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Impacto socioeconómico da resolução extrajudicial de conflitos. O caso de estudo português

ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION SOCIO-ECONOMIC IMPACT. THE PORTUGUESE CASE STUDY

Resumo

A consolidação dos meios de resolução extrajudicial de conflitos (RAL), a sua afirmação no sistema de justiça e o reconhecimento da sua eficácia e eficiência constituem objetivos atuais do Estado na administração da justiça e na promoção do acesso a meios de resolução de conflitos. Em Portugal, o Estado criou uma nova arquitetura da administração da justiça, através de um sistema jurídico multifacetado e heterogéneo que conjuga mecanismos judiciais e extrajudiciais. Neste contexto, é importante perceber a relevância socioeconómica dos RAL e analisar a forma como os cidadãos os avaliam. Porquanto, o melhor conhecimento da perceção do cidadão proporcionará o aperfeiçoamento do modelo e o melhor desempenho das instituições e dos seus intervenientes. Tendo em consideração os estudos empíricos e teóricos sobre o funcionamento da justiça, este artigo visa mostrar os resultados obtidos, de modo a procurar conhecer o posicionamento do cidadão face à Justiça. Visto que os meios RAL são atualmente uma peça fundamental na construção de um sistema de justiça que se mostre completo, adequado e eficiente, a análise e as recomendações apresentadas no presente estudo poderão constituir parte da base necessária para melhorar e sustentar a promulgação de políticas públicas no âmbito da administração da justiça.

Palavras-chave
Resolução alternativa de litígios; justiça; administração da justiça; análise económica do Direito; acesso à justiça

Abstract

The strengthening of alternative dispute resolution (ADR), their implementation in the justice system and the recognition of their effectiveness and efficiency must be government goals in the administration of justice and in the promotion of the access to dispute resolution mechanisms. In the Portuguese legal system, the State has created a new architecture, through a multifaceted and heterogeneous legal system, combining judicial and extrajudicial means. In this context, it is important to understand the socio-economic relevance of ADR and to analyse how citizens evaluate them. A better knowledge of the citizen's perception will improve the model and the performance of the institutions and their agents. By considering the existing empirical studies, complemented with theoretical studies on the functioning of justice, this paper aims to show the results obtained, in order to understand the citizen's position in relation to Justice. Considering that ADR are currently a fundamental piece in the construction of a justice system that aims to be completed, adequate, fast, effective and efficient, the analysis and recommendations adopted may be part of the necessary basis to improve and sustain the judicial architecture and the administration of justice.

Keywords
Alternative dispute resolution; justice; administration of justice; law and economics; access to justice

Introdução * * Este artigo enquadra-se no âmbito das atividades de investigação do projeto TRANS&EU_CIVPROC do Instituto Jurídico Portucalense (IJP) e do polo de Leiria (IJP-IPLeiria), na base do Apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia FCT UIDB/04112/2020.

A consolidação dos meios de resolução alternativa de litígios ou, na expressão inglesa, Alternative Dispute Resolution (RAL/ADR), a sua afirmação no seio do sistema jurídico e o reconhecimento da sua eficácia e eficiência foram sendo abraçados pelos Estados como objetivos a prosseguir na administração da justiça e na promoção do acesso à justiça nos tempos modernos.

Os meios de resolução alternativa de litígios souberam impor-se, enaltecendo as suas mais-valias, a ponto de fazerem emergir um novo e diferente entendimento quer da administração da justiça, quer do direito de acesso à justiça. A administração da justiça passou a assentar na criação de um sistema integrado de resolução de litígios que disponibiliza um conjunto de meios, sem barreiras económicas, sociais ou culturais. 1 1 Sobre o papel dos RAL nas sociedades contemporâneas e no acesso à justiça ver: Pedroso, Trincão e Dias (2001); Silva (2009) ; Gouveia (2018 , p. 25-39). Por seu lado, o direito de acesso à justiça começa a ser entendido como o acesso à entidade que os litigantes considerem mais legítima e mais adequada a resolver o conflito em causa e a proteger os seus direitos. Tudo isso sem que se ponha em causa a validade, a necessidade e a adequação do processo judicial.

Este fenómeno, vivido a diferentes velocidades em termos mundiais, tem sido incentivado e monitorizado pela União Europeia, designadamente no que respeita à mediação civil e comercial. 2 2 Cfr. Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial (publicada no Jornal Oficial L 136/3, de 24 de maio de 2008). Mais recentemente, o 2018 EU Justice Scoreboard3 3 O Justice Scoreboard da UE é um instrumento de compilação de informação relativamente aos sistemas nacionais de justiça de todos os Estados-Membros da União Europeia, fornecendo dados objetivos e comparáveis sobre vários indicadores relevantes para a avaliação da qualidade, independência e eficácia da justiça no espaço comunitário. Para 2018, ver Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2018 [COM(2018) 364 final]. Texto disponível em: https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/justice_scoreboard_2018_en.pdf , consultado a 24.10.2020. concluiu que a maioria dos Estados-Membros continuou a promover a utilização voluntária de métodos ADR e que isso é conseguido principalmente através da introdução de mais incentivos à utilização desses mecanismos em diferentes domínios do direito. Por exemplo, no âmbito do direito do consumo, houve um claro aumento do recurso à plataforma de resolução de litígios em linha (Plataforma ODR). 4 4 Conforme melhor demonstra o último relatório organizado pela Comissão Europeia com os dados estatísticos relativos ao segundo ano de funcionamento da Plataforma Europeia ODR, disponível em: https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/2nd_report_on_the_functioning_of_the_odr_platform_3.pdf , consultado a 17.07.2020.

Neste artigo, iremos cingir a nossa análise ao ordenamento jurídico português e ao estado da arte dos meios RAL neste país, enquanto caso de estudo. Na verdade, em Portugal, há quase duas décadas que os sucessivos governos afirmam estarem empenhados na construção de uma nova arquitetura da justiça, em que os meios de resolução extrajudicial de conflitos possam ter um lugar firme e visível. A título de exemplo, vejam-se a Resolução do Conselho de Ministros n. 175/2001 5 5 Diário da República , 1.ª série, n. 299, de 28 de dezembro de 2001. e a Resolução do Conselho de Ministros n. 172/2007, 6 6 Diário da República , 1.ª série, n. 213, de 6 de novembro de 2007. onde se afirmou:

é inadiável começar já e com a ousadia da antecipação a progredir para a construção de um sistema em que a administração da justiça haverá de ser caracterizada por maior acessibilidade, proximidade, celeridade, economia, multiplicidade, diversidade, proporcionalidade, informalidade, oportunidade, visibilidade, comunicabilidade, inteligibilidade, equidade, participação, legitimidade, responsabilidade e reparação efectiva.

O passado recente foi tempo de reforço das medidas capazes de descongestionar os tribunais, mas sobretudo de descomprometimento do direito de acesso ao direito como mero direito de acesso aos tribunais, em busca da concretização de um novo paradigma da administração da justiça, em que o Estado proporcione aos cidadãos um conjunto de meios de resolução de conflitos, de natureza hétero e autocompositiva, adjudicatórios e consensuais, de aplicação autónoma ou articulada, num mesmo espaço ou em espaços individualizados, sempre com o intuito de construir uma justiça na qual os mecanismos de resolução possam ser escolhidos pelo cidadão de acordo com a maior adequabilidade e eficácia, sempre com respeito pela autonomia da vontade das partes e, naturalmente, sem prejuízo dos litígios cuja natureza imponha a exclusividade do exercício dos poderes jurisdicionais. 7 7 Como resulta do art. 202.°, n. 4, da Constituição da República Portuguesa, os instrumentos e as formas de composição não jurisdicional de conflitos são uma via constitucionalmente admissível. Este fenómeno surge por contágio da common law , embora com alguma resistência por parte dos ordenamentos da civil law . 8 8 Para mais desenvolvimentos, ver Alexander (2002) .

A evolução legislativa no ordenamento jurídico português permite concluir que existiu um progresso na consciência cultural, social e económica, na medida em que o legislador criou novos e diferentes meios de resolução de litígios, mais adequados ao tipo de litígio, mais flexíveis nos procedimentos, mais céleres na obtenção da resolução e com maior grau de participação e proximidade das partes. Isso criou condições para o aprofundamento do fenómeno dos RAL, ou seja, dos meios de resolução extrajudiciais de litígios, complementares ou alternativos. Mas importa perceber o nível de implementação destes meios e principalmente o grau de aceitação social dos RAL.

Este texto, partindo da exposição da arquitetura da administração do sistema de justiça português no que respeita aos meios de resolução extrajudicial de litígios, da sua evolução e caracterização, procura refletir sobre o estado da arte, em especial sobre a perceção do cidadão utente, usando como referência os estudos realizados pelo Ministério da Justiça nesta sede. A presente análise visa chamar a atenção para os pontos mais sensíveis dos meios RAL, como contributo para o seu desenvolvimento quer internamente quer em outros ordenamentos jurídicos que poderão, assim, colher da experiência que aqui traçamos.

Visando atingir este objetivo, começaremos por indicar e caracterizar em traços gerais os principais meios que integram o sistema de justiça alternativa ou extrajudicial em Portugal – em concreto os Julgados de Paz, os centros de arbitragem institucionalizada para conflitos de consumo e a mediação – por forma a melhor compreender o objeto de estudo dos relatórios estatísticos e de funcionamento destas entidades.

