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O lucro à luz do conceito de preservação da riqueza

Resumos

As informações contábeis muitas vezes empregam uma terminologia complexa que se torna pouco acessível à maioria dos usuários. A Contabilidade pode utilizar mais intensamente conceitos econômicos para melhorar a comunicação com seus usuários. Este artigo, partindo da definição de lucro do economista inglês James Hicks, apresenta os vários conceitos de lucro em termos de preservação da riqueza, com o objetivo de tornar a informação contábil mais útil no processo de decisão. O lucro, mensurado a custo histórico, a preços correntes de entrada, pelo equivalente corrente de caixa, pelo cálculo do valor presente e pelo valor de mercado, tem uma formulação própria para cada tipo de mensuração. São apresentados exemplos numéricos no tópico que trata do lucro mensurado a valor presente. O lucro à luz do conceito de preservação da riqueza, apresentado neste artigo, é de grande relevância, porque recepcionado pela teoria econômica. O uso desse conceito pela Contabilidade pode ser de valiosa ajuda ao objetivo básico das demonstrações contábeis, que é o de prover informações úteis para a tomada de decisões econômicas.

informações contábeis; terminologia complexa; conceitos econômicos; lucro à luz da preservação da riqueza; uso desse conceito pela Contabilidade


Accounting information often uses a complex terminology that is not so friendly to most users. Accounting may use economic concepts in a more intense way in order to improve communication with its users. Starting from the English economist James Hicks' definition of income, this paper presents several concepts of income according to the concept of wealth preservation, with a view to turning accounting information more useful in the decision process. Income, which is measured in terms of Historical Cost, Current Cost, Net Realization Value, Present Value of Future Cash Flows and Market Value, has a specific formulation for each kind. Numerical examples are shown under the topic about income measured by the Present Value of Future Cash Flow method. The study of income with regard to wealth preservation, discussed here, is highly relevant because this concept fits into economic theory. The use of this concept by Accounting may provide valuable help in achieving the basic aim of financial statements, which is to provide useful data for making economic decisions.

Accounting information; complex terminology; economic concepts; income with regard to wealth preservation; use of this concept by Accounting


O lucro à luz do conceito de preservação da riqueza* * Agradeço ao Banco Itaú a oportunidade de ter participado do Curso de Especialização em Finanças e Contabilidade - CEFIN. Agradeço também ao Prof. Luiz Nelson Guedes de Carvalho o incentivo, os comentários e as sugestões feitos na realização deste artigo.

Cláudio Wasserman

Pós-Graduado - Especialização em Contabilidade e Finanças - CEFIN-USP Mestrando em Controladoria e Contabilidade pela FEA-USP E-mail: cwasserman@sti.com.br

RESUMO

As informações contábeis muitas vezes empregam uma terminologia complexa que se torna pouco acessível à maioria dos usuários. A Contabilidade pode utilizar mais intensamente conceitos econômicos para melhorar a comunicação com seus usuários. Este artigo, partindo da definição de lucro do economista inglês James Hicks, apresenta os vários conceitos de lucro em termos de preservação da riqueza, com o objetivo de tornar a informação contábil mais útil no processo de decisão. O lucro, mensurado a custo histórico, a preços correntes de entrada, pelo equivalente corrente de caixa, pelo cálculo do valor presente e pelo valor de mercado, tem uma formulação própria para cada tipo de mensuração. São apresentados exemplos numéricos no tópico que trata do lucro mensurado a valor presente. O lucro à luz do conceito de preservação da riqueza, apresentado neste artigo, é de grande relevância, porque recepcionado pela teoria econômica. O uso desse conceito pela Contabilidade pode ser de valiosa ajuda ao objetivo básico das demonstrações contábeis, que é o de prover informações úteis para a tomada de decisões econômicas.

Palavras-chave: informações contábeis; terminologia complexa; conceitos econômicos; lucro à luz da preservação da riqueza; uso desse conceito pela Contabilidade.

