting and Economics, 32, 237-333.) afirmam que os mecanismos de governança corporativa são os meios pelos quais agentes controladores são disciplinados para agir em conformidade com os interesses dos investidores. A contabilidade faz parte do conjunto de mecanismos de governança corporativa, pois promove maior transparência em relação ao desempenho financeiro das firmas durante um período e a divulgação dessas informações tem como intuito reduzir a assimetria informacional e os problemas de agência (Bushman, Chen, Engel & Smith, 2004Bushman, R. M., Chen, Q., Engel, E., & Smith, A. J. (2004). Financial accounting information, organizational complexity and corporate governance systems. Journal of Accounting and Economics, 37, 167-201.).

Não existe uma métrica precisa e totalmente confiável na literatura para mensurar a qualidade da informação contábil, conforme concluído por Dechow, Ge e Schrand (2010Dechow, P. M., Ge, W., & Schrand, C. (2010). Understanding earnings quality: a review of the proxies, their determinants and their consequences [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1485858.
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), porém pesquisadores desenvolveram, ao longo dos anos, diversos modelos que procuram capturar diferentes propriedades dos números contábeis.

Almeida (2010Almeida, J. E. F. (2010). Qualidade da informação contábil em ambientes competitivos (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.), Barth et al. (2008Barth, M. E., Landsman, W. R., & Lang, M. H. (2008). International accounting standards and accounting quality. Journal of Accounting Research, 46(3), 467-498.) e Lopes e Walker (2008Lopes, A. B., & Walker, M. (2008). Firm-level incentives and the informativeness of accounting reports: an experiment in Brazil [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=1095781 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1095781.
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) utilizaram propriedades semelhantes para medir a qualidade da informação contábil, dentre elas a relevância, tempestividade e conservadorismo condicional, as mesmas utilizadas neste estudo.

2.1 Comitê de Auditoria

O comitê de auditoria é um órgão consultivo do conselho de administração formado, preferencialmente, por membros independentes do conselho. Ele assegura ao conselho de administração o controle sobre a qualidade das demonstrações contábeis e dos controles internos, sendo considerado elemento de controle essencial que integra a governança corporativa (IBGC, 2009Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2009). Guia de orientação para melhores práticas de comitês de auditoria. São Paulo, SP: IBCG.).

O conceito de comitê de auditoria não é novo. Desde 1939 e 1940, a NYSE e a SEC, respectivamente, recomendam a instalação de comitês de auditoria em resposta ao caso McKesson e Robbins, no final da década de 1930. Nos anos subsequentes, o número de empresas com comitês instalados aumentou significativamente e o congresso norte-americano, a SEC, contadores e outros manifestaram interesse e apoio a esse órgão (Birkett, 1986Birkett, B. S. (1986). The recent history of corporate audit committees. The Accounting Historians Journal, 13(2), 109-124. ).

A NYSE e a National Association of Securities Dealers Automated Quotations (NASDAQ) estabeleceram, em 1978 e 1989, respectivamente, como requisitos para listagem em suas bolsas, a instalação do comitê de auditoria formado por membros inteiramente independentes. Em 1999, desenvolveram, em conjunto, o Blue Ribbon Committee on Improving the Effectiveness of Corporate Audit Committees, com o objetivo de fazer recomendações à composição e funcionamento dos comitês de auditoria, posteriormente adotado pela SEC.

O comitê de auditoria ganhou destaque mundial após os escândalos norte-americanos, envolvendo principalmente a Enron e a WorldCom, que motivaram a promulgação da SOX pelo congresso norte-americano, em julho de 2002. A SOX introduziu regras de governança corporativa, dentre outras, visando a assegurar maior transparência aos resultados reportados pelas companhias, instituindo também a obrigatoriedade de instalação desse comitê.

No Brasil, a Lei n. 6.404/1976 (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br.
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) não trata do comitê de auditoria, porém regulamenta o conselho de administração em geral. No país, a instalação do comitê não é obrigatória, exceto para instituições financeiras e sociedades seguradoras, conforme regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN), do Banco Central do Brasil (BACEN) e do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).

Dessa forma, o comitê de auditoria possui a função de supervisão do processo de geração das informações contábeis (gestão dos processos internos e integridade e efetividade dos controles internos), dos relatórios financeiros e da auditoria interna e externa, incluindo a resolução de conflitos entre a administração e auditor.

O comitê assegura a integridade e a tempestividade das informações financeiras, bem como os interesses de acionistas e outros stakeholders (IBGC, 2010Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2010). Código das melhores práticas de governança corporativa. São Paulo, SP: IBCG .; U.S. Government, 2002U.S. Government. Public Law 107-204, 30 Jul. 2002. Sarbanes-Oxley Act. An act to protect investors by improving the accuracy and reliability of corporate disclosures made pursuant to the securities laws, and for other purposes. U.S. Government Publishing Office, Washington, DC, 30 Jul. 2002. Retrieved from Retrieved from https://www.sec.gov/about/laws/soa2002.pdf .
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). Por isso, suas atividades estão intimamente relacionadas à qualidade das informações contábeis reportadas para o mercado (Klein, 2002Klein, A. (2002). Audit committee, board of director characteristics, and earnings management. Journal of Accounting Economics, 33(3), 374-400.; He, Labelle, Piot & Thornton, 2009He, L., Labelle, R., Piot, C., & Thornton, D. B. (2009). Board monitoring, audit committee effectiveness and financial reporting quality: review and synthesis of empirical evidence. Journal of Forensic & Investigative Accounting, 1(2), 1-41. ).

