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Sobre a Interdisciplinaridade da Dogmática Jurídica de Alexander Stark. Reflexões para a Ciência do Direito Brasileira

On the Interdisciplinarity of Legal Dogmatics. Reflexive Elements for the Brazilian Legal Science

Resumo

O texto reconstrói criticamente os argumentos centrais defendidos por Alexander Stark no seu recente livro sobre “A Interdisciplinaridade da Dogmática Jurídica” - Interdisziplinarität der Rechtsdogmatik -, ainda sem tradução para o português. Antes disto, apresenta-se o contexto do surgimento do livro no âmbito da literatura jurídica de língua alemã. Sugere-se, ademais, a importância dessa discussão também para a ciência do direito brasileira e a sua dogmática jurídica.

Palavras-chave:
Dogmática Jurídica; Interdisciplinaridade; Questão de Método; Práxis do Direito; Questão de Competência

Abstract

The following article critically reconstructs the central thesis that Alexander Stark develops in his recent book on the interdisciplinarity of legal dogmatics - Interdisziplinarität der Rechtsdogmatik -, still with no translation in Portuguese (and English). Before that, it presents the context of the German academic legal discussions in which the book was conceived. Moreover, it also suggests the importance of this debate for Brazilian legal science and its legal dogmatics.

Keywords:
Legal Dogmatics; Interdisciplinarity; Matter of Method; Legal Practice; Matter of Competence

Introdução

Em 2014, Matthias Jestaedt, professor das cadeiras de direito público e de teoria do direito na Universidade de Freiburg (Alemanha), constatava a existência, no âmbito da literatura jurídica de língua alemã, de uma conjuntura favorável à reflexão teórica em torno da dogmática jurídica (Jestaedt, 2014, p. 1). Sete anos antes, em 2007, havia sido publicada sob o título “O Próprio da Ciência do Direito” uma importante coletânea com textos dedicados a temas de teoria, metodologia e história da ciência do direito, impulsionando o debate em torno também da dogmática (Engel e Schön, 2007Engel, C./Schön, W., Das Proprium der Rechtswissenschaft, Mohr Siebeck, Tübinden, 2007.). Mais recentemente, no ano de 2017, foram publicados dois extensos trabalhos sobre temas de teoria e metodologia da dogmática. O primeiro, de autoria de um já renomado acadêmico, pesquisador no âmbito do direito público, Christian Bumke, apresenta uma análise profunda da dogmática como modo de pensar e trabalhar empiricamente a matéria bruta do direito positivo (Bumke, 2017); o segundo, de um recém doutorado e ainda jovem pesquisador, Jannis Lennartz, propõe compreender o método da dogmática como atividade de construção conceitual que transcende a ideia moderna de interpretação normativa (Lennartz, 2017). Além de interpretar os enunciados do direito, a dogmática operaria atividades de construção de conceitos, figuras e aparatos disciplinares, não redutíveis aos tradicionais modelos práticos de interpretação e argumentação jurídicas.

Embora com perspectivas distintas, a todos estes autores toca um mesmo pano de fundo e uma mesma problemática geral, a saber, a percepção de um certo esgotamento da metodologia jurídica que dominou o debate no correr do século 20, mormente no pós-guerra, em torno da dogmática. Tanto Jestaedt quanto Bumke e Lennartz buscam articular modelos teóricos para uma abordagem renovada das funções, razões, possibilidades e limites da dogmática como disciplina. Diversos outros nomes têm se dedicado a repensar o papel da dogmática e da ciência do direito na atualidade, tendo em vista sobretudo as demandas altamente complexas que as sociedades do século 21 têm visto emergir. Trata-se, no que toca aos debates em torno dos métodos da ciência do direito, de um momento de profunda autorreflexão (Hilgendorf e Schulze-Fielitz, 2015Hilgendorf, E./Schulze-Fielitz, H., Rechtswissenschaft im Prozess der Selbstreflexion, in. Hilgendorf/Schulze-Fielitz, Selbstreflexion der Rechtswissenschaft, Mohr Siebeck, 2015, p. 1-13., p. 1-13), por alguns já identificado como momento de crise metodológica (Lepsius, 2016Lepsius, O. Relationen: Plädoyer für eine bessere Rechtswissenschaft, Mohr Siebeck, Tübingen, 2016., p. 2).

É nesse contexto de renascença do interesse teórico pela dogmática que vem à luz, no ano de 2020, o livro de Alexander Stark, “A Interdisciplinaridade da Dogmática Jurídica”1 1 Alexander Stark, Interdisziplinarität der Rechtsdogmatik, Mohr Siebeck, 2020. A partir daqui, as referências ao livro serão feitas diretamente no corpo do texto com a indicação das iniciais do autor e da respectiva página (p.e.: “AS, p. 1”). , cujos argumentos centrais serão a seguir analisados. Embora o chamado pela interdisciplinaridade na ciência do direito não seja propriamente uma novidade - ouve-se um tal chamado pelo menos desde a década de 1970 -, fato é que os modelos metódicos para a integração de conhecimentos extrajurídicos na esfera da dogmática mostram-se ainda hoje profundamente rudimentares. O livro de Stark pretende contribuir para a concepção teórica de uma dogmática capaz de manejar acervos de saber e esclarecimentos conceituais provenientes de disciplinas vizinhas sem perder a sua identidade disciplinar própria. Além de colocar em xeque a visão tradicional das funções da dogmática, sobretudo de estabilização e desencargo prático (Entlastungsfunktion), a dogmática interdisciplinar de Stark toca também o campo da teoria do direito. Pois a já consolidada diferenciação binária entre “dogmática” e “teoria” dá lugar aqui a uma diferenciação de tipo trinário, passando-se a falar em “dogmática prática”, “dogmática teórica” e “teoria” - cada qual com a sua própria competência disciplinar. Isso produz no interior da ciência do direito uma interessante zona de tensão criativa que nos convida a repensar os limites metodológicos e as relações disciplinares entre dogmática, teoria e método.

O texto a seguir desenvolve-se em VI pontos. Antes de se concentrar nos argumentos de Stark, apresenta-se duas considerações prévias (I). A primeira visa elucidar, de modo sintético, o acima mencionado esgotamento da metodologia jurídica dominante no século 20. A segunda chama a atenção para a importância da questão do método também para a ciência do direito brasileira e a sua dogmática jurídica. Passando para os argumentos de Stark, destaca-se os seus objetivos (II), as suas teses centrais (III), a proposta do autor acerca das diferenciações internas da dogmática (IV e V), o seu entendimento dos conceitos de multi-, trans- e interdisciplinaridade, bem como o seu mapeamento dos potenciais empíricos para a dogmática interdisciplinar (VI). Por fim, conclui-se com uma análise crítica da abordagem de Stark, e uma sugestão de autorreflexão metodológica para a ciência do direito brasileira.

I. Esgotamento metodológico e a ciência do direito brasileira

Como dito, a primeira consideração prévia diz respeito ao referido esgotamento da metodologia novecentista2 2 Sobre a metodologia jurídica do século 20, em língua portuguesa, cfr. Castanheira Neves, Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais, 1993. . Com efeito, a metodologia jurídica do século 20, pelo menos desde a jurisprudência dos interesses de Philipp Heck, tomou para si o objetivo de cuidar normativamente da práxis do direito, e mais especificamente dos processos de aplicação e de formação da decisão judicial3 3 Sobre as funções da metodologia, cfr. Zimmermann, Juristische Methodenlehre in Deutschland, 2019, p. 256. - i.e. o direito feito por juízes (Richterrecht). Esse juizcentrismo da metodologia, além de secundarizar a produção do direito por outros atores jurídicos, descuidou também das atividades disciplinares da ciência do direito.

