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Currículo em dor para graduação em Fisioterapia no Brasil

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Apresentar e divulgar o currículo em dor para graduação em Fisioterapia, sugerindo sua utilização para formação acadêmica no Brasil.

CONTEÚDO:

Considerando que o fisioterapeuta deve ser preparado para integrar a equipe profissional de cuidados de pacientes com diferentes tipos de dor, compreendendo a atuação de cada profissional, um grupo de fisioterapeutas com experiência acadêmica e clínica no tratamento da dor elaborou, após consenso, o currículo nuclear de dor para fisioterapia, o qual destaca o papel desse profissional na equipe e na construção de uma relação terapêutica com os pacientes, favorecendo autonomia e educação do paciente, além das estratégias para avaliação e manuseio da dor.

CONCLUSÃO:

O conteúdo específico deste currículo de dor pode ser integrado em diferentes programas/cursos, usando a estrutura e o método educacional mais adequado no que tange às necessidades profissionais locais e as suas demandas. Discute-se a fisioterapia, a dor e modelos de formação acadêmica em saúde.

Descritores:
Dor; Currículo; Educação; Fisioterapia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

To introduce the curriculum in Pain for Graduation in Physiotherapy, suggesting its use for academic training in Brazil.

CONTENTS:

Considering that physiotherapists should be prepared to engage in the health care professional team assisting patients with different kinds of pain understanding the role of each professional, a group of physiotherapists with academic and clinical experience in pain treatment has developed, after consensus, this curriculum of pain for physiotherapy, which highlights the role of this professional in the health care team and the development of a therapeutic relationship with patients, favoring patients' autonomy and education, as well as the strategies for pain evaluation and management.

CONCLUSION:

The specific content of this pain curriculum can be integrated into different programs/courses, using the most adequate structure and educational method with regard to professional needs and their demands. Physical therapy, pain and models of academic training in health are discussed.

Keywords:
Curriculum; Education; Pain; Physical therapy

INTRODUÇÃO

A fisioterapia tem como um dos seus marcos históricos o período pós-guerra, devido à necessidade de reabilitação dos veteranos e civis sobreviventes dos conflitos. Embora haja esse marco social de reconhecimento da profissão, suas técnicas e estratégias são milenares. Há registos em estudos arqueológicos egípcios, hindus, gregos, romanos, chineses e japoneses de cerca de 3000 a.C. sobre os benefícios terapêuticos da massagem11 Remondiere R. L'instituition de la Kinesithérapie em France (1840-1946). Les Cahiers du Centre de Recherches Historiques. 1994;12., hoje estudada e fundamentada entre as técnicas de Terapia Manual.

No percurso histórico da fisioterapia, a profissão atravessa um período árduo no século XVIII, o qual dura cerca de 200 anos. Nesse período, a medicina se desenvolveu academicamente dentro de um modelo biomédico, linear, rígido, em um movimento poderoso e intenso, baseando a medicina na investigação diagnóstica e na incansável busca por uma cura permanente. A noção de saúde se torna associada ao cuidado e acompanhamento médico, sem estimular o autocuidado e os "bons hábitos de vida". A manipulação dos cuidados médico-hospitalares se torna presente e "rouba" a dignidade22 Pessini L. Humanização da dor e sofrimento humanos no contexto hospitalar. Bioética. 2002;10(2):51-72.. A formação acadêmica dos profissionais da saúde se baseou nesse modelo linear e hierárquico, em que a "medicina sintomática" que adapta o tratamento às queixas e sintomas dos pacientes foi, durante anos, rotulada como "prática de baixa qualidade" associada à inabilidade do profissional em definir um diagnóstico único e preciso para elaborar o plano de tratamento. A fisioterapia, assim como a medicina paliativa, ganhou espaço quando médicos clássicos/tradicionais começam a dizer "não há mais nada para fazer"33 Engel GL. The need for a new medical model: a challenge for biomedicine. Science. 1977;196(4286):129-36.,44 Apkarian AV, Baliki MN, Geha PY. Towards a theory of chronic pain. Prog Neurobiol. 2009;87(2):81-97., de forma simplista, para o modelo biomédico (sinônimo de tecnocêntrico ou biocêntrico)66 Sluka KA. Mechanisms and Management of Pain for the Physical Therapist, Seattle: IASP Press; 2009. de causa consequência. Dentro desse contexto de causa consequência, a fisioterapia era prescrita por ser uma opção de "distração" para aqueles pacientes que não apresentavam "cura definitiva" pela avaliação médica. Nas últimas décadas, a fisioterapia transitou entre a área subordinada/dependente da prescrição e outras, ao quadro atual onde o fisioterapeuta compõe a equipe multidisciplinar, discutindo casos e contribuindo para a elaboração do plano de tratamento. Em um contexto similar, a medicina paliativa e os médicos especialistas no tratamento da dor vencem seus desafios.

O modelo biopsicossocial, proposto pelo médico psiquiatra Engel, em 197733 Engel GL. The need for a new medical model: a challenge for biomedicine. Science. 1977;196(4286):129-36., apresenta um novo paradigma à saúde/doença, inserindo-a em um contexto biológico, psicológico e social. Seguindo este movimento, a dor que, anteriormente conceituada como associada a uma lesão real, agora é estudada e tratada como uma sensação emocional desagradável associada a uma lesão real ou potencial44 Apkarian AV, Baliki MN, Geha PY. Towards a theory of chronic pain. Prog Neurobiol. 2009;87(2):81-97., demonstrando que a dor é fenômeno dinâmico, onde mecanismos neurofisiológicos rígidos são abandonados e dão espaço a dor em um contexto multidimensional e dependente da interação de vários mecanismos endógenos e exógenos55 Marchand S. The phenomenon of pain. Seattle: IAPS Press; 2012..