Seguidamente, analisaremos os dados apontados pelo estudo sobre a eficácia da administração da justiça, financiado pela Comissão Europeia no âmbito de um projeto de investigação implementado pelo ADR Center, em colaboração com a European Company Lawyers Association (ECLA) e a European Association of Craft, Small and Medium-Sized Enterprises (UEAPME), visando medir os custos inerentes à resolução de um litígio num tribunal judicial em comparação com os custos despendidos nos meios RAL, como a mediação e a arbitragem. 9 9 Disponível em: https://www.adrcenterfordevelopment.com/wp-content/uploads/2018/06/Survey-Data-Report.pdf , consultado a 01.09.2020. Metodologicamente, este estudo assentou na técnica de inquérito, usando a ferramenta do questionário endereçado a empresas, advogados e investigadores na área do Direito, estruturado de acordo com os seguintes itens respeitantes a litígios civis e comerciais transfronteiriços: 1. número de processos pendentes; 2. número de processos pendentes de natureza transfronteiriça; 3. número de processos findos de natureza transfronteiriça; 4. custos legais e judiciais incorridos; 5. custos médios anuais estimados (tempo gasto por pessoal, “custos de oportunidade”, perda de bens etc.); 6. despesa estimada durante o decurso de um processo litigioso; 7. valor mínimo de um litígio que compense o recurso a um tribunal estrangeiro da União Europeia; 8. aversão ao risco e contratação com homólogos transfronteiriços; 9. perceção sobre a taxa média de sucesso de uma mediação; 10. perceção sobre a duração média de uma sessão de mediação; 11. perceção dos participantes sobre o tempo decorrido entre a sessão inicial de mediação e o fim da mediação; 12. perceção sobre as especificidades da mediação e suas metodologias; 13. existência de uma política interna de participação num ADR ou mediação previamente ao recurso a um tribunal; 14. subscrição (ou não) de uma apólice de seguro que abranja os custos de mediação e arbitragem no caso de um litígio comercial nacional ou transfronteiriço. 10 10 Ver páginas 7 e 8 do Relatório final do estudo disponível em: https://www.adrcenterfordevelopment.com/wp-content/uploads/2018/06/Survey-Data-Report.pdf , consultado a 01.09.2020. Os dados recolhidos por este estudo foram relevantes para apoiar a política de defesa dos meios ADR no espaço europeu e, quanto a este artigo, permitem-nos concluir pela eficácia económica dos meios RAL, quer para as empresas e cidadãos, quer para o sistema de justiça no seu conjunto, como veremos.

Tendo o presente trabalho como objeto de estudo o caso português, analisaremos depois os dados estatísticos produzidos em Portugal relativamente aos meios RAL por forma a recolherem-se indicações sobre que medidas adotar para fomentar o recurso a estes mecanismos e melhorar a sua efetividade. A informação estatística relativamente ao funcionamento da justiça em Portugal está a cargo da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), que desde 2013 tem solicitado a organização de três barómetros de qualidade relativamente aos ADR em Portugal, em concreto o Barómetro da Qualidade dos Centros de Arbitragem, Barómetro da Qualidade dos Julgados de Paz e Barómetro da Qualidade da Mediação . Metodologicamente, estes relatórios assentam igualmente na técnica do inquérito com recurso a um questionário dirigido aos usuários/clientes de cada ADR, a saber, os Julgados de Paz, os centros de arbitragem de consumo e os sistemas de mediação pública. O modelo de questionário foi adaptado do Handbook for Conducting Satisfaction Surveys Aimed at Court Users in Council Of Europe's Member States , da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ), e assenta a sua análise em 24 indicadores, agrupados em sete dimensões: 1. funcionamento geral dos centros de arbitragem/Julgados de Paz/sistemas de mediação; 2. acesso à informação sobre cada ADR; 3. instalações; 4. funcionamento; 5. responsável pelo processo; 6. recursos à disposição; e 7. lealdade dos usuários. Este relatório é anual e foi tida em conta neste trabalho a última edição publicada em dezembro de 2018. 11 11 Ver Relatório de Acompanhamento dos Meios de Resolução Alternativa de Litígios – 6ª edição, disponível em: https://dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/Estudos%20AIN%20DGPJ/Relatorio_Satisfacao_Meios_RAL_2018.pdf , consultado a 01.09.2020.

Com base na análise dos estudos referenciados, terminamos apontando algumas medidas que se consideram oportunas como meios para difundir a aplicação dos meios RAL.

O objetivo deste artigo é, assim, constituir-se como um ensaio sobre o estado da arte dos meios RAL em Portugal, permitindo perceber-se a sua situação neste país e retirar ilações para a sua difusão não apenas no ordenamento jurídico português, mas também em outros sistemas que se encontrem a percorrer o mesmo caminho.

1. Os meios RAL na nova arquitetura da administração da justiça portuguesa

No ordenamento jurídico português, o Estado tem-se empenhado em criar uma nova arquitetura da administração da justiça, assente na construção de um sistema jurídico multifacetado e heterogéneo. No que respeita aos mecanismos de resolução de litígios, além dos tribunais – judiciais e administrativos e fiscais 12 12 De acordo com o art. 209.° da Constituição da República Portuguesa, além destes, há outras categorias de tribunais, a saber: o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas. São ainda admitidos os Tribunais Arbitrais e os Julgados de Paz. –, existem outros meios, de carácter facultativo, para resolver os conflitos entre os cidadãos, ou entre os cidadãos e as empresas, ou mesmo entre os cidadãos e o Estado, a saber: os Julgados de Paz, a mediação (privada e em sistemas públicos) e a arbitragem (institucionalizada e ad hoc ).

Numa preocupação que se espera ser genuína e comprometida com as verdadeiras virtualidades dos RAL, o Estado português tem procurado fazer uma adequada arrumação dos meios de resolução de conflitos. Como afirma Giannini (2014GIANNINI, Leandro. Experiencia Argentina en la Mediación Obligatoria. La Ley , ano LXXVIII, n. 25, Buenos Aires, p. 3, 2014 , p. 3):

la preocupación principal del Estado no es la de asegurar que el ciudadano tenga un mecanismo de “escape” o “fuga” a un proceso lento y oneroso, sino la de garantizar la tutela judicial efectiva, para que, sabiendo que tiene en el servicio jurisdiccional una forma adecuada de remediar sus conflictos, el interesado pueda además contar con instrumentos de autocomposición eficientes, a los que acuda voluntariamente (y no huyendo de un sistema de Justicia que no lo satisface).

1.1. Os Julgados de Paz

O Estado começou, em 2001, por institucionalizar um tribunal inspirado no modelo multiportas, no qual se conjuga um tribunal com competência especializada e limitada a certo valor (atualmente €15.000) com o sistema de mediação civil e comercial, de natureza endoprocessual, que são os Julgados de Paz. 13 13 São tribunais estaduais não judiciais cujas competências são limitadas em razão do valor e da matéria, criados através da Lei n. 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n. 54/2013, de 31 de julho (de ora em diante referida por Lei dos Julgados de Paz). A mediação constitui nestas entidades uma fase prévia ao julgamento e de natureza facultativa, por isso assumindo natureza endoprocessual. E, já nessa altura, alargou a possibilidade de utilização dos serviços de mediação desses tribunais a qualquer litígio, mesmo que não se encontre abrangido pela competência do Julgado de Paz. 14 14 De acordo com o art. 16.° da Lei dos Julgados de Paz. Este tribunal tem a particularidade de combinar autocomposição (mediação) e heterocomposição (decisão por sentença) do litígio no mesmo processo, sendo vocacionado para permitir a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes e pautam-se por princípios processuais próprios, que os autonomizam e aproximam dos RAL, quais sejam os princípios da simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual 15 15 Sobre a matéria dos Julgados de Paz ver: Chumbinho (2007) ; Ferreira (2014) ; Pitão e Pitão (2017) . (cfr. art. 2.° da Lei n. 78/2001, de 13 de julho).

Porém, estes tribunais não ganharam especial relevo, nem cumpriram integralmente o papel que lhes foi destinado, na medida em que a rede dos Julgados de Paz não abrangia, e continua sem abranger, todo o território português (atualmente há apenas cerca de 25 Julgados de Paz, com circunscrição limitada no espaço e, consequentemente, na sua competência territorial). 16 16 Veja-se, a propósito e em defesa do alargamento da rede de Julgados de Paz, o Relatório “Alargamento da Rede de Julgados de Paz em Portugal”, elaborado pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica (2007), a pedido do Ministério da Justiça, disponível em: http://www.conselhodosjulgadosdePaz.com.pt/ficheiros/Pareceres/AlargamentodaRededeJulgadosdePazemPortugalISCTE.pdf , consultado a 20.07.2020. Por sua vez, os serviços de mediação também não têm revelado a eficácia almejada na resolução dos litígios que dão entrada nos Julgados de Paz. Por exemplo, os dados estatísticos compilados com base na sua utilização revelam que é maior a percentagem de processos findos por acordo em sede de conciliação (levada a cabo pelo juiz de paz) do que em sede de mediação (levada a cabo por um mediador inscritos numa lista própria), como resulta do Relatório de 2018. 17 17 Cfr. o Relatório Anual do Conselho dos Julgados de Paz referente ao ano de 2018, aprovado pela Deliberação n. 29/2019, na Sessão de 23 de abril de 2019 do Conselho dos Julgados de Paz, disponível em: http://www.conselhodosjulgadosdePaz.com.pt/ficheiros/Relatorios/Relatorio2018.pdf , consultado a 20.07.2020. Este Relatório apresenta os indicadores da eficiência geral dos Julgados de Paz, designadamente a taxa de eficácia (rácio dos processos resolvidos, face ao conjunto dos processos novos e pendentes), congestão (rácio dos processos pendentes face aos processos findos) e resolução processual (rácio dos processos findos, face aos novos processos que surgem).

1.2. Centros de arbitragem institucionalizada

Os centros de arbitragem institucionalizada, em especial os centros de arbitragem de conflitos de consumo, que na sua maior parte funcionam como centros de informação, mediação e arbitragem, são outro meio RAL ao dispor dos cidadãos. 18 18 Há outras áreas em que a arbitragem institucionalizada mostra resultados positivos, como é o caso da arbitragem administrativa e tributária, através do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), criado pelo Despacho n. 5097/2009, de 27 de janeiro, do Secretário de Estado da Justiça, alterado pelo Despacho n. 5880/2018, de 1 de junho, da Secretária de Estado da Justiça. A área administrativa é competente para julgar litígios que tenham por objeto quaisquer matérias jurídico-administrativas; há entidades pré-vinculadas, como é o caso dos Ministérios da Justiça, da Cultura, da Educação e de várias instituições do ensino superior, mas também pode julgar litígios com entidades que não estejam pré-vinculadas, mediante a celebração de compromisso arbitral. No que diz respeito à área tributária, o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n. 10/2011, de 20 de janeiro, julga litígios relativos à apreciação da legalidade de atos tributários. Nesta vertente, a Autoridade Tributária e Aduaneira estava pré-vinculada à arbitragem tributária em litígios até aos dez milhões de euros. A arbitragem institucionalizada em Portugal foi regulamentada pelo Decreto-Lei n. 425/86, de 27 de setembro, em que se prevê a necessidade de reconhecimento pelo Ministério da Justiça dos centros de arbitragem institucionalizada. 19 19 O referido diploma legal permite às entidades que, no âmbito da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n. 63/2011, de 14 de dezembro) pretendam promover, com carácter institucionalizado, a realização de arbitragens voluntárias, requerer ao Ministro da Justiça autorização para a criação dos respetivos centros. Em causa está a criação de estruturas com um regulamento processual próprio, uma lista de árbitros específica e que, por contraposição à arbitragem ad-hoc , se mantém em funcionamento permanente, não se extinguindo com a promulgação da sentença arbitral de cada processo. 20 20 Sobre esta distinção, ver Gouveia (2018 , p. 123-125). No caso particular dos meios de resolução alternativa de litígios de consumo, há atualmente um diploma de referência – a Lei n. 144/2015, de 8 de setembro 21 21 Alterada pelo DL n. 102/2017, de 23 de agosto e pela Lei n. 14/2019, de 12 de fevereiro. – que transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva europeia 2013/11/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, 22 22 Documento legal da União Europeia publicado no Jornal Oficial L 165, de 18 de junho de 2013, p. 63-79, que deveria ser transposto por cada Estado Europeu até 9 de julho de 2015. Sobre a aplicação desta Diretiva, ver Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu relativo à aplicação da Diretiva 2013/11/EU do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a resolução alternativa de litígios de consumo e do Regulamento (UE) n. 524/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a resolução de litígios de consumo em linha [COM(2019) 425 final]. estabelecendo os princípios e as regras a que deve obedecer o funcionamento das entidades de resolução alternativa de litígios de consumo e o enquadramento jurídico das entidades de resolução extrajudicial de litígios de consumo em Portugal que funcionam em rede (art. 1.° da citada Lei n. 144/2015).