Para compreender os problemas teóricos aí envolvidos, há que lembrar que na passagem do século 19 para o 20 imperava no universo jurídico um descontentamento generalizado relativamente ao formalismo oitocentista, que, com base numa percepção more geometrico dos conceitos de “ciência”, “método” e “sistema” - pressupostos na ideia de um “direito científico” (wissenschaftliches Recht) -, havia dado azo a um pensamento jurídico em grande medida indiferente à vida prática do direito4 4 Neste sentido, cfr. Schröder, Theoretische und praktisce Jurisprudenz, p. 236-238. . No contexto do cientismo dos 1800, o próprio conceito de “práxis” era compreendido como reino da contingência e da arbitrariedade da vontade, permanecendo fora do alcance do “método” e da “ciência”. A episteme à época dominante pressupunha uma cisão estrita entre ciência e vida, e da mesma forma entre método e práxis5 5 Schröder, Ibidem, p. 233, fala de uma ciência descorporificada, feita in abstracto, cujas operações teoréticas não alcançam o âmbito da práxis, diferenciando-se da arte e da técnica, constituídas estas sim por juízos práticos. . Daí ser equivocada a ideia de que o “direito científico” do século 19 representava a promessa de uma prática judicial científica e/ou metódica, eis que o direito científico então em pauta seria produto não da práxis, mas do método, ou seja, decorria não de decisões jurídicas tecnicamente controladas, mas de combinações conceituais abstratas operadas pela própria ciência do direito.

Em reação a essa concepção formalista de método - que relegava a práxis, insista-se, ao reino da contingência e da arbitrariedade -, a crítica metodológica (Methodenkritik) do início do século 20 cristalizaria uma intenção de conferir dignidade teórica ao conceito de “práxis”, e, desta feita, ao direito judicial6 6 Ver, com uma reconstrução da obra de Heck no contexto da crítica metodológica, Auer, Methodenkritik und Interessenjurisprudenz. Philipp Heck zum 150. Geburtstag, 2008, p. 517-533. . Assim, se o século 19 havia secundarizado a relevância teórica da formação judicial do direito, as reflexões metodológicas do século 20 assumiriam, já nas suas primeiras formulações, a práxis do direito como campo gravitacional das suas preocupações. É neste sentido que Heck vai defender, em 1912Heck, P., Das Problem der Rechtsgewinnung, 1912., a ideia de uma ciência do direito como ciência prática - contra a ideia de uma ciência teorética -, a qual, segundo o modelo sociológico de Heck, deveria buscar, por meio de uma teoria da interpretação do direito fundada nos interesses jurídico-sociais, a comunhão empírica entre o método acadêmico e a decisão judicial, operando uma síntese entre as esferas do método e da práxis, e assim entre ciência e vida (Heck, 1912, p. 10)7 7 A sua crítica é direcionada aí a Puchta, que segundo Heck projetara uma ciência do direito teorética apartada da vida ao assumir como método a ideia de dedução subsuntiva. A recuparação conceitual da “vida”, na obra de Heck, dá-se por meio do conceito de “interesse”, interesse social e da vida social, elementos teleológico da práxis que o método jurídico teria de passar a integrar. A teoria da interpretação de Heck é de tipo subjetiva, voltada à vontade cronstitutiva do ator criador do direito, mas abrindo espaço também para a formação judicial do direito na sua relação com a ciência do direito. como ciência prática, a ciência do direito não teria uma função apenas descritiva, mas também produtiva do direito. A aproximação com a sociologia, inspirada em Jhering, tem em conta o desenvolvimento de um olhar que vê na práxis uma teleologia própria. Cfr. Heck, Gesetzesauslegung und Interessenjurisprudenz, 1914, p. 4 ss. .

Essa tentativa de criar uma circularidade normativa entre o pensamento jurídico acadêmico e o direito judicial pode ser encontrada, a partir de então, em todos os grandes nomes da metodologia jurídica do pós-guerra. Desde Karl Larenz e Theodor Viehweg, passando por autores como Friedrich Müller, Josef Esser, Martin Kriele, entre outros, chegando até a obra de Robert Alexy, o que se tem presente em todos esses nomes, no que toca suas premissas metodológicas básicas, é a busca por modelos práticos capazes de controlar a correção normativa da decisão judicial8 8 Sobre o papel da correção normativa na metodologia jurídica, cfr. Möllers, Juristische Methodenlehre, 2017, p. 477 s. . Não está no escopo do presente texto comparar os modelos metódicos de cada um desses autores. Trata-se apenas de destacar que a metodologia jurídica do século 20 não é, para usar aqui a elegante fórmula de Franz Reimer, uma metodologia para a ciência do direto, isto é, para o cuidado reflexivo dos métodos das disciplinas e subdisciplinas jurídicas, mas uma metodologia da ciência do direito para a práxis do direito (Reimer, 2016, 26; Reimer, 2016, p. 12). O foco da metodologia novecentista, em suma, não é o trabalho do pensamento jurídico acadêmico, preocupação considerada demasiado teorética, mas a fundamentação prática da decisão judicial.

Contudo, o que se aceita hoje como certo é que essa metodologia de tipo prático-normativo, além de não ter contribuído para a compreensão dos métodos da ciência do direito, tampouco revelou-se capaz de realizar a sua promessa de corrigir normativamente a práxis9 9 Nas palavras, e.g., de Jestaedt: “A metodologia tradicional é por muitos considerada, não sem razão, desesperantemente sub-complexa no que respeita o seu valor explicativo e orientativo para a obtenção do direito [Rechtsgewinnung]. Com ela, dificilmente pode solucionar-se um caso mais exigente. Ela não fornece nem uma descrição minimamente precisa de como os aplicadores do direito realmente procedem na obtenção do direito - no que toca tanto o momento de conhecimento quanto o de criação do direito -, tampouco uma instrução confiável ou pelo menos útil para os práticos do direito que buscam orientação e ajuda em seus atos.” Jestaedt, Braucht die Wissenschaft vom Öffentlichen Recht eine fachspezifische Wissenschaftstheorie?, p. 25 [tradução livre]. . De um lado, importa reconhecer que os seus modelos podem de fato ser utilizados na fundamentação da decisão jurídica, mas eles não têm qualquer força vinculativa sobre o processo da sua produção propriamente dita10 10 “No contexto da produção, i.e. para a questão sobre como e com que meios o direito deveria ser obtido, as ofertas apresentadas pela metodologia tradicional na forma de métodos de interpretação [Auslegungsmethoden] não desempenham, como se tem dado a impressão, qualquer, ou ao menos qualquer papel digno de nota; delas utiliza-se no contexo de apresentação ou justificação, isto é, apenas post festum, nomeadamente quando se trata de comunicar aos afetados o resultado do direito obtido, e ganhar o seu entendimento e obediência, ou seja: para fins de marketing.” Jestaedt, Ibidem, p. 26 [tradução livre]. . É de lembrar, de outro lado, que uma miríade de questões jurídicas simplesmente não comporta solução racional se se parte apenas da ideia de sopesamento e/ou ponderação de princípios (Ladeur e Campos, 2015, p. 97 ss.), exigindo antes uma escolha consciente entre diferentes opções epistemológicas e normativas igualmente aceitáveis. Tais problemas demandam do ator do direito a habilidade (metódica) não de interpretar e argumentar com base em princípios normativos, mas de manejar conhecimentos e acervos de saber dispersos na sociedade - e isto escapa por completo do escopo prático-normativo dos modelos da metodologia novecentista. Tudo isto indica, de forma aqui muito sucinta, um esgotamento do modo de pensar da metodologia que dominou o século passado, exigindo-se hoje uma sua revisão teórica.