Dor é um problema comum e os objetivos terapêuticos primários dos fisioterapeutas ao tratar pacientes com dor são a redução da dor e disfunção associada, a melhora da função, bem como a promoção da saúde e do bem-estar na vida diária66 Sluka KA. Mechanisms and Management of Pain for the Physical Therapist, Seattle: IASP Press; 2009.. Os fisioterapeutas devem participar do processo de facilitação da compreensão do fenômeno doloroso pelo paciente.

Para a maioria dos tratamentos analgésicos eficazes, o fisioterapeuta deve compreender as bases biológicas e os componentes psicossociais e ambientais da dor, assim como seu impacto na experiência de dor no transcorrer da vida77 Strong J. Lifestyle management. In: Strong J, Unruh AM, Wright A, Baxter GD, (editors). Pain: A textbook for Terapists. Churchill Livingstone; 2002. 289-306p.. Fisioterapeutas devem estar familiarizados com formas de avaliação e mensuração da dor88 Turk DC, Melzack R. Handbook of pain assessment. 2(nd) ed. The Guilford Press; 2001. e devem ser hábeis para implementar uma variedade de estratégias de tratamentos analgésicos baseados em evidência científica. O foco é encorajar o compromisso precoce do paciente com estratégias ativas de manuseio da dor (o que o paciente precisa fazer) do que com intervenções passivas (o que você faz para o paciente). Dessa forma, as intervenções propostas pelo fisioterapeuta devem ser estabelecidas como parte de uma abordagem global de manuseio da dor que também deve incorporar autocuidados.

Mesmo considerando que fisioterapeutas não são responsáveis por intervenção farmacológica, se faz necessário suficiente conhecimento sobre agentes farmacológicos e seus efeitos adversos, assim como ser capaz de otimizar a janela terapêutica oferecida por agentes farmacêuticos para encorajar o uso de estratégias ativas de manuseio, apropriadas para cada paciente. É essencial ter uma visão colaborativa e holística, centrada no paciente, das necessidades do paciente com dor e disfunção.

O fisioterapeuta também deve ser preparado para integrar a equipe de cuidados de pacientes com dor, compreendendo a atuação de cada profissional. Além disso, deve ser capaz de atuar nos níveis primário, secundário e terciário de atenção à saúde, assim como ser habilitado a agir como profissional de primeiro contato66 Sluka KA. Mechanisms and Management of Pain for the Physical Therapist, Seattle: IASP Press; 2009..

A necessidade iminente de aprimorar o ensino em Dor no Brasil e, em particular, desde a graduação, é o tema do presente artigo. A comissão de fisioterapeutas da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) - composta por clínicos e pesquisadores com expertise no estudo da dor - consultou a literatura especializada, solicitou a colaboração de especialistas, e identificou os principais aspectos sobre dor que devem ser abordados ainda em nível de graduação. O currículo em dor da Associação Internacional para o Estudo da Dor foi utilizado como importante referencial, cujo conteúdo foi cuidadosamente estudado, analisado e discutido por esses especialistas. Assim, a comissão de fisioterapeutas elaborou este currículo específico de dor, adaptando ou ajustando o conteúdo à dinâmica e à realidade da população brasileira, bem como à práxis profissional vigente no Brasil. O intuito do currículo em dor para Graduação em Fisioterapia é de facilitar a integração desse assunto nos diferentes programas/cursos, usando a estrutura e o método educacional mais adequados no que tange às necessidades profissionais locais e às suas demandas.

CONTEÚDO

Princípios

Os seguintes princípios guiam o desenvolvimento do currículo para fisioterapeutas iniciantes no estudo da dor e tiveram como modelo a Declaração de Montreal (IASP 2010).

Artigo 1. O direito de todas as pessoas a ter acesso ao manuseio da dor sem discriminação.

Artigo 2. O direito de todas as pessoas com dor de conhecer sua dor e serem informadas sobre como ela pode ser avaliada e tratada.

Artigo 3. O direito de todas as pessoas com dor de ter acesso à avaliação e tratamento adequados da dor por uma equipe de profissionais de saúde devidamente treinados.

A dor é vista como uma experiência biopsicossocial que inclui componentes sensitivos/discriminativos, emocionais/motivacionais, cognitivos, comportamentais, espirituais, culturais e de desenvolvimento.

Dor pode ser aguda, persistente, ou ambas, e sua duração guia o desenvolvimento de um plano terapêutico.

Dor deve ser avaliada de uma forma ampla e consistente, usando instrumentos de avaliação válidos e confiáveis.

Pacientes têm direito ao melhor tratamento possível da dor. A avaliação e o tratamento da dor são aspectos integrais do tratamento fisioterapêutico; devem envolver o paciente e seus familiares e devem ser registrados de forma clara e acessível.

A educação do paciente e de sua família sobre a dor e seus (auto) cuidados são componentes essenciais ao plano fisioterapêutico. O fisioterapeuta é um membro essencial da equipe multidisciplinar de dor.

Os estudantes devem se familiarizar com os modelos teóricos que suportam as intervenções tanto quanto as evidências empíricas para a sua eficácia; também é importante analisar do ponto de vista epistemológico, de forma que se possa considerar o caráter provisório do conceito de dor, tendo em mente que o conhecimento está em constante construção. Os professores são encorajados a adotar uma perspectiva de avaliação crítica como uma base para a tomada de decisão ao revisar os benefícios e limitações das intervenções.