ABSTRACT

Accounting information often uses a complex terminology that is not so friendly to most users. Accounting may use economic concepts in a more intense way in order to improve communication with its users. Starting from the English economist James Hicks' definition of income, this paper presents several concepts of income according to the concept of wealth preservation, with a view to turning accounting information more useful in the decision process. Income, which is measured in terms of Historical Cost, Current Cost, Net Realization Value, Present Value of Future Cash Flows and Market Value, has a specific formulation for each kind. Numerical examples are shown under the topic about income measured by the Present Value of Future Cash Flow method. The study of income with regard to wealth preservation, discussed here, is highly relevant because this concept fits into economic theory. The use of this concept by Accounting may provide valuable help in achieving the basic aim of financial statements, which is to provide useful data for making economic decisions.

Keywords:Accounting information; complex terminology; economic concepts; income with regard to wealth preservation; use of this concept by Accounting.

INTRODUÇÃO

Antes de empreender uma discussão sobre o que é lucro, há que se ressaltar que não existe um enfoque único para defini-lo. Talvez fosse desejável uma só definição que servisse a todos os usuários, talvez não. A complexidade que envolve o tema é inerente à própria Contabilidade.

Até hoje, os contadores não conseguiram estabelecer um conjunto de princípios que formasse uma base universal à teoria contábil. Como ciência ligada ao mundo econômico, a Contabilidade tem na Economia a sua disciplina-mãe. Os economistas, contudo, diferentemente dos contadores, desenvolvem suas teorias num mundo idealizado, hipotético. Os profissionais da área contábil lidam com o "mundo real", longe das idealizações dos compêndios de Economia. A transição da Economia para a Contabilidade, de um mundo ideal para outro focado no dia-a-dia das empresas, tem como resultado um modelo econômico bastante complexo.

Por mais árdua que possa ser a tarefa dos contadores, o desafio deve servir para estimulá-los na direção de se conseguir um conjunto de princípios fundamentais aceitos generalizadamente por toda a comunidade contábil ou pela maior parte dela. Assistir passivamente às alegações de que a Contabilidade é uma disciplina eminentemente pragmática significa que seriam admitidos casuísmos na divulgação da informação contábil. Embora seja importante levar em conta os aspectos práticos no processo de fixação de padrões, não seria recomendável que influenciassem indiscriminadamente o padrão propriamente dito. Seria o caso, por exemplo, daqueles que julgam o pagamento de impostos como um inconveniente. Podem, assim, julgar alguns porque estariam por demais endividados e não teriam condições de pagar seus tributos. No entanto, é exigido, mesmo dos endividados, o cumprimento das suas obrigações tributárias, sob pena de se inviabilizar o bem-estar do restante da sociedade. Como indivíduos dela participantes, somos obrigados a obedecer a certas convenções, do contrário estaríamos ao sabor das conveniências de alguns grupos.

Da mesma forma, os padrões contábeis não devem ser medidos pelos seus efeitos imediatos sobre os indivíduos, mas em termos do valor para a maioria da sociedade, primeiro passo e condição sine qua non para o estabelecimento de um sistema de informação contábil confiável.

Até que a Contabilidade tenha um conjunto de regras universalmente aceito, a divulgação contábil estará sujeita a dificuldades e percalços. O lucro (e sua mensuração), como parte importante das informações contábeis, também está sujeito a limitações práticas e conceituais, que, de resto, afetam a Contabilidade como um todo.

Este artigo tem por objetivo apresentar os vários conceitos de lucro e as diferentes formas de mensurálo, sob a ótica do conceito de preservação da riqueza. Não se pretende realizar aqui uma análise aprofundada acerca de procedimentos que pudessem auxiliar no aperfeiçoamento da comunicação contábil. Mas cabe a pergunta: não seria um passo importante, reconhecendo-se que grande parte dos usuários das informações contábeis não consegue compreendê-las satisfatoriamente, que conceitos econômicos, como preservação da riqueza, fossem mais e mais introduzidos na Contabilidade?

