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Combinação de Negócios e os impactos societários e tributários das IFRSs no Brasil: desafios apresentados aos operadores do Direito e aos operadores das IFRSs

Business Combination and the tax and corporate law consequences of applying IFRSs in Brazil: some challenges to Brazilian lawyers and Brazilian accountants

Resumo

As operações de Combinação de Negócios (CN) indiscutivelmente constituem uma área de estudo multidisciplinar de grande riqueza conceitual. Questões do ramo do Direito Societário, do Direito Tributário e do Direito Econômico emergem naturalmente. O estudioso no tema também é instigado a enveredar pelos campos da Contabilidade Societária e Tributária e das Finanças Corporativas na busca por uma melhor compreensão do mesmo. Este artigo tem o objetivo de analisar algumas CN, sob uma abordagem de pesquisa normativa, considerando dispositivos das IFRSs voltados à disciplina do tema, em particular a IFRS n. 3, que espelha no Brasil o CPC n. 15, e os seus desdobramentos em matéria de Legislação Tributária e Societária. Verifica-se que muitas controvérsias surgem em matéria de Direito Societário e de Legislação Tributária. Anomalias no tratamento contábil societário de algumas operações são observadas também, como é o caso da contraprestação contingente liquidada em ações de própria emissão da sociedade controlada. O autor espera que este trabalho contribua para o debate das questões abordadas.

Combinação de Negócios; ágio; OPA; legislação tributária; legislação societária

Abstract

Business Combination (BC) transactions doubtlessly constitute a multidisciplinary field of study with deep conceptual issues. Issues regarding corporate regulation, tax regulation and economic law emerge naturally. The expert on the subject is also stimulated to enter into the fields of Financial Accounting, Tax Accounting and Corporate Finance in order to better understand it. This paper is focused on examining some BC transactions, under a normative research approach, considering some IFRS in force, in particular IFRS n. 3, which is the basis of the Brazilian accounting rule CPC n. 15, and also taking into consideration Tax and Corporate Regulation. It is observed that many controversial questions arise from Corporate and Tax Regulation in force. Anomalies in the Financial Accounting with regards to the treatment of some transactions are also observed, as in the case of contingent consideration settled with own shares of the subsidiary. The author hopes that this paper contributes to the debate of the questions raised.

Business Combination; “goodwill”; tender offer; tax regulation; corporate regulation

Introdução

Com a convergência das práticas contábeis adotadas no Brasil às melhores práticas internacionais, ou simplesmente IFRSs, mudanças profundas foram impostas aos profissionais de contabilidade no desempenho de suas atividades. Uma formação mais multidisciplinar passou a ser requerida, assim como o desenvolvimento de habilidades de comunicação e de julgamento. A “objetividade dogmática”1 1 O paradigma da objetividade, que serviu de norte para a prática contábil desde de sua sistematização nos séculos XIII e XIV (HENDRIKSEN; VAN BREDA, 1999), foi quebrado com as IFRSs, com a incorporação de novos institutos à prática contábil, dentre os quais o fair value, o true and fair view e o true and fair override. E foi um processo natural, dado o constante conflito entre a objetividade da informação contábil e a sua relevância. Lopes e Martins (2005) asseveram que o dilema entre a relevância da informação contábil e sua objetividade ocorre com bastante frequência. Isto é observado não só em termos de mensuração (o custo histórico é mais objetivo do que o fair value, porém apresenta um conteúdo informativo inferior) como também em termos de reconhecimento contábil (reconhecer determinadas transações objetivamente, conforme prescrição contratual, pode resultar em misleading; em distorção da realidade econômica a ser reportada. E não faltam exemplos, como é o caso do forfait e o da aquisição reversa, tratada neste artigo) cedeu lugar à anunciada “subjetividade responsável”;2 2 O “subjetivismo responsável” foi termo cunhado pelo ilustre teórico brasileiro, Prof. Sérgio de Iudícibus (1998), que advoga que os contadores têm de ter a capacidade de exercer um subjetivismo responsável; aprender a lidar com valores. Na visão de Iudícibus, os profissionais de Contabilidade têm de exercer um subjetivismo responsável e não se acomodarem numa falsa noção de objetividade. Trabalhos a respeito do tema subjetivismo são desenvolvidos por Costa Jr. e Cardoso (2002), Fuji e Slomski (2003), Espejo et al. (2010) . Embora o termo não esteja previsto categoricamente na Estrutura Conceitual para elaboração e divulgação de relatório Contábil Financeiro do CPC, sua ideia está presente no parágrafo OB11 do documento. o escriturário do passado sucumbiu ao repórter da criação ou da destruição de valor empresarial, amparado pela interpretação de contratos à luz da realidade econômica presente.

Os profissionais do Direito, não por acaso, vêm dando a devida importância às IFRSs. Isto é observado pelo surgimento de fóruns, seminários, grupos de estudo e pesquisa organizados por juristas do meio acadêmico e do meio profissional, que se dedicam a debater o reflexo das IFRSs no campo jurídico. Afinal, a Contabilidade é indiscutivelmente parte integrante de uma série de contratos,3 3 Os ilustres professores Ross L. Watts e Jerold L. Zimmerman, no final da década de 1970, em artigo seminal, intitulado “Towards a Positive Theory of the Determination of Accounting Standards” (The Accounting Review, 1978), procuraram desenvolver um modelo para explicar e predizer escolhas contábeis que gestores têm ao seu dispor sob uma abordagem contratual. escritos e não escritos. Para citar como exemplo, a escolha de uma prática contábil discricionária ou a introdução de um novo regramento contábil pode ter repercussão em um contrato de endividamento (sensibilizando covenants), ou em um contrato de remuneração de executivos (stock options e demais remunerações variáveis atreladas a métricas de performance contábeis) ou mesmo em acordos coletivos de trabalho, posto que empresas de determinados segmentos econômicos têm muita aversão a reconhecer lucros vultosos, pelo custo político que isto representa, podendo desencadear manifestações sindicais reivindicatórias por mais direitos (gestores valem-se de provisões discricionárias para fins de alisamento de resultado – income smoothing).

As Combinações de Negócios (CN)4 4 Importante levar ao conhecimento dos leitores as mudanças a que foram submetidos o conceito e o escopo de Combinação de Negócios, hoje vigente no CPC n. 15 (IFRS n. 3). Compulsando os parágrafos BC5-BC13 da seção intitulada “Basis for Conclusions” da IFRS n. 3, observa-se que os boards do FASB/EUA e do IASB (este projeto foi um dos projetos de normatização conjunta entre os dois standard setters, em linha com o Norwalk Agreement – MOU) de forma pragmática acabaram incorporando ao escopo da norma transações que não se enquadram conceitualmente como uma CN (assim qualificada quando uma entidade adquire de outra o controle de ativos líquidos que constituem um negócio). Foi o caso das roll-up transactions, das put-together transactions e das true mergers, para as quais o fresh start method (fair value dos ativos líquidos de todas as companhias combinadas) seria o método mais recomendado. Outra mudança do conceito foi a inclusão das CN por meio das quais o controle fosse obtido por outros meios que não fosse a aquisição de ativos líquidos ou de títulos patrimoniais (é o caso da CN tratada na seção 2 deste artigo). Houve também uma mudança no sentido de deixar claro que para enquadramento como uma CN, a transação deve ser motivada por um evento econômico ao invés de uma simples decisão de consolidação contábil de empresas sob um mesmo controle (a decisão de elaborar demonstrações combinadas de empresas sob um mesmo controle, portanto, está fora do Conceito de CN. Por outro lado, stapling arrangements e dual-listed companies são qualificados como uma CN). compreendem um vasto campo de estudo e atuação, alcançado por múltiplas jurisdições profissionais. É um palco em que atuam advogados societários e tributários, contadores que preparam e auditam Demonstrações Contábeis especiais e PPAs (Purchase Price Allocations), especialistas em finanças ligados a bancos de investimentos (mandatários das operações), fundos de participação, dentre outros.

Este artigo tem o objetivo de analisar algumas transações de CN, sob uma abordagem de pesquisa normativa (MARTINS, 2005MARTINS, Eliseu. Normativismo e/ou positivismo em contabilidade: qual o futuro? Revista de Contabilidade e Finanças USP, São Paulo, n. 39, p. 3, set.-dez 2005., p. 3), considerando dispositivos das IFRSs voltados à disciplina do tema, em particular a IFRS n. 3, que espelha no Brasil o CPC n. 15, e os seus desdobramentos em matéria de Legislação Tributária e Societária.

Conforme elucidam Lopes e Martins (2005)LOPES, Alexsandro Broedel; MARTINS, Eliseu. Teoria da contabilidade: uma nova abordagem. São Paulo: Atlas, 2005., a tradição clássica normativa de pesquisa em Contabilidade tem como foco a descrição contábil do ideal econômico que não é observável, utilizando como método a proximidade conceitual das normas contábeis com os conceitos econômicos sem validação empírica. Já a abordagem positiva, introduzida a partir do final da década de 1960 nos EUA, tem como foco de pesquisa a reação do mercado, a remuneração dos gestores, o ambiente regulatório, dentre outros, tendo como método o poder que a teoria tem de explicar e prever os eventos estudados. Hendriksen e Van Breda (1999)HENDRIKSEN, Eldon; VAN BREDA, Michael. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas. 1999. advogam que uma maneira de classificar a forma do debate teórico consiste em perguntar se os argumentos fluem de generalizações a observações específicas (o raciocínio dedutivo utilizado na pesquisa normativa) ou se vão de observações específicas a generalizações (o raciocínio indutivo utilizado na pesquisa positiva).

O referencial normativo utilizado neste artigo são as IFRSs/CPCs aplicáveis, mais especificamente o CPC n. 15 (IFRS n. 3), quer seja para fins de Demonstrações Contábeis Individuais ou Consolidadas, com foco nos seus reflexos em matéria tributária e societária. Na visão do autor, aplicar no ambiente doméstico de regulação práticas contábeis voltadas às CN, produzidas sob uma filosofia anglo-saxônica, com foco em mercados de capitais pujantes altamente desenvolvidos, requer dos operadores do Direito e das IFRSs no Brasil muito bom senso e um julgamento deveras crítico.

O artigo está estruturado da seguinte forma: a seção introdutória contextualiza o tema; as seções 1 a 5 exploram por meio de simulações os desdobramentos contábeis, societários e tributários advindos de uma aquisição de controle reversa, de uma CN com obtenção de controle sem contraprestação, de uma CN com perda de controle e com manutenção de influência significativa sobre a ex-controlada, de uma CN com obtenção de controle por meio de fusão jurídica ou de incorporação de ações da adquirida em uma holding, e do earn-out ou da escrow account em uma CN. Por fim, a conclusão do artigo será apresentada.

1 Aquisição Reversa de Controle

Sejam admitidas duas companhias “A” e “B”, concorrentes em um mesmo mercado, sem qualquer relação de controle entre si, tampouco submetidas a um controle comum. A companhia “B” por hipótese possui registro para distribuição de valores mobiliários na CVM. Já é por assim dizer qualificada como uma companhia aberta.5 5 Lei n. 6.404/76, art. 4º – “Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários” (BRASIL, 2001, grifei). [ caput com nova redação dada pela Lei n. 10.303/2001, de 31.10.2001. Com esta alteração legal, foi possível o registro de companhias de prateleira – “ shelf corporations ”] Já a companhia “A” por hipótese é uma sociedade por ações fechada, que tenciona abrir capital com vistas a angariar recursos publicamente e promover processos de aquisições de concorrentes.

A configuração patrimonial inicial de ambas é apresentada a seguir.

QUADRO 1
– BALANÇOS PATRIMONIAIS DAS COMPANHIAS “A” E “B”

A distribuição de capital também é apresentada a seguir. Ambas as companhias possuem somente ações com direito de voto.

QUADRO 2
– DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL DAS COMPANHIAS “A” E “B”

A fim de dar celeridade ao processo de captação de recursos no mercado6 6 Um processo de abertura de capital consome tempo e recursos consideráveis, além de envolver uma série de agentes (regulador e bolsa de valores, advogados, auditores independentes, e em sendo o caso intermediários). Ademais, até que os papéis da companhia ganhem liquidez e apresentem uma cobertura razoável por parte de analistas sell-side, há que se aguardar certo tempo e eventualmente contratar um formador de mercado (market maker). Assim uma aquisição reversa de uma companhia aberta surge como alternativa célere ao processo de abertura de capital. e simultaneamente adquirir uma concorrente, a companhia “A” assume controle da companhia “B” por meio de uma aquisição reversa. A companhia “B” emite 151 novas ações (quantidade a ser elucidada a seguir) com vistas a viabilizar a operação. Juridicamente há uma incorporação de ações para assunção do controle (stock-for-stock acquisition), posto que “A” torna-se subsidiária integral de “B”, com a incorporação da totalidade das ações de sua emissão aos ativos de “B” (Lei n. 6.404/76, art. 252).

Levando a efeito avaliações econômicas das companhias “A” e “B” para fins de uma justa relação de substituição de ações, que não submeta nenhum acionista não controlador ao arbítrio do controlador na transação, chega-se aos números abaixo.