Neste âmbito, constam da Lista Portuguesa das Entidades de Resolução Alternativa de Litígios de Consumo: o Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo, com a especificidade de ter atuação em todo o território nacional, nas regiões não abrangidas por outro centro de arbitragem de competência regional, como são os demais; o Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Conflitos de Consumo do Algarve; o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Distrito de Coimbra; o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa; o Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto; Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave/Tribunal Arbitral; o Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo (Tribunal Arbitral de Consumo de Braga); o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo da Madeira; o Centro de Arbitragem da Universidade Autónoma de Lisboa; o Centro de Arbitragem do Setor Automóvel; o Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros Provedor do Cliente das Agências de Viagens e Turismo.

Estes Centros, como aliás resulta dos estudos que a seguir analisaremos, são o meio de RAL com maior expressão e representatividade social, o que se deve não só ao trabalho que têm desenvolvido, mas sobretudo ao facto de terem beneficiado do efeito reflexo resultante da alteração legislativa no âmbito do regime jurídico dos serviços públicos essenciais. 23 23 A Lei dos Serviços Públicos Essenciais foi aprovada pela Lei n. 23/96, de 26 de julho, sucessivamente alterada, em concreto no que aqui importa pela Lei n. 6/2011, de 10 de março. Questão a que voltaremos no ponto 3.2. É notório, pelos dados existentes, por exemplo, através das estatísticas disponibilizadas relativamente ao Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto, que os serviços públicos essenciais dominam os litígios atualmente “tratados” 24 24 O documento disponível sobre as estatísticas do CICAP refere-se a “assuntos tratados”, considerando como tal as questões que são sujeitas a atendimento, seguindo depois para informação, mediação e (ou) arbitragem. Cfr. Tribunal Arbitral de Consumo – Estatísticas de maio de 1995 a dezembro 2018, disponível em https://www.cicap.pt/cicap/estatisticas/ , consultado a 26.10.2020. nos centros de arbitragem.

1.3. Mediação

Por fim, a mediação é o meio RAL que completa o sistema de justiça alternativa ou extrajudicial, usado de modo autonomizado ou em complementaridade com os Julgados de Paz ou nos Centros de Arbitragem. 25 25 Sobre a matéria da mediação, ver relatório do Observatório do Endividamento dos Consumidores (2002, p. 11-16). Ver ainda Blanco Carrasco (2009) ; Soleto Muñoz (2011); Cebola (2013) ; Lopes e Patrão (2016 ); Mesquita (2017) ; Martín Diz e González-Castell (2017 ). Entende-se por mediação a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos (art. 2.°, al. a, da Lei n. 29/2013, de 19 de abril, grifos nossos). 26 26 Esta Lei operou, efetivamente, a transposição da Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial. Sobre esta matéria, com crítica à metodologia adotada pelo legislador, ver Mesquita (2017 , p. 14-20).

Atualmente, no ordenamento jurídico português, a matéria da mediação está contemplada num diploma de referência, designado Lei da Mediação, 27 27 Doravante abreviadamente designada LM. aprovada pela referida Lei n. 29/2013. Porém, ainda que a lei se assuma como sendo de carácter geral, o certo é que não trata exaustivamente todos os tipos de mediação e, por outro lado, apenas um capítulo é de aplicação geral. A matéria dos princípios gerais aplicáveis à mediação é a única que verdadeiramente se aplica a todas as mediações realizadas em Portugal, independentemente da natureza do litígio que seja objeto de mediação (civil e comercial, familiar, laboral, penal e administrativo-tributária), conforme dispõe o art. 3.° da LM.

A mediação realizada pelos serviços de mediação dos Julgados de Paz continua a existir, nos mesmos moldes, sendo que a Lei n. 78/2001 manteve a secção dedicada à pré-mediação e à mediação (arts. 49.° a 56.°) mas remete, quanto ao procedimento, para a Lei da Mediação (art. 53.° da LM).

Nos seus traços gerais, a Lei dedica um capítulo à mediação civil e comercial, em que efetivamente é inovadora e assume a existência legal da mediação privada, aproveitando para concentrar e especificar os aspetos relacionados com o procedimento de mediação, cumprindo ainda a tarefa de transposição da Diretiva e trazendo ao ordenamento português os aspetos impostos pela União Europeia (arts. 10.° a 22.° da LM). Em especial, a executoriedade dos acordos obtidos por via de mediação (art. 9.° da LM), os efeitos da mediação na contagem dos prazos de prescrição e caducidade e o recurso à mediação em processos judiciais pendentes, bem como antes da propositura de ação judicial (arts. 13.° a 15.° da LM).

A Lei versa, ainda, sobre o estatuto do mediador de conflitos, de forma mais abrangente e completa do que anteriormente, à luz da Lei dos Julgados de Paz (arts. 23.° a 29.° da LM). Porém, continua a faltar um enquadramento profissional regulamentado para o exercício da profissão no sector privado. Além de que continua a haver normas especiais, nesta matéria do estatuto do mediador, para os mediadores que exercem funções nos sistemas públicos de mediação, designadamente nos requisitos de acesso à profissão e na sua remuneração.

Por fim, o regime dos sistemas públicos de mediação fazem parte, formalmente, da Lei da Mediação portuguesa, mas a verdade é que, maioritariamente, o regime é definido por remissão para os respetivos atos constitutivos ou regulatórios de cada sistema, assim se mantendo a dispersão que pretensamente se quis evitar com a dita Lei Geral da Mediação.

Estes sistemas públicos de mediação foram surgindo já depois da existência dos serviços de mediação dos Julgados de Paz, que tratavam litígios de natureza civil e comercial, em áreas especializadas, e convivem com a mediação privada, não institucionalizada.

No sistema público de mediação, encontramos:

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    o sistema público de mediação familiar, 28 28 Antes da criação e funcionamento do sistema de mediação familiar, houve iniciativas privadas de promoção deste meio RAL, designadamente através da constituição, em 1993, do Instituto Português de Mediação Familiar, ainda hoje existente. Seguiram-se outras entidades privadas, tais como a Associação Nacional para a Mediação Familiar, e também a Ordem dos Advogados, que mobilizaram recursos para o desenvolvimento e funcionamento da mediação familiar. Entretanto, em 1997, o Estado cria o Gabinete de Mediação Familiar, que trabalhou em articulação com os tribunais e com a Ordem dos Advogados, garantindo um serviço público e gratuito de mediação familiar. Este Gabinete foi criado pelo Despacho n. 12.368/97, de 9 de dezembro, do Ministério da Justiça, entretanto revogado pela al. a) do art. 13.° do Despacho n. 18.778/2007. Sobre a matéria da mediação familiar, ver Farinha e Lavadinho (1997 ); Cruz (2018 ; 2011 ; 2015 ). criado pelo Despacho n. 18 778/2007, de 13 de julho, tem atualmente a sua regulamentação estabelecida no Despacho Normativo n. 13/2018, de 9 de novembro, 29 29 Este diploma, além do mais, aprova o Regulamento dos Procedimentos de Seleção de Mediadores para prestar Serviços de Mediação no Sistema de Mediação Familiar, aprovado pelo Despacho Normativo n. 13/2018. em articulação com a Organização Tutelar de Menores, atualmente o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n. 141/2015, de 8 de setembro (art. 24.° e art. 39.°), e com o Código Civil, na matéria do Divórcio e separação judicial de pessoas e bens; 30 30 Artigo 1774.° – Mediação familiar: Antes do início do processo de divórcio, a conservatória do registo civil ou o tribunal devem informar os cônjuges sobre a existência e os objetivos dos serviços de mediação familiar.

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    o sistema de mediação laboral, criado através de Protocolo, celebrado em 5 de maio de 2006, entre associações patronais e sindicais;

  • :

    a mediação penal de adultos, introduzida pela Lei n. 21/2007, de 12 de junho, na sequência da Decisão Quadro n. 2001/220/JAI, do Conselho da União Europeia, relativa ao estatuto da vítima em processo penal, onde se prevê que os Estados-Membros promovam a Mediação em processos crime. A mediação penal funciona ainda em termos experimentais.

Existe, ainda, a mediação administrativa, que passou a estar prevista, no ordenamento português, a partir de 2015. O Decreto-Lei n. 214-G/2015, de 2 de outubro, aditou o art. 87.°-C ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (Lei n. 15/2002, de 22 de fevereiro), que dispõe sobre a “tentativa de conciliação e mediação”. À luz do n. 1 da referida norma, quando a causa couber no âmbito dos poderes de disposição das partes, pode ter lugar, em qualquer estado do processo, tentativa de conciliação ou mediação, desde que as partes conjuntamente o requeiram ou o juiz a considere oportuna, mas as partes não podem ser convocadas exclusivamente para esse fim mais do que uma vez . Prevê depois o n. 5 do citado art. 87.°-C, que esta mediação se processará nos termos previstos na lei processual civil e no regime jurídico da mediação civil e comercial, com as necessárias adaptações , reenviando o legislador para a citada Lei Geral de Mediação. 31 31 Redação introduzida pela Lei n. 118/2019, de 17 de setembro.