Objetivos

O fisioterapeuta deve ser capaz de:

  • Aplicar o conhecimento da ciência básica de dor na avaliação e no tratamento de pessoas com dor;

  • Promover saúde e bem-estar através da prevenção de dor e disfunção;

  • Avaliar e mensurar os fatores biológicos e psicossociais que contribuem para a ocorrência de dor, disfunção de movimento e incapacidades, usando instrumentos de medida válidos e confiáveis;

  • Identificar barreiras nos profissionais, sistemas, pacientes, familiares e comunidade para avaliação e tratamento eficazes da dor;

  • Desenvolver um programa fisioterapêutico baseado em evidência em colaboração com o paciente, direcionado à modificação da dor, melhora da função e redução de incapacidades, restringindo-se à gestão de um programa de intervenção no que se refere à atuação em fisioterapia e respeitando a ação dos demais profissionais de saúde;

  • Implementar tratamentos que incluem educação do paciente, abordagens ativas tais como reeducação do movimento orientado funcionalmente, exercícios (incluindo a gradação), e estratégias passivas tais como terapia manual e eletrotermofototerapia;

  • Demonstrar consciência de suas competências práticas para avaliar e tratar pacientes com dor usando estratégias práticas baseadas em evidências para a tomada de decisão clínica;

  • Quando apropriado, encaminhar pacientes para avaliação de outros profissionais de saúde, de acordo com suas necessidades, estabelecendo um relacionamento profissional ativo com os demais profissionais que acompanham o paciente;

  • Reconhecer indivíduos que estão em risco para subtratamento de suas dores (exemplo, indivíduos com distúrbios de comunicação verbal para relatar a sua dor, neonatos e com prejuízos cognitivos);

  • Exercer sua profissão de acordo com o código de ética, o qual reconhece os direitos humanos, a diversidade e a recomendação do princípio da não-maleficência;

  • Refletir, criticamente, sobre formas efetivas de trabalhar com o paciente com dor e melhorar o cuidado para essa população;

  • Atualizar, regularmente, seu conhecimento sobre dor e questões relacionadas;

  • Compreender que o conhecimento específico da área está em constante modificação e que o profissional deve desenvolver um alto grau de criticismo em relação aos conceitos e técnicas que utiliza, buscando sempre a possibilidade de comprovação através de técnicas quantitativas e/ou qualitativas e a satisfação do paciente. O profissional deve estar ciente de que parte de qualquer tratamento para a dor envolve um efeito placebo ou nocebo e buscar constantemente conhecer através de educação continuada o efeito ativo dos recursos/técnicas que usa para diagnosticar e tratar, com a compreensão de que esse efeito ativo pode ser predominantemente físico, psicológico ou social;

  • Atuar em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde;

  • Atuar de forma multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinarmente, sempre que possível e necessário.

CONTEÚDO CURRICULAR

Natureza multidimensional da dor

  1. Magnitude do problema: processo saúde-doença e seus determinantes/condicionantes; limitação, disfunção e incapacidade; epidemiologia da dor como um problema de saúde pública no Brasil e no mundo, com considerações sociais, éticas e econômicas.

  2. Teorias atuais sobre anatomia, fisiologia e psicologia da dor e seu alívio, de acordo com a evolução do conhecimento, desde os conceitos clássicos até os mais recentes.

  3. Definição da dor e da sua natureza multidimensional, considerando a observância das atualizações conceituais publicadas nos sites da IASP99 International Association for the Study of Pain (IASP) http://www.iasp-pain.org/ (acessado em 20 janeiro de 2017)
    http://www.iasp-pain.org/...
    e de seu capítulo brasileiro, SBED1010 Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). http://www.sbed.org.br/ (acessado em 20 janeiro de 2017)
    http://www.sbed.org.br/...
    .

  4. Impacto da idade, sexo, família, cultura, religião, ambiente, mitos e crenças na dor.

  5. Papel e responsividade do fisioterapeuta no tratamento da dor e a integração do fisioterapeuta numa equipe interdisciplinar; aspectos legais relacionados à responsabilidade profissional do fisioterapeuta1111 Código de Ética e Deontologia da Fisioterapia. http://coffito.gov (acessado em 20 janeiro de 2017)
    http://coffito.gov...

    12 Código Civil Brasileiro - http://www.planalto.gov.br (acessado em 20 janeiro de 2017)
    http://www.planalto.gov.br...
    -1313 Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dor Crônica http://portalsaude.saude.gov.br(acessado em janeiro de 2017)
    http://portalsaude.saude.gov.br...
    .

  6. Papel e responsividade de outros profissionais de saúde na área de manuseio da dor e méritos da colaboração interdisciplinar; aspectos legais e bases dos relacionamentos interdisciplinares e multiprofissionais; comunicação e relacionamento em equipe.

  7. Integração das intervenções fisioterapêuticas dentro de estratégias de manuseio holístico em colaboração com outros profissionais (da saúde ou não), apresentando as diversas modalidades fisioterapêuticas existentes na prática clínica em dor, que ainda não possuem evidências científicas, porém são de uso corrente66 Sluka KA. Mechanisms and Management of Pain for the Physical Therapist, Seattle: IASP Press; 2009..