MENSURAÇÃO DO LUCRO

Naturalmente, devido à familiaridade entre Contabilidade e Economia, os profissionais daquela área utilizam conceitos desta, a despeito do distanciamento ainda existente entre ambas. Para a definição de lucro em termos contábeis, os contadores, não raro, apóiam-se no conceito econômico de preservação de capital (variação da riqueza). Para fins deste artigo, o termo capital será usado numa acepção abrangente, significando patrimônio líquido.

Adaptando-se às empresas as definições de capital e lucro, dadas pelo economista Irving Fisher (1906:52), lucro é o resultado do uso do capital, e este é visto como estoque de riqueza capaz de gerar serviços futuros. O lucro é tido, portanto, como o fluxo de riqueza ou benefícios acima do necessário para manter o capital constante.

Os termos podem ser ainda mais ampliados. O capital poderia ser entendido, em sentido lato, como todos os recursos, próprios ou de terceiros, disponibilizados pelos investidores. O lucro seria, então, o resultado obtido pelos vários fornecedores de capital, isto é, seriam incluídos os juros pagos aos credores e os lucros distribuídos aos acionistas.

A distinção entre capital e lucro é fundamental para o julgamento de como a administração está utilizando o capital sob sua responsabilidade.Também é uma das ferramentas para determinar até que ponto a gerência atua de acordo com o interesse dos proprietários.

O conceito de preservação da riqueza também é útil para os credores e os acionistas preferenciais. Afinal, eles têm interesse em saber a probabilidade de devolução do seu capital, que será maior se o capital investido na empresa permanecer em nível constante ou crescente. Prejuízos ou pagamentos de dividendos superiores aos lucros diminuem a perspectiva de se reaver as importâncias tomadas pela empresa, devido à redução de capital provocada pelos dois eventos.

Segundo Hendriksen e Van Breda1 1 HENDRIKSEN, Eldon S.; BREDA, Michael F. Van. Teoria da Contabilidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 183. , no entanto, os conceitos de capital e lucro não são formulados nitidamente. Lembram que capital pode ser definido em termos de unidades monetárias correntes ou de unidades monetárias de poder aquisitivo constante; em termos físicos; em termos de capacidade de produção de bens e serviços ou, ainda, em termos de expectativas futuras em relação aos fluxos de caixa para os acionistas.

CONCEITOS DE LUCRO EM TERMOS DE PRESERVAÇÃO DA RIQUEZA

Existe um conceito fundamental de lucro que tem influenciado significativamente a Contabilidade. Trata-se do conceito do economista inglês, ganhador de Prêmio Nobel, James Hicks , que em linguagem livre definia lucro como "o que podemos consumir numa semana e sentir-nos tão bem no fim como nos sentíamos no início..."2 3 HICKS, James R. Value and capital. 2.ed. Londres: Oxford University Press, 1946, p. 172. .

Iudícibus3 3 IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 78-79. relata que, no início, a definição de Hicks foi ingenuamente interpretada pelos contadores, que a viam apenas como um conceito estático de manutenção de capital. Embora a preocupação com a permanência do nível do capital deva estar presente, é necessário definir antes qual o tipo de capital se deseja manter: se o capital a valores históricos, a valores correntes (de entrada ou de saída), a custo histórico corrigido, a valor corrente corrigido etc.

Iudícibus (2000:79) diz, após explicar a visão econômica de Hicks, que a proposição do professor inglês teve de ser adaptada às necessidades de objetividade e aos mecanismos de apuração da Contabilidade. Assim, afirma, o lucro, em Contabilidade, é o que se pode distribuir durante um período, mantida a potencialidade do patrimônio líquido inicial intacta.

Hendriksen e Van Breda (1999:183) entendem que, de acordo com Hicks, o lucro é o excedente após a manutenção do bem-estar, mas antes do consumo.