Pode também mencionar-se a previsão e a aplicação da mediação em âmbitos específicos como sejam o mediador do crédito, a funcionar junto do Banco de Portugal 32 32 Figura introduzida no ordenamento jurídico português pelo DL n. 144/2009, de 17 de junho. ou o serviço de mediação de conflitos patrimoniais no âmbito dos mercados de valores mobiliários, criado no âmbito da CMVM. 33 33 Arts. 33.° e 34.° do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo DL n. 486/99, de 13 de novembro.

2. A relevância socioeconómica dos meios RAL: diferentes abordagens metodológicas

Atentos à progressiva consagração legal dos meios RAL, vários estudos de cariz internacional e europeu demonstraram o impacto do recurso (e do não recurso) a meios extrajudiciais na resolução da litigiosidade imanente num determinado ordenamento jurídico, seja em termos de conflitos B2B ( business to business ), seja B2C ( business to consumer ), seja até mesmo C2C ( citizen to citizen ). 34 34 Já na década de 90 do século passado, Bush (1996 , p. 455-474) traçava vários cenários futuros sobre os efeitos dos meios RAL no sistema judicial.

O impacto económico dos meios RAL pode, na verdade, ser analisado segundo diferentes focos, atendendo, designadamente, à relação custo/eficácia na administração da justiça; aos efeitos comportamentais nos cidadãos (defesa dos seus direitos, aumento do consumo) e nas empresas (decisões de investimento e localização dos polos empresariais); bem como aos efeitos sociais inerentes. A relevância deste tipo de análises assenta no facto de justificarem o prosseguimento das políticas públicas do Estado neste setor. Indicaremos seguidamente as demonstrações reveladas por diferentes estudos desenvolvidos atendendo a cada um dos focos apontados por forma a percebermos as diferentes abordagens metodológicas, importância e visões críticas sobre os RAL.

2.1. A eficácia dos meios RAL na administração da justiça

No que concerne aos resultados em termos de eficácia da administração da justiça, trazemos à colação um estudo levado a cabo em 2010 pelo ADR Centre e baseado num questionário endereçado a empresas, advogados e investigadores na área do Direito que pretendeu medir os custos comparativos inerentes à resolução de um litígio num tribunal judicial e através de meios RAL, como a mediação e a arbitragem. 35 35 Cfr. Projeto “The Cost of Non ADR – Surveying and Showing the Actual Costs of Intra-Community Commercial Litigation”, implementado pelo ADR Center, em colaboração com a European Company Lawyers Association (ECLA) e a European Association of Craft, Small and Medium-Sized Enterprises (UEAPME) e financiado pela Comissão Europeia no âmbito do “Specific Programme Civil Justice 2007-2013”, disponível em: https://www.adrcenterfordevelopment.com/2018/06/08/eu-member-states-the-costs-of-non-adr-surveying-and-showing-the-actual-costs-of-intra-community-commercial-litigation/ , consultado a 20.07.2020.

Com base nas respostas obtidas nos questionários respondidos em 26 países da União Europeia, este estudo concluiu que, tendo por referência um litígio com o valor de €200.000, o tempo médio de resolução de um conflito num tribunal judicial era (à data) de 696 dias, enquanto recorrendo a arbitragem e a mediação o procedimento demorava 503 e 87 dias, respetivamente. Em termos de custos e para o mesmo litígio com o valor de €200.000, em média, um processo poderia ter um custo de €25.337 com recurso a um tribunal judicial, €34.385 em arbitragem e €9.488 em mediação.

Tendo em conta a realidade portuguesa ao nível da administração da justiça, este estudo mostrou que eram necessários, em média, 34 meses para decidir um processo civil num tribunal. Em termos de custos, um processo civil de valor até €2.000 poderia custar a cada parte €102, ou seja, os custos poderiam ascender a mais de €200, se não existisse qualquer incidente processual.

Este estudo revelou, assim, o impacto do recurso aos meios RAL em termos da administração da justiça, constatando-se que a mediação constitui a via que menos tempo e custos acarreta na resolução de um conflito, 36 36 No mesmo sentido apontam os estudos relativos à aplicação da Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, sobre certos aspetos da mediação civil e comercial de 2014, coordenado por Giuseppe De Palo, disponível em: http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/etudes/join/2014/493042/IPOL-JURI_ET(2014)493042_EN.pdf e de 2016 levado a cabo pela Comissão Europeia (COM/2016/0542 final) disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=COM%3A2016%3A542%3AFIN , ambos consultados a 20.07.2020. podendo justificar a aposta contínua dos Estados neste mecanismo.

2.2. Efeitos económicos dos meios RAL na perspetiva das empresas

Atendendo aos efeitos económicos, em concreto na perspetiva das empresas, a avaliação de impacto que em 2011 acompanhou a Proposta de Diretiva relativa à resolução alternativa de litígios de consumo e a Proposta de Regulamento relativo à resolução em linha de litígios de consumo 37 37 SEC (COMISSÃO EUROPEIA, 2011) 1408 final. indicava que se os consumidores poupariam cerca de €20 milhões recorrendo a um meio RAL para resolver o seu litígio e que o ganho das empresas seria de €3 biliões se optassem por um meio RAL em vez de intentarem um processo judicial.

Relativamente à litigiosidade transfronteiriça, o estudo do ADR Centre de 2010, acima citado, indicava que mais de dois terços das empresas da UE que responderam ao questionário levado a cabo no âmbito daquele projeto, afirmaram afetar uma parte apreciável do seu orçamento a custos judiciais anuais incorridos em resultado de litígios transfronteiriços. Acresce que, a grande maioria das empresas que responderam ao questionário considerou não valer a pena intentar uma ação num tribunal estrangeiro da UE se o valor do litígio fosse inferior a €50.000. O estudo concluía, ainda, que a aversão ao risco por parte das empresas no momento de decidirem celebrar um contrato com uma empresa sediada num outro Estado-Membro era enorme e que os meios RAL, em concreto a possibilidade de resolução de conflitos por mediação, aliviavam o receio de litígios transfronteiriços, abrindo as portas a transações comerciais fora das fronteiras de cada Estado. 38 38 The Cost of Non-ADR – Surveying and showing the actual costs of Intra-community Commercial Litigation , cit., p. 26.

2.3. Os efeitos sociais dos meios RAL

Mas os meios RAL não deixam de ter efeitos sociais. Nos EUA muitos defendem que a própria génese e o desenvolvimento de vias alternativas aos tribunais judiciais estão intimamente ligados a movimentos de justiça social que, nos anos 1950 e 1960, se preocupavam com questões relacionadas com as desigualdades estruturais na sociedade e partilhavam uma desconfiança em relação às instituições estabelecidas ( RAYMOND, 2008RAYMOND, Tracey. Alternative Dispute Resolution as A Tool For Social Change: A discussion of issues and evidence . Australian Human Rights Commission, 2008 ). 39 39 Veja-se ainda Cebola (2013 , p. 34-36). Em muitos setores, os meios RAL foram considerados uma forma de “democratização das bases”, que não só resolvia disputas individuais como também encorajava a autogovernação e o empoderamento dos cidadãos. 40 40 Cfr., entre outros, Schoeny e Warfield (2000 , p. 253-268). Neste contexto, os partidários do modelo transformativo de mediação, proposto por Bush e Folger, defendem que o seu objetivo principal é a promoção da mudança social através do empoderamento e reconhecimento individuais, visando “ creating a better world […] a world in which people are not just better off but are better; more human and more humane ” ( BUSH e FOLGER, 1994BUSH, Robert Baruch; FOLGER, Joseph. The Promise of Mediation: Responding to conflict through empowerment and recognition. California: Jossey-Bass Publishers, 1994 ).

O impacto social dos RAL é, todavia, negado por alguns que consideram que a dimensão individualizada de cada conflito faz com que a sua resolução fique abstraída do contexto social em que ocorre. Ou seja, as partes do conflito preocupam-se com as suas pretensões individuais e a resolução do litígio acaba por se reconduzir a problemas na comunicação, sem atender a quaisquer contornos sociais ou estruturais. 41 41 Cfr., entre outros, Schoeny e Warfield (2000 , p. 253-268). Por outro lado, é também alegado que os meios RAL implicam uma “privatização da justiça” o que, aliado à sua natureza confidencial, acarretará a impossibilidade de se gerarem precedentes vinculativos e regras com carácter público que possam contribuir para a mudança social ( IMBROGNO, 1999IMBROGNO, Andre. Using ADR to Address Issues of Public Concern: Can ADR become an instrument for social oppression? Ohio State Journal on Dispute Resolution , v. 14, n. 3, p. 855-879, 1999 , p. 855-879).

Não obstante, o trabalho desenvolvido por várias entidades em termos internacionais demonstra que os meios RAL têm potencial para operar mudanças sociais. Nesta sede ganha relevo o estudo conduzido pela Australian Human Rights and Equal Opportunity Commission em 2007 e 2008 que analisou os acordos de conciliação relativos a queixas de discriminação ilegal contra empresas e organizações. 42 42 Sobre o relatório, ver Raymond (2008) . Este estudo desenvolveu-se em duas fases: numa primeira fase foram analisadas 220 queixas apresentadas a esta entidade; e numa segunda fase foi levado a cabo um inquérito telefónico a empresas/organizações que responderam em processos por queixas de discriminação ilegal. Os dados recolhidos neste estudo revelaram ser positivo o impacto educativo do processo de reclamação, independentemente do seu resultado, sobretudo quando a conciliação foi tentada. Efetivamente, 55% das entidades demandadas indicaram ter aumentado o seu nível de compreensão relativamente à lei antidiscriminação vigente, em consequência da queixa, bem como aumentou a consciência das suas responsabilidades neste contexto ( RAYMOND, 2008RAYMOND, Tracey. Alternative Dispute Resolution as A Tool For Social Change: A discussion of issues and evidence . Australian Human Rights Commission, 2008 ). Desta forma, percebe-se como o uso de meios RAL, em concreto autocompositivos, é suscetível de aumentar o conhecimento e a consciência dos direitos individuais por parte de cada cidadão e das organizações e da sua responsabilidade perante o cumprimento da lei. O processo de resolução de conflitos através de meios RAL pode, concomitantemente, constituir-se como um complemento das funções de educação pública por parte dos governos e encorajar o cumprimento da lei por iniciativa própria ( RAYMOND, 2008RAYMOND, Tracey. Alternative Dispute Resolution as A Tool For Social Change: A discussion of issues and evidence . Australian Human Rights Commission, 2008 ).