QUADRO 3
– AVALIAÇÃO ECONÔMICA DAS COMPANHIAS “A” E “B” PARA FINS DE RELAÇÃO DE TROCA 7 7 Em linha com o que prescreve o CPC n. 32 (IAS n. 12), em seus parágrafos 19 e 66, deve-se reconhecer o Passivo Fiscal Diferido – PFD sobre a mais-valia líquida observada (diferença temporária tributável). Nesse sentido, foi identificada para a companhia “B” mais-valia de estoques, de imobilizado, de intangível e de empréstimos de respectivamente, $10, $10, $20 e $4, dando um efeito líquido de $36, o que gera um passivo fiscal diferido de $11 (alíquota consolidada de IRPJ e CSLL de 30%, por hipótese para simplificar a conta). O PFD da companhia “A” é obtido do mesmo modo.

Aqui cabe uma observação de cunho societário. A Lei n. 6.404/76, a rigor, em seu artigo 264, só requer o cômputo das relações de substituição a preços de mercado (valor econômico), quando houver no caso incorporação, fusão, cisão ou incorporação de ações envolvendo companhia controlada e companhia controladora, quer a sucessora após a operação se torne a controladora ou a controlada, ou quando envolver sociedades sob um controle comum (BRASIL, 1976BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União, Brasília, 17 dez. 1976.).

Por outro lado, o CPC n. 15 requer, conforme previsto em seu § B20,8 8 IFRS n. 3, § B20 – In a reverse acquisition, the accounting acquirer usually issues no consideration for the acquiree. Instead, the accounting acquiree usually issues its equity shares to the owners of the accounting acquirer. Accordingly, the acquisition-date fair value of the consideration transferred by the accounting acquirer for its interest in the accounting acquiree is based on the number of equity interests the legal subsidiary would have had to issue to give the owners of the legal parent the same percentage equity interest in the combined entity that results from the reverse acquisition. The fair value of the number of equity interests calculated in that way can be used as the fair value of consideration transferred in exchange for the acquire. (grifei a versão original em inglês da IFRS). avaliação a valor justo das ações da adquirida legal (adquirente contábil), no caso a companhia “A”, transferidas em troca das ações emitidas pela adquirente legal (adquirida contábil), no caso a companhia “B”. Além disso, pelo método da compra, os ativos líquidos da adquirida contábil (adquirente legal), companhia “B”,9 9 Para fins de aplicação do método da compra, a identificação da empresa adquirida, cujos ativos líquidos devem ser objeto de mensuração a valor justo, se dará pela identificação do controlador final após CN. Ou seja, será a companhia combinada cujo controlador perder o controle do negócio após a CN. No exemplo em tela, o ex-controlador de “B”, acionista “Z”, perdeu o controle do negócio após a CN para o controlador de “A”, acionista “Y”. devem ser mensurados ao valor justo da data da Combinação de Negócios. Na prática, ocorrerá uma relação de substituição de ações em uma base justa.

Assim, a relação de substituição é a seguir evidenciada, admitindo que o controlador e o não controlador de “A” migrarão para “B”.

QUADRO 4
– RELAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO ENTRE AÇÕES DE “A” E “B”

No quadro acima, observa-se que, dividindo-se o valor econômico da ação da companhia “A” ($5,80) pelo valor econômico da ação da companhia “B” ($3,84), chega-se ao fator a ser utilizado na relação de troca das ações: 1,512167. Em sendo incorporadas ao acervo de ativos de “B” as 100 ações de emissão de “A”, isso terá por implicação a emissão de 151 ações de “B”. Fazendo-se uma “prova real”, observa-se que as ações de titularidade dos controladores e não controladores de “A” a serem permutadas por ações de emissão da companhia “B”, em troca do controle de “B”, multiplicada pelo valor econômico das ações de “A”, resultam em $580 (100 x $5,80). Esse valor dividido pelo valor econômico das ações de “B” dá justamente as 151 ações de “B” a serem emitidas ($580 : $3,84). Assim, caberá ao Acionista “Y” 121 ações de emissão de “B” e ao acionista PÑCA 30 ações de emissão de “B”.

Com o desfecho da operação de aquisição reversa, a configuração societária do grupo e a distribuição de capital das companhias envolvidas passam a ser representadas a seguir.

QUADRO 5
– CONFIGURAÇÃO SOCIETÁRIA DO GRUPO E DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL DE “A” E “B”

Em síntese, o controlador de “A”, acionista “Y”, passa a deter o controle da companhia “B” diretamente, ao passar a deter 50,15% de seu capital, e mantém o controle indireto da companhia “A”. O ex-controlador da companhia “B”, acionista “Z”, remanesce na sociedade e vê sua participação no capital diluir-se, sem que tenha feito nenhuma alienação das ações de sua titularidade.10 10 É bem verdade que o ex-controlador da companhia “B” não abrirá mão do seu controle, sem uma compensação. Afinal pode até inviabilizá-la em Assembleia Geral de acionistas, pois tem poder político para tal. O que ocorrerá na prática será a celebração de um Acordo de Acionistas que disciplinará a forma pela qual o controle na companhia “B” será exercido (se de modo pleno ou compartilhado) e de que modo eventuais compensações econômicas serão feitas. A operação é aprovada em Assembleia Geral de acionistas da companhia “B”, da qual participam todos seus acionistas (acionista “Z” e acionista PÑCB). É do mesmo modo aprovada em Assembleia Geral de acionistas da companhia “A”, da qual participam todos os seus acionistas (acionista “Y” e acionista PÑCA), em plena observância ao artigo 252 da Lei n. 6.404/76.

Eis que surge a seguinte questão societária: há alienação de controle? Ao que parece não, pois não seria identificado um alienante do controle (o acionista “Z”, ex-controlador da companhia “B”, alienou alguma participação societária?).11 11 Difícil é aceitar essa tese. O ex-controlador não abriria mão do controle passivamente, sem uma compensação financeira. A OPA 254-A, s.m.j., estaria afastada no caso.12 12 Juristas de uma corrente majoritária entendem que não cabe OPA por alienação de controle nesses casos, por uma simples razão: falta de previsão legal. Porém há uma corrente minoritária de juristas que entendem que cabe OPA nessas circunstâncias, posto que seria mais uma saída conferida ao minoritário dissidente, quando da mudança do controle da companhia. Casos apreciados pela Diretoria Colegiada da CVM reforçam o entendimento corrente de que não cabe OPA 254-A na incorporação de ações. O autor agradece as orientações elucidativas recebidas do advogado Henrique Beloch, especialista na matéria. Também não haveria aquisição de controle, nos termos do art. 257, dado que a operação não foi efetivada por meio de uma OPA a mercado. Houve juridicamente uma incorporação de ações de “A” por “B”, tornando-a subsidiária integral de “B”.

Outra questão societária emerge naturalmente: eventual dissidência de acionistas da companhia “B” conferiria-lhes o direito de recesso, resguardando-lhes o direito ao valor de reembolso de suas ações pelo seu valor econômico? (Lei n. 6.404/76, art. 45, § 1º). Analisando objetivamente o artigo 252, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.404/76, caberia sim o direito de recesso tanto aos dissidentes da companhia incorporadora quanto aos dissidentes da companhia incorporada.13 13 Duas são as questões a observar. O recesso pelo valor econômico precisa ser adequadamente disciplinado no estatuto social da companhia. E o recesso só será passível de ser exercido caso as ações da companhia não possuam liquidez e dispersão no mercado (Lei n. 6.404/76, art. 137, II). O autor agradece as orientações elucidativas recebidas do advogado Henrique Beloch, especialista na matéria.

Levando a efeito os procedimentos contábeis necessários para aplicação do método da compra, com a consequente elaboração de Demonstrações Contábeis Consolidadas, hão de se fazer duas PPAs: uma para fins de Balanço Consolidado, para refletir a aquisição contábil, e outra para fins de Balanço Individual, para refletir a aquisição jurídica. A jurisdição brasileira, peculiarmente, incorporou as IFRSs tanto para fins de Demonstrações Contábeis Individuais quanto para fins de Demonstrações Contábeis Consolidadas.

Assim, para fins de aquisição contábil, a companhia adquirida é “B”, que tem os seus ativos líquidos mensurados ao valor justo. A contraprestação dada em troca do controle são as ações da companhia “A”, adquirente contábil, mensuradas ao valor justo. No caso $464. A PPA segue abaixo.

QUADRO 6
PURCHASE PRICE ALLOCATION DA COMPANHIA “B” E CÔMPUTO DO GOODWILL

Tivesse “A” de emitir ações suas para acomodar os demais acionistas, considerando a distribuição de capital pós-Combinação de Negócios, cujas ações de “B” equivalem a 30 para o acionista PÑCA, 60 para o acionista “Z” e 30 para o acionista PÑCB, dando um total de 120 ações de emissão de “B”, teria a companhia “A” de emitir um total de 80 ações (120 : 1,512167). Essa quantidade de ações, nos termos do CPC n. 15, § B20, é a suficiente para se computar a contraprestação a valor justo de $464 (80 x $5,80).14 14 [...] “o valor justo, na data da aquisição, da contraprestação transferida pelo adquirente contábil pela sua participação na adquirida deve ser baseado no número de instrumentos de participação societária (quantidade de ações, por exemplo) que a controlada legal teria de emitir para conferir aos proprietários da controladora legal o mesmo percentual de participação societária na entidade combinada que resulta da aquisição reversa. O valor justo calculado dessa forma pode ser usado como o valor justo da contraprestação transferida em troca do controle da adquirida contábil” (CPC n. 15, § B20, grifei).

Os ativos líquidos da companhia “B” a valores justos já foram evidenciados quando do cômputo das relações de substituição das ações de “A” por “B” (quadro 3, “Acervo de Ativos Líquidos de B”). Foi identificada mais-valia de estoques, de imobilizado, de intangível e de empréstimos de respectivamente, $10, $10, $20 e $4, dando um efeito líquido de $36, o que gera um passivo fiscal diferido de $11 (alíquota consolidada de IRPJ e CSLL de 30%, por hipótese para simplificar a conta).

Ao se confrontar a contraprestação dada em troca do controle da companhia “B”, mensurada ao valor justo, de $464, com os ativos líquidos de “B” ao valor justo, de $345, chega-se ao goodwill consolidado de $119 (goodwill essência).

Já para fins de Balanço Individual, deve-se levar a efeito outra PPA (legalmente a Demonstração Individual deve ser elaborada no Brasil). Nesse sentido, para fins de aquisição legal, a companhia adquirida é “A”, que tem os seus ativos líquidos mensurados ao valor justo. A contraprestação é de $580, pois esse valor refletiu a quantidade de ações emitidas por “B” a valor justo (151 x $3,84), adquirente legal, permutadas pelas ações de “A”. A PPA segue abaixo.

QUADRO 7
PURCHASE PRICE ALLOCATION DA COMPANHIA “A” E CÔMPUTO DO GOODWILL

Os ativos líquidos da companhia “A” a valores justos já foram evidenciados quando do cômputo das relações de substituição das ações de “A” por “B” (quadro 3 “Acervo de Ativos Líquidos de A”). Foi identificada mais-valia de estoques, de imobilizado e de sinergia (intangível não qualificado para fins de reconhecimento contábil) de, respectivamente, $20, $30, e $5, dando um efeito líquido de $50 (o intangível não é passível de reconhecimento contábil, por não se qualificar nos critérios estabelecidos no CPC n. 04 e no CPC n. 15), o que gera um passivo fiscal diferido de $15 (alíquota consolidada de IRPJ e CSLL de 30%).

Ao se confrontar a contraprestação dada em troca do controle legal da companhia “A”, mensurada ao valor justo, $580, com os ativos líquidos de “A” a valor justo, $575, chega-se ao goodwill individual de $5 (goodwill forma). E esse goodwill forma de $5 nada mais representa do que a sinergia não reconhecida contabilmente.

Com isso, uma primeira controvérsia de natureza tributária surge com a aquisição reversa. Que goodwill utilizar para fins fiscais? O de $119 ou $5? Que Laudo de Avaliação protocolizar na Receita Federal do Brasil, ou cujo sumário deverá ser registrado em cartório de Títulos e Documentos? A legislação tributária a rigor não deve observar o regramento estabelecido na legislação comercial para fins de custo de aquisição de participação em coligadas e controladas e, por consequência, de goodwill? (IN 1.700/2017, art. 178, § 12). Nesse particular, contabilmente, não seria a companhia “A” a identificada como adquirente? São questões para as quais não há respostas, posto não haver indicações claras na legislação. Os operadores do Direito no Brasil terão um desafio pela frente!

Como salientado na introdução deste artigo, aplicar uma Contabilidade de origem anglo-saxônica (as IFRSs), desenvolvida para um ambiente de common law, com conceitos e princípios assentados na substância econômica das transações, voltada a Demonstrações Consolidadas, em um ambiente jurídico como o nosso, codificado, cujas bases advêm do Direito Positivo Romano, por si só já é desafiador. Estender essa mesma Contabilidade a Demonstrações Individuais é mais desafiador ainda, sobretudo por repercutirem nos âmbitos societário e tributário.

Levantando as Demonstrações Contábeis Individuais e Consolidadas para refletir a Combinação de Negócios efetivada, chega-se aos números apresentados a seguir.