Por exemplo, se os ativos líquidos de uma empresa estivessem avaliados em $80.000 no final do período e $76.000 no início, o lucro seria de $4.000, na ausência de aumentos de capital e de pagamentos de dividendos. Se tivesse havido um aumento de capital de $1.000 e dividendos pagos de $8.000, o lucro líquido seria de $11.000. Assim:

Lucro = (8.000 - 1.000) + (80.000 - 76.000) = $11.000 Algebricamente, o lucro do período (Lucroj) seria então:

Onde: FCj = fluxo de caixa do período BEj = nível de bem-estar

Vê-se que a natureza do lucro decorrente da fórmula acima depende da definição que seja dada a BEj e do modo pelo qual é medido. Hendriksen e Van Breda (1999:183) listam os vários métodos de avaliação dessa riqueza (bem-estar):

1. Avaliação da empresa usando valores de entrada (custo histórico ou corrente) no caso de ativos não-monetários, acrescentando-se o valor presente de ativos monetários e subtraindo-se o valor dos passivos.

2. Agregação dos preços de venda dos diversos ativos da empresa, menos a soma dos passivos.

3. Cálculo do valor presente da série futura esperada de fluxos de caixa ou pagamentos a se-rem recebidos durante a vida da empresa.

4. Avaliação da empresa com base nos preços correntes de mercado de suas ações, levando-se em conta o número de ações existentes.

A seguir, cada uma dessas abordagens será discutida. Para tanto, considerar-se-á que o valor geral da moeda permanece constante e que é possível obter e exprimir mensurações representativas de riqueza em termos monetários.

LUCRO INDIVIDUAL VERSUS LUCRO DA ENTIDADE

Hendriksen e Van Breda (1999:183) estendem à entidade a formulação do lucro da equação (1), centrada no indivíduo, como se segue:

A combinação das equações (2), (3) e (4), ou seja, a soma dos lucros dos majoritários, minoritários e credores, forma o lucro total da empresa. O lucro da entidade pode ser escrito como:

A soma dos fluxos de caixa dos majoritários, dos minoritários e dos credores representa o fluxo de caixa da entidade. A soma da variação das riquezas dos majoritários, dos minoritários e dos credores forma a riqueza da entidade.

A natureza do lucro, como mencionado, depende do modo pelo qual é medida a riqueza da entidade. No entanto, conforme afirmam Hendriksen e Van Breda (2000:184), os fluxos de caixa da entidade são independentes do modo pelo qual é medida a riqueza, permanecendo os mesmos em todas as formulações de lucro. Feita essa afirmação, os autores defendem a importância da divulgação dos fluxos de caixa a investidores e credores.

Tendo provado que os fluxos de caixa da entidade são os mesmos, não importando o método de avaliação da riqueza, os dois autores passam às diversas maneiras de se quantificar a variação da riqueza.

PREÇOS HISTÓRICOS DOS FATORES

Seguindo-se a mesma linha adotada, apenas, agora, adaptando a equação de lucro (5) aos custos históricos dos fatores, tem-se:

Dessa forma, o lucro da entidade pode ser entendido, à luz dos custos históricos, como o fluxo de caixa da entidade somado à variação do patrimônio líquido da entidade avaliado a preços históricos.

Hendriksen e Van Breda (1999:184) ressalvam que, embora o lucro obtido pela equação (5) pareça ter a mesma estrutura de outros conceitos de preservação de capital, não está sujeita a interpretações no mundo real, em função de alocações de depreciação e do conceito contábil de realização. No lucro a valores históricos, não são medidas as variações da riqueza que ocorrem por flutuações de valor de mercado, exceto quando da avaliação de estoques para baixo (custo ou mercado, dos dois, o menor), por exemplo.

Na ausência de variação de preços, o capital investido é preservado caso os ativos, no final do período, tenham o mesmo valor (em termos de valores de entrada - custo) que os ativos no início do período. O lucro seria o aumento desse valor, ajustado pelas transações de capital e pelo pagamento de dividendos. Tal lucro surge com a transmutação dos preços de entrada em valores de mercado quando da venda ou troca. Os recebimentos que sensibilizam o Caixa ou o Contas a Receber são acolhidos a valores de mercado na troca de ativos avaliados ao custo. Assim, alguns ativos no final do período, bem como alguns no início (ativos monetários), são avaliados em termos de valores de mercado (de saída).