Estes estudos permitem-nos, assim, concluir que, de um modo geral e em termos mundiais, é relevante para empresas e cidadãos a implementação de um sistema de resolução de conflitos eficiente que agregue os meios RAL como uma opção real. Mas importa perceber se as virtualidades manifestadas por estes estudos se podem estender a todos os ordenamentos jurídicos de igual forma. Deste modo, pretendeu-se neste trabalho estudar o nível de implementação e difusão dos meios RAL em Portugal, tomando-se este ordenamento como caso de estudo, através da análise dos dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça português, como a seguir indicaremos.

3. Avaliação do sistema de justiça RAL pelos cidadãos em Portugal

3.1. Base da avaliação

O Estado português, através da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), 43 43 A DGPJ foi criada em 2006 constituindo o organismo do Governo integrado na estrutura do Ministério da Justiça português responsável, entre outras atribuições, pelo sector dos meios RAL. tem feito a recolha e a análise de dados baseados em questionários aplicados pelas instituições aos cidadãos “clientes” dos vários meios de RAL, considerando como tal os Julgados de Paz, os Centros de Arbitragem de Consumo e os Sistemas Públicos de Mediação, como acima caracterizados. Os questionários, designados Barómetro da Qualidade dos Centros de Arbitragem, Barómetro da Qualidade dos Julgados de Paz e Barómetro da Qualidade da Mediação , foram disponibilizados pela Direção-Geral da Política de Justiça aos respetivos meios de resolução alternativa de litígios, que por sua vez os aplicaram, divulgaram e/ou disponibilizaram aos usuários/clientes.

O modelo de questionário foi adaptado tendo em conta o Handbook for Conducting Satisfaction Surveys Aimed at Court Users in Council Of Europe's Member States , da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ), 44 44 Aprovado na 15.ª reunião plenária de 9 e 10 de setembro de 2010 em Estrasburgo, com última versão na 28.ª reunião plenária de 7 de dezembro de 2016, em Estrasburgo, disponível em: https://rm.coe.int/168074816f , consultado a 26.10.2020. e tem vindo a ser aplicado desde 2013.

Os relatórios 45 45 Elaborados em protocolo com o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, estando a 6.ª edição e última disponível em: https://dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/Estudos%20AIN%20DGPJ/Relatorio_Satisfacao_Meios_RAL_2018.pdf , consultado a 01.09.2020. baseiam-se em questionários que recolhem a perceção dos usuários que deveriam pontuar de 1 a 10 pontos 46 46 Foi adotada a seguinte escala de satisfação baseada numa divisão de 4 grupos: 1 a 3 pontos – participantes muito insatisfeitos; mais de 3 a 5 pontos – participantes insatisfeitos; mais de 5 a 8 pontos – participantes satisfeitos; mais de 8 a 10 pontos – participantes muito satisfeitos. Nenhuma questão foi indicada como de “resposta obrigatória”, existindo a possibilidade de “não respondo” ou “não sei” em todas as 24 questões dos inquéritos aplicados. em relação a 24 indicadores (perguntas), agrupados em sete dimensões:

  1. aspetos gerais – que abrangem as seguintes questões: funcionamento geral dos centros de arbitragem/Julgados de Paz/mediação; celeridade da resolução do litígio; custo de acesso (sem considerar os honorários de advogados); confiança no sistema;

  2. acesso à informação – em concreto: a facilidade em encontrar informação sobre o centro de arbitragem/Julgado de Paz/mediação; clareza da informação transmitida sobre o litígio;

  3. instalações – questionando-se se: as instalações são de fácil acesso; as instalações encontram-se bem sinalizadas no seu interior; as condições de espera são adequadas; as instalações estão bem equipadas;

  4. funcionamento – colocando-se questões sobre se: as comunicações/informações são claras; o tempo decorrido entre o pedido e a primeira sessão em que foi ouvido(a)/sessão de pré-mediação foi aceitável; as sessões começaram à hora marcada; disponibilidade e atendimento dos técnicos do centro de arbitragem/Julgado de Paz/intervenientes no processo de mediação (não considerando o mediador); competência dos técnicos do centro de arbitragem/Julgado de Paz/intervenientes no processo de mediação (não considerando o mediador);

  5. responsável pelo processo – pretendendo-se saber: a atitude e a cortesia demonstradas; a clareza da linguagem utilizada; a imparcialidade ao longo do processo; a igualdade de oportunidades no debate da questão ao longo do processo; a clareza do acordo/decisão; a rapidez com que o acordo é alcançado ou a decisão proferida;

  6. recursos à disposição – por forma a perceber-se se os recursos eram adequados;

  7. lealdade dos usuários – nesta dimensão perguntava-se se, caso fosse necessário, voltaria a recorrer ao centro de arbitragem/ao Julgado de Paz/à mediação; e se recomendaria a utilização deste centro de arbitragem/Julgado de Paz/mediação.

Tomando como referência os três últimos anos, as amostras foram as seguintes:

  • :

    em 2016, os resultados são obtidos a partir dos dados de 1.540 questionários recolhidos, dos quais 1.366 foram válidos (1.174 relativos a usuários de centros de arbitragem, 165 relativos a usuários de Julgados de Paz e 27 relativos a usuários dos sistemas públicos de mediação);

  • :

    em 2017, foram recolhidos 1.392 questionários, dos quais 1.040 foram considerados como válidos (938 relativos a usuários de centros de arbitragem, 86 relativos a usuários de Julgados de Paz e 16 relativos a usuários dos sistemas públicos de mediação);

  • :

    em 2018, houve 1.804 questionários, sendo 1.466 válidos (1.335 relativos a usuários de centros de arbitragem, 118 relativos a usuários de Julgados de Paz e 13 relativos a usuários dos sistemas públicos de mediação).

Naquilo que nos importa salientar, este tipo de estudo permitiu analisar o grau de satisfação dos usuários nas diferentes dimensões, quer em termos gerais, quer por referência a cada meio RAL, evidenciando aqueles que se encontram mais consolidados no tecido social. Por outro lado, avalia o peso de cada dimensão no grau de satisfação geral atingido e, ainda, na lealdade, proporcionando uma reflexão sobre os indicadores a melhorar.

3.2. Resultados da avaliação e dados comparados

Tendo em consideração os mencionados estudos empíricos realizados em Portugal, importa desde logo uma nota inicial sobre as componentes da amostra dos estudos. Em todos os anos, a representatividade dos Centros de Arbitragem é muito mais significativa, enquanto a representatividade dos Sistemas de Mediação Pública é consideravelmente baixa. Assim, dos questionários de 2016, 86% são dos Centros de Arbitragem, 12% dos Julgados de Paz e 2% dos Sistemas Públicos de Mediação; nos anos seguintes, de 2017 e 2018, as percentagens foram, respetivamente, de 90,5% e 91% para os Centros de Arbitragem, 8% em cada um dos anos para os Julgados de Paz, contra 1,5% e 1% para os Sistemas Públicos de Mediação.

É conveniente refletir sobre esta discrepância de representatividade, o que só por si parece revelar um maior peso dos Centros de Arbitragem nos RAL, em particular os de consumo, e uma tendência para a queda dos sistemas públicos de mediação. Convém acrescentar, para perceber esta tendência, que a Lei dos Serviços Públicos Essenciais, aprovada pela Lei n. 23/96, de 26 de julho, sofreu uma alteração em 2011, através da Lei n. 6/2011, de 10 de março, que introduziu uma alteração ao art. 15.° da referida Lei, relativa ao regime de litígios aplicável, pela qual a arbitragem passou a ser um mecanismo potestativo, podendo ser imposto pelo consumidor à empresa. 47 47 A referida norma, que tem como epígrafe “Resolução de litígios e arbitragem necessária”, dispõe o seguinte: 1. Os litígios de consumo no âmbito dos serviços públicos essenciais estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa dos usuários que sejam pessoas singulares, sejam submetidos à apreciação do tribunal arbitral dos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados. 2. Quando as partes, em caso de litígio resultante de um serviço público essencial, optem por recorrer a mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos, suspendem-se, no seu decurso, os prazos previstos nos n.°s 1 e 4 do artigo 10.°. Sobre a arbitragem necessária em Portugal no âmbito dos serviços públicos essenciais, ver Cebola (2016 , p. 65-92). Tem sido esta a razão do crescimento dos Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo, o que só por si não revela uma maior consciencialização para os RAL em geral, nem uma mudança de cultura litigiosa. Mas será certamente um sinal de que neste nicho de “mercado”, em que o litigante/consumidor não quer prescindir dos seus direitos, o mesmo só não optará pela resignação na medida em que os custos e a acessibilidade não assumam um peso demasiado elevado, que o demovam de efetivar os seus direitos. Assim, é imperioso continuar a criar mecanismos incentivadores. O legislador português já está a trilhar esse caminho, tanto que em 2019 alterou o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, no sentido de criar a arbitragem necessária (potestativa) nos conflitos de consumo de reduzido valor económico, ou seja, aqueles cujo valor não exceda a alçada dos tribunais de 1.ª instância (atualmente €5.000). 48 48 Lei n. 63/2019, de 16 agosto, que alterou o art. 14.° da Lei n. 24/96, de 31 de julho (esta última Lei aprovou o regime jurídico de defesa do consumidor em Portugal).

Comparando os dados relativos aos três meios de resolução alternativa de litígios referenciados, os Centros de Arbitragem e os Julgados de Paz apresentaram, em todos os indicadores, um valor médio superior ao dos Sistemas Públicos de Mediação, tendência que se manteve nos três anos. Enquanto aqueles apresentaram valores médios entre 8 e 9 pontos (em 10 possíveis), os Sistemas Públicos de Mediação não passaram dos 5 e 6 pontos.

No entanto, ao longo dos anos em que foram realizados estudos deste tipo, entre 2013 e 2018, neste último ano verificou-se um aumento da média dos indicadores em 0,54 pontos face a 2013; 0,16 pontos face a 2014; 0,13 pontos face a 2015; e de 0,01 pontos face a 2017. Face a 2016, houve uma igualdade da média dos indicadores. Ora, marginalmente o valor de crescimento é cada vez menor, o que mostra uma inversão da tendência.