No Brasil, pesquisas que tratam da influência do comitê de auditoria como mecanismo de governança na qualidade da informação contábil são incipientes, pode-se destacar Cunha, Hillesheim, Faveri e Rodrigues (2014Cunha, P. R., Hillesheim, T., Faveri, D. B., & Rodrigues, M. M., Jr. (2014). Características do comitê de auditoria e o gerenciamento de resultados: um estudo nas empresas listadas na BM&FBOVESPA.Revista de Contabilidade e Organizações, 8(22), 15-25.) e Filipin (2012Filipin, R. (2012). Relação do comitê de auditoria com a qualidade da informação contábil: evidências nas empresas listadas na BM&FBOVESPA (MA Dissertation). Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau.).

Cunha et al. (2014Cunha, P. R., Hillesheim, T., Faveri, D. B., & Rodrigues, M. M., Jr. (2014). Características do comitê de auditoria e o gerenciamento de resultados: um estudo nas empresas listadas na BM&FBOVESPA.Revista de Contabilidade e Organizações, 8(22), 15-25.) investigaram se características do comitê de auditoria (tamanho, expertise e independência) refletem no gerenciamento de resultados das empresas brasileiras listadas na BM&FBOVESPA e concluíram que nenhuma das características estudadas impactou no gerenciamento de resultados.

Utilizando um portfólio de proxies para mensurar a qualidade da informação contábil, assim como neste estudo, Filipin (2012Filipin, R. (2012). Relação do comitê de auditoria com a qualidade da informação contábil: evidências nas empresas listadas na BM&FBOVESPA (MA Dissertation). Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau.) buscou verificar se empresas com comitê de auditoria listadas na BM&FBOVESPA apresentam melhor qualidade da informação contábil; os resultados para essas empresas sugeriram maior relevância da informação contábil, porém, lucros menos conservadores e persistentes.

A literatura internacional é extensa e os autores, no geral, compartilham a mesma hipótese sobre a melhora da qualidade das demonstrações financeiras (Chtourou, Bédard & Courteu, 2001Chtourou, S. M., Bédard, J., & Courteu, L. (2001). Corporate governance and earnings management [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=275053.
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; Felo, Krishnamurthy & Solieri, 2003Felo, A. J., Krishnamurthy, S., & Solieri, A. S. (2003). Audit committee characteristics and the perceived quality of financial reporting: an empirical analysis [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=401240.
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; Xie et al., 2003Xie, B., Davidson, W. N., & Dadalt, P. J. (2003). Earnings management and corporate governance: the role of the board and the audit committee. Journal of Corporate Finance, 9, 295-316.).

Antes do comitê de auditoria se tornar obrigatório nos Estados Unidos da América (EUA), Dechow, Sloan e Sweeney (1996Dechow, P. M., Sloan, R. G., & Sweeney, A. P. (1996). Causes and consequences of earnings manipulation: an analysis of firms subject to enforcement actions by the SEC. Contemporary Accounting Research, 13(1), 1-36. ) encontraram evidências de que empresas que gerenciavam os resultados eram menos propensas a ter esse comitê instalado do que outras firmas. Wild (1996Wild, J. J. (1996). The audit committee and earnings quality. Journal of Accounting, Auditing and Finance, 11(2), 247-276.) verificou a reação do mercado norte-americano à liberação dos relatórios financeiros antes e depois da instalação do comitê de auditoria e constatou que a reação do mercado à divulgação dos relatórios após a instalação do comitê é maior do que em períodos anteriores.

Ahmed e Henry (2012Ahmed, K., & Henry, D. (2012). Accounting conservatism and voluntary corporate governance mechanisms by Australian firms. Accounting & Finance, 52, 631-662.) e Baxter e Cotter (2009Baxter, P., & Cotter, J. (2009). Audit committee and earnings quality. Accounting and Finance, 49(2), 267-290.) investigaram, em empresas australianas, se a instalação voluntária do comitê de auditoria impactou a qualidade dos lucros. Baxter e Cotter (2009Baxter, P., & Cotter, J. (2009). Audit committee and earnings quality. Accounting and Finance, 49(2), 267-290.) encontraram evidências com a redução do gerenciamento de resultados, enquanto Ahmed e Henry (2012Ahmed, K., & Henry, D. (2012). Accounting conservatism and voluntary corporate governance mechanisms by Australian firms. Accounting & Finance, 52, 631-662.) evidenciaram impacto positivo no conservadorismo incondicional e negativo no conservadorismo condicional. Nesse contexto, apresenta-se a primeira hipótese da pesquisa sobre a presença do comitê de auditoria em empresas listadas na BM&FBOVESPA:

  • H1   o comitê de auditoria aumenta a qualidade das informações contábeis divulgadas ao mercado.

2.2 Conselho Fiscal

No Brasil, o conselho fiscal é um órgão previsto na Lei n. 6.404/1976 (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br.
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) e o estatuto da empresa disporá sobre seu funcionamento, podendo ser permanente ou instalado pela assembleia geral a pedido de acionistas. Quando instalado, deve ser composto de no mínimo três e no máximo cinco membros e suplentes em igual número, acionistas ou não (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br.
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).

O conselho fiscal é um órgão independente da diretoria e da administração da empresa e suas competências estão dispostas no art. 163 da Lei nº 6.404/1976 (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br.
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), ou seja, presta contas diretamente aos acionistas nas assembleias. O referido órgão fiscaliza os atos da diretoria e do conselho de administração da empresa, opina sobre propostas dos órgãos da administração, além de examinar e opinar sobre os demonstrativos financeiros auditados pela auditoria externa, procurando preservar o direito dos acionistas.