  8. Dor e expectativa de vida (fatores fisiológicos e psicossociais, implicações para avaliação, mensuração e intervenção); dor crônica persistente e suas implicações no relacionamento do indivíduo com o seu meio interno (corpo) e externo (família, sociedade); medições dirigidas para detecção das resiliências e impactos físico orgânicos, psíquicos (comportamentais, emocionais, cognitivos) e socioambientais (laborais, familiares, comunitários, religiosos)1414 Giamberardino MA, Jensen TS. Pain Comorbidities: Understanding and Treating the Complex Patient. Seattle: IASP Press; 2012.

  9. Implicações e avaliação da dor em neonatos, na infância, na adolescência, na fase adulta e na senescência1515 Hadjistavropoulos T. Pain Management for Older Adults: A Self-Help Guide. Seattle: IASP Press; 2008., como referência para otimização do desenvolvimento físico, psicológico, educacional e social e integração destes na estratégia de intervenção e, considerando, ainda, indivíduos com distúrbios de comunicação e cognição.

    Problemas específicos enfrentados por idosos com dor no que se refere à influência de comorbidades, serviços com acesso apropriado e manutenção da independência.

Ciência básica1616 McMahon S, Koltzenburg M, Tracey I, Turk D. Wall & Melzack's Textbook of Pain. 6(th) ed. Saunders; 2013.

  • Compreender e descrever nociceptores e estímulos adequados para ativar nociceptores em diferentes tipos de tecidos (pele, músculo, articulação, víscera); explicar as inervações aferentes e eferentes da medula espinhal e diferentes tipos de tecidos, e como a dor de diferentes tecidos é processada centralmente;

  • Definir e descrever a sensibilização periférica e como essas mudanças são associadas com a percepção da dor;

  • Descrever inflamação neurogênica, os neurotransmissores envolvidos nesse processo, e como esses neurotransmissores podem contribuir para o processamento periférico da dor;

  • Compreender as mudanças e o papel dos canais iônicos, neurotransmissores excitatórios e inibitórios no sistema nervoso periférico e em células não neuronais, e explicar como essas alterações são importantes no processamento da transmissão da dor;

  • Descrever as vias de dor envolvidas nos componentes sensitivo discriminativo e afetivo motivacional da dor;

  • Descrever e definir sensibilização central e por que ela é similar ou diferente da sensibilização periférica;

  • Descrever e compreender os mecanismos que explicam comportamentos de dor: dor referida, hiperalgesia primária, secundária, alodínea, disestesia, hiperpatia, somação temporal e espacial e cinesiofobia;

  • Compreender o papel de neurotransmissores excitatórios e inibitórios, bem como da glia no sistema nervoso central e periférico na potencialização da transmissão da dor e alterações que ocorrem como resultado de lesão tissular;

  • Descrever as vias descendentes que modulam a transmissão da dor;

  • Compreender as diferenças entre facilitação e inibição da dor, regiões encefálicas e neurotransmissores que exercem um papel nesse processo;

  • Compreender como as vias nervosas podem ser ativadas por tratamentos não farmacológicos;

  • Compreender as consequências a longo prazo da dor crônica no encéfalo, medula espinhal, nervos e tecidos periféricos;

  • Descrever modelos animais de dor; compreender o que os diferentes modelos animais pretendem mimetizar e por que os modelos animais são utilizados para o estudo da dor;

  • Entender ferramentas de neuroimagem e regiões encefálicas importantes subjacentes à experiência de dor, e como essas mudanças dependem dos estados cognitivo e emocional do indivíduo;

  • Comparar e contrastar teorias nas interações entre dor e função motora (exemplo, Teoria do ciclo vicioso e Teoria da adaptação da dor);

  • Compreender os tipos de dor, numa perspectiva neuroanatomofisiológica: nociceptiva, neuropática e psicogênica;

  • Compreender neuroplasticidade, memória de dor e início de cronicidade;

  • Compreender como a dor interage com o controle de movimentos e o papel da plasticidade de vários tecidos nas disfunções associadas.

Avaliação e tratamento da dor

  1. reconhecer as diferenças entre dor aguda, subcrônica e crônica e as implicações para avaliação e tratamento do paciente, bem como entender o processo de agudização de dor crônica, dor pós-operatória crônica e doença dor crônica1717 Flor R, Turk DC. Chronic Pain: An Integrated Biobehavioral Approach. Seattle: IASP Press; 2011.

    18 Arendt-Nielsen L, Perrot S. Pain in the Joints. Seattle: IASP Press: 2016.
    -1919 Wilder-Smith O, Arendt-Nielsen L, Yarnitsky D, Vissers K. Postoperative Pain: Science and Clinical Practice. Seattle: IASP Press; 2014..

  2. enfatizar a necessidade de uma avaliação ampla, usando instrumentos confiáveis e válidos na fase aguda da dor para prevenir o início da cronicidade2020 Dworkin RH, Turk DC, Farrar JT, Haythornthwaite JA, Jensen MP, Katz NP, et al. Core outcome measures for chronic pain clinical trials: IMMPACT recommendations Pain. 2005;113(1-2):9-19..

  3. usar a estratégia biopsicossocial para avaliação da dor e incapacidade, uma vez que esta interfere na natureza multidimensional da dor em domínios relevantes para a prática do fisioterapeuta1717 Flor R, Turk DC. Chronic Pain: An Integrated Biobehavioral Approach. Seattle: IASP Press; 2011..