Por fim, os estudos mediram quais as dimensões da análise, acima identificadas, que tiveram impacto mais elevado e que simultaneamente têm maior contributo para a explicação dos níveis dos “aspectos gerais” ou da “lealdade”, indicando ainda as que, apesar dos valores médios menos elevados, têm também dado um contributo elevado para os referidos “aspectos gerais” e para a “lealdade”, versus aquelas dimensões que trazem menor contributo.

Os dados recolhidos foram assim trabalhados por forma a indicarem quais constituíam os pontos fortes principais (com impacto mais elevado); os pontos fortes secundários (com impacto menor); as principais e segundas prioridades (sendo estas últimas as que, a par do seu valor médio reduzido, não têm impactos fortes sobre a formação das perceções).

Assim, quanto ao impacto sobre os “aspetos gerais”:

  • :

    os pontos fortes são as dimensões “funcionamento dos meios RAL” e “recursos à disposição dos meios RAL”, e também o “acesso à informação” (em 2018);

  • :

    em dois anos consecutivos (2016 e 2017), a dimensão “acesso à informação sobre os meios RAL” foi considerada uma prioridade de atuação na medida em que a introdução de melhorias nesta vertente tem grande reflexo na perceção dos usuários sobre os aspetos gerais dos meios RAL; em 2018 passou a ser um ponto forte, saindo do quadrante das prioridades;

  • :

    as dimensões “recursos à disposição dos meios RAL” e “responsável pelo processo” podem ser consideradas como pontos fortes secundários;

  • :

    a dimensão “instalações dos meios RAL” pode ser considerada como segunda prioridade.

Sobre o impacto na “lealdade”:

  • :

    as dimensões “aspetos gerais dos meios RAL” e “funcionamento dos meios RAL” podem ser consideradas como principais pontos fortes;

  • :

    as dimensões “responsável pelo processo nos meios RAL”, “recursos à disposição dos meios RAL” e “acesso à informação sobre os meios RAL” podem ser consideradas como pontos fortes secundários;

  • :

    a dimensão “instalações dos meios RAL” pode ser considerada como segunda prioridade.

4. Algumas considerações críticas sobre a avaliação do sistema de justiça RAL em Portugal

Os estudos apresentados pela Direção-Geral da Política de Justiça são importantes para a análise da forma como os cidadãos avaliam o sistema de justiça, em especial no que se refere aos meios RAL. Porquanto, o melhor conhecimento da perceção do cidadão proporcionará o aperfeiçoamento do modelo, assim como do desempenho futuro das instituições e dos seus intervenientes. É fundamental avaliar as fragilidades e os pontos fortes de cada mecanismo, tendo em vista a melhoria do sistema.

Porém, apesar da bondade dos relatórios, a pouca implantação dos meios RAL no sistema condiciona a dimensão da amostra. É manifesto, pelo menos no que se refere aos sistemas de mediação, que os resultados são pouco representativos; e mesmo nos Julgados de Paz não há valores muito expressivos. Em qualquer caso, os inquéritos realizados e os resultados apresentados fornecem elementos essenciais para o debate e a reflexão sobre os meios RAL, assim como para a análise e ponderação das medidas que o Estado português deve procurar implementar.

A realidade dos factos, extraída dos dados apresentados, mostra que os meios RAL parecem estar acantonados. Está a ser difícil conquistarem um lugar expressivo no sistema de justiça português. Apesar das modificações introduzidas na arquitetura da administração da justiça e do empenho do Estado no seu desenvolvimento, a verdade é que os dados analisados mostram que é ainda ténue a consolidação destes mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos em Portugal. É certo que, no estudo em análise, os valores médios das várias dimensões avaliadas estiveram em valores de satisfação bastante elevados, mas isso não determina, por si só, que se possa concluir pela efetiva existência de um sistema de justiça apoiado, de verdade e ao mesmo nível, nos pilares da judicialidade e da extrajudicialidade.

Conclui-se, assim, que se os estudos internacionais revelam a importância dos meios RAL, a sua implementação efetiva ainda tem um grande caminho a percorrer, sobretudo em três trilhos paralelos e convergentes, no objetivo de aproximar os meios de RAL dos cidadãos: o da institucionalização, incluindo o alargamento das redes, o da profissionalização e integração e o da “mentalização” ou consciencialização.

4.1. Institucionalização e alargamento das redes

É evidente que em Portugal a institucionalização dos meios RAL é já uma realidade, na medida em que há arbitragem institucionalizada, os Julgados de Paz são tribunais estaduais e a mediação, salvo a mediação privada, funciona em sistemas de mediação pública, sob a tutela do Ministério da Justiça. Apesar disso, não podemos deixar de considerar que ainda há algum trabalho a fazer na consolidação e organização do funcionamento dos RAL em sistemas permanentes, organizados e regulamentados, em nome do funcionamento transparente, seguro e eficaz destes mecanismos. Com efeito, a dimensão “acesso à informação” foi indicada como prioridade pelo estudo em análise (3.ª prioridade).

A credibilização do sistema, sem querermos com isto defender uma posição excessivamente estatizante, passa pela melhor regulação dos meios de RAL, em especial nos sistemas públicos de mediação. Ainda que essa regulação exista, a mesma não é absolutamente uniforme, não se encontra agregada, não obedece a uma visão integral do sistema.

Por outro lado, enquanto a rede dos meios RAL não for alargada a todo o território português, em termos reais e de efetiva proximidade, com carácter permanente, dificilmente os poderemos considerar como uma alternativa efetiva. Consequentemente, o Estado estará claramente a colocar os cidadãos em situação de desigualdade no acesso ao direito e à justiça.

5. Profissionalização e integração

O exercício de competências associadas ao funcionamento dos meios RAL, seja pelos juízes de paz ou juízes árbitros, seja pelos mediadores, seja pelos funcionários dos serviços administrativos, tem que resultar de carreiras onde o ingresso seja cada vez mais exigente. Neste sentido, o índice de prioridades do estudo em referência indica o “funcionamento dos meios RAL” como primeira prioridade e o “responsável pelo processo” como terceira prioridade.

Todavia, é imperioso e urgente encontrar pontos de contacto com as Ordens Profissionais, designadamente dos Advogados e dos Solicitadores. A autonomização das profissões e respetivas carreiras, ainda que aceitável, não pode dissociar-se das clássicas profissões forenses. Não podemos ser alheios ao facto de serem estes os profissionais que o cidadão conhece e serão estes os veículos privilegiados para o acesso aos meios RAL. Pode parecer que com isto estamos a desvirtuar uma característica essencial destes mecanismos, qual seja a da acessibilidade direta pelo cidadão. Porém, enquanto esta consciência não prevalece, há que aceitar que o caminho é o de “integrar para reinar”. Ou seja, o envolvimento e a partilha de espaço com as profissões forenses não diminuirão, mas antes acomodarão melhor os meios RAL. Nesta medida, o patrocínio judiciário obrigatório, apesar dos aspetos negativos que lhe possam estar associados, designadamente no incremento dos custos, deve ser um assunto a repensar, pelo menos em algumas áreas sensíveis.

6. Mentalização ou consciencialização

A mais difícil tarefa é a da mudança de mentalidades. Aqui não há medidas garantidas, neste contexto será a própria sociedade a seguir o seu rumo de evolução, na medida em que comecem a prevalecer os valores inerentes à escolha dos meios RAL. O estudo em análise revelou que os usuários que experimentam os meios RAL declaram forte intenção de, em caso de necessidade, voltar a recorrer a estes meios, mas os níveis de utilização ainda são baixos.

Na medida em que os cidadãos se pautem pela autonomia da vontade, pela paz social (e interior), pelo combate ao excessivo normativismo e à estatização absoluta da justiça, melhor se desenvolverão os meios de resolução extrajudicial de litígios.

Numa sociedade de matriz Cristiana, em que a herança secular de “entrega” do Poder Judicial a uma entidade exterior, fosse ao Rei, fosse ao Estado, se enraizou transversalmente, onde, por isso, a litigância procura essencialmente meios adjudicatórios, a opção pelos meios RAL não é a solução natural. 49 49 Sobre este fenómeno, a sua evolução e influência histórica, ver Barona Vilar (2013) . Sê-lo-á à medida que a sociedade, e cada cidadão, se consciencialize do seu próprio poder sobre a gestão dos seus litígios e que, em certas matérias, são mais virtuosas as formas extrajudiciais de resolução de litígios. Para que esta realidade se confirme, os mecanismos RAL têm que ter resultados capazes de os tornar a opção preferencial e isso, por sua vez, está, em parte, nas mãos da boa regulação, da boa gestão, da boa fiscalização e do melhor exercício das profissões com eles relacionadas.

7. Medidas a considerar no desenvolvimento dos meios RAL: notas conclusivas de análise

Os dados disponíveis e a análise dos elementos sobre o posicionamento dos cidadãos face aos meios RAL, de acordo com os relatórios analisados, permitem refletir sobre as medidas a adotar e as estratégias a definir, que aqui apresentamos em jeito de conclusão.

  1. Maior divulgação e conhecimento dos meios de resolução alternativa de litígios: continua a fazer falta promover ações de sensibilização e informação junto dos cidadãos, mas também junto dos profissionais forenses, das escolas, das associações empresariais e de comércio.

  2. Melhor relação de confiança e lealdade aos meios alternativos: a confiança e a lealdade dependem das experiências positivas dos usuários; por outro lado, o grau de fiabilidade nas decisões proferidas e nos acordos celebrados serão a medida dessa confiança; por sua vez, o grau de fiabilidade resultará da qualidade das decisões e dos acordos, medida sobretudo a propósito da sua executoriedade, porquanto será em sede de execução que, após a resolução do litígio e não havendo cumprimento, as partes voltam a encontrar-se.

  3. Desenvolvimento e aprofundamento da ligação dos meios extrajudiciais aos meios judiciais: do ponto de vista dos equipamentos, os campus da justiça deviam comportar, no mesmo lugar, os vários meios RAL, o que também facilitaria, reflexamente, o combate à desinformação; numa vertente substancial e de articulação dos mecanismos, em especial entre a mediação e o processo, além da possibilidade já existente, de mediação intraprocessual (art. 273.° do CPC português), é possível pensar em introduzir, numa fase inicial do processo judicial, a pré-mediação associada a incentivos económicos em caso de prosseguimento e obtenção de acordo. Entretanto, ao contrário do que pensam aqueles que preconizam uma autonomização da legislação relativa aos meios RAL, a maior aproximação (integração) de algumas matérias ao Código de Processo Civil, em especial a mediação, seria um fator positivo no desenvolvimento destes mecanismos.