PREÇOS CORRENTES DE ENTRADA

O cálculo do lucro, ao se avaliarem as entradas a valores correntes, é idêntico ao efetuado com custos históricos, com a diferença de que o lucro obtido a preços correntes de entrada contempla ganhos e perdas obtidos com a posse (e controle) dos ativos. Ganhos e perdas, nesse caso, decorrem de variações de preços, mesmo que não tenha ocorrido venda ou troca. O lucro obtido, quando as entradas fossem avaliadas a preços correntes, poderia, então, ser assim representado:

Lucro do período da entidade a preços correntes de entrada (LENTPCj)

LENTPCj = FCEj + Δ VENTPCj (valor da entidade a preços correntes de entrada)

EQUIVALENTE CORRENTES DE CAIXA

O lucro obtido, quando os ativos são avaliados pelo equivalente corrente de caixa, seria aquele resultante quando os ativos da empresa fossem avaliados pelos seus preços de mercado ou por seus preços de realização num processo normal de venda.

Analogamente, ao cálculo de outros tipos de lucro, tem-se que:

Lucro da entidade a preços equivalentes de caixa (LENTPECj) =

LENTVMj = FCEj + Δ VENTVMj (valor da entidade a preços de mercado)

O valor da empresa determinado pela soma dos preços de mercado de seus ativos é relativamente objetivo ou verificável, porque esses preços dependem de expectativas de pessoas externas à empresa e, portanto, calculados levando-se em consideração o custo de oportunidade do avaliador. Representam os valores pelos quais os ativos existentes poderiam ser trocados no mercado. O valor total da empresa poderia ser maior do que a soma dos preços de mercado de cada ativo no mercado (também poderia ser menor). Hendriksen e Van Breda (1999:185) alegam que essa diferença se deve, em parte, à não inclusão do goodwill e de outros ativos intangíveis que possuem preços de mercado separados dos ativos tangíveis. Além disso, a provável diferença entre o valor global da empresa e o de seus ativos individuais, também, se deve às avaliações subjetivas, com o conseqüente uso de taxas de desconto e ajustes por risco aplicáveis a cada caso, bem como aos custos associados à venda e transferência de ativos específicos.

O cálculo do lucro mediante a comparação de preços de mercado de ativos e passivos pode fornecer uma base considerada mais adequada ao julgamento das alternativas disponíveis à administração. Entretanto, oferece uma base limitada para a predição de variações futuras, porque não informa a natureza das variações ocorridas em períodos anteriores.

Hendriksen e Van Breda (1999:185) apontam como uma desvantagem ao uso de valores de mercado de ativos individuais a inexistência de mercado para muitos ativos possuídos por uma empresa. Nesses casos, o lucro seria semelhante ao que seria obtido se a empresa fosse liquidada no final de cada período e reconstruída no início do período seguinte. Além disso, em casos como os de dutos subterrâneos de empresas da indústria química, não há valor de saída, muito embora a empresa possa ter valor elevado como organização em funcionamento.

CÁLCULO DO VALOR PRESENTE

Do ponto de vista teórico, a medida mais freqüentemente proposta de mensuração de ativos líquidos de uma empresa é a determinação do valor presente de pagamentos que se espera sejam feitos aos seus acionistas, incluindo-se o montante final a ser pago na liquidação. Se o investimento for feito por um número finito de anos, na expectativa não somente dos resultados, mas também de recuperação do capital ao final, o valor presente do investimento no momento inicial pode ser assim escrito:

Vo = valor presente do investimento na data 0

FCj = fluxo de caixa do ano j

r = taxa de juros de mercado (constante, por hipótese)

n = número de anos previstos para o investimento

Para um único período:

Rearranjando-se a equação acima:

V1 = (1+r)V0 - FC1

O valor do investimento cresce à taxa de juros r, mas cai com o volume de caixa consumido. De acordo com a definição de lucro, vê-se que:

Lucro= FC1 + (V1 - V0) = FC1 + (1+r)V0 - FC1 - V0 = rV0

Assim, o lucro do indivíduo pode ser calculado combinando-se o fluxo de caixa que ele espera receber da empresa com a variação esperada do valor de seus direitos. Os valores são calculados descontando-se os fluxos futuros esperados.