Tanto o IBGC, na perspectiva profissional, como os acadêmicos (Carvalhal-da-Silva & Leal, 2005Carvalhal-da-Silva, A. L., & Leal, R. P. C. (2005). Corporate governance index: firm valuation and performance in Brazil. Revista Brasileira de Finanças, 3(1), 1-18.; Tinoco, Escuder & Yoshitake, 2011Tinoco, J. E. P., Escuder, S. A. L., & Yoshitake, M. (2011). O conselho fiscal e a governança corporativa: transparência e gestão de conflitos. Revista Contemporânea de Contabilidade, 8(16), 175-202.; Trapp, 2009Trapp, A. C. G. (2009). A relação do conselho fiscal como componente de controle no gerenciamento de resultados contábeis (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.), consideram o conselho fiscal parte integrante do sistema de governança corporativa no Brasil. O fato de o conselho fiscal ser representante direto dos acionistas na fiscalização da gestão dos executivos pode ter grande influência na diminuição do conflito de agência e da assimetria informacional, o que o torna importante mecanismo de controle. Complementando, Tinoco et al. (2011Tinoco, J. E. P., Escuder, S. A. L., & Yoshitake, M. (2011). O conselho fiscal e a governança corporativa: transparência e gestão de conflitos. Revista Contemporânea de Contabilidade, 8(16), 175-202.) afirmam que o conselho fiscal colabora com aqueles que estão longe do controle e do poder (principalmente os acionistas minoritários).

Trapp (2009Trapp, A. C. G. (2009). A relação do conselho fiscal como componente de controle no gerenciamento de resultados contábeis (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.) buscou avaliar a interseção direta do conselho fiscal como boa prática de governança corporativa para redução do gerenciamento de resultados. As evidências apontam que esses fatores, considerando a existência e a qualificação dos membros do conselho fiscal, estão relacionados a menores níveis de accruals discricionários.

Por fim, Carvalhal-da-Silva e Leal (2005Carvalhal-da-Silva, A. L., & Leal, R. P. C. (2005). Corporate governance index: firm valuation and performance in Brazil. Revista Brasileira de Finanças, 3(1), 1-18.) afirmam, na construção do Índice de Governança Corporativa, que a existência de um conselho fiscal permanente na organização é mais eficaz em monitorar e disciplinar a gestão da empresa que o conselho instalado somente a pedido dos acionistas. Pressupõe-se que um conselho fiscal instalado independente da vontade dos acionistas e de forma contínua agregue para a empresa maior força desse mecanismo no sistema de governança corporativa, aumentando, principalmente, a qualidade da informação contábil.

Nesse contexto, apresenta-se a segunda hipótese de pesquisa sobre a presença do conselho fiscal em empresas listadas na BM&FBOVESPA:

  • H2   o conselho fiscal aumenta a qualidade das informações contábeis divulgadas ao mercado.

Adicionalmente, para analisar a segunda hipótese, são investigados metodologicamente os diferentes arranjos do conselho fiscal (permanente e temporário).

2.3 Conselho Fiscal Turbinado

Uma das imposições da SOX foi a obrigatoriedade da instalação do comitê de auditoria em empresas listadas em todas as bolsas de valores dos EUA, o que afetou também empresas estrangeiras que emitem ADR no mercado norte-americano (Furuta & Santos, 2010Furuta, F., & Santos, A. D. (2010). Comitê de auditoria versus conselho fiscal adaptado: a visão dos analistas de mercado e dos executivos das empresas que possuem ADRs.Revista Contabilidade & Finanças, 21(53), 1-23.). No caso brasileiro, após acordo entre a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a SEC, em 2003, foi extinta a obrigatoriedade da instalação do comitê de auditoria caso a empresa utilizasse o conselho fiscal, adaptando-o as funções do comitê, tornando-se o conselho fiscal turbinado com novas responsabilidades e atribuições.

Segundo o IBGC (2009Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2009). Guia de orientação para melhores práticas de comitês de auditoria. São Paulo, SP: IBCG.), considerando as atribuições legais do conselho fiscal previstas na Lei n. 6.404/1976 (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br.
http://www.planalto.gov.br...
), exclui-se a possibilidade desse órgão exercer qualquer atividade própria da administração. A criação do conselho fiscal turbinado não contraria esse entendimento, uma vez que o conselho fiscal cuide para não atuar como orientador ou assessor das decisões da administração. Dessa forma, algumas atividades indelegáveis do conselho de administração ou da diretoria, como contratação de serviços de auditoria e “não auditoria”, não deveriam ser atribuídas ao conselho fiscal, já que estão previstas nos termos do art. 142 da Lei n. 6.404/1976 (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br.
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) como do conselho de administração.

A PwC (2007PricewaterhouseCoopers. (2007). Comitês de auditoria no Brasil: melhores práticas de governança corporativa - o desafio continua (2a. ed.), Brasil: PwC. Retrieved from https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/assets/melhores-praticas-07.pdf.
https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/as...
) debate sobre pontos positivos e negativos da adoção do conselho fiscal turbinado. Segundo esse estudo, os opositores defendem que sendo o conselho fiscal uma ferramenta institucional do exercício de fiscalização dos acionistas não atende à finalidade do comitê de auditoria em ser um instrumento de gestão do conselho de administração. Além disso, o conselho fiscal tem funções e deveres distintos do que os previstos para o comitê de auditoria, como opinar sobre propostas de mudanças no capital social, emissão de debêntures, planos de investimentos ou orçamentos de capital, entre outras, o que pode acarretar perda de foco nas atribuições específicas do comitê de auditoria.