  4. Mais confiança dos profissionais forenses nos meios extrajudiciais: é indispensável o envolvimento das ordens profissionais com os meios RAL e o desenvolvimento de práticas colaborativas interdisciplinares; os profissionais forenses são capazes de modificar os seus comportamentos individualmente, mas uma posição concertada e institucional, baseada na confiança na legislação e no sistema, será certamente mais proveitosa; nessa medida, o Estado deve procurar consensos nesta matéria.

  5. Maior reconhecimento dos mecanismos alternativos pelo cidadão e pelas empresas: além do que ficou dito sobre confiança e lealdade, serão os fatores de incentivo (aos meios RAL) ou de dissuasão (ao meio judicial) que provocarão os efeitos reflexos necessários na procura dos meios RAL; na medida em que o legislador consagre medidas positivas, como seja a redução de custas/despesas ou benefícios fiscais, ou medidas negativas, como a aplicação de sanções a quem recorre de imediato aos meios judiciais, assim se moldarão, tendencialmente, os comportamentos dos cidadãos e das empresas.

  6. Maior eficácia e eficiência dos mecanismos: o melhor e mais racional uso dos recursos e as maiores taxas de sucesso dos meios RAL na resolução dos litígios, afastando o recurso aos meios judiciais, não são resultados de um único factor; o conjunto de todas as anteriores medidas contribuirão, reflexamente, nesse mesmo sentido.

Conclusão

O Estado de Direito democrático apenas exerce a sua plena função na exata medida em que proporcione aos cidadãos o efetivo exercício dos seus direitos fundamentais, de entre eles o direito de acesso à justiça. Na medida em que a “boa justiça” faz a “boa sociedade”, assente na paz social, e que esta desenvolverá a “boa economia”, as medidas a aplicar no desenvolvimento dos meios RAL servem também de contributo positivo para o tecido socioeconómico. O barómetro da justiça é também o diapasão do tecido social e económico, pois só com uma justiça efetiva e eficaz se conseguirá captar investimento e assegurar níveis de consumo que, nos respetivos papéis, sirvam de motor económico.

Visto que os meios de resolução alternativa de litígios constituem uma peça fundamental na construção de um sistema de justiça que se mostre completo, adequado, célere, eficaz e eficiente, a análise e as recomendações apresentadas pretendem constituir parte da base necessária para melhorar, sustentar e consolidar uma adequada arquitetura judicial, em favor de uma melhor administração da justiça.