O lucro da entidade, então, seria dado por:

Lucro da entidade = FCEj + (VT1 - VT0) = rVT0

Depreende-se, pois, que o lucro da empresa pode ser calculado pela combinação do fluxo de caixa esperado da empresa com a variação esperada de seu valor total. As formulações para o indivíduo e para a empresa podem ser convertidas de bases esperadas para realizadas focalizandose a atenção nos fluxos de caixa efetivamente ocorridos.

EXEMPLO NUMÉRICO4 4 HENDRIKSEN e BREDA, op. cit., p. 186-187.

Exemplificando, suponha-se uma situação de certeza e os seguintes pagamentos em dinheiro durante a vida estimada de 5 anos para uma empresa:

Supondo-se uma taxa constante de 5% a.a., numa condição de certeza (nesse caso, poder-se-ia utilizar a taxa livre de risco), o valor presente da empresa seria de $1.257. No final do 1º ano, restariam os fluxos de 2 a 5 e o valor da empresa, nesse momento, seria de $1.220. O lucro líquido do 1º ano deveria, então, ser assim calculado:

Esse lucro de $63 representa o aumento do valor total da empresa durante o ano e é igual a 5% do valor descontado inicial de $1.257, representando os juros sobre o capital investido.

Numa situação diversa da anterior, em que a empresa não consiga vislumbrar com alto grau de certeza o cenário dos períodos seguintes, o cálculo do lucro pelo valor presente de séries futuras de benefícios gerados por ativos torna-se bastante difícil de ser feito. Mas não impossível.

Na ausência de certeza, os pagamentos futuros são valores esperados de distribuições de probabilidades. Por exemplo, se as estimativas subjetivas do dividendo no 1º ano fossem $120 com probabilidade de 60%, ou $70 com probabilidade de 40%, o valor esperado seria igual a $100 (=(120 x 0,6) + (70 x 0,4)). O valor esperado, nessas condições de incerteza, é obviamente subjetivo, pela necessidade de se estimarem os valores possíveis e as probabilidades atribuídas a eles.

A maioria dos autores elege a taxa subjetiva como sendo o custo de oportunidade. No exemplo a seguir, utiliza-se apenas uma taxa subjetiva, para que se dê destaque ao cálculo do lucro. Portanto, na ausência de mudança de expectativa, e sendo o pagamento efetivo no 1º ano igual ao pagamento esperado, o lucro, tal como no exemplo anterior, será igual ao produto da taxa subjetiva de retorno vezes o valor descontado inicial (ou médio). Edwards e Bell (1961:3844) chamam esse lucro de subjetivo.

Todavia, se as expectativas, no final do período, forem diferentes das existentes no início do período, o lucro subjetivo do período, a posteriori, diferirá do lucro subjetivo esperado a priori. Embora este seja baseado no valor subjetivo inicial dos ativos da empresa, aquele, a posteriori, incluirá variações do valor subjetivo dos ativos no final do período.

OUTRO EXEMPLO NUMÉRICO5 5 HENDRIKSEN e BREDA, op. cit., p. 187-188.

Se o fluxo de caixa durante o 1º ano for igual a $100, tal como esperado, mas, no final do período, os fluxos de caixa para os quatro períodos restantes forem de $400 por ano, em lugar de $300, $200, $400 e $500, e supondo-se, ainda, que a taxa subjetiva seja de 5%, o lucro no 1º ano será:

Esse lucro de $261 é assim constituído:

Hendriksen e Van Breda (1999:188) fazem alguns comentários sobre o cálculo do valor presente dos fluxos futuros de caixa que visa à definição do lucro. Enfatizam que, embora a idéia de cálculo do valor presente tenha mérito como conceito econômico de lucro, existem algumas impropriedades na sua utilização para fins contábeis. Há deficiências práticas que decorrem principalmente da natureza subjetiva do método. Propõem que um enfoque mais adequado consistiria em fornecer informações que permitissem ao usuário aplicar seus próprios julgamentos a respeito de expectativas dos fluxos de caixa futuros e da escolha de um fator de desconto para calcular seu (do usuário) lucro subjetivo.