A segunda consideração diz respeito ao reconhecimento da relevância do debate em torno do método da dogmática também para a ciência do direito brasileira. Embora a dogmática jurídica, como conceito metodológico e disciplinar da ciência do direito moderna, seja vista, mormente no contexto da literatura jurídica de língua alemã, como elemento diferenciador próprio da ciência jurídica mos germanicus11 11 A expressão mos germanicus é de AlexanderSomek, Wissen des Rechts, 2018, p. 1, nota 2, utilizada para diferenciar, no espírito da jurisprudência humanista, o método da cultura jurídica germânica, considerada a partir do legado oitocentista, frente a outras expressões do humanismo jurídico, nomeadamente mos gallicus e mos italicus. - com uma genealogia que nos leva a Savigny, Puchta, Jhering, Windscheid, entre outros -, fato é que no Brasil nós temos também uma tradição teórica em torno da dogmática. Não é intenção deste texto analisar a origem do conceito de dogmática. Trata-se apenas de sublinhar que, também no Brasil12 12 Para uma discussão atual no Brasil sobre a dogmática, cfr. Rodrigo Rodriguez/Batalha da Silva e Costa/Rodrigues Barbosa, Formalismo, Dogmática Jurídica e Estado de Direito, 2010. , “dogmática” refere a ideia de um tipo específico de racionalidade e/ou de método disciplinar da ciência do direito - diferente, p.e., da teoria do direito, da história do direito, da filosofia do direito e da sociologia jurídica. Diferente destas disciplinas, cada qual com a sua própria racionalidade, isto é, com os seus objetos, métodos e interesses de conhecimento próprios, a dogmática representa a atividade da ciência do direito que se volta à sistematização dos enunciados do direito positivo de modo a preparar as normas jurídicas para a aplicação concreta. Tratando-se de uma disciplina específica, impõe-se a ela uma série de funções e restrições que não se aplicam a outras disciplinas. Para os fins do presente texto, é suficiente partirmos do entendimento segundo o qual a dogmática desenvolve, no seu trabalho com o direito positivo e a prática jurídica, um olhar de tipo bifronte, organizando as normas jurídicas, de um lado, e sugerindo soluções dogmáticas, do outro.

Esse entendimento básico tem uma longa historiografia13 13 Para uma reconstrução da dogmática alemã a partir do séc. 19 como pensamento jurídico prático (praktische Jurisprudenz), cfr. Bumke, Rechtsdogmatik, p. 16-21. Para um aprofundamento histórico, cfr. Schröder, Wissenschaftstheorie und Lehre der “praktischen Jurisprudenz“ auf deutschen Universität an der Wende zum 19. Jahrhundert, 1976, p. 4 ss. . O que ele não explica desde logo é “como” o trabalho dogmático, considerando-se esse olhar bifronte, efetivamente ocorre ou deveria ocorrer; noutras palavras, como a dogmática deve se relacionar com o direito positivo e como ela deve estruturar as suas sugestões de decisão para os atores da práxis do direito14 14 Cfr. a proposta de Rodrigo Rodriguez, Dogmática Jurídica: Crise ou Transformação?, p. 103 s., com uma crítica ao excesso de formalismo que se demanda, segundo o autor, da dogmática. Mediada pela teoria do direito, a dogmática poderia trabalhar, sugere o autor, sem as premissas clássicas da tradição pandectística, das quais ainda hoje far-se-ia dependente (p. 104). . É precisamente a isto, ao como do trabalho da dogmática, que se voltam (ou deveriam se voltar) as reflexões da metodologia jurídica.

No Brasil, a tradição de reflexão em torno da dogmática pode ser representada, para fins aqui de uma organização provisória, a partir de duas grandes linhas de pesquisa, uma mais atenta à questão do método, a outra com uma postura de tipo mais jurídico-político. Representativo da primeira é, por exemplo, o importante trabalho de Tércio Sampaio Ferraz Jr., “A função Social da Dogmática Jurídica” (1972), em que se encontra uma combinação criativa de perspectivas teóricas de origem sobretudo germânica, notadamente as de Theodor Viehweg e Niklas Luhmann, e um panorama histórico e teórico da função social da dogmática. Falta-nos no Brasil, com efeito, escrever a história da ciência do direito brasileira, bem como a história da dogmática jurídica brasileira. A pesquisa de Ferraz Jr. desenvolve uma reconstrução do pensamento jurídico da tradição romano-germânica, frisando a origem teológica do conceito de dogmática, o caráter tecnológico dos enunciados da dogmática jurídica, bem como a função dogmática de controle da consistência das decisões do direito e a tendência do discurso dogmático a camuflar perspectivas ideológicas (Ferraz Jr., p. 97). Trata-se de um trabalho inserido numa tradição brasileira interessada na integração de temas globais do pensamento jurídico em solo nacional, permitindo uma reflexão brasileira em torno de questões gerais do direito e da ciência do direito15 15 Para uma reconstrução dos primeiros contatos da ciência do direito brasileira com a ciência do direito alemã, cfr. Borrmann, Tobias Barreto, Sílvio Romero und die Deutschen. Die Rezeption deutschsprachiger Autoren in der brasilianischen Rechtskultur (1869-1889), 2019. Ver também Losano, Un giurista tropicale. Tobias Barreto fra Brasile reale e Germania ideale, 2000. .

Ao lado dessa perspectiva, é também de mencionar a existência, no contexto da literatura jurídica nacional, da assim chamada dogmática jurídica crítica16 16 Ver por todos Miranda Coutinho, Dogmática crítica e limites lingüísticos da lei, 2005, p. 37 ff.; Streck, Hermenêutica e Ensino Jurídico em terrae brasilis, 2007, p. 27 ss. . Diferente da primeira, interessada em cultivar os ganhos conceituais da tradição romano-germânica, o que esta vertente defende é uma espécie de tomada de posição no interior da dogmática a partir de considerações acerca da realidade econômica, social, política e cultural brasileira. A intenção crítica aí não é tanto de tipo metódico quanto de tipo jurídico-político, com o foco nas ideias, p.e., de emancipação e transformação social. É importante perceber que, ao operar a organização e sistematização do direito positivo, no sentido acima referido, a dogmática desenvolve atividades interpretativas e argumentativas que conferem aos seus enunciados um caráter forçosamente construtivista. Ao lidar com o direito, a dogmática traz ao mundo conteúdos de sentido até então inexistentes, articulando aquilo que chamamos de “ordem jurídica”. Como guiar e estruturar essa dimensão construtivista da dogmática é um dos grandes dilemas da ciência do direito moderna. O que a perspectiva crítica propõe é preencher esses espaços de indeterminação do trabalho dogmático com expedientes explicitamente exógenos - a partir, p.e., de perspectivas e critérios políticos, filosóficos, sociológicos, e/ou outras escalas e medidas materiais de tipo axiológico, ético, econômico, linguístico17 17 Cfr. Fachin, Pressupostos hermenêuticos para o contemporâneo Direito Civil brasileiro: elementos para uma reflexão crítica, 2012. Para uma crítica: Reis, Dogmática e incerteza normativa: crítica ao substancialismo jurídico do direito civil-constitucional, 2017. . Não se trata aí, em suma, de buscar o aprimoramento da dogmática como método e disciplina, mas de operar um uso estratégico do discurso dogmático a fim de assegurar o que essas perspectivas, medidas e critérios exógenos preconizam18 18 Ver e.g. Vick, A Dogmática em Debate: Franz Neumann e as Possibilidades Emancipatórias no Método Jurídico, 2021, p. 1014-1032. .