Segundo Santos (2009Santos, A. G. D. (2009). Comitê de auditoria: uma análise baseada na divulgação das informações de empresas brasileiras (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo.), muitas empresas brasileiras que emitem ADR ainda preferem cumprir com rigor as exigências da SOX e não instalar o conselho fiscal turbinado; isso se dá muito provavelmente por uma questão mercadológica e estratégica de colocação de seus papéis no mercado norte-americano, tendo em vista que o adquirente desses papéis está mais familiarizado com o comitê de auditoria que com qualquer outro tipo de órgão de controle. Todavia, Calazans (2003Calazans, E. (2003, August 27). Conselho fiscal x comitê de auditoria. Gazeta Mercantil. Legal e Jurisprudência. Retrieved from http://www.citadini.com.br/auditoria/gm030827.htm .
http://www.citadini.com.br/auditoria/gm0...
) ressalta que a constituição de um comitê de auditoria nas empresas brasileiras iria encarecer seu custo e esse custo adicional pode muitas vezes ser superior ao benefício gerado.

Furuta e Santos (2010Furuta, F., & Santos, A. D. (2010). Comitê de auditoria versus conselho fiscal adaptado: a visão dos analistas de mercado e dos executivos das empresas que possuem ADRs.Revista Contabilidade & Finanças, 21(53), 1-23.) pesquisaram a perspectiva dos executivos das empresas que operam no Brasil e emitem ADR e dos analistas de mercados sobre a formação do comitê de auditoria ou do conselho fiscal turbinado. Os resultados indicaram que não houve consenso de opiniões sobre o conselho fiscal ser mais adaptável que o comitê de auditoria ao ambiente de negócios brasileiros se as funções dos dois órgãos são distintas e se os custos associados à formação do comitê são, ou não, relevantes.

Pressupõe-se, então, que o conselho fiscal turbinado aumenta a qualidade da informação contábil, uma vez que absorve, além das funções legais do conselho fiscal, as funções do comitê de auditoria, ampliando seu escopo de atuação. Além disso, as empresas que possuem conselho fiscal turbinado estão listadas nas bolsas de valores do mercado norte-americano, o que indica maior rigor na governança corporativa. Assim, apresenta-se a terceira hipótese de pesquisa:

  • H3   o conselho fiscal turbinado aumenta a qualidade das informações contábeis divulgadas ao mercado.

2.4 Comitê de Auditoria e Conselho Fiscal

O conselho fiscal e o comitê de auditoria estão em posições hierárquicas diferentes na organização: o segundo é subordinado ao conselho de administração formado, preferencialmente, por conselheiros independentes, enquanto o primeiro é instalado pela assembleia geral, sendo um órgão que representa os acionistas controladores e minoritários. Ao contrário do comitê, o conselho fiscal é autônomo e não está vinculado a nenhum órgão da organização, devendo prestar contas aos acionistas diretamente nas assembleias.

Os órgãos apresentam também diferenças nas suas funções e competências. Aos comitês de auditoria são delegadas atividades próprias da função “administração”, ou seja, é um instrumento de gestão colocado à disposição do conselho de administração no desempenho de suas funções. Dentre as atribuições legais do conselho fiscal exclui-se a possibilidade de exercer qualquer atividade própria da administração. As atividades do conselho se desenvolvem no papel de ampla e irrestrita fiscalização dos deveres legais e estatutários dos administradores, por mandato dos acionistas, em decisão da assembleia geral. Dessa forma, é uma ferramenta institucional do exercício do direito de fiscalização dos acionistas sobre a gestão da administração (IBGC, 2009Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2009). Guia de orientação para melhores práticas de comitês de auditoria. São Paulo, SP: IBCG.; PwC, 2007PricewaterhouseCoopers. (2007). Comitês de auditoria no Brasil: melhores práticas de governança corporativa - o desafio continua (2a. ed.), Brasil: PwC. Retrieved from https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/assets/melhores-praticas-07.pdf.
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).

Entre as divergências existentes entre esses órgãos que podem interferir diretamente na informação contábil, destaca-se o fato de as funções do comitê de auditoria serem mais específicas e focadas no processo contábil, ao contrário do conselho fiscal, que além de recomendar a aprovação ou não das demonstrações financeiras também fiscaliza os atos dos administradores.

Cada órgão possui sua função na hipótese de melhoria da qualidade da informação, seja assessorando o conselho de administração (comitê de auditoria) ou fiscalizando e reportando aos acionistas (conselho fiscal). Nesse sentido, a aceitação dos dois órgãos na mesma organização remete ao raciocínio de que eles não são mutuamente excludentes. Essa tendência levaria à maior transparência das ações dos gestores e à adoção de melhores práticas de governança corporativa, já que um número maior de visões de controle coexistindo no mesmo ambiente agregaria para garantir a continuidade da organização, independentemente de interesses individuais ou de grupos (Santos, 2009Santos, A. G. D. (2009). Comitê de auditoria: uma análise baseada na divulgação das informações de empresas brasileiras (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Partindo do pressuposto de que melhores práticas de governança corporativa na organização aumentam a qualidade da informação reportada, espera-se que a adoção dos dois órgãos tenha impacto positivo nessa relação. Assim, a quarta hipótese de pesquisa é:

  • H4   a presença do comitê de auditoria e do conselho fiscal, simultaneamente, aumenta a qualidade das informações contábeis divulgadas ao mercado.

3. METODOLOGIA

A população do estudo compreende as sociedades anônimas de capital aberto ativas que negociam ações na BM&FBOVESPA e que tenham dados disponíveis para o período de 2010 a 2013. Para iniciar a construção da amostra, foram selecionadas somente empresas com liquidez anual acima de 0,001. As instituições financeiras e os fundos foram excluídos da amostra, pelo fato de possuírem padrão contábil e regulação específicos. Além disso, foram excluídas as observações com células vazias, com valores iguais a 0 e erros nas variáveis de interesse de cada modelo, bem como as empresas que não apresentaram o Formulário de Referência.