QUADRO 8
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

A fim de evidenciar a diferença entre os dois goodwills apurados, e justificar o fato de a sua origem estar na sinergia observada entre os ativos líquidos combinados de “A” e “B” (lucros anormais a serem observados após a Combinação de Negócios), apresenta-se a seguir a conciliação dos números.

QUADRO 9
– CONCILIAÇÃO DO GOODWILL INDIVIDUAL COM O GOODWILL CONSOLIDADO

Buscando elucidar a conciliação acima, tenha-se em mente que se deve considerar a entidade combinada como um todo e todas as contraprestações envolvidas (inclusive a dos acionistas não controladores de “A”), e deve-se capturar contabilmente todas as sinergias reveladas quando da avaliação econômica das duas companhias combinadas (ativos líquidos de “A” e de “B”). Verifica-se assim o elo umbilical dos dois goodwills.

E se porventura os acionistas não controladores da companhia “A” (Acionistas PÑCA) decidissem não migrar para “B” no processo de incorporação de ações? A rigor, pela lei societária, caberia a eles retirarem-se da sociedade pelo valor de reembolso de suas ações, conforme já comentado. A operação de incorporação de ações, uma vez aprovada em Assembleia Geral de acionistas, é levada a efeito. Porém, a título meramente didático, simulando esse evento como um expediente para comprovar o que está consignado no CPC n. 15 – a participação dos acionistas não controladores no consolidado não muda, quando alguns acionistas não participarem da relação de troca de ações (CPC n. 15, § C12) – é apresentada a seguir a configuração societária hipotética da não migração de não controladores para cima (já se reforçou que legalmente isso não é possível no Brasil, mas consta no Exemplo Ilustrativo do CPC n. 15, espelhado na IFRS n. 3).

QUADRO 10
– CONFIGURAÇÃO SOCIETÁRIA DO GRUPO E DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL HIPOTÉTICAS DE “A” E “B” COM A NÃO MIGRAÇÃO DE NÃO CONTROLADORES

Considerando que só os controladores de “A” migrariam para a companhia “B”, somente 121 ações seriam emitidas por “B” conforme evidenciado a seguir.

QUADRO 11
– RELAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO ENTRE AÇÕES DE “A” E “B”

O PPA para o consolidado seria o mesmo, pois diz respeito à contraprestação a ser dada pelo controlador de “A”, caso tivesse de emitir ações para manter a participação de todos os acionistas na entidade pós-combinação. Assim os números não mudariam, pois “A” teria de emitir as mesmas 80 ações, já evidenciadas anteriormente no PPA do consolidado e o goodwill seriam os mesmos $119. Já o PPA para o individual mudaria, conforme discriminado a seguir.

QUADRO 12
PURCHASE PRICE ALLOCATION DA COMPANHIA “A” E CÔMPUTO DO GOODWILL

Como não houve migração de 100% dos acionistas de “A” para companhia “B”, remanesce uma participação de não controladores de 20% que deve ser mensurada ao valor justo para fins de PPA. O goodwill obtido em verdade é a sinergia identificada quando da avaliação econômica da companhia “A” de $5, a cuja parcela de 80% o controlador faz jus.

Levantando o BP Individual e o Consolidado, estes são reproduzidos a seguir. O Consolidado seria o mesmo e a participação de não controladores de fato não mudaria, como salienta o CPC n. 15, § C12.

QUADRO 13
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Conforme já ressaltado, somente mudaria o individual no tocante à participação de “B” em “A” e ao capital de “B” por conta da emissão de 121 ações para fins de relação de substituição. O consolidado não muda.

Conciliando goodwill consolidado e individual, os resultados são os mesmos já apresentados, com o detalhe de haver o reconhecimento no individual de tão somente 80% da sinergia não reconhecida contabilmente e tratada como goodwill no individual.

QUADRO 14
– CONCILIAÇÃO DO GOODWILL INDIVIDUAL COM O GOODWILL CONSOLIDADO

Ato contínuo, e se a companhia “A” juridicamente se fundir com a companhia “B”, ou for incorporada por “B” ou incorporar “B”? Como refletir esse evento contabilmente?

Contabilmente, por se tratar, nesse segundo momento, de uma operação de Business Combination under Common Control (BCUCC – combinação de negócios entre entidades sob um controle comum), um método aceito pelas IFRSs é o Predecessor Cost Basis. O autor entendeu ser o método mais apropriado, de acordo com leitura sistemática das IFRSs,15 15 No âmbito do CPC (e do IASB), há um silêncio normativo em matéria de BCUCC, sendo objeto de prática contábil discricionária, a ser desenvolvida pela administração da companhia (fair value method e predecessor cost method são escolhas à disposição da administração da companhia). Por outro lado, o Predecessor Cost é a orientação normativa no ambiente norte-americano (ASC 805-50-30-5 e EITF 85-21), país de origem anglo-saxônia, de elevado grau de Governança e com ambiente legal similar ao ambiente para o qual as IFRSs são desenvolvidas e também é orientação normativa no ambiente do Reino Unido (FRS 102.19.29 e ICAEW/ICAS TECH 02/10), também de elevado grau de Governança, e por assim dizer berço inspirador das IFRSs. Em matéria de escolha contábil, o CPC n. 23 (IAS n. 8), parágrafo 12, orienta a administração das companhias quando do exercício de julgamentos voltados ao desenvolvimento de uma prática contábil. A administração das companhias pode também considerar as mais recentes posições técnicas assumidas por outros órgãos normatizadores contábeis que usem uma estrutura conceitual semelhante à do CPC (IASB). visto que os ativos líquidos em jogo não mudarão de mãos, qualquer que seja o arranjo jurídico a ser levado a efeito. E os números finais a serem retratados também não sofrerão alteração, qualquer que seja o arranjo jurídico da operação. Ademais esta escolha visa também a atender critérios de dedutibilidade da legislação tributária16 16 Em operações de incorporação, fusão ou cisão, o saldo do “goodwill” decorrente da aquisição de participação societária entre partes não dependentes, existente na contabilidade na data da aquisição da participação societária, poderá ser excluído para fins de apuração do lucro real (IRPJ) e do resultado ajustado (CSLL) à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração, nos termos da Lei n. 12.973/2014, artigo 22, regulamentado pelo artigo 185 da IN n. 1.700/2017. E o conceito tributário de partes dependentes encontra-se insculpido na Lei n. 12.973/2014, artigo 25, regulamentado pelo artigo 189 da IN n. 1.700/2017, que prevê algumas situações de enquadramento, dentre as quais a do seu inciso I, qual seja, adquirente e alienante estão sob um controle comum (BCUCC) (BRASIL, 2014). e observar os efeitos fiscais do desdobramento da operação (um dos objetivos deste artigo é observar os efeitos fiscais das IFRSs no tocante às Combinações de Negócios).

A rigor, o Predecessor Cost Basis já está refletido no Balanço Consolidado. Resta reproduzir tão somente no Balanço Individual da sociedade sucessora os números consolidados. O Balanço Individual resultante, bem como a distribuição de capital final da sociedade sucessora após essa operação é a que segue.

QUADRO 15
– BALANÇO PATRIMONIAL INDIVIDUAL E DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL DA COMPANHIA RESULTANTE

Pois bem, com a operação de incorporação ou fusão, as “mais-valias” de ativos, nos termos do artigo 20 da Lei n. 12.973/2014 (BRASIL, 2014BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 12.973 de 13 de maio de 2014. Dispõe sobre Legislação Tributária Federal relativa ao IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 14 maio 2014.), regulamentado pela IN n. 1.700/2017, art. 185 (BRASIL, 2017BRASIL. RECEITA FEDERAL. Instrução Normativa n. 1.700 de 14 de março de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, 16 mar. 2017.), podem ser incorporadas ao custo dos ativos que lhes deram origem, gerando efeitos fiscais tanto para fins de apuração de eventual ganho de capital, como para fins de depreciação ou amortização. Entretanto, a legislação tributária é silente quanto à mais-valia do passivo. Como proceder fiscalmente? A despesa financeira advinda desse “pedaço” do passivo é dedutível? Ora, no processo de negociação entre as partes independentes, a alteração nas taxas de juros de mercado não compôs o custo do negócio? Não teve repercussão jurídica, econômica e financeira? (sem dúvidas impactou o preço!). Mais uma controvérsia a ser resolvida pelos juristas brasileiros.

Por fim, o goodwill, nos termos do artigo 22 da Lei n. 12.973/2014, passa a ser dedutível fiscalmente, à base de 1/60, no máximo, por cada mês do período de apuração do lucro. Resta saber como fica o goodwill de uma aquisição reversa. Se a Receita Federal do Brasil irá questionar sua dedutibilidade, tendo em vista “formalmente” não se encontrar registrado no Balanço Individual da adquirida contábil (adquirente legal). Mais outra controvérsia a ser resolvida pelos juristas brasileiros.

2 CN com obtenção de controle sem contraprestação

Considerando que o ambiente de mercado de capitais brasileiro já evoluiu a ponto de apresentar companhias com controle pulverizado e negociado no mercado, fazendo surgir instrumentos de defesa contra aquisições hostis (as poison pills estatutárias) e mais ainda, que já se testemunhou uma primeira grande contenda de mercado envolvendo uma takeover hostil, por meio de OPA do art. 257 da LSA (Sadia x Perdigão), sejam admitidas as companhias “A” e “B” a seguir. A companhia “B” é por assim dizer uma companhia sem controlador, tendo o seu controle negociado no mercado (apresenta um free float de 84%). E a companhia “A” detém uma posição minoritária em “B”, que lhe confere poder de influência, para fins de enquadramento e aplicação do MEP.

Os Balanços Patrimoniais de ambas as companhias e o arranjo societário de “B” são apresentados a seguir.

QUADRO 16
– BALANÇOS PATRIMONIAIS DAS COMPANHIAS “A” E “B” E CONFIGURAÇÃO SOCIETÁRIA DE “B”

O capital de “B” está assim distribuído.

QUADRO 17
– DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL DE “B”

Sejam admitidas as seguintes hipóteses, para o prosseguimento da simulação:

H1: A companhia “A” obtém o controle da companhia “B” por meio de procurações de voto,17 17 É possível no Brasil, ainda que remotamente, a obtenção do controle por meio de procurações de voto, ou por meio de acionamento de direitos substantivos ou de sua supressão, ou por meio da combinação de ambos os instrumentos (formação de um bloco de controle). E nesse caso o controle é obtido com ausência de custo. alcançando 51% do capital votante (proxy fight).

H2: A companhia “A” firma um Acordo de Acionistas com a companhia Alfa, e mais um grupo de acionistas representando 24% do capital votante de “B”, de modo a constituir um bloco de controle representando 40% do capital votante de “B”. O restante do capital votante de companhia “B” está totalmente disperso, o que inviabiliza a formação de um bloco de controle. Assim, com o Acordo de Acionista firmado, a companhia “A” é indicada para controlar a companhia “B”, conseguindo preponderar de modo permanente nas deliberações sociais e eleger a maioria dos executivos de “B”.

Nas duas hipóteses acima ocorre a assunção de controle de “B” por “A” com ausência de contraprestação (custo). Assim, considerando a previsão do CPC n. 15, é levada a efeito a avaliação a valor justo dos ativos líquidos de “B” (adquirida).

QUADRO 18
– AVALIAÇÃO A VALOR JUSTO DOS ATIVOS LÍQUIDOS DE “B”

Nesse sentido, para determinar o montante do goodwill ou ganho por compra vantajosa em uma Combinação de Negócios, segundo a qual não há contraprestação dada em troca do controle (CPC n. 15, §§ 43 e 44), o adquirente deve usar o valor justo de sua participação na adquirida, na data em que o controle é obtido (o green book da IFRS n. 3, § 43 remete ao tratamento contábil a ser dispensado nessas circunstâncias para o § 33 da IFRS n. 3).

Assim, seja admitido que é publicado o anúncio da operação e o mercado precifique tempestivamente um prêmio de controle equivalente a 15% do valor justo proporcional da participação. A precificação desse prêmio pelo controle, que o mercado brasileiro leva a efeito, é uma realidade do mercado brasileiro.18 18 Em reportagem do Valor Econômico, de 26 de março de 2007, p. D2, intitulada “A governança faz a diferença no pregão”, os seguintes excertos são obtidos: “Depois de operações em que os minoritários detentores de ações preferenciais (PN, sem direito a voto) saíram no prejuízo, a compra do grupo Ipiranga endossou a importância de se investir em empresas com governança corporativa. Casos emblemáticos como o da Ambev, Ripasa, Tele Centro Oeste (TCOC) e, por pouco, da Telemar deixaram claro que os minoritários podem perder muito se investirem em PNs de empresas que não garantem os mesmos direitos a todos os acionistas. Nesse casos citados, os preferencialistas perderam porque não receberam o mesmo valor, ou parte dele, pago aos controladores na venda da companhia – o ‘tag along’ […] o direito influencia as ações principalmente em dois momentos: quando a empresa passa a concedê-lo e quando ele é usado, no caso da venda da companhia.” (A GOVERNANÇA..., 2007). A base para aplicação do valor justo é o valor de cotação da participação detida. O PPA é apresentado abaixo.