CÁLCULO DO VALOR DE MERCADO DA EMPRESA

Hendriksen e Van Breda (1999:189) observam que, em mercados eficientes, o preço das ações de uma empresa, bem como o preço de seus títulos de dívida, é igual ao valor presente dos fluxos de caixa esperados. O mercado pode, assim, ser utilizado como um substituto da capitalização dos fluxos de caixa futuros. O valor de mercado, consubstanciado no valor das ações e dos títulos de dívida, representa o valor de toda a empresa, não o de cada um de seus ativos.

Além disso, o valor de mercado aqui considerado é o valor de uso e não o valor de troca. Isso significa que todos os ativos da empresa são avaliados pelo valor que agregam à empresa, independentemente do preço que poderiam ter se avaliados individualmente. O mercado acionário avalia a empresa como organização em funcionamento.Tanto é assim que pode ocorrer de o valor das ações ser superior (ou inferior) ao valor dos ativos avaliados individualmente.

O valor de mercado da empresa é, portanto, o valor de mercado de todos os itens do passivo e do patrimônio líquido, ou seja:

Valor total de mercado da empresa = VTMj

VTMj = VMj das dívidas + VMj do capital dos proprietários + VMj das participações minoritárias

O lucro da entidade pode assim ser formulado:

Lucro da entidadej = FCEj + Δ VTMj

Hendriksen e Van Breda (1999:189) contrapõem o uso de valores de mercado ao método de cálculo do valor presente. Entendem que, no primeiro, as expectativas do mercado substituem aquelas elaboradas pelos indivíduos. Com isso, obtém-se uma avaliação verificável baseada na avaliação dos fluxos de caixa feita pelo mercado, portanto com maior grau de confiabilidade.

Ainda para aqueles autores, o valor de mercado atribuído às empresas é a única medida que tem significado, no sentido de ser plenamente identificável com os eventos nelas ocorridos. De fato, é possível determinar-se um preço efetivo de mercado como fonte de medida, facilitando-se o entendimento de conceitos que, em outros métodos, parecem desprovidos de qualquer significado para os usuários. O uso de valores de mercado para o cálculo do lucro representa a essência da relação entre fornecedores de capital e a empresa. Em contrapartida ao capital recebido, a empresa distribui dinheiro aos investidores sob a forma de dividendos, juros e amortização de empréstimos. O fluxo de caixa assim formado pelos esforços da organização, aliado à variação de valor atribuível ao mercado, formam, em conjunto, o lucro do investidor. Conceitualmente, prosseguem Hendriksen e Van Breda (1999:189), essa é a maneira mais significativa de definir lucro.

O valor de mercado, no entanto, não está isento de críticas. Alguns argumentam que o preço de mercado é formado por apenas algumas ações, o que indicaria que nem todas as ações poderiam ser adquiridas àquele preço. Outros, ainda, dizem que os preços das ações são influenciados por fatores externos, muitas vezes sem justificativa aparente. Concluem que a verificabilidade do método pode ser anulada pela presença de viés na informação.

A crítica talvez mais contundente, no entanto, diz respeito ao fato de que esse método de estimação do lucro só funciona quando, evidentemente, houver um valor de mercado disponível e confiável. No caso de empresas fechadas, é necessário que se recorra a outros métodos para possibilitar o cálculo do lucro. E o que dizer do mercado acionário brasileiro, por exemplo, em que pouquíssimas empresas estão listadas em bolsa, e, além disso, o controle acionário encontra-se em mãos de apenas algumas pessoas?