Os dados contábeis e de mercado foram obtidos na base de dados Comdinheiro. As informações sobre o conselho fiscal e o comitê de auditoria foram obtidas nos Formulários de Referência das empresas, disponíveis nos sítios eletrônicos da BM&FBOVESPA e da CVM.

Os modelos de qualidade da informação contábil foram estimados pelo método dos mínimos quadrados ordinários (MQO), com erros padrão robustos clusterizados por firma. Esse método de estimação vem sendo amplamente utilizado em estudos em contabilidade e finanças (Almeida, 2010Almeida, J. E. F. (2010). Qualidade da informação contábil em ambientes competitivos (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.; Giroud & Mueller, 2010Giroud, X., & Mueller, H. M. (2010). Corporate governance matter in competitive industries? Journal of Financial Economics, 95, 312-331.; Lopes & Walker, 2008Lopes, A. B., & Walker, M. (2008). Firm-level incentives and the informativeness of accounting reports: an experiment in Brazil [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=1095781 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1095781.
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).

Como método de exclusão de outliers, foram excluídas as observações que apresentavam valores extremos superiores a 3 desvios padrão em relação à média padronizada de cada variável. A Tabela 1 mostra como as observações foram filtradas, resultando na amostra final de estudo por modelo.

Tabela 1 Elaboração
da base de dados

Como não existe uma única forma de medir a qualidade da informação contábil, este estudo foi fundamentado nas métricas utilizadas por Lopes e Walker (2008Lopes, A. B., & Walker, M. (2008). Firm-level incentives and the informativeness of accounting reports: an experiment in Brazil [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=1095781 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1095781.
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), que capturam a qualidade da informação contábil, fundando-se em suas propriedades, dentre elas a relevância, a tempestividade e o conservadorismo condicional. Considera-se, pois, que números contábeis mais relevantes, maior oportunidade no reconhecimento de perdas econômicas (más notícias) e informações mais tempestivas correspondem a maior qualidade do processo contábil (financial reporting process).

O modelo que testa a relevância da informação contábil (value relevance) analisa o impacto do conteúdo informacional do lucro e do patrimônio líquido em função do preço da ação após a divulgação das demonstrações contábeis.

Este estudo avalia o efeito da existência em empresas brasileiras do conselho fiscal e suas variações: conselho fiscal geral (quando da sua existência, seja como permanente ou temporário), conselho fiscal permanente, temporário ou turbinado, do comitê de auditoria, de ambos os órgãos simultaneamente e de um ou outro na relevância. Todas essas combinações são controladas por variáveis dummy em modelos alternados. Para tanto, foi elaborado o modelo 1, que dispõe de variáveis dummies e de variáveis de controle (VC), como segue:

em que: Pi,t é o preço da ação da empresa i no ano t ajustado pelos dividendos e desdobramentos (quatro meses após findar o ano) e escalonado pelo preço da ação em t-1, LPAi,t é o lucro por ação da empresa i no ano t escalonado pelo preço da ação em t-1, PLAi,t é o patrimônio líquido por ação da empresa i no ano t escalonado pelo preço da ação em t-1i, Cn é a variável que assume valor 1 para CFn , CA, AM ou OU [em que: CFn = variável dummy se a firma i tem conselho fiscal geral instalado (CF1 ), conselho fiscal permanente (CF2 ) ou conselho fiscal turbinado (CF3 ); CA = variável dummy se a firma i tem comitê de auditoria instalado; AM = variável dummy se a firma i tem ambos, conselho fiscal e comitê de auditoria instalados; OU = variável dummy se a firma i tem conselho fiscal ou comitê de auditoria instalados] em cada dummy, caso contrário considera-se 0.

As VC utilizadas nesta pesquisa foram o tamanho da firma (T), endividamento (END) e oportunidade de crescimento (OC) medidas pelo logaritmo natural do ativo total, dívida total dividida pelo ativo total e crescimento percentual das receitas, respectivamente.

Lopes (2009Lopes, A. B. (2009). The relation between firm-specific corporate governance, cross-listing and the informativeness of accounting numbers in Brazil (Ph.D. Thesis). Manchester Business School, University of Manchester, Manchester.) afirma que o lucro pode influenciar o preço durante um longo período de tempo. Dessa forma, o modelo que testa a tempestividade (timeliness) busca revelar se o lucro e sua variação podem explicar o retorno das ações. A seguir é apresentado o modelo 2, desenvolvido nesta pesquisa, que buscou identificar o efeito sobre a tempestividade.

em que: Ri,t é o retorno da ação (mais líquida) da empresa i no ano t ajustado pelos dividendos e desdobramentos (quatro meses após findar o ano) e escalonado pelo preço da ação em t-1, LPAi,t é o lucro por ação da empresa i no ano t e escalonado pelo preço da ação em t-1 e ΔLPAi,t é a variação do lucro por ação da empresa i no ano t e escalonado pelo preço da ação em t-1 (Cn conforme modelo 1).

O modelo de conservadorismo condicional utilizado é o desenvolvido por Basu (1997Basu, S. (1997). The conservatism principle and the asymmetric timeliness of earnings. Journal of Accounting and Economics, 24, 3-37.). O modelo é fundamentado no conceito de que o lucro contábil é, em sua natureza, conservador em sentido condicional (reconhecimento assimétrico entre perdas e ganhos) e que antecipa as más notícias em relação às boas. O modelo relaciona o lucro contábil divulgado com o retorno das ações. A seguir é apresentado o modelo 3:

em que: LPAi,t é o lucro por ação da empresa i no ano t escalonado pelo preço da ação em t-1, Di,t é a dummy do retorno, sendo 1 para retorno negativo e 0 para retorno positivo da empresa i no ano t, e Ri,t é o retorno da ação (classe da ação mais líquida) da empresa i no ano t ajustado pelos dividendos e desdobramentos (quatro meses após findar o ano) e escalonado pelo preço da ação em t-1 (Cn conforme modelo 1).