  • *
    Este artigo enquadra-se no âmbito das atividades de investigação do projeto TRANS&EU_CIVPROC do Instituto Jurídico Portucalense (IJP) e do polo de Leiria (IJP-IPLeiria), na base do Apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia FCT UIDB/04112/2020.
  • 1
    Sobre o papel dos RAL nas sociedades contemporâneas e no acesso à justiça ver: Pedroso, Trincão e Dias (2001); Silva (2009)SILVA, Paula Costa. A Nova Face da Justiça. Os Meios Extrajudiciais de Resolução de Controvérsias . Coimbra: Coimbra Editora, 2009 ; Gouveia (2018GOUVEIA, Mariana França. Curso de Resolução Alternativa de Litígios . 3.ª ed. Coimbra: Almedina, 2018. , p. 25-39).
  • 2
    Cfr. Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial (publicada no Jornal Oficial L 136/3, de 24 de maio de 2008).
  • 3
    O Justice Scoreboard da UE é um instrumento de compilação de informação relativamente aos sistemas nacionais de justiça de todos os Estados-Membros da União Europeia, fornecendo dados objetivos e comparáveis sobre vários indicadores relevantes para a avaliação da qualidade, independência e eficácia da justiça no espaço comunitário. Para 2018, ver Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2018 [COM(2018) 364 final]. Texto disponível em: https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/justice_scoreboard_2018_en.pdf , consultado a 24.10.2020.
  • 4
    Conforme melhor demonstra o último relatório organizado pela Comissão Europeia com os dados estatísticos relativos ao segundo ano de funcionamento da Plataforma Europeia ODR, disponível em: https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/2nd_report_on_the_functioning_of_the_odr_platform_3.pdf , consultado a 17.07.2020.
  • 5
    Diário da República , 1.ª série, n. 299, de 28 de dezembro de 2001.
  • 6
    Diário da República , 1.ª série, n. 213, de 6 de novembro de 2007.
  • 7
    Como resulta do art. 202.°, n. 4, da Constituição da República Portuguesa, os instrumentos e as formas de composição não jurisdicional de conflitos são uma via constitucionalmente admissível.
  • 8
    Para mais desenvolvimentos, ver Alexander (2002)ALEXANDER, Nadja. From Common Law to Civil Law Jurisdictions: court ADR on the move in Germany. ADR Bulletin , v. 4, n. 8, p. 110-113, 2002 .
  • 9
  • 10
    Ver páginas 7 e 8 do Relatório final do estudo disponível em: https://www.adrcenterfordevelopment.com/wp-content/uploads/2018/06/Survey-Data-Report.pdf , consultado a 01.09.2020.
  • 11
    Ver Relatório de Acompanhamento dos Meios de Resolução Alternativa de Litígios – 6ª edição, disponível em: https://dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/Estudos%20AIN%20DGPJ/Relatorio_Satisfacao_Meios_RAL_2018.pdf , consultado a 01.09.2020.
  • 12
    De acordo com o art. 209.° da Constituição da República Portuguesa, além destes, há outras categorias de tribunais, a saber: o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas. São ainda admitidos os Tribunais Arbitrais e os Julgados de Paz.
  • 13
    São tribunais estaduais não judiciais cujas competências são limitadas em razão do valor e da matéria, criados através da Lei n. 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n. 54/2013, de 31 de julho (de ora em diante referida por Lei dos Julgados de Paz). A mediação constitui nestas entidades uma fase prévia ao julgamento e de natureza facultativa, por isso assumindo natureza endoprocessual.
  • 14
    De acordo com o art. 16.° da Lei dos Julgados de Paz.
  • 15
    Sobre a matéria dos Julgados de Paz ver: Chumbinho (2007)CHUMBINHO, João. Julgados de Paz na Prática Processual – Meios alternativos de resolução de litígios . Lisboa: Quid Juris, 2007 ; Ferreira (2014)FERREIRA, J. O. Cardona. Julgados de Paz – Organização, competência e funcionamento . 3.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014 ; Pitão e Pitão (2017)PITÃO, José António de França; PITÃO, Gustavo França. Lei dos Julgados de Paz Anotada . Lisboa: Quid Juris, 2017 .
  • 16
    Veja-se, a propósito e em defesa do alargamento da rede de Julgados de Paz, o Relatório “Alargamento da Rede de Julgados de Paz em Portugal”, elaborado pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica (2007), a pedido do Ministério da Justiça, disponível em: http://www.conselhodosjulgadosdePaz.com.pt/ficheiros/Pareceres/AlargamentodaRededeJulgadosdePazemPortugalISCTE.pdf , consultado a 20.07.2020.
  • 17
    Cfr. o Relatório Anual do Conselho dos Julgados de Paz referente ao ano de 2018, aprovado pela Deliberação n. 29/2019, na Sessão de 23 de abril de 2019 do Conselho dos Julgados de Paz, disponível em: http://www.conselhodosjulgadosdePaz.com.pt/ficheiros/Relatorios/Relatorio2018.pdf , consultado a 20.07.2020. Este Relatório apresenta os indicadores da eficiência geral dos Julgados de Paz, designadamente a taxa de eficácia (rácio dos processos resolvidos, face ao conjunto dos processos novos e pendentes), congestão (rácio dos processos pendentes face aos processos findos) e resolução processual (rácio dos processos findos, face aos novos processos que surgem).
  • 18
    Há outras áreas em que a arbitragem institucionalizada mostra resultados positivos, como é o caso da arbitragem administrativa e tributária, através do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), criado pelo Despacho n. 5097/2009, de 27 de janeiro, do Secretário de Estado da Justiça, alterado pelo Despacho n. 5880/2018, de 1 de junho, da Secretária de Estado da Justiça. A área administrativa é competente para julgar litígios que tenham por objeto quaisquer matérias jurídico-administrativas; há entidades pré-vinculadas, como é o caso dos Ministérios da Justiça, da Cultura, da Educação e de várias instituições do ensino superior, mas também pode julgar litígios com entidades que não estejam pré-vinculadas, mediante a celebração de compromisso arbitral. No que diz respeito à área tributária, o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n. 10/2011, de 20 de janeiro, julga litígios relativos à apreciação da legalidade de atos tributários. Nesta vertente, a Autoridade Tributária e Aduaneira estava pré-vinculada à arbitragem tributária em litígios até aos dez milhões de euros.
  • 19
    O referido diploma legal permite às entidades que, no âmbito da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n. 63/2011, de 14 de dezembro) pretendam promover, com carácter institucionalizado, a realização de arbitragens voluntárias, requerer ao Ministro da Justiça autorização para a criação dos respetivos centros.
  • 20
    Sobre esta distinção, ver Gouveia (2018GOUVEIA, Mariana França. Curso de Resolução Alternativa de Litígios . 3.ª ed. Coimbra: Almedina, 2018. , p. 123-125).
  • 21
    Alterada pelo DL n. 102/2017, de 23 de agosto e pela Lei n. 14/2019, de 12 de fevereiro.
  • 22
    Documento legal da União Europeia publicado no Jornal Oficial L 165, de 18 de junho de 2013, p. 63-79, que deveria ser transposto por cada Estado Europeu até 9 de julho de 2015. Sobre a aplicação desta Diretiva, ver Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu relativo à aplicação da Diretiva 2013/11/EU do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a resolução alternativa de litígios de consumo e do Regulamento (UE) n. 524/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a resolução de litígios de consumo em linha [COM(2019) 425 final].
  • 23
    A Lei dos Serviços Públicos Essenciais foi aprovada pela Lei n. 23/96, de 26 de julho, sucessivamente alterada, em concreto no que aqui importa pela Lei n. 6/2011, de 10 de março. Questão a que voltaremos no ponto 3.2.
  • 24
    O documento disponível sobre as estatísticas do CICAP refere-se a “assuntos tratados”, considerando como tal as questões que são sujeitas a atendimento, seguindo depois para informação, mediação e (ou) arbitragem. Cfr. Tribunal Arbitral de Consumo – Estatísticas de maio de 1995 a dezembro 2018, disponível em https://www.cicap.pt/cicap/estatisticas/ , consultado a 26.10.2020.
  • 25
    Sobre a matéria da mediação, ver relatório do Observatório do Endividamento dos Consumidores (2002, p. 11-16). Ver ainda Blanco Carrasco (2009)BLANCO CARRASCO, Marta. Mediación y Sistemas Alternativos de Resolución de Conflictos – Una visión jurídica . Madrid: Editorial Reus, 2009 ; Soleto Muñoz (2011); Cebola (2013)CEBOLA, Cátia Marques. La Mediación . Barcelona: Marcial Pons, 2013 ; Lopes e Patrão (2016LOPES, Dulce; PATRÃO, Afonso. Lei da Mediação Comentada. Coimbra: Almedina, 2016 ); Mesquita (2017)MESQUITA, Lurdes Varregoso. Mediação Civil e Comercial – As modalidades pré-judicial e intra-processual como elemento motivador. Maia Jurídica – Revista de Direito , ano VIII, n. 1, p. 13-38, 2017 ; Martín Diz e González-Castell (2017MARTÍN DIZ, Fernando Martín (Dir.); GONZÁLEZ-CASTELL, A. C. (Coord.). Mediación en la Administración de Justicia – Implantación y desarrollo . Santiago de Compostela: Andavira, 2017 ).
  • 26
    Esta Lei operou, efetivamente, a transposição da Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial. Sobre esta matéria, com crítica à metodologia adotada pelo legislador, ver Mesquita (2017MESQUITA, Lurdes Varregoso. Mediação Civil e Comercial – As modalidades pré-judicial e intra-processual como elemento motivador. Maia Jurídica – Revista de Direito , ano VIII, n. 1, p. 13-38, 2017 , p. 14-20).
  • 27
    Doravante abreviadamente designada LM.
  • 28
    Antes da criação e funcionamento do sistema de mediação familiar, houve iniciativas privadas de promoção deste meio RAL, designadamente através da constituição, em 1993, do Instituto Português de Mediação Familiar, ainda hoje existente. Seguiram-se outras entidades privadas, tais como a Associação Nacional para a Mediação Familiar, e também a Ordem dos Advogados, que mobilizaram recursos para o desenvolvimento e funcionamento da mediação familiar. Entretanto, em 1997, o Estado cria o Gabinete de Mediação Familiar, que trabalhou em articulação com os tribunais e com a Ordem dos Advogados, garantindo um serviço público e gratuito de mediação familiar. Este Gabinete foi criado pelo Despacho n. 12.368/97, de 9 de dezembro, do Ministério da Justiça, entretanto revogado pela al. a) do art. 13.° do Despacho n. 18.778/2007. Sobre a matéria da mediação familiar, ver Farinha e Lavadinho (1997FARINHA, António; LAVADINHO, Conceição. Mediação Familiar e Responsabilidades Parentais . Coimbra: Almedina, 1997 ); Cruz (2018CRUZ, Rossana Martingo. A Mediação Familiar como Meio Complementar de Justiça . Coimbra: Almedina, 2018 ; 2011CRUZ, Rossana Martingo. Mediação Familiar – Limites materiais dos acordos e o seu controlo pelas autoridades. Colecção do Centro de Direito da Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , n. 25, 2011 ; 2015CRUZ, Rossana Martingo. O Papel do Advogado na Mediação Familiar – Uma observação crítica à realidade portuguesa. Revista Electrónica de Direito , n. 3, 2015 ).
  • 29
    Este diploma, além do mais, aprova o Regulamento dos Procedimentos de Seleção de Mediadores para prestar Serviços de Mediação no Sistema de Mediação Familiar, aprovado pelo Despacho Normativo n. 13/2018.
  • 30
    Artigo 1774.° – Mediação familiar: Antes do início do processo de divórcio, a conservatória do registo civil ou o tribunal devem informar os cônjuges sobre a existência e os objetivos dos serviços de mediação familiar.
  • 31
    Redação introduzida pela Lei n. 118/2019, de 17 de setembro.
  • 32
    Figura introduzida no ordenamento jurídico português pelo DL n. 144/2009, de 17 de junho.
  • 33
    Arts. 33.° e 34.° do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo DL n. 486/99, de 13 de novembro.
  • 34
    Já na década de 90 do século passado, Bush (1996BUSH, Robert Baruch. Alternative Futures: Imagining how ADR may affect the Court system in coming decades. Review of Litigation , v. 15, p. 455-474, 1996 , p. 455-474) traçava vários cenários futuros sobre os efeitos dos meios RAL no sistema judicial.
  • 35
    Cfr. Projeto “The Cost of Non ADR – Surveying and Showing the Actual Costs of Intra-Community Commercial Litigation”, implementado pelo ADR Center, em colaboração com a European Company Lawyers Association (ECLA) e a European Association of Craft, Small and Medium-Sized Enterprises (UEAPME) e financiado pela Comissão Europeia no âmbito do “Specific Programme Civil Justice 2007-2013”, disponível em: https://www.adrcenterfordevelopment.com/2018/06/08/eu-member-states-the-costs-of-non-adr-surveying-and-showing-the-actual-costs-of-intra-community-commercial-litigation/ , consultado a 20.07.2020.
  • 36
    No mesmo sentido apontam os estudos relativos à aplicação da Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, sobre certos aspetos da mediação civil e comercial de 2014, coordenado por Giuseppe De Palo, disponível em: http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/etudes/join/2014/493042/IPOL-JURI_ET(2014)493042_EN.pdf e de 2016 levado a cabo pela Comissão Europeia (COM/2016/0542 final) disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=COM%3A2016%3A542%3AFIN , ambos consultados a 20.07.2020.
  • 37
    SEC (COMISSÃO EUROPEIA, 2011) 1408 final.
  • 38
    The Cost of Non-ADR – Surveying and showing the actual costs of Intra-community Commercial Litigation , cit., p. 26.
  • 39
    Veja-se ainda Cebola (2013CEBOLA, Cátia Marques. La Mediación . Barcelona: Marcial Pons, 2013 , p. 34-36).
  • 40
    Cfr., entre outros, Schoeny e Warfield (2000SCHOENY, Mara; WARFIELD, Wallace. Reconnecting Systems Maintenance with Social Justice: A critical role for conflict resolution. Negotiation Journal , v. 16, n. 3, p. 253-268, 2000 , p. 253-268).
  • 41
    Cfr., entre outros, Schoeny e Warfield (2000SCHOENY, Mara; WARFIELD, Wallace. Reconnecting Systems Maintenance with Social Justice: A critical role for conflict resolution. Negotiation Journal , v. 16, n. 3, p. 253-268, 2000 , p. 253-268).
  • 42
    Sobre o relatório, ver Raymond (2008)RAYMOND, Tracey. Alternative Dispute Resolution as A Tool For Social Change: A discussion of issues and evidence . Australian Human Rights Commission, 2008 .
  • 43
    A DGPJ foi criada em 2006 constituindo o organismo do Governo integrado na estrutura do Ministério da Justiça português responsável, entre outras atribuições, pelo sector dos meios RAL.
  • 44
    Aprovado na 15.ª reunião plenária de 9 e 10 de setembro de 2010 em Estrasburgo, com última versão na 28.ª reunião plenária de 7 de dezembro de 2016, em Estrasburgo, disponível em: https://rm.coe.int/168074816f , consultado a 26.10.2020.
  • 45
    Elaborados em protocolo com o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, estando a 6.ª edição e última disponível em: https://dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/Estudos%20AIN%20DGPJ/Relatorio_Satisfacao_Meios_RAL_2018.pdf , consultado a 01.09.2020.
  • 46
    Foi adotada a seguinte escala de satisfação baseada numa divisão de 4 grupos: 1 a 3 pontos – participantes muito insatisfeitos; mais de 3 a 5 pontos – participantes insatisfeitos; mais de 5 a 8 pontos – participantes satisfeitos; mais de 8 a 10 pontos – participantes muito satisfeitos. Nenhuma questão foi indicada como de “resposta obrigatória”, existindo a possibilidade de “não respondo” ou “não sei” em todas as 24 questões dos inquéritos aplicados.
  • 47
    A referida norma, que tem como epígrafe “Resolução de litígios e arbitragem necessária”, dispõe o seguinte: 1. Os litígios de consumo no âmbito dos serviços públicos essenciais estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa dos usuários que sejam pessoas singulares, sejam submetidos à apreciação do tribunal arbitral dos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados. 2. Quando as partes, em caso de litígio resultante de um serviço público essencial, optem por recorrer a mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos, suspendem-se, no seu decurso, os prazos previstos nos n.°s 1 e 4 do artigo 10.°. Sobre a arbitragem necessária em Portugal no âmbito dos serviços públicos essenciais, ver Cebola (2016CEBOLA, Cátia Marques. ADR 3.0 @ Resolução Online de Conflitos de Consumo em Portugal. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo , n. 22, p. 65-92, junho 2016 , p. 65-92).
  • 48
    Lei n. 63/2019, de 16 agosto, que alterou o art. 14.° da Lei n. 24/96, de 31 de julho (esta última Lei aprovou o regime jurídico de defesa do consumidor em Portugal).
  • 49
    Sobre este fenómeno, a sua evolução e influência histórica, ver Barona Vilar (2013)BARONA VILAR, Silvia. Mediación en Asuntos Civiles y Mercantiles en España – Tras la aprobación de la Ley 5/2012, de 6 de julio . Valencia: Tirant lo Blanch, 2013 .

REFERÊNCIAS

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  • BLANCO CARRASCO, Marta. Mediación y Sistemas Alternativos de Resolución de Conflictos – Una visión jurídica . Madrid: Editorial Reus, 2009
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  • CEBOLA, Cátia Marques. ADR 3.0 @ Resolução Online de Conflitos de Consumo em Portugal. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo , n. 22, p. 65-92, junho 2016
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    » https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52011SC1408&from=EN
  • CRUZ, Rossana Martingo. A Mediação Familiar como Meio Complementar de Justiça . Coimbra: Almedina, 2018
  • CRUZ, Rossana Martingo. Mediação Familiar – Limites materiais dos acordos e o seu controlo pelas autoridades. Colecção do Centro de Direito da Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , n. 25, 2011
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2020
  • Aceito
    17 Out 2020
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