Enquanto a primeira vertente interessa-se pelo caráter metódico (e disciplinar) da racionalidade dogmática, a segunda tende a distanciar-se da questão do método, que lhe parece demasiado formalista, favorecendo o discurso jurídico-político (e interdisciplinar). Se sobre a primeira pode se dizer que lhe falta um apoio mais decidido na realidade da ciência do direito brasileira, pois dedica-se antes a perspectivas globais, sobre a segunda impõe concluir que o seu desinteresse pelo método traz consigo o perigo de um excesso de politização da dogmática19 19 Sobre as implicações no âmbito da prática jurídica, cfr. Neves, Relatório Brasileiro. Uso e Abuso de Princípios: da Doutrina à Prática Jurídico-Constitucional Brasileira, 2017, S. 589 ff. Neves fala aí, relativamente à jurisprudência do STF, de um uso personalista dos princípios que culmina numa lógica decisória que abandona a função binária do direito (jurídico/antijurídico), para funcionar de acordo com a função política governo/oposição (p. 588). Sobre esta lógica concorrer para a desestabilização da ordem constitucional brasileira, cfr. Meyer, Judges and Courts Destabilizing Constitutionalism: The Brazilian Judiciary Branch’s Political and Authoritarian Character, 2018, p. 727-768, com a correlação aí entre o modelo metodológico da teoria dos princípios de Alexy e a politização da jurisprudência (p. 746 s.). . Isto resulta na exaltação de uma dogmática de tipo ativista.

Que a dogmática desempenhe uma função jurídico-política parece hoje dificilmente questionável20 20 Ver e.g.Rüthers, Rechtsdogmatik und Rechtspolitik unter dem Einfluß des Richterrechts, 2003, p. 2-39, em que se falará de uma “erosão da dogmática pela via do direito judicial” (p. 30-36). . Reconhecer-lhe, no entanto, uma tal função não se confunde com incitá-la a adotar posturas políticas, entenda-se: político-partidárias, no seu trato com os problemas do direito. É verdade que a leitura dos enunciados e das normas do direito positivo demanda operações interdisciplinares, com a integração de informações extrajurídicas no campo do trabalho dogmático. Mas também isto exige uma reflexão metodológica, sob pena de a crítica e a interdisciplinaridade serem usados como meros slogans, como pretexto para a autoafirmação de interesses normativos parciais, enfraquecendo-se, desta feita, o caráter de tercialidade21 21 Sobre o conceito de “tercialidade”, utilizado embora noutro contexto, cfr. Aroso Linhares, Phronêsis und Tertialität. Die Behandlung des Neuen als Kern des «geworfenen Entwurfs» des Rechts, 2013, p. 37-56. Também dele, O projectar do mundo prático do direito enquanto prática de comparação-tribuere, 2014, p. 309-326. da dogmática jurídica. O livro de Alexander Stark, voltado precisamente à relação entre método dogmático e método interdisciplinar, lança uma interessante luz sobre essa temática.

II. É possível uma dogmática interdisciplinar?

O objetivo de Stark é apresentado logo na introdução do seu livro. Trata-se de colocar à prova e de rechaçar o entendimento binário dos campos da “dogmática” e da “interdisciplinaridade”, segundo o qual o método dogmático e o método interdisciplinar seriam mutuamente excludentes22 22 Como exemplo desse olhar binário, Stark menciona um importante trabalho de Lepsius, Kritik der Dogmatik, 2012, p. 60, segundo o qual, de fato, contribuições dogmáticas e interdisciplinares seriam metodicamente incompatíveis. . No centro da proposta de Stark, tem-se uma representação da dogmática como atividade de deliberação em torno de “razões normativas” - jurídicas e não-jurídicas - que os atores do direito deveriam utilizar para a elaboração das suas decisões funcionais. O método interdisciplinar entraria em cena sempre que razões normativas extrajurídicas, provenientes de outras disciplinas, fossem necessárias para a compreensão da questão jurídica. Nas situações em que os enunciados e as normas jurídicas empregassem conceitos de natureza não imediatamente jurídica, mas antes sociológica, política, econômica, tecnológica, ecológica e/ou científica, seria então necessário, como condição para a compreensão do direito positivo, manejar os esclarecimentos e conhecimentos conceituais dessas outras disciplinas.

Compreendido como processo de integração de razões normativas extrajurídicas potencialmente relevantes para os atores do direito, o método interdisciplinar seria uma condição necessária para a garantia de racionalidade das decisões dogmáticas. Sob este pano de fundo, Stark diferenciará a deliberação dogmática em quatro níveis, falando, de um lado, em “dogmática prática” e “dogmática teórica”, e, do outro, em “dogmática descritiva” e “dogmática normativa” - cada qual com a sua própria estrutura argumentativa e deliberativa.

III. Referência aos enunciados do direito positivo e a perspectiva do participante

Stark parte de uma compreensão pluralista de dogmática, como conceito homônimo para as ideias de disciplina, método e sistema (AS, p. 7). As ditas condições necessárias da dogmática, caracterizadoras do seu modo próprio de lidar com o direito, seriam duas: a referência interna aos enunciados do direito (Rechtssatzbezug), de um lado, e a adoção da perspectiva do participante (Teilnehmerperspektive), do outro. Embora necessárias, tais condições teriam uma natureza gradual, ou seja, o seu cumprimento dar-se-ia com intensidades diferentes, a depender do respectivo modo deliberativo da dogmática - isso deve ficar mais claro a seguir. O que importa aqui compreender é que para caracterizar determinada atividade da ciência do direito como dogmática - diferenciando-a das atividades, p.e., da teoria do direito, da filosofia do direito, da sociologia ou da metodologia jurídica -, tais condições seriam imprescindíveis. Sem a referência aos enunciados do direito positivo e/ou sem a tomada da posição do participante, poder-se-ia falar em ciência do direito, mas não em dogmática jurídica (AS, p. 21 ss.).

A ideia de uma referência ao anunciado do direito positivo tem como pressuposto a diferenciação estrita entre direito e ciência do direito. Com base nesta diferenciação, Stark diferenciará também entre “enunciados do direito” (Rechtssätze) e “enunciados da dogmática jurídica” (rechtsdogmatische Sätze). Falar em enunciados dogmáticos do direito seria uma contradição em si (AS, p. 45); os enunciados do direito seriam de uma natureza, os da dogmática, de outra. O autor entende por enunciados do direito todos os “fatos jurídicos” (juristische Tatsache), i.e., enunciados linguísticos e práticas sociais que expressam uma norma jurídica e que têm conteúdo prescritivo. Diferente dos enunciados do direito, os enunciados da dogmática teriam natureza científica, reflexiva, articulados para o manejo empírico das normas jurídicas, sem com estas se confundirem. Diferente da tradição kelseniana, que tenderia a limitar-se à dimensão descritiva dos enunciados da ciência do direito23 23 O conceito utilizado pela tradição kelseniana para referir os enunciados da ciência do direito é o conceito de Rechtsaussagesatz, que traduz a ideia de enunciados sobre os enunciados do direito (Rechtssatz). Stark chama aí atenção para o fato de a tradição kelseniana iluminar apenas a dimensão descritiva dos trabalhos enunciativos da ciência do direito, escapando-lhe outras facetas enunciativas da dogmática. (“Rechtsdogmatische Argumentationen sind oftmals Bündel verschiedener Satzarten.”, p. 39). Stark sublinha, ademais, algo deveras relevante, a saber, a ausência, na obra de Kelsen, de uma verdadeira teoria da dogmática jurídica (p. 3). , Stark defende uma representação dos enunciados dogmáticos como cluster de diferentes modos enunciativos, com funções tanto de análise, descrição e ordenação, como de interpretação, avaliação e mesmo de crítica do direito (AS, p. 39 ss.).