Espera-se que os coeficientes das variáveis de interesse provenientes das interações com as variáveis relacionadas à existência do conselho fiscal, comitê de auditoria, ambos, um ou outro, conselho fiscal permanente e conselho fiscal turbinado sejam positivos e estatisticamente significativos em todos os modelos.

4. ANÁLISE DE RESULTADOS

A Tabela 2 mostra a composição da amostra conforme a existência dos órgãos analisados. Os resultados são apresentados para o total da amostra (liquidez anual maior que 0,001) sem exclusão de outliers.

Tabela 2
Composição global do conselho fiscal e comitê de auditoria no Brasil entre 2010 e 2013

Verifica-se que a prática mais comum no Brasil é a adoção do conselho fiscal, visto que 457 observações (empresas-ano) apresentaram o órgão instalado no decorrer dos quatro anos pesquisados. A presença de conselho fiscal turbinado é notada em 38 observações da amostra e corresponde a empresas que emitem ADR e não instalaram o comitê de auditoria.

No Brasil, a instalação do comitê de auditoria é voluntária, exceto para instituições financeiras e seguradoras, de modo que sua existência é constatada em 254 observações. São evidenciadas 208 observações de firmas que não instalaram nem o conselho fiscal, nem o comitê de auditoria, o que pode sugerir fragilidade no sistema de governança corporativa e menor monitoramento de gestores dessas empresas.

A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva das variáveis dos modelos de qualidade da informação contábil explanados na metodologia.

Tabela 3
Estatística descritiva dos modelos de qualidade da informação contábil

Observa-se maior dispersão dos dados entre as variáveis LPA e OC em todos os modelos, assim como as variáveis R e ΔLPA no modelo de tempestividade e R no conservadorismo condicional, já que apresentam desvio padrão maior que a média. Para as variáveis de presença e arranjos dos órgãos, os valores extremos (valor mínimo e máximo) são sempre os mesmos, devido às características dessas variáveis, porém, apresentando diferenças nas dispersões entre as diversas variáveis.

A Tabela 4 mostra os resultados referentes às regressões para o modelo de relevância.

Tabela 4
Resultados do modelo de relevância

Na coluna 1 da Tabela 4, o resultado para o efeito da presença do conselho fiscal geral apresenta coeficiente positivo e significativo somente para a variável PLA*CF1 (0,0281, t = 2,60). Assim, quando a empresa opta por instalar o conselho fiscal geral (permanente ou temporário), os resultados sugerem que o patrimônio líquido possui relevância para o mercado, diferentemente do que ocorre com o lucro, que apresenta coeficiente negativo e não significativo, corroborando em parte os resultados de Trapp (2009Trapp, A. C. G. (2009). A relação do conselho fiscal como componente de controle no gerenciamento de resultados contábeis (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.), que associa a instalação do conselho fiscal no Brasil a menores níveis de gerenciamento de resultados.

A coluna 2 expõe os resultados para o efeito do comitê de auditoria sobre a relevância. Os resultados são contrários aos do conselho fiscal geral - a variável LPA*CA apresenta coeficiente positivo e significativo 0,568 (t = 4,08) -, sugerindo que a presença desse mecanismo de controle tem impacto positivo sobre a relevância do lucro reportado. A interação com a variável PLA é positiva, porém, não significativa. Esses resultados corroboram os de Filipin (2012Filipin, R. (2012). Relação do comitê de auditoria com a qualidade da informação contábil: evidências nas empresas listadas na BM&FBOVESPA (MA Dissertation). Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau.) no Brasil e são convergentes com Baxter e Cotter (2009Baxter, P., & Cotter, J. (2009). Audit committee and earnings quality. Accounting and Finance, 49(2), 267-290.) e Wild (1996Wild, J. J. (1996). The audit committee and earnings quality. Journal of Accounting, Auditing and Finance, 11(2), 247-276.).

Os efeitos da presença de ambos (conselho fiscal e comitê de auditoria, simultaneamente), representados na coluna 3, mostram coeficiente positivo e significativo somente para a variável LPA*AM (0,382, t = 3,08), evidenciando que a implantação dos dois órgãos, simultaneamente, impacta somente a relevância do lucro. Adicionalmente, na coluna 4, a existência de um ou outro órgão impacta na relevância do patrimônio líquido, uma vez que a variável PLA*OU apresenta coeficiente positivo e significativo 0,0206 (t = 1,76).

Na coluna 5 são apresentados os efeitos do conselho fiscal permanente. Os resultados sugerem tanto para a variável LPA*CF2 como para PLA*CF2 coeficientes positivos e significativos 0,431 (t = 3,57) e 0,0902 (t = 3,48), respectivamente. Dessa forma, a presença do conselho fiscal de forma permanente aumenta a relevância do lucro e do patrimônio líquido. Por meio desse resultado, pode-se afirmar que o mercado reconhece os números contábeis como informações mais relevantes, logo de maior qualidade, quando há presença permanente do conselho fiscal nas empresas. Tal resultado confirma o argumento de Carvalhal-da-Silva e Leal (2005Carvalhal-da-Silva, A. L., & Leal, R. P. C. (2005). Corporate governance index: firm valuation and performance in Brazil. Revista Brasileira de Finanças, 3(1), 1-18.) de que os conselhos fiscais permanentes podem ser considerados mecanismos mais fortes de governança que quando instalados somente a pedido dos acionistas.