  4. considerar a natureza multidimensional da dor, incluindo medidas de avaliação apropriadas para domínios primários, tais como: sensorial, afetivo, cognitivo, fisiológico, psicológico, comportamental. Características relacionadas à dor que podem ser medidas: intensidade de dor em repouso e em movimento, localização, inibição, somação temporal, somação espacial, modulação continuada, sensibilidade cutânea e profunda. Os diversos instrumentos disponíveis são de rastreio e não de diagnóstico, embora às vezes suas propriedades psicométricas sejam altas em relação ao padrão-ouro, que é sempre o diagnóstico do profissional. Ademais, vale analisar as recomendações do grupo IMMPACT2121 Turk DC, Dworkin RH, Allen RR, Bellamy N, Brandenburg N, Carr DB, et al. Core outcome domains for chronic pain clinical trials: IMMPACT recommendations. Pain. 2003;106(3):337-45. em relação aos desfechos de estudos sobre dor, considerando como desfechos principais a escala de dor, a percepção de melhora e a satisfação do paciente, e que uma melhora clínica da intensidade de dor crônica é de, no mínimo, 30%, e que sempre devem ser usados instrumentos para avaliar outras variáveis como ansiedade/depressão, pensamentos catastróficos, humor, sono, fadiga, cinesiofobia e qualidade de vida. Ainda, dentro desse contexto, é importante reconhecer para quais populações esses instrumentos são validados2020 Dworkin RH, Turk DC, Farrar JT, Haythornthwaite JA, Jensen MP, Katz NP, et al. Core outcome measures for chronic pain clinical trials: IMMPACT recommendations Pain. 2005;113(1-2):9-19..

  5. reconhecer e utilizar a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) como método importante para classificação e diagnóstico funcional da dor2222 Organização Mundial de Saúde (OMS), 1999/2001,/CD/H-2: International Classification of Functioning and Disability. http://www.Who.int/icidh/
    http://www.Who.int/icidh/...
    .

  6. reconhecer os pontos fortes e as limitações de medidas comumente usadas para diferentes dimensões da dor: autorrelato, medidas de desempenho físico incluindo avaliações de capacidade funcional, medidas de respostas fisiológicas/autonômicas55 Marchand S. The phenomenon of pain. Seattle: IAPS Press; 2012.,1717 Flor R, Turk DC. Chronic Pain: An Integrated Biobehavioral Approach. Seattle: IASP Press; 2011..

  7. reconhecer os efeitos placebo e nocebo e suas interferências nos processos de avaliação e mensuração da dor.

  8. considerar fatores intrínsecos e extrínsecos ao paciente que promovem variação intraindividual nos resultados obtidos frente aos diferentes instrumentos e escalonamentos de avaliação da dor.

  9. modificar as estratégias de avaliação da dor para corresponder à variabilidade inerente associada com a apresentação clínica do paciente: fatores individuais (idade, sexo etc.), influências socioculturais (religião, etnia etc.), características clínicas da dor (duração, local anatômico etc.), tipo e estado de dor (neuropática, câncer etc.), populações vulneráveis (barreiras de comunicação, distúrbio cognitivo etc.).

  10. interpretar, avaliar criticamente (confiabilidade, validade e responsividade) e implementar instrumentos de avaliação da dor disponíveis para: identificação de subgrupos de pacientes aceitos para aplicação de tratamento, determinação da relevância clínica e/ou magnitude dos resultados dos pacientes.

  11. compreender a necessidade de monitorar e revisar a eficácia do tratamento/manuseio e modificar as estratégias de tratamento e manuseio de maneira adequada66 Sluka KA. Mechanisms and Management of Pain for the Physical Therapist, Seattle: IASP Press; 2009..

  12. compreender a dor como o quinto sinal vital e contribuir para implantação e implementação do programa Hospital Sem Dor, no que se refere ao âmbito hospitalar.

  13. compreender a necessidade de encaminhar os pacientes para outros profissionais de saúde conforme o caso e em tempo hábil, através do reconhecimento de fenômenos que merecem atenção especializada de outro profissional de saúde, bem como para outro fisioterapeuta, com habilidades e competências de atuação diferentes no que se refere a avaliação e tratamento das diversas condições de dor.

  14. entender a importância e a necessidade da pesquisa experimental com animais para o estudo da dor, bem como reconhecer e compreender os instrumentos de avaliação utilizados em modelos de experimentação animal.

  15. identificar quando os pacientes respondem ou não a determinadas estratégias de intervenção e avaliar a necessidade de modificação de conduta.

Manuseio da dor

  1. Ademonstrar habilidade para integrar a avaliação do paciente dentro de um plano de tratamento apropriado usando os conceitos e estratégias de raciocínio clínico66 Sluka KA. Mechanisms and Management of Pain for the Physical Therapist, Seattle: IASP Press; 2009..

  2. compreender os princípios de uma relação terapeuta/paciente/profissional efetiva para reduzir dor, promover função em níveis ótimos e reduzir incapacidade através do uso de abordagens ativas ou passivas de manuseio da dor, conforme apropriado. O fisioterapeuta deve desenvolver papel fundamental na motivação do paciente com dor para realização efetiva da terapia proposta utilizando adequadamente diferentes formas de feedback motivacional para interferir diretamente na melhora do quadro do paciente.

  3. assistir os pacientes no desenvolvimento de uma rotina diária para conquistar apoio e, conforme necessário, reajuste de hábitos e papéis de acordo com a capacidade individual e a situação de vida, ponderando as ações do cotidiano (gestuais, posturais, organizacionais, alimentares, sono etc.). O paciente deve ser incentivado a desenvolver um comportamento ativo e participativo no seu tratamento, sendo o principal responsável por sua melhora2323 Strong J. Life Management. In: Strong J, Unruh AM, Wright A, Baxter GD, (editors). Pain: A textbook for Terapists. Churchill Livingstone; 2002. 289-306p..