Os enunciados dogmáticos de tipo descritivo cristalizariam observações acerca da validade do direito positivo (Geltungsbehauptung), sem qualquer dimensão normativa, apenas expressando o fato de que no âmbito de determinado sistema jurídico num determinado momento histórico um determinado conteúdo normativo encontra validade jurídica. Já os enunciados dogmáticos de tipo normativo, subdivididos em avaliativos e prescritivos, expressariam uma avaliação positiva ou negativa das normas jurídicas, na forma sobretudo de observações interpretativas avaliativas (Interpretationsbehauptung). Avaliar dogmaticamente significa aqui mobilizar razões normativas a favor ou contra determinadas opções interpretativas, as quais, quando colocadas em relação com outras opções interpretativas, são referidas como melhor e/ou pior opção. O enunciado prescritivo da dogmática apresentaria o formato de sugestão de interpretações e decisões concretas, com o seu modo performativo a expressar exigências, pedidos e recomendações aos atores do direito. Tais enunciados concluem que, no âmbito da prática jurídica, determinadas avaliações e interpretações devem ser adotadas.

A exigência de conexão dogmática com os enunciados do direito positivo significa, para Stark, que os enunciados dogmáticos devem articular, obrigatoriamente, uma relação de sentido com as normas jurídicas. O objeto específico da dogmática são as normas jurídicas. Neste sentido, coloca-se Stark contra a perspectiva anti-positivista, nomeadamente a de Dworkin, a qual teria dificuldades em separar claramente os enunciados dogmáticos frente a enunciados de caráter jusfilosófico (AS, p. 47) - lembrando que a função disciplinar da filosofia do direito consiste em indagar pelos fundamentos normativos do direito, transcendendo os limites e a obrigatoriedade do direito positivo. Isto não significaria, contudo, que entre os enunciados do direito positivo, de um lado, e os enunciados dogmáticos, do outro, haveria que se produzir uma identidade de sentido, como se não houvesse margem criativa à dogmática. Sobretudo por conta da vagueza de sentido das normas jurídicas, os enunciados dogmáticos seriam forçados a desenvolver elementos criativos de caráter hermenêutico e pragmático. Não obstante isto, ainda assim, os limites da deliberação dogmática deveriam ser definidos desde os enunciados próprios do direito positivo (AS, p. 50) - não desde uma reflexão filosófica sobre os ditos fundamentos últimos do direito24 24 Trata-se aí de tema referente à discussão acerca da determinação do objeto próprio da dogmática como disciplina e/ou ciência. A ideia de que esta deve se guiar a partir dos enunciados do direito positivo, e já não imediatamente desde o resultado reflexivo de outras disciplinas, pode ser encontrado nos trabalhos de Jestaedt no âmbito da teoria da ciência do direito (Rechtswissenschaftstheorie), cfr. Jestaedt, Perspectiven der Rechtswissenschaftstheorie, 2008, p. 192 ss., com a demanda aí de uma adequação do método disciplinar ao seu objeto próprio (Gegenstandsadäquanz); no campo da interpretação significa que “como eu interpreto, depende do que eu interpreto” (“Wie ich etwas auslege, hängt davon ab, was ich auslege.”), Jestaedt, Wie das Rechts, so die Auslegung, cit., p. 147. Para uma crítica à ideia de adequação ao objeto: Vesting, Gegenstandsadäquate Rechtsgewinnung?, 2001, p. 73-97. .

Um dos elementos centrais da proposta de Stark consiste na sua relativização da proximidade da dogmática junto à aplicação do direito, com uma relativação também da ideia de orientação prática da dogmática (Gebrausorientierung)25 25 Para uma representação da dogmática como disciplina para o uso prática (Gebrauchsdisziplin/Gebrauchswissenschaft), cfr. Jestaedt, Wissenschaftliches Recht, 2012, p. 121. Lepsius, Kritik der Dogmatik, cit. p. 60, fala de uma perda de cientificidade (poderíamos dizer: reflexividade) da dogmática, por conta dessa sua orientação para a aplicação prática. . Como dito, uma das condições essenciais da dogmática é aqui a adoção da perspectiva do participante. Porém, com o critério da perspectiva do participante não se está a dizer que a dogmática, enquanto disciplina, limita-se a estabelecer uma plataforma de comunicação entre a ciência e a práxis do direito, ou que os seus enunciados têm necessariamente de ser endereçados à práxis do direito (AS, p. 60 ss.) Para Stark, a orientação para a aplicação prática (Anwendungsorientierung) não é uma condição necessária da dogmática, mas uma diferenciação contingente; os enunciados dogmáticos continuariam a ser enunciados dogmáticos ainda que não houvesse comunicação entre os atores do direito e os atores da dogmática. O critério da perspectiva do participante significa apenas que a dogmática, para cumprir as suas atribuições disciplinares próprias, tem de imaginar-se na perspectiva de ator participante da prática jurídica, mas ela própria, enquanto disciplina e ciência (não vinculativa), estaria sempre a agir numa posição de observadora (Beobachterposition).

Ou seja, ainda que assuma a perspectiva do participante, a dogmática, como atividade reflexiva, é sempre mera observadora. Pois, diferente dos reais atores do direito, ela não dispõe de competência normativa para criar o direito (Rechtssetzungskompetenz). Sem competência criativa, resta aos atores dogmáticos imaginar que os atores do direito aceitam que determinados fatos e processos sociais produzem o direito vinculante e determinam, desta feita, as razões jurídicas a serem utilizadas no âmbito dos seus respectivos atos e decisões funcionais.

IV. As dogmáticas prática e teórica, descritiva e normativa

É sob este pano de fundo que Stark desenvolve as diferenciações entre dogmática prática e dogmática teórica, bem como entre dogmática descritiva e dogmática normativa. A diferenciação entre dogmática prática e dogmática teórica (AS, p. 81 ss.) baseia-se na referida relativização da perspectiva do participante. Segundo o modelo de Stark, no âmbito da dogmática prática a distância do trabalho dogmático relativamente à situação, real ou hipotética, de aplicação do direito é a menor possível, a fim de que os enunciados dogmáticos sejam mais facilmente aceites e aplicados pela prática jurídica. Ou seja, a dogmática prática desenvolve-se numa relação de forte proximidade com a práxis de aplicação do direito. Por conta disto, ela incluiria nas suas reflexões disciplinares, além de razões jurídicas propriamente ditas (normas jurídicas), também razões que a própria prática vai assumindo como vinculantes mas que não teriam, segundo Stark, uma natureza propriamente jurídica (não são normas jurídicas). Tais razões seriam razões “normativas” e “autoritativas”, mas não seriam verdadeiramente jurídicas - p.e. a assim chamada doutrina dominante, perspectivas dogmáticas historicamente herdadas, a conformidade com opiniões não vinculantes emanadas de tribunais superiores, entre outras convenções e práticas argumentativas que ganham força autoritativa no âmbito da práxis sem serem propriamente normas do direito positivo. Ademais, a estrutura do processo deliberativo da dogmática prática seria marcada pelas funções de estabilização, desencargo (Entlastung), confiabilidade prática, segurança jurídica, e de tratamento igualitário dos casos jurídicos. Ela daria primazia a opções e decisões preexistentes, com a sua reprodução no presente, e buscaria, por conseguinte, afastar situações de pluralidade de perspectivas e de incertezas epistemológicas.