QUADRO 19
PURCHASE PRICE ALLOCATION DA COMPANHIA “B” E CÔMPUTO DO GOODWILL

Aplicando os procedimentos contábeis necessários para levantamento dos Balanços Patrimoniais Individuais e Consolidado, chega-se aos números abaixo.

QUADRO 20
– BALANÇOS E DRE INDIVIDUAIS E CONSOLIDADO

Considerando a ausência de tratamento tributário para referida operação, por analogia está sendo considerado o tratamento previsto para as step acquisitions, posto que é a situação em que ocorre a remensuração a valor justo da participação societária detida, como no caso em tela. Ademais, as reavaliações a valores justos de mais-valias e menos valias, assim como do goodwill, nas step acquisitions, não possuem efeito caixa imediato, também como no caso em tela. Mas claro que tudo irá depender do entendimento da Receita Federal do Brasil e em último caso do Judiciário. O ganho por avaliação a valor justo da participação societária detida, em uma step acquisition, teria a sua tributação diferida, sendo controlado na parte “B” do e-Lalur e do e-Lacs (IN 1.700/2017, art. 183, §1º). Será esse o entendimento para uma operação de aquisição de controle sem contraprestação? Matéria para os juristas brasileiros.

Admitindo como desfecho da operação, que a companhia “A” incorpore “B” ou ocorra uma fusão com “B”, ainda que “A” tenha poder de voto limitado a 8% do capital votante de “B”,19 19 Quando da Combinação de Negócios ocorrida entre Americanas.com e Submarino, observou-se um fato inusitado no mercado brasileiro: o grau de pulverização de controle da Submarino era tal, que não se conseguiu quorum mínimo para aprovação da operação, nos termos do artigo 136, caput, da Lei n. 6.404/76, qual seja, de metade no mínimo das ações com poder de voto, em três Assembleias Gerais consecutivas convocadas para deliberar a respeito da operação. Os administradores da Submarino tiveram de submeter pedido especial à Comissão de Valores Mobiliários – CVM para redução de quorum, nos termos do § 2º do citado artigo 136. Aspecto que denota a alienação política dos acionistas no Brasil. E evidencia também como a regulação brasileira está sendo moldada para lidar com essas peculiaridades das companhias com controle pulverizado. os números seriam a seguir reproduzidos, com base no Predecessor Cost, método adotado pelas razões já esposadas neste artigo e na nota de rodapé 15.

QUADRO 21
– BALANÇO PATRIMONIAL DA COMPANHIA RESULTANTE

Com a fusão ou incorporação, o ganho de avaliação a valor justo de $6 não terá efeito na determinação do lucro real (IRPJ) e do resultado ajustado (CSLL), conforme orienta o artigo 39, inciso I da Lei n. 12.973/2014, regulamentado pela IN n. 1.700/2017, artigo 191, inciso I. Ademais, devem ser contabilizadas em subcontas distintas, conforme requer o § 1º do artigo 39 da Lei n. 12.973/2014, regulamentado pela IN n. 1.700/2017, artigo 191, § 1º, as mais-valias e goodwill relativos à participação anterior, existentes antes da fusão ou incorporação.

E quanto às mais-valias de ativos e passivo, controladas em subcontas, e ao goodwill? São dedutíveis, nos termos dos artigos 20 e 22 da Lei n. 12.973/2014? Conclui-se que não, pela leitura da Lei n. 12.973/2014, em seu artigo 39, § 4º, combinado com o DL n. 1.598/1977, art. 20, incisos II e III, regulamentados pela IN n. 1.700/2017, artigos 191, § 4º e 178, incisos II e III. Não são mais-valias e goodwill advindos de aquisição de participação societária, mas derivados de avaliação a valor justo de participação societária anteriormente detida. Os tributaristas no Brasil terão uma árdua tarefa na interpretação de todas essas disposições legais e normativas.

3 CN com perda de controle 20 20 A rigor, para se qualificar como uma CN, o controle de ativos líquidos que se constituam um negócio deve ser adquirido por um terceiro. Dado os aspectos tributários relevantes a serem explorados neste artigo optou-se por incluir esta operação. mas com manutenção de influência significativa sobre a ex-controlada

Passando a outra situação, também sem tratamento específico pela legislação tributária, seja admitida agora a figura de novo goodwill advindo da perda de controle em uma sociedade, mas com a manutenção da influência significativa. No Brasil, conforme já salientado, o processo de convergências das normas contábeis internacionais contemplou não só as Demonstrações Contábeis Consolidadas, como também as Individuais. Por essa razão, há peculiaridades observadas em nosso ambiente de regulação, como é o caso do método de equivalência patrimonial – MEP aplicado às companhias controladas, até então vedado pelo IASB.21 21 Com a emenda a que foi submetida a IAS n. 27 – Separate Financial Statements, em agosto de 2014, em parte por pressão da jurisdição brasileira, o MEP passou a ser admitido como mais uma alternativa de tratamento contábil (além do custo e do valor justo) para participações detidas em coligadas, controladas e joint ventures. O Board do IASB concluiu que as controladoras que tiverem eleito o MEP para tratamento de suas controladas em Demonstrações Separadas, que são facultativas e não tem o mesmo propósito das Demonstrações Individuais no Brasil, que têm repercussão contratual e legal, devem seguir os procedimentos previstos na IAS n. 28 que trata do MEP aplicável a coligadas e joint ventures (IAS n. 27, § BC10H)

Tome-se por base a seguinte configuração patrimonial, em que a companhia “A” controla a companhia “B” com 70% do seu capital. Os números são a seguir apresentados.

QUADRO 22
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B”, BALANÇO CONSOLIDADO E RAZÃO ANALÍTICO DA RUBRICA DE INVESTIMENTO “B”

O seguinte evento é observado: o controlador da companhia “A” aliena para terceiros 40% do capital da companhia “B”, por $180, perdendo o seu controle, porém mantendo influência significativa sobre sua gestão.

Aqui cabe um parênteses. Assim como a aquisição do controle de uma dada companhia é um evento crítico, que requer a mensuração ao valor justo dos ativos líquidos adquiridos e da contraprestação dada em troca do controle, a perda do controle também é um evento crítico. A perda do controle, do mesmo modo, impõe uma nova base de mensuração (fair value).

Em síntese, deverão ser observados os seguintes procedimentos, quando da perda de controle:

desreconhecer ativos e passivos da ex-controlada do BP Consolidado, inclusive o goodwill e a participação de acionistas não controladores (CPC n. 36, §§ 25A e B98a);

reconhecer o investimento remanescente na ex-controlada, se houver, ao seu valor justo. Em sendo caracterizada a influência significativa, adotar o MEP em seguida (CPC n. 36, § 25b);

reconhecer na Demonstração do Resultado do Exercício – DRE o ganho ou perda advindo da perda de controle na ex-controlada (CPC n. 36, § 25c);

o valor justo da eventual contraprestação recebida, acrescido da contrapartida ao valor justo do investimento remanescente, se houver, na investida, deve ser confrontado com o valor contábil “desreconhecido” (CPC n. 36, § B98b);

reclassificar para a DRE ou para lucros acumulados, conforme requerido por outro do CPC, todos os Outros Resultados Abrangentes – ORAs relacionados com a ex-controlada (CPC n. 36, §§ B98c e B99).

Prosseguindo com o exemplo, em que é admitida a alienação da participação societária detida por “A” em “B”, com consequente perda do controle, porém com a manutenção do MEP (influência significativa), os números são a seguir reproduzidos.

QUADRO 23
– RESULTADO DA REMENSURAÇÃO – POR VIA DIRETA

O valor justo do interesse retido foi obtido implicitamente: 30% de participação remanescente de $180 : 40%, que seria implicitamente o valor justo por 100% da participação em “B”.22 22 Claro que nesse caso haveria um prêmio de controle envolvido, fosse alienado 100% do capital. Mas como no caso em tela não houve transferência de controle tampouco assunção, mas sim exclusivamente perda de controle, parece razoável admitir que a base de mensuração para uma participação não controladora é admissível para qualquer outra participação não controladora. E admite-se essa hipótese, para simplificar o exemplo: os 3º adquirentes não obtêm o controle de “B”. O custo do investimento de $300 e o valor da contraprestação recebida em troca de $180 são dados do exemplo. Há um ganho na remensuração de $15. Esse mesmo ganho de $15 pode ser evidenciado de outra forma.

QUADRO 24
– RESULTADO DA REMENSURAÇÃO – POR VIA INDIRETA

Decompondo os números, os $33 decorrem da diferença entre o valor da contraprestação recebida e o valor proporcional alienado do PL de B a valor justo líquido de efeitos fiscais [$180 – 40% ($360 + $10 – $3)], os $43 representam o goodwill originalmente registrado quando da obtenção do controle de “B” e agora baixados (desreconhecidos, conforme orientação do CPC n. 36, § B98 “a”, “i”) e o novo goodwill de $25 é a seguir demonstrado.

QUADRO 25
– EVIDENCIAÇÃO DO NOVO GOODWILL (IMPLÍCITO) E GANHO DE CAPITAL “FISCAL”

O Balanço Patrimonial de “A” após a perda do controle e a razão analítica da linha de investimento de “A” em “B” são a seguir apresentados.

QUADRO 26
– BALANÇO PATRIMONIAL DE “A” E RAZÃO ANALÍTICO DA RUBRICA DE INVESTIMENTO “B”

E com isso, mais questões são oferecidas para reflexão. Como enquadrar essa figura da perda de controle na Legislação Tributária? Não parece apropriado, s.m.j., uma analogia às operações de step acquisition, posto que diferentemente da aquisição de controle sem contraprestação (caso tratado na seção 2, e que é um tipo de aquisição análogo a uma step acquisition), não está em jogo uma aquisição de participação societária, mas sim uma alienação de participação societária! Entretanto, não resta alternativa para solução do problema que não seja recorrer ao tratamento análogo dado às step acquisitions, sobretudo para fins de controles analíticos por subconta. Esta foi a solução para controle do goodwill da participação societária remanescente: $19 de goodwill adquirido mais $6 de mais-valia do goodwill após remensuração ao valor justo.

Ao que parece, salvo interpretação jurídica mais apropriada, o ganho de capital “contábil” de $15 advindo da remensuração e do desreconhecimento de participação societária não estaria em linha com a previsão da legislação fiscal, que indica um ganho de capital “fiscal”, passível de tributação, de $9.23 23 Lei n. 8.981/95, em seu artigo 32, emendado pela Lei n. 12.973/2014. Esses $9 nada mais são do que a diferença positiva verificada entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil [$180 - 40% x ($360 + $10 – $3) – $43 x 0,4/0,7)], qual seja, valor de patrimônio líquido acrescido de “mais-valia” ou “menos-valia” advindos da diferença observada entre o valor justo dos ativos líquidos da investida e o seu valor contábil e do ágio por rentabilidade futura – goodwill, para o qual houve uma baixa parcial de $25.

O novo goodwill de $25, deve ser desdobrado em $19 a valor de custo e $6 de “mais-valia”24 24 Essa mais-valia de goodwill não é dedutível, conforme analogia do § 4º do artigo 183 da IN n. 1.700/2017, muito embora o citado dispositivo refira-se a participações societárias remensuradas ao valor justo no momento de aquisição de nova participação societária. Conforme ressaltado, não há previsão específica na legislação tributária vigente para operação com perda de controle, mas com manutenção de influência significativa sobre a ex-controlada. pela remensuração ao valor justo, salvo interpretação jurídica mais apropriada. É importante salientar que não há uma previsão específica na legislação tributária vigente para esta operação.

4 CN com obtenção de controle por meio de fusão jurídica ou de incorporação de ações da adquirida em uma HOLDING

Outros arranjos de CN que geram controvérsias tributárias e societárias dizem respeito à obtenção de controle por meio de fusão jurídica ou da incorporação de ações da adquirida e da adquirente em uma holding.

Sejam admitidas duas companhias distintas, que não estão sob um controle comum tampouco possuem qualquer relação societária, seja de controle ou de coligação. Companhia “Alfa”, uma subsidiária integral da companhia “A” e a companhia “B”, cujo controle é negociado no mercado.

A configuração societária de “Alfa”, a forma pela qual o capital de “Alfa” está distribuído no mercado e os Balanços Patrimoniais de “Alfa” e “A” são abaixo apresentados.

QUADRO 27
– CONFIGURAÇÃO SOCIETÁRIA E DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL DE “ALFA”

QUADRO 28
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “ALFA” E BALANÇO CONSOLIDADO

A configuração societária de “B”, a forma pela qual o capital de “B” está distribuído no mercado e o Balanço Patrimonial de “B” são apresentados a seguir.

QUADRO 29
– CONFIGURAÇÃO SOCIETÁRIA E DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL DE “B”

QUADRO 30
– BALANÇO PATRIMONIAL DE “B”

Imaginando agora que as companhias “Alfa” e “B” resolvam promover uma Combinação de Negócios, levar a efeito uma CN, por meio da qual advoguem ocorrer uma merger genuína (uma fusão de controle). Objetivamente estariam se combinando supostamente para compartilhar o controle.25 25 Este é um caso hipotético e qualquer semelhança com um caso concreto observado no mercado de capitais brasileiro deve ser encarada como uma mera coincidência. As considerações do autor não devem ser de modo algum utilizadas fora do contexto deste trabalho. Assim, duas seriam as hipóteses: a companhia “Alfa” e a companhia “B” promoveriam uma “fusão de controle”, ou por meio de constituição de uma terceira companhia, para a qual seriam vertidas as participações societárias detidas em ambas, ou por meio de uma fusão jurídica (com a extinção dos CNPJs de “Alfa” e de “B”).