Os resultados para os efeitos do conselho fiscal turbinado (coluna 6) apresentam evidências similares às do conselho fiscal geral: coeficiente positivo e significativo somente para a variável PLA*CF3 (0,0568, t = 2,51) e negativo para o lucro, embora não significativo, demonstrando impacto somente na relevância do patrimônio líquido.

A Tabela 5 expõe os resultados para o modelo de tempestividade.

Tabela 5
Resultados do modelo de tempestividade

Os modelos das colunas 1, 2, 4 e 5 da Tabela 5 apresentam, para as variáveis de interesse, coeficientes sem significância estatística, o que indica que empresas com conselho fiscal geral, comitê de auditoria, um ou outro e conselho fiscal permanente não criam expectativas no mercado em relação ao lucro e sua variação contemporânea ao retorno das ações.

Contrariando as hipóteses 3 e 4, os resultados para o conselho fiscal turbinado e a presença de ambos apresentam coeficientes negativos e significativos para as variáveis LPA*CF3 (-0,183, t = -0,68) e LPA*AM (-0,114, t = -1,99), mostrando que a presença deles não aumenta a tempestividade dos números contábeis, ou seja, o mercado antecipa o conteúdo informacional do lucro. Esse resultado, assim como o resultado para a relevância, vem a contribuir com as discussões acadêmicas e profissionais sobre as sobreposições das atividades do conselho fiscal turbinado.

Na Tabela 6 são expostos os resultados das regressões para o modelo de conservadorismo condicional.

Tabela 6
Resultados do modelo de conservadorismo condicional

Os resultados apontam que apenas empresas com conselho fiscal permanente instalado, conforme coluna 5 da Tabela 6, possuem atributo do conservadorismo condicional, reconhecendo antecipadamente suas perdas econômicas no lucro, pois a variável R*D*CF2 apresenta coeficiente positivo e significativo 0,764 (t = 3,05).

Assim, há evidência do efeito positivo da presença do conselho fiscal permanente como mecanismo de governança corporativa que reforça as boas práticas sugeridas por Almeida (2010Almeida, J. E. F. (2010). Qualidade da informação contábil em ambientes competitivos (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.), Bushman e Smith (2001Bushman, R. M., & Smith, A. J. (2001). Financial accounting information and corporate governance. Journal of Accounting and Economics, 32, 237-333.), Lopes e Walker (2008Lopes, A. B., & Walker, M. (2008). Firm-level incentives and the informativeness of accounting reports: an experiment in Brazil [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=1095781 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1095781.
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) e Sloan (2001Sloan, R. (2001). Financial accounting and corporate governance: a discussion. Journal of Accounting and Economics, 32, 335-347.).

A Tabela 7 resume os resultados apresentados para a hipótese H1 de que a presença em empresas brasileiras do comitê de auditoria (H1), do conselho fiscal geral (H2), do conselho fiscal turbinado (H3) e de ambos, simultaneamente (H4) aumenta a qualidade das informações contábeis divulgadas ao mercado.

Tabela 7
Resumo dos resultados das hipóteses de pesquisa

5. ANÁLISE DE ROBUSTEZ

Com o intuito de reforçar as evidências encontradas anteriormente, buscou-se alterar a variável de interesse presença do comitê de auditoria e do conselho fiscal pelo grau de independência de seus membros.

A independência do conselho fiscal foi analisada de duas formas: (i) membros representantes dos minoritários, eleitos na assembleia geral (dessa forma, espera-se independência quanto aos acionistas controladores), e (ii) independência com a administração, verificando relações presentes e passadas entre o membro e a empresa ou grupo econômico por meio do item 12.8 do Formulário de Referência das empresas.

Para a independência do comitê de auditoria só foi possível utilizar como proxy a independência dos membros com a administração, pelo fato de não serem eleitos diretamente por acionistas, impossibilitando a análise da independência dos acionistas controladores. A alteração do número de observações desta análise em comparação à anterior é devido ao fato de algumas empresas não terem apresentado de forma completa, no Formulário de Referência das Empresas, os currículos dos membros, tanto do conselho fiscal como do comitê de auditoria, o que acarretou redução do número de observações.

A variável DIND1 é uma variável dummy que assume valor 1 quando a empresa tem ao menos um membro eleito por minoritários e 0 caso contrário, a variável IND1 mede o percentual de membros eleitos por minoritários, enquanto a variável DIND2 assume valor 1 quando a empresa tem ao menos um membro independente da administração e 0 caso contrário, e a variável IND2 mede o percentual de membros independentes da administração.

Na mesma estrutura, analisa-se a relevância, a tempestividades e o conservadorismo condicional. A Tabela 8 expõe os resultados para o modelo de relevância.

Tabela 8
Resultados do modelo de relevância (independência)

Os resultados para a relevância indicam que a independência do conselho fiscal impacta positivamente a relevância do patrimônio líquido nas duas análises de independência e a do comitê de auditoria impacta somente a relevância do lucro, reforçando os resultados anteriores para relevância da análise da presença dos órgãos.

A Tabela 9 expõe os resultados para o modelo de tempestividade.

Tabela 9
Resultados do modelo de tempestividade (independência)

De acordo com os resultados para a tempestividade, não é possível atestar o efeito da independência dos membros na tempestividade do lucro e de sua persistência, assim como na análise da presença dos órgãos.

A Tabela 10 expõe os resultados para o modelo de conservadorismo condicional.