O problema da proximidade excessiva junto à práxis, segundo o autor, é que razões de tipo conteudístico (inhaltliche Gründe) - que, diferente das razões não-jurídicas acima mencionadas, não teriam natureza autoritativa, mas antes epistêmica - tendem a não ganhar aí a devida relevância. A dogmática prática, por conta da sua orientação para o uso prático imediato, não lidaria bem com razões de caráter epistêmico e reflexivo; boas razões, p.e., a favor da alteração de determinado conceito, entendimento ou categorização tradicional da dogmática, permaneceriam sem maiores efeitos no âmbito deliberativo da dogmática prática - precisamente porque o que está aí a ser valorizado é a manutenção e a estabilidade de decisões dogmáticas pretéritas, não a renovação e a autorreflexão.

Diferente, então, da dogmática prática, a dogmática teórica manteria uma grande distância relativamente à situação de aplicação do direito. O seu trabalho não estaria orientado para o manejo prático imediato. As mencionadas razões autoritativas de natureza não-jurídica, que representam para a dogmática prática um verdadeiro obstáculo reflexivo, são secundárias para a dogmática teórica (p. 86). Determinantes para esta seriam antes as razões de tipo conteudístico, de natureza não imediatamente autoritativa, mas, como dito, epistêmica e reflexiva. É por aqui que entrarão no campo dogmático, segundo modelo de Stark, os acervos de conhecimento das ciências e disciplinas vizinhas.

A outra diferenciação proposta por Stark, entre dogmática descritiva e dogmática normativa26 26 Trata-se aí do núcleo da sua tese, a saber, o desenvolvimento conceitual de uma dogmática que não seja meramente descritiva, que possa antes trabalhar, tendo por base uma estrutra metodológica própria, também de modo normativo, articulando enunciados prescritivos e avaliativos sobre a produção dos enunciados e das normas do direito. , chama a atenção para os limites e a relação entre dogmática jurídica e política jurídica (Rechtspolitik). Pressuposto desta diferenciação é a compreensão teórica, de tradição kelseniana, do processo de aplicação do direito (Rechtsanwendung) como contendo dois momentos essenciais, um momento de conhecimento e um momento de produção do direito (Rechtserkenntnis- e Rechtserzeugungsanteile)27 27 Essa diferenciação encontra-se na tese de Adolf Julius Merkl, aluno de Kelsen, que representa os processos de produção (e de “destruição”) do direito moderno a partir da imagem de uma dupla face do direito (doppelte Rechtsantlitz). Merkl, Das doppelte Rechtsantitz. Eine Betrachtung aus der Erkenntnistheorie des Rechts (1918), p. 227/252 (p. 232). Todo ato jurídico é a um só tempo aplicação do direito pretérico e criação de novo direito. Essa alternância mútua entre conhecimento e produção do direito marca todos os níveis (escalões) da dinâmica do direito, os processo da sua obtenção concreta, sendo operada por qualquer um(a) a quem a ordem jurídica tenha concedido competência normativa, legisladores, administradores, juizes e/ou pessoas privadas. Ver também: Kelsen, Reine Rechtslehre, 1934, p. 83 ss. Atualmente: Jestaedt, Grundrechtsentfaltung im Gesetz, 1999, p. 318; Elsner, Das Ermessen im Lichte der Reinen Rechtslehre, 2011, p. 121 ss. Ver também: Cadore, Alternativermächtigung vs. Fehlerkalkül, 2018, p. 177-201. . Quanto ao primeiro momento, de conhecimento do direito, trata-se das atividades do aplicador do direito guiadas pelas razões jurídicas, i.e., as normas do direito positivo. Trata-se de um momento de conhecimento porque o ator jurídico, ao operar a aplicação do direito, tem de identificar e conhecer as normas relativas ao seu respectivo campo de decisão. A premissa geral é de que, para aplicar o direito, o ator jurídico tem de conhecer o direito preexistente. Quanto ao segundo momento, dito de produção do direito, trata-se das atividades do ator jurídico que não são prima vista abarcadas e/ou determinadas pelas normas do direito positivo. Todo ato jurídico envolve, segundo esta compreensão teórica, além da parcela de identificação do direito preexistente, uma parcela que é propriamente criativa. Dito de outro modo: todo ator jurídico, ao assumir a função de aplicar o direito, além de conhecer o direito preexistente, opera atividades de tipo eminentemente criativo, subjetivo, responsáveis pela passagem das previsões abstratas das normas jurídicas para a criação concreta do direito.

Na nomenclatura de Stark, a dogmática descritiva volta-se ao momento de conhecimento do direito preexistente. O seu interesse de conhecimento volta-se à mediação do conteúdo normativo de determinado sistema jurídico num dado momento histórico. Os seus enunciados, que apenas descrevem o conteúdo das normas jurídicas, não conteriam qualquer componente avaliativa. Trata-se, segundo Stark, da dogmática em sentido clássico. Já a dogmática normativa, voltada para o momento da produção do direito, perseguiria um interesse de conhecimento de tipo normativo, animado pela indagação: que atos e decisões os atores do direito, num dado contexto, devem realizar? É neste “devem” - relativo à ideia de dever (Sollen) - que reside o diferencial da dogmática normativa de Stark. O seu raciocínio é o seguinte: as normas do direito positivo, ao fornecem aos atores do direito razões jurídicas para as suas decisões, não fornecem, no entanto, uma determinação total do campo de atuação em que tais decisões devem/podem ser concretizadas. As normas e razões jurídicas cristalizariam apenas possíveis opções de atos e decisões, com a escolha final cabendo ao ator concreto do direito. A dogmática normativa voltar-se-ia, em suma, a esses espaços de atuação dos atores do direito - juízes, legisladores, administradores -, bem como à racionalização dos seus respectivos atos e decisões.

Posto isso, Stark sublinha que para autores como Hans Kelsen, Matthias Jestaedt e Philipp Reimer, uma tal “dogmática normativa” não deveria ser considerada verdadeira dogmática, mas sim uma forma de “política jurídica” (AS, p. 96 ss.). Para estes autores, diz Stark, a dogmática seria uma atividade exclusivamente descritiva. Toda forma de avaliação e prescrição emanada do campo da ciência do direito seria política jurídica, a qual deveria ser evitada pela dogmática. Contra esse olhar, argumenta Stark corretamente que se a dogmática fosse limitada a ser uma disciplina apenas descritiva uma série de atividades próprias do dia-a-dia dogmático seria colocada em suspenso e ignorada metodologicamente. Assim, por exemplo, não contariam como atividade dogmática os argumentos (dogmáticos) contra ou a favor determinada interpretação jurídica, contra ou a favor de determinadas categorizações e sistematizações do direito positivo, ou argumentos que analisem a correção normativa de decisões judiciais, leis ou atos jurídicos.