  4. compreender a necessidade de envolver os membros da família e outras pessoas importantes, incluindo empregadores, se apropriado1717 Flor R, Turk DC. Chronic Pain: An Integrated Biobehavioral Approach. Seattle: IASP Press; 2011..

  5. usar uma perspectiva centrada na pessoa para formular estratégias de intervenção colaborativas consistentes com a perspectiva do fisioterapeuta.

  6. compreender farmacologia: os princípios da farmacologia de fármacos usados para tratar a dor (não opioides, opioides, analgésicos tópicos adjuvantes, anestésicos locais); as limitações da intervenção farmacológica para dor crônica, a importância de combinar estratégias farmacológicas e não farmacológicas para dor crônica e uso de uso de estratégias como autocuidado ativo baseado em evidências. Não obstante, conhecer profundamente mecanismos e efeitos do uso de iontoforese e fonoforese2424 Beaulieu P, Lussier D, Porreca F, Dickenson A. Pharmacology of Pain. Seattle: IASP Press; 2010..

  7. Compreender, de forma básica, abordagens terapêuticas de outras áreas da saúde: enfermagem, fonoaudiologia, medicina, odontologia, psicologia, terapia ocupacional.

  8. Educação do paciente2525 Ogbonna P. Educational Materials for Use in Patients Home Education Programs. In Shepard, KF, Jensen, GM. Handbook of teaching for physical therapists. 2(nd) ed. Butterworth Heinemann; 2002. 23-438p.,2626 Gahmier J, Morris DM, Community Health Education: Envolving Opportunities for Physical Therapist. In Shepard, KF, Jensen, GM. Handbook of teaching for physical therapists. 2(nd) ed. Butterworth Heinemann. 2002. 439-68p.:

    • Reconhecer o impacto e a evidência para o uso da educação terapêutica em neurociência e autocuidado como uma parte crítica do manuseio da dor;

    • Desenhar e aplicar estratégias educacionais apropriadas baseadas na ciência educacional;

    • Identificar a variação de oportunidades educacionais disponíveis nos domínios terapêuticos (lesão, doença, intervenção médica e pós-operatória) considerando idade, cultura e sexo;

    • Considerar o escopo e a evidência para/contra vários estilos educacionais contemporâneos terapêuticos (biomédico, psicológico, neurociência);

    • Identificar variáveis importantes que podem impactar o conhecimento dos resultados para o paciente (autoeficácia, grau de instrução em saúde, comorbidades, cultura), o clínico (crenças relacionadas à dor do profissional de saúde), a mensagem (uso de multimídia), e o contexto (limitações dos planos de saúde; prevenção de lesão).

  9. Manuseio comportamental1717 Flor R, Turk DC. Chronic Pain: An Integrated Biobehavioral Approach. Seattle: IASP Press; 2011.

    • Compreender e aplicar análises comportamentais funcionais das condições dolorosas;

    • Avaliar o valor de instrumentos de triagem na identificação de fatores psicossociais preditivos de incapacidade persistente;

    • Aplicar abordagens comportamentais (componentes físicos e cognitivo-comportamentais) e avaliar os efeitos.

  10. Exercício2727 Hides J, Richardson C. Exercise and pain. In: Strong J, Unruh AM, Wright A, Baxter GD, (editors). Pain: A textbook for Terapists. Churchill Livingstone; 2002. 245-66p.

    • Compreender os parâmetros (p. ex.: modo, frequência, duração, intensidade/dose) dos exercícios terapêuticos para alívio da dor;

    • Compreender as diferentes modalidades de exercício físico e relacioná-las aos seus objetivos (exemplo, exercícios de controle motor, de resistência, de força, de condicionamento cardiovascular);

    • Avaliar a capacidade de adaptação do indivíduo ao exercício proposto/dosimetria;

    • Descrever como modificar os parâmetros de exercícios em relação à condição de dor, idade, fatores psicossociais e o estado de saúde do paciente;

    • Reconhecer a importância de implementar terapias adjuvantes para tratar questões referentes a prescrição de exercícios (p. ex.: biopsicossocial, comportamento de medo e evitação, catastrofização, terapia cognitivo-comportamental)2828 Vlaeyen JW, Morley SJ, Linton SJ, Boersma K, Jong J. Pain-Related Fear: Exposure-Based Treatment. Seattle: IASP Press; 2012.;

    • Compreender a importância da educação do paciente na prescrição de exercícios terapêuticos, incluindo o conceito de motivação e gradação para potencializar a eficácia do tratamento global e a complacência.

  11. Reintegração no trabalho (trabalho remunerado e não remunerado)2929 Gibson L, Allen S, Strong J. Re-integration into work. In: Strong J, Unruh AM, Wright A, Baxter GD, (editors) Pain: A textbook for Terapists. Churchill Livingstone; 2002. 267-88p.:

    • Identificar os fatores associados a perda de produtividade prolongada e integrar estratégias para superar os obstáculos e voltar ao trabalho ou readaptá-lo;

    • Compreender o papel dos princípios ergonômicos e acomodações modificadas no posto de trabalho;

    • Desenvolver um plano de intervenção em coordenação com os empregadores/gerentes/chefes;

    • Entender o sistema de afastamento e retorno ao trabalho no Brasil.