Tabela 10
Resultados do modelo de conservadorismo condicional (independência)

De acordo com os resultados apresentados na Tabela 10, o percentual de membros independentes no conselho fiscal, sejam eleitos por acionistas minoritários ou membros independentes da administração, tem impacto no conservadorismo do lucro reportado. Entretanto os resultados não indicam associação entre a independência dos membros do comitê de auditoria e a prática do conservadorismo condicional.

Percebe-se, portanto, que a independência dos membros do conselho fiscal foi capaz de alterar o impacto da presença desse órgão sobre o conservadorismo condicional. Os resultados para a independência do comitê de auditoria reforçam as evidências encontradas para sua presença.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo avaliou os efeitos da presença do comitê de auditoria e do conselho fiscal e seus diferentes arranjos nas propriedades da informação contábil reportadas pelas empresas brasileiras listadas na BM&FBOVESPA de 2010 a 2013. As métricas para avaliar a qualidade da informação contábil foram: relevância, tempestividade e conservadorismo condicional. A motivação para a realização desta pesquisa centrou-se na perspectiva de esses órgãos funcionarem como mecanismo de governança corporativa, sobretudo nas funções de supervisão e fiscalização do processo de elaboração das demonstrações financeiras.

De forma geral, os resultados indicaram que os órgãos em estudo possuem efeitos sobre a qualidade dos números contábeis. Todavia, a conclusão precisa ser realizada conforme cada hipótese de pesquisa, configurações dos órgãos e propriedades da informação contábil.

Os resultados para o comitê de auditoria e conselho fiscal geral indicaram impactos somente sobre a relevância das informações contábeis: impacto no lucro, para o comitê de auditoria, e no patrimônio líquido, para o conselho fiscal geral, confirmando parcialmente as hipóteses H1 e H2.

Paralelamente, os resultados apontaram impacto elevado do comitê de auditoria sobre a relevância do lucro (coeficiente e significância altos). Essa evidência pode ser explicada pela especificidade das funções do comitê no processo de geração da informação contábil, partindo dos controles internos até a supervisão da auditoria interna e externa, enquanto o conselho fiscal apresenta funções/poderes mais amplas/amplos, mas com possibilidade de acesso às informações dos auditores e comitê de auditoria na fiscalização dos demonstrativos contábeis auditados e dos atos dos administradores.

O fato de o conselho fiscal geral ter apresentado efeito positivo e significativo somente sobre a relevância do patrimônio líquido e negativo sobre a relevância do lucro (embora não significativo) pode indicar maior preocupação do conselho fiscal em proteger o patrimônio da entidade para os acionistas (patrimônio líquido), enquanto a preocupação do comitê de auditoria pode ser maior em assegurar dados mais confiáveis sobre o desempenho dos administradores (contidos nos lucros).

Cabe ressaltar que essa suposição é de que as preocupações seriam diferentemente evidenciadas em cada órgão (maior foco em um ou outro objetivo, com base nas suas funções e hierarquias). De maneira objetiva, se o lucro é relevante para o investidor, então o comitê de auditoria atua aumentando a qualidade das demonstrações financeiras por meio do resultado divulgado, pois seus membros, direta ou indiretamente, foram nomeados por acionistas majoritários e minoritários, enquanto os membros do conselho fiscal são predominantemente eleitos por acionistas majoritários ou grupo de acionistas, distanciando os pequenos investidores e acionistas e dando maior ênfase ao patrimônio líquido, por ser eleitos e prestar contas diretamente a eles nas assembleias.

Era esperado que a presença de ambos na mesma organização melhorasse o processo de controle dessas informações. As evidências mostraram aumento na relevância do lucro, porém os resultados para a tempestividade indicaram efeitos negativos. Assim, nesse cenário, o lucro foi relevante para o mercado, mas não tempestivo, o que expõe uma restrição à relevância encontrada. Adicionalmente, a existência de um ou outro órgão, em contrapartida a nenhum, impactou somente a relevância do patrimônio líquido.

Os resultados obtidos na pesquisa apontaram para maior relevância do lucro e do patrimônio líquido em empresas com conselho fiscal permanente instalado, além de maior conservadorismo condicional, o que reflete a função da contabilidade como mecanismo contratual. Esses resultados são mutuamente relacionados, uma vez que o reconhecimento antecipado das perdas econômicas no lucro (conservadorismo condicional) tende a tornar essa informação mais relevante para o mercado. Tal evidência indicou que conselhos fiscais instalados de forma permanente podem ser considerados mecanismos mais eficientes de governança corporativa que quando instalados somente a pedido dos acionistas.

Constatou-se, também, impacto positivo do conselho fiscal turbinado somente na relevância do patrimônio líquido. Essa evidência sugere que a pouca associação do conselho fiscal turbinado com as métricas de qualidade da informação contábil pode ser reflexo das várias funções desse órgão, podendo diminuir seu foco. Tal resultado pode ser útil para reguladores, agentes de mercado e acionistas na discussão de melhores modelos de governança corporativa.

Por fim, a governança corporativa é um sistema complexo e dinâmico que envolve a interação de um conjunto de componentes. Por isso, pode ser limitador avaliar o impacto de um ou outro componente na qualidade da informação contábil, o que enseja que novas pesquisas sejam realizadas com o fim de aprofundar e aprimorar um tema fundamental para os profissionais de contabilidade e, sobretudo, para os usuários das informações contábeis, buscando relacionar outros mecanismos de governança, além de outras propriedades da informação contábil

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  • *
    Trabalho apresentado no 1º Congresso UnB de Contabilidade e Governança, Brasília, DF, novembro de 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2017
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2016
  • Aceito
    21 Nov 2016
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