Como tido, a argumentação de Stark parece correta. Que a dogmática envolva atividades que não são de caráter apenas descritivo, parece-me auto-evidente. É necessário, no entanto, fazer aqui uma ponderação. Pois é questionável se os autores mencionados por Stark de fato dizem aquilo que ele está a criticar. Se se analisa, por exemplo, a obra teórica de Jestaedt (que tem desenvolvido as premissas da teoria pura do direito), fica claro que não se trata de alguém que fomenta uma postura metodologicamente niilista - que abandonaria a dimensão normativa da dogmática à sorte, dedicando-se apenas à sua dimensão descritiva. O que Jestaedt propõe, antes, é que a dogmática, como disciplina acadêmica, tem um objeto específico de estudo - os enunciados do direito positivo -, o qual teria ela por função disciplinar sistematizar de lege lata com vistas à aplicação do direito. Porém, salienta Jestaedt, em razão da proximidade da dogmática com a práxis do direito, tende ela a formular também enunciados de lege ferenda. Em tais situações, prossegue Jestaedt, a dogmática argumentaria jurídico-politicamente no sentido de que a ela já não estaria, em tais casos, a tratar com o conhecimento do direito preexistente, mas com a produção do direito futuro, sugerindo como o direito deve ser produzido. Isto não significa, contudo, que a dogmática deixaria de repente de ser dogmática, significa apenas que o seu trabalho próprio envolve também uma dimensão jurídico-política. Ou seja, também para Jestaedt, assim como para Stark, as atividades internas da dogmática comportam necessariamente duas dimensões distintas, uma voltada ao momento de conhecimento, e a outra, ao de criação do direito. Por conta dessas duas dimensões, a dogmática precisaria, segundo Jestaedt, de dois métodos igualmente distintos: um para a dogmática do conhecimento do direito (Rechtserkenntnisdogmatik), outro para a dogmática da produção do direito (Rechtserzeugungsdogmatik) (Jestaedt, 2006, p. 87).

Dito isso, fica claro que a dogmática normativa de Stark não está muito longe, na verdade está bem próxima daquilo que Jestaedt chama de “política científica do direito” (wissenschaftliche Rechtspolitik). Ambos aspiram por uma abordagem teórica que permita articular, no âmbito próprio da dogmática, reflexões voltadas aos espaços de atuação em que se dá a produção do direito por atores com competência normativa. Isto é: os espaços não abarcados e/ou não determinados pelas normas do direito positivo. É possível dizer que a proposta de Stark chega de fato mais próximo dessa finalidade, ao articular uma representação deliberativa da dogmática com diversos níveis e modos reflexivos, passíveis, doravante, de serem pensados e controlados metodologicamente. Porém, não se deve ignorar a importância metodológica do conceito de política do direito28 28 Sobre a presença da política jurídica no âmbito da interpretação e da hermenêutica jurídica, cfr. Engel, Rationale Rechtspolitik und ihre Grenzen, 2005, p. 581-590 (p. 589). - mormente em ambientes como os da práxis e da ciência do direito brasileiras um tal conceito mostra-se deveras útil, na medida em que, como instrumento metódico, permite inspecionar as propostas normativas da dogmática e identificar argumentos político-partidários e/ou ideológicos camuflados de dogmática normativa.

Um outro tema tratado por Stark, ainda na primeira parte do livro, refere-se à questão de saber se a dogmática pode ser considerada uma fonte do direito (Rechtsquelle). A sua resposta é negativa: a dogmática seria fonte apenas de conhecimento, não de produção do direito (AS, p. 100). Fontes do direito seriam apenas normas jurídicas autorizadoras (Ermächtigungsnormen), as quais estabelecem as condições para a produção de outras normas. Fontes de conhecimento jurídico, por sua vez, seriam todas as fontes passíveis de serem manejadas pelo ator do direito como ajuda orientativa e interpretativa no processo de conhecimento do direito preexistente. Segundo Stark, o fato de as reflexões e figuras dogmáticas serem utilizadas empiricamente por atores que criam o direito não altera em nada a condição de a dogmática não ser detentora de competência normativa para produzir direito. Portanto, ela não poderia ser fonte do direito29 29 Stark tem em mira aí a conhecida tese de Puchta, para quem, no contexto das ciências do direito do século 19 e tendo em vista a ideia de um direito científico, a ciência do direito seria, ao lado da lei e do direito costumeiro, verdadeira “fonte do direito”. Stark cita (p. 101) o seguinte trabalho de G.F. Puchta, Vorlesungen über das heutige römische Recht, Bd. 1, 6. Aufl., 1873, p. 42 [«Sie ist selbst eine Rechtsquelle, neben das Gewohnheitsrecht und das gesetzliche Recht tritt ein Recht der Wissenschaft.»]. Atualmente tem se dedicado ao tema Schönberger, Der „German Approach“. Die deutsche Staatsrechtslehre im Wissenschaftsvergleich, 2015 , p. 47 s., que representa a tese de Puchta como parte do romantismo jurídico alemão oitocentista, que no entanto não teria hoje qualquer chance (“It’s really over”). De outro lado, apresentando-se como um representante contemporâneo do romantismo mos gemanicus, Somek, Wissen des Rechts, cit. p. 42 ss., defende a posição de uma ciência do direito como fonte do direito. . Inverta-se, no entanto, o argumento de Stark e fica clara a possibilidade, senão necessidade, de se analisar o problema de outra forma: a observação teórica de que “sem competência normativa não há produção do direito” em nada altera o fato de que construções dogmáticas podem ser e são de fato utilizadas por atores jurídicos para justificar a produção do direito. Pense-se, p.e., no caso de decisões judiciais ou interpretações jurisprudenciais desenvolvidas com base em figuras e construções dogmáticas que, de seu turno, operem com base numa subverção hermenêutica do sentido originário das fontes do direito. Isto é, casos em que o sentido da norma jurídica é descolado do seu conteúdo originário e dogmaticamente interpretado a partir de determinadas condições sociais, culturais, políticas ou econômicas, com uma atualização dogmática do sentido do direito. Em tais situações, a dogmática, não obstante normativamente não-vinculante, está a funcionar, empiricamente, como fonte real da produção do direito, ainda que desenvolva uma hermenêutica incompatível com o sentido originário (das fontes oficiais) do direito positivo.

Como medir a correção de decisões jurídicas que se orientam predominantemente a partir de construções dogmáticas? Como analisar decisões que se formam com base em reflexões teóricas, filosóficas e dogmáticas, mas sem o apoio imediato no sentido originário do direito positivo? Tais questões não podem ser respondidas, sequer pensadas, se se ignora desde o início a função da dogmática como fonte da produção do direito.

V. Inter-, trans- e multidisciplinaridade e o método dogmático

Na segunda parte do livro, Stark dedica-se ao conceito de interdisciplinaridade, que será então diferenciado frente aos conceitos de trans- e multidisciplinaridade. Antes disso, o autor apresenta três modelos relacionados à ideia de trabalho conjunto entre diferentes disciplinas: os modelos holístico, solipsista e integrativista (AS, p. 174).

Baseado numa epistemologia universalista, o modelo holístico orienta-se a partir do topos de uma unidade primordial do mundo, do saber e da ciência. As diferenciações disciplinares das ciências modernas seriam uma construção artificial, de modo que a ideia de autonomia disciplinar se apresenta, para o modelo holístico, como um mito. As disciplinas e subdisciplinas científicas, diferenciadas apenas em superfície, teriam uma origem comum que deveria ser recuperada pela pesquisa teórico-científica.