FIGURA 1
– CONSTITUIÇÃO DE UMA TERCEIRA COMPANHIA (COMPANHIA “BETA”)

FIGURA 2
– FUSÃO JURÍDICA: “ALFA” + “B” = “BETA”

Resultado final da combinação, quer seja por meio de uma incorporação de ações, para tornar “Alfa” e “B” subsidiárias integrais, quer seja por meio de uma fusão jurídica, com a consequente extinção dos CNPJs de “Alfa” e “B”: contabilmente a companhia “Alfa” é a adquirente do controle da companhia “B”. A distribuição de capital final (50,96% e 49,04%) será elucidada no cômputo das relações de troca de ações.

Do ponto de vista societário não há alienação de controle de “B”, nos termos do artigo 254-A da Lei n. 6.404/76, até porque não há um ex-controlador alienando a sua participação (a companhia “B” possui o controle negociado no mercado) e tampouco há a aquisição do controle de “B” via Oferta Pública a mercado – OPA, nos termos do artigo 257 da Lei n. 6.404/76 (BRASIL, 1976BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União, Brasília, 17 dez. 1976.).

Societariamente, caberia aos acionistas dissidentes de “B” o direito de retirada, pelo valor de reembolso de suas ações, nos termos do artigo 137 da Lei n. 6.404/76, por força do artigo 136 da mesma lei, inciso IV, para o caso da fusão jurídica, ou o direito de retirada, pelo valor de reembolso de suas ações, nos termos do artigo 252, § 2º da Lei n. 6.404/76, para o caso de incorporação de ações (BRASIL, 1976BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União, Brasília, 17 dez. 1976.). Não haveria decisivamente como advogar a tese da fusão de controle genuína (true merger), pela configuração final do arranjo de controle e da distribuição de capital das companhias, uma vez consumadas as operações. Os controladores de “Alfa” passam a deter o controle pleno e unilateral do grupo.

Levando a efeito as avaliações econômicas dos acervos de ativos de “Alfa” e “B” para fins de aplicação do método da compra e também para fins de cômputo das relações de troca das ações, chega-se aos números abaixo.

QUADRO 31
– ACERVO DE ATIVOS LÍQUIDOS DE “ALFA”

QUADRO 32
– ACERVO DE ATIVOS LÍQUIDOS DE “B”

Aqui valem algumas das considerações tecidas para a seção 1, que tratou de aquisição reversa, no tocante à relação de troca das ações. A Lei 6.404/76, a rigor, em seu artigo 264, só requer o cômputo das relações de substituição a preços de mercado (valor econômico), quando houver no caso incorporação, fusão, cisão ou incorporação de ações envolvendo companhia controlada e companhia controladora, quer a sucessora após a operação se torne a controladora ou a controlada, ou quando envolver sociedades sob um controle comum (BRASIL, 1976BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União, Brasília, 17 dez. 1976.).

Entretanto, o CPC n. 15 admite, conforme previsto em seu § 33, a avaliação a valor justo da participação transferida (ações de “Alfa”), quando esta puder ser mensurada com maior confiabilidade do que a participação societária detida na adquirida (ações de “B”).26 26 IFRS n. 3, § 33 – In a business combination in which the acquirer and the acquiree (or its former owners) exchange only equity interests, the acquisition-date fair value of the acquiree’s equity interests may be more reliably measurable than the acquisition-date fair value of the acquirer’s equity interests. If so, the acquirer shall determine the amount of goodwill by using the acquisition-date fair value of the acquiree’s equity interests instead of the acquisition-date fair value of the equity interests transferred. To determine the amount of goodwill in a business combination in which no consideration is transferred, the acquirer shall use the acquisition-date fair value of the acquirer’s interest in the acquiree in place of the acquisition-date fair value of the consideration transferred. (grifei a versão original em inglês da IFRS). Além disso, pelo método da compra, os ativos líquidos da adquirida contábil, companhia “B”, devem ser mensurados ao valor justo da data da Combinação de Negócios. Na prática, ocorrerá uma relação de substituição de ações em uma base justa.

Assim, a relação de substituição de ações é a seguir evidenciada.

QUADRO 33
– RELAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO ENTRE AÇÕES DE “ALFA” E “BETA”

Com relação ao acervo de ativos da companhia Beta, a valores de mercado, este é a rigor o agregado de ativos líquidos de “Alfa” e “B”, a valores de mercado, envolvidos na combinação de negócios. Pode-se visualizá-lo a seguir.

QUADRO 34
– ACERVO DE ATIVOS LÍQUIDOS DE “BETA” A VALOR ECONÔMICO

Executando os procedimentos necessários para alocação do preço de compra, chega-se aos números a seguir apresentados.

QUADRO 35
PURCHASE PRICE ALLOCATION DE “B” E CÔMPUTO DO GOODWILL

Observa-se no caso um goodwill de $6, pela aquisição contábil do controle da companhia “B” pela companhia “Alfa” e sendo reconhecido em uma terceira companhia, qual seja, companhia “Beta”, quer seja pela constituição de uma empresa holding “Beta” (resultante do processo de incorporação de ações de “Alfa” e “B” para torná-las subsidiárias integrais de “Beta”), quer seja pela fusão jurídica de “B” com “Alfa”, e suas consequentes extinções com o surgimento da sucessora “Beta”.

Para o caso de haver a incorporação de ações, os balanços são apresentados a seguir.

QUADRO 36
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “BETA”, “ALFA”, “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

A distribuição do capital de “Beta” e a conciliação da rubrica de investimento vêm a seguir.

QUADRO 37
– DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL DE “BETA” E CONCILIAÇÃO DA RUBRICA INVESTIMENTO “B”

No caso em tela, a controvérsia tributária que surge com o goodwill advém do fato de ser reconhecido em um nível societário acima do nível em que ocorre a combinação de negócios. Objetivamente, o goodwill não é reconhecido na companhia adquirente, no caso “Alfa”, mas na empresa holding que fica acima dela, no caso “Beta”. Eis que surge a questão: o fisco admitiria esse goodwill e respectivo Laudo de Avaliação? A operação societariamente é legítima, contabilmente está adequadamente reconhecida e economicamente de fato foi observada uma aquisição de controle da companhia “B” por “Alfa”.

O Decreto-Lei n. 1.598/77, em seu artigo 20, regulamentado pela IN n. 1.700/2017, em seu artigo 178, faz menção ao desdobramento do custo de participações em controladas e coligadas, por ocasião da aquisição da participação. Na incorporação de ações não há formalmente uma operação de aquisição de participação societária, salvo interpretação jurídica mais apropriada. Por outro lado, remanesce o comando do § 12, do artigo 178, da IN n. 1.700/2017, que assevera que a composição do custo de aquisição respeitará o que dispuser a legislação comercial (BRASIL, 2017BRASIL. RECEITA FEDERAL. Instrução Normativa n. 1.700 de 14 de março de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, 16 mar. 2017.).

Para o caso de haver a fusão jurídica, o balanço é apresentado a seguir.

QUADRO 38
– BALANÇO PATRIMONIAL “BETA” PÓS FUSÃO

Por essa alternativa de combinação, não haveria a controvérsia relacionada ao registro de goodwill em uma companhia holding acima das companhias combinadas. Salvo melhor interpretação jurídica, as mais-valias e goodwill reconhecidos produziriam plenamente os efeitos fiscais previstos na Legislação Tributária, já mencionados neste artigo, com a fusão jurídica. E teriam sua disciplina nas disposições vigentes tributárias, também já citadas.

5 Earn-out ou escrow account em uma CN

A combinação de um negócio definitivamente não é uma transação das mais simples, cujas informações relevantes e imprescindíveis estão prontamente disponíveis tanto para o comprador quanto para o vendedor tomarem a melhor decisão. Não por acaso o período de mensuração de uma Combinação de Negócios pode chegar até a um ano (CPC n. 15, §§ 45-50).

Esta complexidade presente em uma Combinação de Negócios incentiva as partes envolvidas a celebrarem acordos contendo cláusulas que as salvaguardem de riscos e incertezas futuros. Daí surgem as contraprestações contingentes, originadas de cláusulas de earn-out e/ou de garantia de depósito bancário, também denominado escrow account.

O Apêndice A do CPC n. 15 assim define uma contraprestação contingente:

[...] são obrigações contratuais, assumidas pelo adquirente na operação de combinação de negócios, de transferir ativos adicionais ou participações societárias adicionais aos ex-proprietários da adquirida, caso certos eventos futuros ocorram ou determinadas condições sejam satisfeitas. Contudo, uma contraprestação contingente também pode dar ao adquirente o direito de reaver parte da contraprestação previamente transferida ou paga, caso determinadas condições sejam satisfeitas.

A contraprestação contingente é também utilizada pelo comprador e pelo vendedor quando um consenso acerca do valor do negócio adquirido não é obtido. Ainda é utilizada quando vendedor e comprador desejam compartilhar o risco das mudanças no valor do negócio ou de projetos em particular.

A fim de facilitar a compreensão do tema do ponto de vista contábil e tributário, sejam admitidas duas companhias “A” e “B”, sem qualquer relação societária, seja de controle ou de coligação, tampouco submetidas a um mesmo controle comum. A configuração patrimonial inicial é a que segue abaixo.

QUADRO 39
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B”

Por hipótese, a Companhia “A” adquire 70% da Companhia “B” por $520, à vista. Adicionalmente, compromete-se com uma contraprestação contingente, caso targets contratuais sejam satisfeitos, mensurada ao valor justo, na data da Combinação de Negócios, por $80. O acervo de ativos líquidos da companhia “B”, mensurado ao valor justo, na data da Combinação de Negócios, é a seguir apresentado.

QUADRO 40
– ACERVO DE ATIVOS LÍQUIDOS DE “B” A VALOR JUSTO

Procedendo aos cálculos necessários para identificação de eventual goodwill na transação, apresenta-se o PPA a seguir.

QUADRO 41
PURCHASE PRICE ALLOCATION DE “B” E CÔMPUTO DO GOODWILL

É identificado um goodwill de $218. Como primeira hipótese – H1, admite-se que a contraprestação contingente é um passivo, decorrendo da obrigação de entregar caixa ou outro ativo financeiro no futuro, caso o evento futuro e incerto que a justifica ocorra. Os Balanços Patrimoniais são a seguir apresentados.

QUADRO 42
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

De acordo com orientação do CPC n. 15, em seus §§ 58b “i” e 58b “ii”, as alterações subsequentes no valor justo da contraprestação contingente – qualificada como um passivo financeiro – e que não constituam ajustes do período de mensuração, devem ser reconhecidas no resultado do exercício – DRE. Tributariamente, no sentir do autor, salvo interpretação jurídica mais apropriada, esse ganho ou perda observado na remensuração subsequente da contraprestação contingente que vai a resultado não é tributável tampouco dedutível, passível de enquadramento nos artigos 41 e 46 da Lei n. 12.973/2014, e com imposição do controle analítico por subcontas da contraprestação contingente.

Em ocorrendo a fusão ou incorporação das companhias envolvidas na combinação, imediatamente após a assunção do controle de “B” por “A”, o Balanço Patrimonial consolidado refletiria o valor dos ativos líquidos da companhia sucessora, a produzirem os efeitos fiscais previstos na legislação. Nesse particular o goodwill seria fiscalmente dividido em dois pedaços: uma parte dedutível, passível de amortização no e-Lalur e no e-Lacs por 1/60, no máximo, por mês calendário, no montante de $138 e outra parte não dedutível, por envolver uma condição suspensiva, no montante de $80 (que é a contraprestação contingente), a ser controlada na parte B do e-Lalur e do e-Lacs, para ser dedutível fiscalmente quando da liquidação da contraprestação contingente.27 27 A rigor a IN n. 1.700/2017, em seu art. 196, § 2º, não operacionaliza de modo inequívoco a forma pela qual as contraprestações contingentes devem ser tratadas tributariamente. O autor está dispensando uma interpretação teleológica (o sentido lógico e os fins da norma) para operar a norma, considerando os efeitos fiscais da contraprestação contingente, quando convertida em renda. Na liquidação da contraprestação contingente, a condição suspensiva – a satisfação de um target contratual – seria plenamente atendida.

Nesse sentido, a fim de ilustrar o discorrido, seja admitido que o target seja atingido – Hipótese H1A, qual seja, a companhia “B” alcance um valor de mercado preestabelecido contratualmente, ou alcance um determinado market share previsto contratualmente, ou ainda ultrapasse-se um valor de EBITDA consolidado, ou um projeto de P&D mature, ou uma conjugação de mais de uma meta dessas descritas. A companhia “A” vai liquidar a contraprestação contingente contra o seu caixa, em igual valor. Os números a seguir traduzem o evento econômico.