CONCLUSÕES

Sem qualquer dúvida, a preservação do capital é tarefa primordial dos responsáveis pela administração das empresas. Como afirma Ramos (1968:29), a preservação do capital é uma questão de básica importância para a vida de qualquer empresa. Grant e Norton (1955:13), apontam para a relevância significativa desse assunto, pelo fato de estar relacionado com quase todas as decisões empresariais ligadas ao problema de redução de valor dos elementos do ativo. Ainda segundo Ramos, o problema da conservação do capital é contínuo no tempo e cabe à Contabilidade o papel de bem refletir as situações para que a administração empresarial possa ter um guia seguro na sua tarefa de conservar o capital e obter lucro, simultaneamente.

De acordo com Shwayder (1969:305), a afirmação de Hicks tornou-se amplamente difundida por enfatizar a relação entre o lucro e a manutenção de capital, tendo denominado essa relação, inclusive, como regra de manutenção do capital.

Ravsine (1981:383), discute a abrangência da afirmação de Hicks por meio de um exemplo no qual são apresentadas demonstrações contábeis segundo os métodos do custo histórico, custo histórico corrigido, custo corrente e custo corrente corrigido. Admitindo a distribuição de 100% dos lucros obtidos em cada método, demonstra que cada um deles pode ser coerente com o conceito de Hicks, desde que utilizados à luz de tal conceito. "A escolha entre os diversos métodos tem de ser fundamentada em critérios introduzidos pelo avaliador, de acordo com seu objetivo. Assim, o valor do lucro a ser considerado será uma conseqüência da definição do capital que se pretenda manter", conclui o autor.

O distanciamento entre Contabilidade e Economia é um inconveniente que pode ser minimizado se os estudiosos de cada área envidarem esforços mútuos no sentido da convergência conceitual.Talvez essa tarefa seja mais dos contadores, porque são eles os responsáveis pela informação requerida pelos usuários da informação contábil. Os relatórios contábeis empregam, não raro, uma terminologia complexa e pouco acessível à maioria dos usuários. É possível que os caminhos do aprimoramento da comunicação contábil passem por uma aproximação maior dos conceitos emanados da Economia, disciplina-mãe da Contabilidade.

A utilização do conceito de preservação da riqueza pela Contabilidade, exposto neste artigo, é de fundamental importância porque apoiado pela teoria econômica, contribuindo, dessa forma, para o objetivo básico das demonstrações contábeis, que, conforme Most (1977:201), citando o Relatório Trueblood, é o de prover informações úteis para a tomada de decisões econômicas.

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Recebido em 16.08.02

Aceito em 22.09.03

2ª Versão 1º.10.03

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  • SHWAYDER, Keith. The Capital Maintenance Rule and the Net Asset Valuation Rule. The Accounting Review, p. 305, abr/1969.
  • SZÜSTER, Natan. Análise do lucro passível de distribuição: uma abordagem reconhecendo a manutenção do capital da empresa 1985. Tese (Doutorado em Controladoria e Contabilidade) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • 1 HENDRIKSEN, Eldon S.; BREDA, Michael F. Van. Teoria da Contabilidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 183.
  • 3 HICKS, James R. Value and capital. 2.ed. Londres: Oxford University Press, 1946, p. 172.
  • 3 IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 78-79.
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    Agradeço ao Banco Itaú a oportunidade de ter participado do Curso de Especialização em Finanças e Contabilidade - CEFIN. Agradeço também ao Prof. Luiz Nelson Guedes de Carvalho o incentivo, os comentários e as sugestões feitos na realização deste artigo.
  • 1
    HENDRIKSEN, Eldon S.; BREDA, Michael F. Van.
    Teoria da Contabilidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 183.
  • 3
    HICKS, James R.
    Value and capital. 2.ed. Londres: Oxford University Press, 1946, p. 172.
  • 3
    IUDÍCIBUS, Sérgio de.
    Teoria da Contabilidade. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 78-79.
  • 4
    HENDRIKSEN e BREDA, op. cit., p. 186-187.
  • 5
    HENDRIKSEN e BREDA, op. cit., p. 187-188.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Aceito
      01 Out 2003
    • Revisado
      22 Set 2003
    • Recebido
      16 Ago 2002
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