  12. para as seguintes intervenções3030 Galantino ML, Lucci SL. Chapter 17 - Living with Chronic Pain: Exporation of Complementary Therapies and Impact on Quality of Life. In: Wittink H, Michel T. Chronic Pain Management for Physical Therapists. 2(nd) ed. Elsevier Science; 2002. 279-90p.:

    • Acupuntura e eletroacupuntura;

    • Biofeedback;

    • Crioterapia;

    • Estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS, interferencial, diadinâmica, média frequência modulada no tempo;

    • Russa, galvânica, microcorrentes, eletroestimulação transcraniana com corrente constante e estimulação magnética transcraniana repetitiva;

    • Estimulação sensorial;

    • Imagética motora;

    • Laser;

    • Órteses;

    • Realidade virtual;

    • Relaxamento;

    • Terapia manual (massagem, manipulação, mobilização);

    • Termoterapia superficial e profunda;

    • Compreender os mecanismos neurofisiológicos e/ou ações biomecânicas propostos de cada intervenção, bem como seus efeitos associados no que se refere ao manuseio da dor;

    • Compreender os princípios da aplicação clínica e evidências atuais para cada forma de intervenção no manuseio de diferentes condições de dor;

    • Ter adequado embasamento teórico e científico para todas as técnicas propostas.

Condições clínicas

  • A) compreender o uso de estratégias e intervenções fisioterapêuticas no que tange a condições de dor aguda e/ou crônica A seguir, apresenta-se uma lista de diferentes condições clínica dolorosas comumente tratadas por fisioterapeutas. Ressalta-se que outras condições clínicas não indicadas também podem necessitar de intervenções fisioterapêuticas.

    • Cervicalgias, dorsalgias e lombalgias;

    • Artrites e artroses;

    • Cefaleias;

    • Dor oncológica;

    • Fibromialgia;

    • Dor miofascial;

    • Dor neuropática periférica e central;

    • Síndrome da dor regional complexa;

    • Disfunção cervicocraniomandibular;

    • Tendinopatias, bursites e miosite;

    • Capsulite adesiva;

    • Entorses;

    • Dor pós-operatória;

    • Dor pélvica.

DISCUSSÃO

Incluir o tema Dor nas instituições de ensino acadêmico é um movimento mais amplo do que a nobre causa de minimizar o sofrimento e a dor dos pacientes3131 Wall PD. Foreword. In: Strong J, Unruh AM, Wright A, Baxter GD, (editors). Pain: A textbook for Terapists. Churchill Livingstone; 2002.

32 Engers AJ, Jellema P, Wensing M, van der Windt DAWM, Grol R, van Tulder MW. Individual patient education for low back pain. Cochrane Database Syst Rev. 2008;1:CD004057
-3333 Foster G, Taylor SJ, Eldridge S, Ramsay J, Griffiths CJ. Self-management education programmes by lay leaders for people with chronic conditions. Cochrane Database Syst Rev. 2007;4:CD005108.. Estudar a dor como um fenômeno dinâmico que pode ser amplificado ou inibido pelo contexto, diferenciar o sintoma de dor aguda da doença da dor crônica3434 Moseley GL, Nicholas MK, Hodges PW. A randomized controlled trial of intensive neurophysiology education in chronic low back pain. Clin J Pain. 2004;20(5:324-30. sob o paradigma do contexto biopsicossocial significa quebrar paradigmas lineares rígidos, e reconhecer que há limite terapêutico em doenças identificadas, assim como há aquelas ainda não rotuladas3535 Melo MC, Caricatti JM. O ensino de ciências e a educação básica: Propostas para Superar a Crise, Academia Brasileira de Ciências e Fundação Conrado Wessel; 2007..

De maneira muito importante, essa vertente científica deve ter caráter translacional, capaz de promover relação interdisciplinar e acelerar a troca bidirecional de informações entre ciência básica e clínica no intuito de tendenciar os achados obtidos na pesquisa básica laboratorial para ambientes aplicados envolvendo a saúde da população humana3636 Advancing Translational Cancer Research: A Vision of the Cancer Center and SPORE Programs of the Future Report of the P30/P50 Ad Hoc Working Group February 2003. [documento da internet]. [acessado 2013 jan 12]. Disponível em: http://deainfo.nci.nih. gov/advisory/ncab/workgroup/p30-p50/P30-P50final12feb03.pdf [ Links ]
http://deainfo.nci.nih. gov/advisory/nca...
.

Muitos aspectos devem ser considerados para a efetividade da ciência translacional, tais como desenvolvimento tecnológico, pesquisa clínica, processo produtivo industrial, comercialização de produtos, assim como os próprios sistemas de saúde. A rede de relações e interesses entre ciência básica e aplicada e o potencial translacional dos estudos é complexa, e se faz necessário compreender potenciais fatores que impedem a translação das descobertas científicas básicas para os estudos clínicos, e destes para a prática clínica, dificultando a tomada de decisão nos sistemas de saúde3737 Sung NS, Crowley Júnior WF, Genel M, Salber P, Sandy L, Sherwood LM, et al. Central challenges facing the national clinical research enterprise. JAMA. 2003;289(10):1278-87..

Entretanto, de modo inverso, não se deve admitir o uso prioritário das informações advindas da ciência clínica sem a devida compreensão dos fenômenos elucidados por meio da ciência básica, que permite, por meio de métodos específicos, o esclarecimento de mecanismos de ação de intervenções que são clinicamente usadas para fins terapêuticos.