QUADRO 43
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Com a satisfação da condição suspensiva, o goodwill fiscal se iguala ao goodwill contábil. Cem por cento dos $218 passam a ser dedutíveis, nos termos previstos na legislação tributária em vigor, caso ocorra a fusão ou incorporação das companhias envolvidas na combinação, em um passo seguinte.

Por outro lado, caso o target não seja atingido – Hipótese H1B, a companhia “A” irá baixar o passivo com a contraprestação contingente e reconhecer um ganho na DRE de imediato. Duas seriam as questões para as quais não se encontra resposta em disposições na legislação tributária vigente:

(1) o ganho com a baixa do passivo seria tributável? Está justificado tributariamente por aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica?

(2) tributariamente, a parte do goodwill que tem origem na contraprestação contingente com condição suspensiva, pela sua não satisfação, não seria passível de dedutibilidade, nos termos do artigo 196, da Instrução Normativa n. 1.700/2017, à luz do CTN, artigo 117. Contudo, poderia compensar o ganho apurado, na eventualidade de este vir a ser tributado? Não estão ligados umbilicalmente? Mais controvérsias a serem submetidas à apreciação dos juristas brasileiros.

Além disso, é esperado que com a não satisfação da condição suspensiva ocorra algum impairment do goodwill, afinal aqueles lucros anormais esperados iniciais, que justificaram parte do goodwill reconhecido, não se materializaram (a companhia “B” não alcançou um valor de mercado preestabelecido contratualmente, ou não alcançou um determinado market share previsto contratualmente, ou ainda não se ultrapassou um valor de EBITDA consolidado, ou um projeto de P&D não maturou ou malogrou). Esse impairment de goodwill não é dedutível do ponto de vista tributário quando de seu reconhecimento, conforme previsto na Lei n. 12.973/2014, regulamentada pela IN 1.700/2017, em seus artigos 182 e 184.

Os balanços a seguir retratam a hipótese H1B.

QUADRO 44
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Prosseguindo com a questão, seja admitida outra hipótese agora – H2: a contraprestação contingente é uma obrigação de entregar ações com cláusula de conversibilidade fixed-for-fixed, aspecto que qualifica a contraprestação contingente como um item de PL, nos termos do CPC n. 39 (espelhado na IAS n. 32).

Os balanços a seguir retratam a hipótese H2.

QUADRO 45
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Aqui cabe uma consideração de cunho contábil. Nos termos do CPC n. 15, em seu § 58a, a contraprestação contingente classificada como item de PL não é passível de remensuração subsequente ao valor justo, e sua liquidação subsequente deve ser contabilizada dentro do próprio PL. E tem todo sentido econômico, posto tratar-se na realidade de uma emissão futura em quantidade fixa de ações de própria emissão da companhia adquirente “A” (se assim for contratado com os sócios vendedores).

Mas e se no caso a emissão futura se der em ações de própria emissão da companhia adquirida “B”? (que é a operação mais usual). Haverá um conflito entre os Balanços Individual e Consolidado, conforme evidenciado a seguir.

QUADRO 46
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Valem os comentários já externados neste artigo. Quando o Brasil decidiu convergir para as IFRSs tanto em matéria de Demonstrações Contábeis Individuais28 28 Essa decisão, pelo que se sabe, foi muito debatida à época. Se fossem limitadas as IFRSs às Demonstrações Contábeis Consolidadas, muitas companhias abertas que não possuem sociedades controladas não seriam alcançadas pelas IFRSs. Ademais, aquelas companhias abertas com sociedades controladas teriam custos a mais ao terem de elaborar Demonstrações Contábeis Individuais no GAAP doméstico então vigente e terem de elaborar Demonstrações Contábeis Consolidadas em IFRS, caso tivesse sido essa a decisão brasileira em matéria de regulação contábil, quando do processo de convergência. quanto de Demonstrações Contábeis Consolidadas, sabia dos desafios a enfrentar. As IFRSs estão voltadas precipuamente a Demonstrações Contábeis Consolidadas. Nesse particular, porventura surgem “jabuticabas” a serem acomodadas contabilmente nas Demonstrações Contábeis Individuais, como no caso em tela.

Neste caso concreto, o autor entende que a rubrica redutora de investimento “B” é a melhor forma de retratar contabilmente a diluição futura que a companhia “A” sofrerá em sua participação detida em “B”, com a liquidação da contraprestação contingente via emissão de ações de “B”.

Prosseguindo, para facilitar o desenvolvimento do exemplo, seja admitida que a condição suspensiva seja satisfeita (a companhia “B” alcance um valor de mercado preestabelecido contratualmente, ou alcance um determinado market share previsto contratualmente, ou ainda ultrapasse-se um valor de EBITDA consolidado, ou um projeto de P&D mature, ou uma conjugação de mais de uma meta dessas descritas). Ato contínuo, a companhia “A” emite ações de sua própria emissão ou a companhia “B” emite ações de sua própria emissão, conforme acordo de venda fechado com acionistas vendedores.

Os números abaixo retratam o evento, nas duas situações: para o caso da liquidação da contraprestação contingente com a emissão de ações de própria emissão de “A” e com ações de própria emissão de “B”.

Liquidação com ações de Própria emissão de “A”

QUADRO 47
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Seguindo os ditames do CPC n. 15, o capital de “A” seria aumentado com a emissão de novas ações de “A”, direcionadas aos acionistas vendedores de “B”. Os PLs individual e consolidado ficariam plenamente alinhados. Do ponto de vista societário, a emissão das ações de “A” direcionadas aos acionistas vendedores da companhia “B” seria uma questão a ser enfrentada pelos juristas brasileiros. A emissão de novas ações poderia se dar via capitalização de reservas e lucros, nos termos do artigo 169 da Lei n. 6.404/76 e com autorização estatutária, nos termos do artigo 168, § 3º da Lei n. 6.404/76, para justificar a diluição dos antigos acionistas. Entretanto, não obstante as considerações tecidas pelo autor deste artigo, trata-se de uma questão direcionada aos juristas brasileiros!

Liquidação com ações de própria emissão de “B”

QUADRO 48
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Com relação ao desdobramento para o caso de serem emitidas ações de “B” para liquidar a contraprestação contingente, valem as mesmas observações anteriores, para a questão societária. Admitindo que no caso o PL de “B” seja desdobrado em capital de $410 e reservas de lucro e capital de $80, a emissão de novas ações poderia se dar via capitalização dessas reservas, nos termos do artigo 169 da Lei n. 6.404/76. E a diluição de antigos acionistas poderia ser justificada pelo artigo 168, § 3º da Lei n. 6.404/76. Como já salientado, é um assunto para os juristas brasileiros!

Com a satisfação da condição suspensiva, e a consequente emissão de ações de “A” ou de “B”, vale a mesma conclusão externada para a liquidação da contraprestação contingente, quando tratada como um passivo: o goodwill fiscal se iguala ao goodwill contábil. Cem por cento dos $218 passam a ser dedutíveis, nos termos previstos na legislação tributária em vigor, caso ocorra a fusão ou a incorporação das companhias envolvidas na combinação, em um passo seguinte.

Aqui cabe uma breve pausa, para reflexão acerca de uma questão não menos relevante e tampouco menos controvertida. Como o fisco irá encarar a liquidação dessa contraprestação contingente, em ações de própria emissão da companhia “A” ou “B”, direcionada a ex controladores, retidos como executivos da companhia cujo controle foi obtido, por um certo período? Como parte do pagamento do negócio ou como uma remuneração direcionada ao executivo? A depender da situação, o fisco poderá entender ser cabível a tributação da contribuição previdenciária! E estão sendo observadas autuações nesse sentido.29 29 Em seminário tributário realizado na ABRASCA – Associação Brasileira das Companhias de Capital Aberto, em janeiro de 2015, trabalho apresentado por uma grande banca nacional de advocacia identificou que, até aquela data, o CARF havia julgado sete casos envolvendo remuneração baseada em ações, por autuações da Receita Federal. Se caberia, no caso, a tributação da contribuição previdenciária. Das sete decisões proferidas, seis foram desfavoráveis aos contribuintes e somente uma decisão foi favorável. Disponível em: < http://www.abrasca.org.br/Uploads/Seminario-INs-RFB/painel-2/4_Vivian_Casanova.pdf> . Acesso em: 9 jul. 2018.

Pelo que se tem conhecimento, o fisco em suas autuações de stock options, para fins de cobrança de contribuição previdenciária, tem procurado coligir informações extraídas do Formulário de Referência – FR das companhias abertas brasileiras, arquivado na CVM. Uma informação que tem instruído os autos de infração de stock options é obtida da seção 13 do FR – “Remuneração de Administradores”, subseção 13.6 “Remuneração baseada em Ações”, na qual as stock options outorgadas, reconhecidas nos três últimos exercícios sociais e previstas para o exercício social corrente, para os membros do Conselho de Administração e Diretoria Estatutária, são informadas pelas companhias.30 30 O autor agradece as orientações elucidativas recebidas da advogada Vivian Casanova, especialista na matéria.

O CPC n. 15, em seus §§ B54-B55, fornece alguns parâmetros para se avaliar quando uma contraprestação contingente deve ser enquadrada como um pagamento por serviços prestados – pagamento baseado em ações e quando deve ser enquadrada como uma parte do preço do negócio.

Um aspecto diz respeito aos termos do contrato firmado com os sócios vendedores, para retê-los como executivos da adquirida. Se o pagamento acordado está condicionado ao cumprimento do contrato firmado, sendo que sua rescisão unilateral por parte do executivo implica perda do direito ao pagamento, tem-se um forte indício de que se trata muito mais de uma remuneração por serviços prestados do que de uma contraprestação contingente da Combinação de Negócios. Caso o pagamento acordado não seja afetado pela rescisão unilateral por parte do executivo, há no caso forte indício de se tratar de uma contraprestação contingente associada à Combinação de Negócios.

A duração do contrato firmado com os sócios vendedores deve ser outro parâmetro a ser avaliado. Se sua duração coincidir ou ultrapassar o período requerido para que o pagamento seja efetuado, haverá forte indício de se tratar de uma remuneração por serviços prestados.

Nível de remuneração prometida aos sócios vendedores, enquanto executivos da adquirida, deve também ser objeto de avaliação. Está em um nível comparado com o dos demais executivos da adquirida? Uma diferença muito grande para cima pode ser indicativa de este valor incremental se tratar de uma contraprestação contingente associada à Combinação de Negócios.

A comparação entre os pagamentos acordados com sócios que permanecem como executivos da adquirida e sócios que não permanecem é outro elemento a ser apreciado para julgamento. Há contraprestações contingentes diferenciadas? Se os valores, numa base por ação, forem bem superiores para os sócios que permanecem como executivos da adquirida, haverá forte indício de que esse valor incremental seja uma remuneração por serviços prestados.

Número de ações possuídas pelos sócios vendedores, que são retidos como executivos da adquirida, é mais um item a ser apreciado. Se os sócios que permanecem como sócios da adquirida possuíam, antes da Combinação de Negócios, substancialmente a quase totalidade das ações vendidas, comparativamente aos sócios que não foram retidos, e as contraprestações contingentes acordadas são diferenciadas, há um forte indício de o valor incremental ser uma remuneração por serviços prestados. Por outro lado, se os sócios que são retidos como executivos da adquirida possuíam um valor pequeno das ações vendidas, comparativamente aos sócios de que não foram retidos, e recebem o mesmo montante de contraprestações acordadas, há um forte indício de o valor ser uma contraprestação contingente associada à Combinação de Negócios.

A análise da forma pela qual se processa o pagamento do negócio é outro fator a ser considerado. Por exemplo, se a contraprestação não contingente, transferida na data do fechamento do negócio, estiver baseada no limite inferior de um intervalo de valores atribuído ao negócio pelo modelo de avaliação, e a fórmula por meio da qual é definida a contraprestação contingente estiver associada a esse modelo de avaliação do negócio, haverá um indicativo de o valor incremental tratar-se de uma contraprestação contingente associada à Combinação de Negócios. Alternativamente, se a fórmula da contraprestação contingente estiver associada a arranjos anteriores definidos para distribuições de resultado, tal situação será indicativa de uma remuneração por serviços prestados.

O algoritmo definido como base para se chegar ao valor da contraprestação contingente poderá ser mais um subsídio para julgamento. Por exemplo, se o valor é função de múltiplos lucros (parâmetros para o valor justo do negócio), poderá ser um indicativo de o valor incremental ser uma contraprestação contingente associada à Combinação de Negócios. Por outro lado, se o valor for especificado como um percentual de lucro a ser produzido, haverá indicativo de se tratar de uma remuneração por serviços prestados.

Outros arranjos contratuais celebrados em conjunto com a Combinação de Negócios devem ser do mesmo modo apreciados, com vistas a auxiliar o julgamento da natureza da contraprestação contingente. Se o sócio vendedor celebra um contrato de não competição com os compradores, e é remunerado por tal período, tal arranjo é indicativo de um intangível identificado na Combinação de Negócios (os compradores estão blindando os lucros anormais esperados com a Combinação contra a competição do sócio vendedor).

Admitindo outra hipótese agora – H2B: o target não é atingido e a contraprestação contingente não é liquidada com a entrega de ações. Os balanços a seguir retratam a hipótese H2B.

QUADRO 49
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Seguindo os ditames do CPC n. 15, o registro subsequente deve se dar em conta de PL (CPC n. 15, § 58a). Por outro, lado como o fisco encarará esse ganho não transitando em resultado? Tributável? Estaria justificado tributariamente por aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica?

Já a parte do goodwill que tem origem na contraprestação contingente com condição suspensiva, pela sua não satisfação, não seria passível de dedutibilidade, nos termos do artigo 196, da Instrução Normativa n. 1.700/2017, à luz do CTN, artigo 117. Contudo, poderia compensar o ganho apurado, na eventualidade de este vir a ser tributado? Não estão ligados umbilicalmente? Mais controvérsias a serem submetidas à apreciação dos juristas brasileiros.

Além disso, é esperado que com a não satisfação da condição suspensiva ocorra algum impairment do goodwill, afinal aqueles lucros anormais esperados iniciais, que justificaram parte do goodwill reconhecido, não se materializaram (a companhia “B” não alcançou um valor de mercado preestabelecido contratualmente, ou não alcançou um determinado market share previsto contratualmente, ou ainda não se ultrapassou um valor de EBITDA consolidado, ou um projeto de P&D não maturou ou malogrou). Esse impairment de goodwill não é dedutível do ponto de vista tributário quando de seu reconhecimento, conforme previsto na Lei n. 12.973/2014, regulamentada pela IN 1.700/2017, em seus artigos 182 e 184.

E se contraprestação contingente for um direito a receber ativos de volta? É a hipótese H3, qual seja, parte do pagamento constitui-se em um depósito de garantia efetuado em uma instituição financeira, bloqueado para movimentação e sujeito à remuneração, por um prazo definido contratualmente. É por assim dizer uma escrow account, que se qualifica como uma condição resolutiva. O PPA é evidenciado a seguir.

QUADRO 50
PURCHASE PRICE ALLOCATION DE “B” E CÔMPUTO DO GOODWILL

Os números dos Balanços Patrimoniais da hipótese H3 são apresentados a seguir.

QUADRO 51
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO31

Ato contínuo, admitindo que o evento futuro ocorra – H3A. Por hipótese uma contingência julgada remota, identificada à época do negócio, se materialize ou uma perda não identificada se materialize (uma fraude, por exemplo, que tenha sido perpetrada por executivos da companhia “B”, que não fosse de conhecimento do vendedor, à época do negócio celebrado), que obrigue o vendedor da companhia “B” a restituir o comprador de “B”, no caso a companhia “A”, pelas perdas observadas, com a consequente liberação do depósito em garantia.

Os números a seguir refletem o evento H3A.

QUADRO 52
– BALANÇOS PATRIMONIAIS INDIVIDUAIS DE “A” E “B” E BALANÇO CONSOLIDADO

Eis que surge um ganho, pela devolução da contraprestação contingente, incorporando juros bancários. Como tratá-lo tributariamente? É tributável de imediato? E a baixa correspondente de parte do goodwill, que umbilicalmente está a ele ligado? É não dedutível, por força do artigo 28 da Lei n. 12.973/2014. Eventual impairment de goodwill não é dedutível do ponto de vista tributário quando de seu reconhecimento. E o goodwill, do ponto de vista tributário, passa a ser dedutível somente para o pedaço de $138, com a satisfação da condição resolutiva.

Por fim, caso ocorra a hipótese H3B: o evento futuro não ocorre no prazo definido contratualmente – a companhia “A” não tem parte dos ativos dados em troca devolvidos, e parte do preço (a escrow account) é liberado para os vendedores da companhia “B”. Nenhum lançamento contábil deve ser efetuado. Mantêm-se os números dos BPs em H3. E o goodwill de $218 passa a ser 100% dedutível pela não satisfação da condição resolutiva.

Conclusão

As Combinações de Negócios (CN) indiscutivelmente constituem uma área de estudo multidisciplinar de grande riqueza conceitual. Questões do ramo do Direito Societário, do Direito Tributário e do Direito Econômico emergem naturalmente. Do mesmo modo o estudioso é instigado a enveredar pelos campos da Contabilidade Societária e Tributária e das Finanças Corporativas na busca por uma melhor compreensão do tema.

Neste trabalho, sob um enfoque normativo, o autor procurou explorar as consequências em matéria de regulação e desdobramentos práticos da aplicação das IFRSs voltadas as CN no ambiente brasileiro, considerando cinco arranjos distintos para as operações. Muitas controvérsias surgem em matéria de Direito Societário e de Legislação Tributária. Anomalias no tratamento contábil societário de algumas operações surgem também, como é o caso da contraprestação contingente liquidada em ações de própria emissão da sociedade controlada.

Operar normas moldadas para um ambiente anglo-saxão, de regras não escritas que demandam muito exercício de julgamento profissional, direcionadas a Demonstrações Contábeis Consolidadas e voltadas a mercados em que a realidade das corporações é do controle pulverizado, não é uma tarefa das mais fáceis. Os profissionais do Direito e os profissionais da Contabilidade têm muitos desafios pela frente. Há muitas lacunas na legislação tributária e a necessidade premente de desenvolvimento de diretrizes contábeis voltadas a acomodar peculiaridades observadas em Demonstrações Contábeis Individuais (as nossas “jabuticabas”).

Espera-se que este trabalho contribua para o debate das questões abordadas, que na opinião do autor não deve de modo algum restringir-se a um grupamento profissional específico, mas a grupos bem heterogêneos (profissionais do Direito e da Contabilidade, entes governamentais e reguladores de práticas contábeis), a fim de se chegar a um bom termo. Que se jogue luz sobre as mesmas, que se busque elucidá-las com propriedade para o harmonioso e salutar funcionamento do mercado, de suas instituições e dos entes governamentais envolvidos.