No entanto, para que o trabalho interdisciplinar possa ser desenvolvido pelos professores, há que se desenvolver uma metodologia de trabalho interdisciplinar que implica a integração dos conhecimentos; transição de concepção fragmentada para unitária de conhecimento; superação da dicotomia entre o ensino e pesquisa, considerando o estudo e a pesquisa a partir da contribuição das diversas ciências. A metodologia interdisciplinar se refere a uma liberdade científica, pautada no diálogo e na colaboração, na capacidade de inovar, de criar, de pesquisar, não objetivando apenas a valorização técnico produtiva, mas, sobretudo, uma educação reflexiva3838 Fazenda ICA. Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez; 1993.,3939 Fazenda ICA. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus; 1994.. A interdisciplinaridade permite questionar a fragmentação dos diferentes campos de conhecimento, buscando os possíveis pontos de convergência entre as diversas áreas e a relação epistemológica entre as disciplinas.

As interconexões que acontecem nas disciplinas facilitam a compreensão dos conteúdos de uma forma integrada, aprimorando o conhecimento do aluno. Entretanto, em nossa cultura, a dificuldade de institucionalizar o ensino interdisciplinar nas diversas escolas remete a dois fatos: 1) na maioria das vezes, o educando aprende do mais simples para o mais complexo, com avanços lentos que exigem pouco raciocínio, especialmente abstrato; 2) interligar diversos conteúdos e dominar diferentes conteúdos.

Essa concepção pressupõe educadores imbuídos de um verdadeiro espírito crítico, aberto para a cooperação, o intercâmbio entre as diferentes disciplinas, o constante questionamento ao saber arbitrário e desvinculado da realidade. Por outro lado, exige a prática de pesquisa, a troca e sistematização de ideias, a construção do conhecimento, em um processo de indagação e busca permanentes.

Portanto, a transversalidade e a interdisciplinaridade são nesse sentido, modos de trabalhar o conhecimento que visam à reintegração de dimensões isoladas umas das outras pelo tratamento disciplinar. Com isso, pretende-se obter uma visão mais ampla da realidade que, tantas vezes, aparece fragmentada pelos meios de que dispomos para conhecê-la.

Nessa perspectiva, do ponto de vista prático no que tange à distribuição de conteúdo disciplinar em cursos de graduação, o corpo docente de cada curso de graduação deve discutir e decidir se os assuntos relacionados ao estudo da dor devem ser discutidos nas diferentes disciplinas curriculares específicas ou se devem ser ofertados por meio de uma disciplina isolada, em que os conteúdos sejam detalhados e profundamente conduzidos e debatidos com um professor especialista nessa área do saber.

É importante salientar que o bom profissional da área de saúde no presente momento deve dominar informações teóricas e clínicas, assim como deve se manter atualizado quanto às evidências científicas para fundamentar sua prática, compreendendo como e quando utilizar essa evidência associada à sua experiência técnica e à preferência do paciente. A prática baseada em evidências se refere ao processo de decisão sistemática, cujos resultados de pesquisa são avaliados e utilizados para direcionar a prática clínica4040 Sackett DL. Straus S, Rchardson WS, Rosenberg W, Haynes BR. Evidence-based medicine. How to practice and teach EBM. 2(nd) ed. Churchill Livingston, Edimburg, London, New York, St Louis, Toronto, Sydney; 2000.,4141 Abreu BC, Peloquin SM, Ottenbacher K. Competence in scientific inquiry and research. Am J Occup Ther. 1998:52(9):751-9.. Dessa forma, é salutar que o professor estimule e seja ativo no processo ensino-aprendizagem da prática baseada em evidências, a qual deve embasar uma série de aspectos da atuação profissional, que vão desde a avaliação funcional até o planejamento terapêutico e subsequente acompanhamento da evolução do paciente.

A prática baseada em evidências não determina tipos de avaliação ou procedimentos de intervenção que devem ser utilizados pelos profissionais, mas os auxilia na seleção do melhor método de avaliação e de tratamento a ser utilizado em determinada população, com dada condição clínica e a organizar as diversas fontes de informação para fundamentar a tomada de decisão clínica4242 Helewa A, Walker JM. Critical evaluation of research in physical rehabilitation. Canada: WB Saunders Company; 2000..

Destaca-se, aqui, a importância de investir em educação continuada para atualização a respeito de um problema clínico ou de uma disfunção, seja por meio formal (especializações, cursos, congressos, conferências) ou de maneira mais informal (em reunião com grupos de profissionais para discutir a literatura ou casos clínicos, por exemplo). Em adição, a constante atualização de informações por meio de leitura de artigos científicos, já que a aprendizagem contínua é imprescindível para a prática clínica

CONCLUSÃO

Através deste trabalho, a Comissão de Fisioterapeutas da SBED espera contribuir para um direcionamento contextualizado e atualizado sobre os principais aspectos no que concerne ao estudo da dor para facilitar e guiar, de forma padronizada e universal, a educação em dor na graduação brasileira dos cursos de Fisioterapia.

  • Fontes de fomento: não há.

AGRADECIMENTOS:

À Prof. Dra. Katia Nunes Sá, Professora Adjunta da Escola Brasileira de Medicina e Saúde Pública e da Universidade Católica de Salvador; ao Fisioterapeuta Msc. Marcus Vinícius de Brito Santana; ao Prof. Msc. Diego Ribeiro Rabelo da Escola Brasileira de Medicina e Saúde Pública e ao Fisioterapeuta Palmiro Torrieri Junior pelas excelentes contribuições e extensas discussões no processo de elaboração deste Currículo de Dor para Fisioterapeutas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017
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