Referências

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  • BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União, Brasília, 17 dez. 1976.
  • BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 12.973 de 13 de maio de 2014. Dispõe sobre Legislação Tributária Federal relativa ao IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 14 maio 2014.
  • BRASIL. RECEITA FEDERAL. Instrução Normativa n. 1.700 de 14 de março de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, 16 mar. 2017.
  • COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS, 2011. Pronunciamento CPC n. 15 de 03 de junho de 2011 Combinação de Negócios.
  • COSTA JR. Jorge Vieira da; CARDOSO, Júlio Sérgio de Souza. Instrumentos derivativos e contabilidade do risco: a imperiosa busca pelo subjetivismo responsável. Boletim do Ibracon, São Paulo, 2002.
  • ESPEJO, Márcia Maria dos Santos Bortolocci et al. Uma abordagem institucional do subjetivismo responsável na adoção das normas internacionais de contabilidade: uma análise crítico-reflexiva sobre os inibidores à convergência no Brasil. Estudos do ISCA, Universidade de Aveiro, Aveiro, n. 2, p. 1-23, 2010.
  • FUJI, Alessandra Hirano; SLOMSKI, Valmor. Subjetivismo responsável: necessidade ou ousadia no estudo da contabilidade. Revista de Contabilidade e Finanças FEA/USP, São Paulo, n. 33, p. 33-44, 2003.
  • HENDRIKSEN, Eldon; VAN BREDA, Michael. Teoria da contabilidade São Paulo: Atlas. 1999.
  • IUDÍCIBUS, Sérgio de. A contabilidade como sistema de informação empresarial (SIE). Boletim do Ibracon, São Paulo, 1998.
  • LOPES, Alexsandro Broedel; MARTINS, Eliseu. Teoria da contabilidade: uma nova abordagem. São Paulo: Atlas, 2005.
  • MARTINS, Eliseu. Normativismo e/ou positivismo em contabilidade: qual o futuro? Revista de Contabilidade e Finanças USP, São Paulo, n. 39, p. 3, set.-dez 2005.
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    O paradigma da objetividade, que serviu de norte para a prática contábil desde de sua sistematização nos séculos XIII e XIV (HENDRIKSEN; VAN BREDA, 1999HENDRIKSEN, Eldon; VAN BREDA, Michael. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas. 1999.), foi quebrado com as IFRSs, com a incorporação de novos institutos à prática contábil, dentre os quais o fair value, o true and fair view e o true and fair override. E foi um processo natural, dado o constante conflito entre a objetividade da informação contábil e a sua relevância. Lopes e Martins (2005)LOPES, Alexsandro Broedel; MARTINS, Eliseu. Teoria da contabilidade: uma nova abordagem. São Paulo: Atlas, 2005. asseveram que o dilema entre a relevância da informação contábil e sua objetividade ocorre com bastante frequência. Isto é observado não só em termos de mensuração (o custo histórico é mais objetivo do que o fair value, porém apresenta um conteúdo informativo inferior) como também em termos de reconhecimento contábil (reconhecer determinadas transações objetivamente, conforme prescrição contratual, pode resultar em misleading; em distorção da realidade econômica a ser reportada. E não faltam exemplos, como é o caso do forfait e o da aquisição reversa, tratada neste artigo)
  • 2
    O “subjetivismo responsável” foi termo cunhado pelo ilustre teórico brasileiro, Prof. Sérgio de Iudícibus (1998)IUDÍCIBUS, Sérgio de. A contabilidade como sistema de informação empresarial (SIE). Boletim do Ibracon, São Paulo, 1998., que advoga que os contadores têm de ter a capacidade de exercer um subjetivismo responsável; aprender a lidar com valores. Na visão de Iudícibus, os profissionais de Contabilidade têm de exercer um subjetivismo responsável e não se acomodarem numa falsa noção de objetividade. Trabalhos a respeito do tema subjetivismo são desenvolvidos por Costa Jr. e Cardoso (2002)COSTA JR. Jorge Vieira da; CARDOSO, Júlio Sérgio de Souza. Instrumentos derivativos e contabilidade do risco: a imperiosa busca pelo subjetivismo responsável. Boletim do Ibracon, São Paulo, 2002., Fuji e Slomski (2003)FUJI, Alessandra Hirano; SLOMSKI, Valmor. Subjetivismo responsável: necessidade ou ousadia no estudo da contabilidade. Revista de Contabilidade e Finanças FEA/USP, São Paulo, n. 33, p. 33-44, 2003., Espejo et al. (2010)ESPEJO, Márcia Maria dos Santos Bortolocci et al. Uma abordagem institucional do subjetivismo responsável na adoção das normas internacionais de contabilidade: uma análise crítico-reflexiva sobre os inibidores à convergência no Brasil. Estudos do ISCA, Universidade de Aveiro, Aveiro, n. 2, p. 1-23, 2010. . Embora o termo não esteja previsto categoricamente na Estrutura Conceitual para elaboração e divulgação de relatório Contábil Financeiro do CPC, sua ideia está presente no parágrafo OB11 do documento.
  • 3
    Os ilustres professores Ross L. Watts e Jerold L. Zimmerman, no final da década de 1970, em artigo seminal, intitulado “Towards a Positive Theory of the Determination of Accounting Standards” (The Accounting Review, 1978), procuraram desenvolver um modelo para explicar e predizer escolhas contábeis que gestores têm ao seu dispor sob uma abordagem contratual.
  • 4
    Importante levar ao conhecimento dos leitores as mudanças a que foram submetidos o conceito e o escopo de Combinação de Negócios, hoje vigente no CPC n. 15 (IFRS n. 3). Compulsando os parágrafos BC5-BC13 da seção intitulada “Basis for Conclusions” da IFRS n. 3, observa-se que os boards do FASB/EUA e do IASB (este projeto foi um dos projetos de normatização conjunta entre os dois standard setters, em linha com o Norwalk Agreement – MOU) de forma pragmática acabaram incorporando ao escopo da norma transações que não se enquadram conceitualmente como uma CN (assim qualificada quando uma entidade adquire de outra o controle de ativos líquidos que constituem um negócio). Foi o caso das roll-up transactions, das put-together transactions e das true mergers, para as quais o fresh start method (fair value dos ativos líquidos de todas as companhias combinadas) seria o método mais recomendado. Outra mudança do conceito foi a inclusão das CN por meio das quais o controle fosse obtido por outros meios que não fosse a aquisição de ativos líquidos ou de títulos patrimoniais (é o caso da CN tratada na seção 2 deste artigo). Houve também uma mudança no sentido de deixar claro que para enquadramento como uma CN, a transação deve ser motivada por um evento econômico ao invés de uma simples decisão de consolidação contábil de empresas sob um mesmo controle (a decisão de elaborar demonstrações combinadas de empresas sob um mesmo controle, portanto, está fora do Conceito de CN. Por outro lado, stapling arrangements e dual-listed companies são qualificados como uma CN).
  • 5
    Lei n. 6.404/76, art. 4º – “Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários” (BRASIL, 2001BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, 01 nov. 2001., grifei). [ caput com nova redação dada pela Lei n. 10.303/2001, de 31.10.2001. Com esta alteração legal, foi possível o registro de companhias de prateleira – “ shelf corporations ”]
  • 6
    Um processo de abertura de capital consome tempo e recursos consideráveis, além de envolver uma série de agentes (regulador e bolsa de valores, advogados, auditores independentes, e em sendo o caso intermediários). Ademais, até que os papéis da companhia ganhem liquidez e apresentem uma cobertura razoável por parte de analistas sell-side, há que se aguardar certo tempo e eventualmente contratar um formador de mercado (market maker). Assim uma aquisição reversa de uma companhia aberta surge como alternativa célere ao processo de abertura de capital.
  • 7
    Em linha com o que prescreve o CPC n. 32 (IAS n. 12), em seus parágrafos 19 e 66, deve-se reconhecer o Passivo Fiscal Diferido – PFD sobre a mais-valia líquida observada (diferença temporária tributável). Nesse sentido, foi identificada para a companhia “B” mais-valia de estoques, de imobilizado, de intangível e de empréstimos de respectivamente, $10, $10, $20 e $4, dando um efeito líquido de $36, o que gera um passivo fiscal diferido de $11 (alíquota consolidada de IRPJ e CSLL de 30%, por hipótese para simplificar a conta). O PFD da companhia “A” é obtido do mesmo modo.
  • 8
    IFRS n. 3, § B20 – In a reverse acquisition, the accounting acquirer usually issues no consideration for the acquiree. Instead, the accounting acquiree usually issues its equity shares to the owners of the accounting acquirer. Accordingly, the acquisition-date fair value of the consideration transferred by the accounting acquirer for its interest in the accounting acquiree is based on the number of equity interests the legal subsidiary would have had to issue to give the owners of the legal parent the same percentage equity interest in the combined entity that results from the reverse acquisition. The fair value of the number of equity interests calculated in that way can be used as the fair value of consideration transferred in exchange for the acquire. (grifei a versão original em inglês da IFRS).
  • 9
    Para fins de aplicação do método da compra, a identificação da empresa adquirida, cujos ativos líquidos devem ser objeto de mensuração a valor justo, se dará pela identificação do controlador final após CN. Ou seja, será a companhia combinada cujo controlador perder o controle do negócio após a CN. No exemplo em tela, o ex-controlador de “B”, acionista “Z”, perdeu o controle do negócio após a CN para o controlador de “A”, acionista “Y”.
  • 10
    É bem verdade que o ex-controlador da companhia “B” não abrirá mão do seu controle, sem uma compensação. Afinal pode até inviabilizá-la em Assembleia Geral de acionistas, pois tem poder político para tal. O que ocorrerá na prática será a celebração de um Acordo de Acionistas que disciplinará a forma pela qual o controle na companhia “B” será exercido (se de modo pleno ou compartilhado) e de que modo eventuais compensações econômicas serão feitas.
  • 11
    Difícil é aceitar essa tese. O ex-controlador não abriria mão do controle passivamente, sem uma compensação financeira.
  • 12
    Juristas de uma corrente majoritária entendem que não cabe OPA por alienação de controle nesses casos, por uma simples razão: falta de previsão legal. Porém há uma corrente minoritária de juristas que entendem que cabe OPA nessas circunstâncias, posto que seria mais uma saída conferida ao minoritário dissidente, quando da mudança do controle da companhia. Casos apreciados pela Diretoria Colegiada da CVM reforçam o entendimento corrente de que não cabe OPA 254-A na incorporação de ações. O autor agradece as orientações elucidativas recebidas do advogado Henrique Beloch, especialista na matéria.
  • 13
    Duas são as questões a observar. O recesso pelo valor econômico precisa ser adequadamente disciplinado no estatuto social da companhia. E o recesso só será passível de ser exercido caso as ações da companhia não possuam liquidez e dispersão no mercado (Lei n. 6.404/76, art. 137, II). O autor agradece as orientações elucidativas recebidas do advogado Henrique Beloch, especialista na matéria.
  • 14
    [...] “o valor justo, na data da aquisição, da contraprestação transferida pelo adquirente contábil pela sua participação na adquirida deve ser baseado no número de instrumentos de participação societária (quantidade de ações, por exemplo) que a controlada legal teria de emitir para conferir aos proprietários da controladora legal o mesmo percentual de participação societária na entidade combinada que resulta da aquisição reversa. O valor justo calculado dessa forma pode ser usado como o valor justo da contraprestação transferida em troca do controle da adquirida contábil” (CPC n. 15, § B20, grifei).
  • 15
    No âmbito do CPC (e do IASB), há um silêncio normativo em matéria de BCUCC, sendo objeto de prática contábil discricionária, a ser desenvolvida pela administração da companhia (fair value method e predecessor cost method são escolhas à disposição da administração da companhia). Por outro lado, o Predecessor Cost é a orientação normativa no ambiente norte-americano (ASC 805-50-30-5 e EITF 85-21), país de origem anglo-saxônia, de elevado grau de Governança e com ambiente legal similar ao ambiente para o qual as IFRSs são desenvolvidas e também é orientação normativa no ambiente do Reino Unido (FRS 102.19.29 e ICAEW/ICAS TECH 02/10), também de elevado grau de Governança, e por assim dizer berço inspirador das IFRSs. Em matéria de escolha contábil, o CPC n. 23 (IAS n. 8), parágrafo 12, orienta a administração das companhias quando do exercício de julgamentos voltados ao desenvolvimento de uma prática contábil. A administração das companhias pode também considerar as mais recentes posições técnicas assumidas por outros órgãos normatizadores contábeis que usem uma estrutura conceitual semelhante à do CPC (IASB).
  • 16
    Em operações de incorporação, fusão ou cisão, o saldo do “goodwill” decorrente da aquisição de participação societária entre partes não dependentes, existente na contabilidade na data da aquisição da participação societária, poderá ser excluído para fins de apuração do lucro real (IRPJ) e do resultado ajustado (CSLL) à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração, nos termos da Lei n. 12.973/2014, artigo 22, regulamentado pelo artigo 185 da IN n. 1.700/2017. E o conceito tributário de partes dependentes encontra-se insculpido na Lei n. 12.973/2014, artigo 25, regulamentado pelo artigo 189 da IN n. 1.700/2017, que prevê algumas situações de enquadramento, dentre as quais a do seu inciso I, qual seja, adquirente e alienante estão sob um controle comum (BCUCC) (BRASIL, 2014BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 12.973 de 13 de maio de 2014. Dispõe sobre Legislação Tributária Federal relativa ao IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 14 maio 2014.).
  • 17
    É possível no Brasil, ainda que remotamente, a obtenção do controle por meio de procurações de voto, ou por meio de acionamento de direitos substantivos ou de sua supressão, ou por meio da combinação de ambos os instrumentos (formação de um bloco de controle). E nesse caso o controle é obtido com ausência de custo.
  • 18
    Em reportagem do Valor Econômico, de 26 de março de 2007, p. D2, intitulada “A governança faz a diferença no pregão”, os seguintes excertos são obtidos: “Depois de operações em que os minoritários detentores de ações preferenciais (PN, sem direito a voto) saíram no prejuízo, a compra do grupo Ipiranga endossou a importância de se investir em empresas com governança corporativa. Casos emblemáticos como o da Ambev, Ripasa, Tele Centro Oeste (TCOC) e, por pouco, da Telemar deixaram claro que os minoritários podem perder muito se investirem em PNs de empresas que não garantem os mesmos direitos a todos os acionistas. Nesse casos citados, os preferencialistas perderam porque não receberam o mesmo valor, ou parte dele, pago aos controladores na venda da companhia – o ‘tag along’ […] o direito influencia as ações principalmente em dois momentos: quando a empresa passa a concedê-lo e quando ele é usado, no caso da venda da companhia.” (A GOVERNANÇA..., 2007A GOVERNANÇA faz diferença no pregão. Valor Econômico, São Paulo, 26 mar. 2007.).
  • 19
    Quando da Combinação de Negócios ocorrida entre Americanas.com e Submarino, observou-se um fato inusitado no mercado brasileiro: o grau de pulverização de controle da Submarino era tal, que não se conseguiu quorum mínimo para aprovação da operação, nos termos do artigo 136, caput, da Lei n. 6.404/76, qual seja, de metade no mínimo das ações com poder de voto, em três Assembleias Gerais consecutivas convocadas para deliberar a respeito da operação. Os administradores da Submarino tiveram de submeter pedido especial à Comissão de Valores Mobiliários – CVM para redução de quorum, nos termos do § 2º do citado artigo 136. Aspecto que denota a alienação política dos acionistas no Brasil. E evidencia também como a regulação brasileira está sendo moldada para lidar com essas peculiaridades das companhias com controle pulverizado.
  • 20
    A rigor, para se qualificar como uma CN, o controle de ativos líquidos que se constituam um negócio deve ser adquirido por um terceiro. Dado os aspectos tributários relevantes a serem explorados neste artigo optou-se por incluir esta operação.
  • 21
    Com a emenda a que foi submetida a IAS n. 27 – Separate Financial Statements, em agosto de 2014, em parte por pressão da jurisdição brasileira, o MEP passou a ser admitido como mais uma alternativa de tratamento contábil (além do custo e do valor justo) para participações detidas em coligadas, controladas e joint ventures. O Board do IASB concluiu que as controladoras que tiverem eleito o MEP para tratamento de suas controladas em Demonstrações Separadas, que são facultativas e não tem o mesmo propósito das Demonstrações Individuais no Brasil, que têm repercussão contratual e legal, devem seguir os procedimentos previstos na IAS n. 28 que trata do MEP aplicável a coligadas e joint ventures (IAS n. 27, § BC10H)
  • 22
    Claro que nesse caso haveria um prêmio de controle envolvido, fosse alienado 100% do capital. Mas como no caso em tela não houve transferência de controle tampouco assunção, mas sim exclusivamente perda de controle, parece razoável admitir que a base de mensuração para uma participação não controladora é admissível para qualquer outra participação não controladora. E admite-se essa hipótese, para simplificar o exemplo: os 3º adquirentes não obtêm o controle de “B”.
  • 23
    Lei n. 8.981/95, em seu artigo 32, emendado pela Lei n. 12.973/2014.
  • 24
    Essa mais-valia de goodwill não é dedutível, conforme analogia do § 4º do artigo 183 da IN n. 1.700/2017, muito embora o citado dispositivo refira-se a participações societárias remensuradas ao valor justo no momento de aquisição de nova participação societária. Conforme ressaltado, não há previsão específica na legislação tributária vigente para operação com perda de controle, mas com manutenção de influência significativa sobre a ex-controlada.
  • 25
    Este é um caso hipotético e qualquer semelhança com um caso concreto observado no mercado de capitais brasileiro deve ser encarada como uma mera coincidência. As considerações do autor não devem ser de modo algum utilizadas fora do contexto deste trabalho.
  • 26
    IFRS n. 3, § 33 – In a business combination in which the acquirer and the acquiree (or its former owners) exchange only equity interests, the acquisition-date fair value of the acquiree’s equity interests may be more reliably measurable than the acquisition-date fair value of the acquirer’s equity interests. If so, the acquirer shall determine the amount of goodwill by using the acquisition-date fair value of the acquiree’s equity interests instead of the acquisition-date fair value of the equity interests transferred. To determine the amount of goodwill in a business combination in which no consideration is transferred, the acquirer shall use the acquisition-date fair value of the acquirer’s interest in the acquiree in place of the acquisition-date fair value of the consideration transferred. (grifei a versão original em inglês da IFRS).
  • 27
    A rigor a IN n. 1.700/2017, em seu art. 196, § 2º, não operacionaliza de modo inequívoco a forma pela qual as contraprestações contingentes devem ser tratadas tributariamente. O autor está dispensando uma interpretação teleológica (o sentido lógico e os fins da norma) para operar a norma, considerando os efeitos fiscais da contraprestação contingente, quando convertida em renda.
  • 28
    Essa decisão, pelo que se sabe, foi muito debatida à época. Se fossem limitadas as IFRSs às Demonstrações Contábeis Consolidadas, muitas companhias abertas que não possuem sociedades controladas não seriam alcançadas pelas IFRSs. Ademais, aquelas companhias abertas com sociedades controladas teriam custos a mais ao terem de elaborar Demonstrações Contábeis Individuais no GAAP doméstico então vigente e terem de elaborar Demonstrações Contábeis Consolidadas em IFRS, caso tivesse sido essa a decisão brasileira em matéria de regulação contábil, quando do processo de convergência.
  • 29
    Em seminário tributário realizado na ABRASCA – Associação Brasileira das Companhias de Capital Aberto, em janeiro de 2015, trabalho apresentado por uma grande banca nacional de advocacia identificou que, até aquela data, o CARF havia julgado sete casos envolvendo remuneração baseada em ações, por autuações da Receita Federal. Se caberia, no caso, a tributação da contribuição previdenciária. Das sete decisões proferidas, seis foram desfavoráveis aos contribuintes e somente uma decisão foi favorável. Disponível em: < http://www.abrasca.org.br/Uploads/Seminario-INs-RFB/painel-2/4_Vivian_Casanova.pdf> . Acesso em: 9 jul. 2018.
  • 30
    O autor agradece as orientações elucidativas recebidas da advogada Vivian Casanova, especialista na matéria.
  • 31
    A variação no saldo de caixa foi de $600 negativos, pois o saldo inicial de $800 (quadro 39) foi reduzido em $520 de contraprestação em caixa paga ao ex-controlador quando da CN e em $80 de contraprestação em caixa depositada numa escrow account.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018
  • Data do Fascículo
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2017
  • Aceito
    09 Mar 2018
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