Em oposição à visão holística, o modelo solipsista representa as disciplinas e subdisciplinas científicas como ilhas isoladas, como linguagens mutuamente incomensuráveis e/ou “culturas” com lógicas internas e racionalidades próprias. Segundo o autor, a abordagem solipsista faz-se presente em duas teses teóricas de grande importância na atualidade - na compreensão dita construtivista da ciência, de um lado, e, do outro, no entendimento teórico-científico de que o “método” de conhecimento de uma dada disciplina antecede e produz ele próprio o “objeto” de estudo da respectiva disciplina; exemplo da primeira seria a teoria dos sistemas de Luhmann; e da segunda, a teoria pura de Kelsen e as atuais perspectivas teórico-científicas de Jestaedt e Reimer30 30 A referência a Philipp Reimer tem em conta especificamente o seu recente livro, resultado do seu trabalho de habilitação, Reimer, Verfahrenstheorie, 2015, p. 94, dedicado a uma análise teorético-científica do direito processual, seus ordenamentos e a ciência do direito processual. . O entendimento teórico-científico da construção do objeto pelo método tem de fato se mostrado relevante nas discussões em torno da dogmática. A sua tese básica, segundo a leitura de Stark, diz o seguinte: o “objeto material” de uma disciplina - o objeto enquanto tal - seria o resultado da combinação interna do seu “método” e do seu “interesse de conhecimento” próprios. Método e interesse de conhecimento cristalizam, por sua vez, aquilo que se entende por “objeto formal” de uma disciplina, de modo que, segundo o olhar solipsista, na visão de Stark, o objeto formal de uma disciplina constituiria também o seu objeto material. Isto significa que diferentes disciplinas - i.e. diferentes combinações entre método e interesse de conhecimento - jamais poderiam compartilhar um mesmo objeto material, sob pena de perderem a sua identidade disciplinar e transformarem-se noutra disciplina. Diferentes métodos e interesses de conhecimento constituiriam sempre diferentes objetos materiais; diferentes disciplinas falariam, portanto, e necessariamente, sempre sobre diferentes objetos. Destarte, toda e qualquer tentativa de diálogo interdisciplinar resultaria, ao fim e ao cabo, em dois monólogos intradisciplinares. A perspectiva solipsista nomeia este fenômeno, na leitura de Stark, incomensurabilidade.

Stark rechaça por completo o modelo holista e aceita parcialmente o solipsista, sugerindo um modelo próprio dito integrativista. Este modelo aceita a importância do método disciplinar, no sentido solipsista, bem como que as diferenciações e especializações disciplinares representam um desenvolvimento positivo do processo de conhecimento científico. Contudo, e aqui mora sua divergência com os solipsistas, isto não conduziria à tese da incomensurabilidade. Segundo o modelo integrativista, o reconhecimento da existência de racionalidades distintas e da ideia de autonomia disciplinar não significaria que o acervo de conhecimentos de determinada disciplina não pode ser integrado no âmbito de outra. Dito de outro modo, a integração de saberes, conhecimentos e esclarecimentos extradisciplinares não necessariamente prejudicaria a autonomia disciplinar. O que a perspectiva integrativista exige, no entanto, é que essa integração ocorra segundo as diretrizes do método e do interesse de conhecimento da própria disciplina - isto seria suficiente para garantir a manutenção da identidade disciplinar (consistente, portanto, na combição própria entre interesse e método de conhecimento), com a realização de trocas que não culminam numa desintegração da racionalidade disciplinar.

Na classificação do autor, o conceito de multidisciplinaridade refere-se ao trabalho conjunto entre diferentes disciplinas em prol de uma pesquisa institucionalizada para a análise temporária de um objeto de pesquisa relevante para todas as disciplinas envolvidas (AS, p. 188). Tal cooperação dar-se-ia em razão desse interesse de conhecimento que cada uma das disciplinas já carrega de antemão, e do trabalho conjunto não resultaria qualquer alteração nas disciplinas envolvidas. A interdisciplinaridade, por sua vez, teria o foco precisamente nessa troca e alteração disciplinar; o processo interdisciplinar seria caracterizado pela inclusão efetiva de conceitos, acervos de saberes, enunciados e esclarecimentos, teorias, modelos, concepções e ideias de outras disciplinas no modo trabalho próprio da disciplina importadora - sem, no entanto, como dito, alterar a sua identidade (e racionalidade/autonomia) disciplinar.

O conceito de transdisciplinaridade, por sua vez, não referiria um modelo ou paradigma teórico-científico, mas sim um postulado político-científico. A ideia aqui dominante é de uma cooperação institucionalizada entre diferentes disciplinas, bem como outras formas de conhecimento prático, com vistas à solução de específicos problemas sociais. Diferente da multi- e da interdisciplinaridade, os limites disciplinares - que sustentam a autonomia disciplinar -, seriam aqui desintegrados, isto é, deixariam de existir, de modo que a transdisciplinaridade harmonizaria com o modelo holístico acima mencionado (AS, p. 198).

Contrastando com os conceitos de multi- e transdisciplianridade, que não teriam muito a contribuir para o trabalho da dogmática, Stark desenvolve um conceito de interdisciplinaridade apto a ser utilizado pelas atividades dogmáticas.

Segundo sua proposta, interdisciplinaridade é um modo de remoção de déficits disciplinares (AS, p. 204). Nos momentos em que as competências disciplinares e os acervos de conhecimento de dada disciplina mostrem-se limitados e insuficientes, o método interdisciplinar seria um meio efetivo para a obtenção das capacidades necessárias para a solução do respectivo problema disciplinar. No que toca o trabalho da dogmática, sobretudo nas situações em que diversas opções interpretativas entram em disputa, e inexistindo uma razão jurídica capaz de solucionar essa disputa, poderiam ser utilizados esclarecimentos de outras disciplinas para se conceber uma razão normativa a favor ou contra uma dada opção. Neste sentido, Stark sugere que as análises e avaliações dogmáticas que fundamentem as suas decisões em esclarecimentos de disciplinas vizinhas - mantendo sempre a salvo as condições necessárias da dogmática (referência às normas do direito positivo e perspectiva do participante) -, deveriam ser consideradas mais racionais do que as avaliações dogmática feitas sem a contribuição de outras ciências, quando necessário.

O problema, contudo, é que o processo de seleção e integração de elementos extra-disciplinares é, como reconhece o próprio Stark, essencialmente contingente e aleatório (zuffalsabhängig, AS, p. 220), não sendo passível de controle teórico abstrato. Seria contingente e aleatória, por exemplo, a decisão disciplinar acerca da necessidade ou não de se fazer referência a uma ciência vizinha - não seria possível determinar teoricamente se o respectivo problema disciplinar necessita de fato da ajuda conceitual de outras disciplinas, ou se ele não poderia ser solucionado antes de modo pragmático com conhecimentos do dia-a-dia. Semelhantemente, seria relativamente aleatório determinar quais conceitos e acervos de saber seriam afinal necessários. Seria, pois, relativamente contingente e aleatória a determinação dos esclarecimentos vizinhos efetivamente relevantes, bem como o interesse de conhecimento disciplinar que indicaria essa relevância. Para Stark, inexiste critério supradisciplinar capaz de determinar a utilidade e relevância de conceitos, esclarecimentos e teorias científica. Além disso, também no âmbito das disciplinas vizinhas haverá posições contraditórias, tornando difícil determinar qual delas será afinal a mais adequada ao problema disciplinar. De um lado, a posição mais conhecida não necessariamente seria a melhor posição (a sua publicidade não garantiria a sua cientificidade); de outro, o “melhor entendimento” no âmbito de uma dada disciplina não necessariamente deveria ser considerado o melhor entendimento no âmbito de outra (AS, p. 230).

Stark alerta, ademais, para o fato de que os processos de integração de conhecimentos provenientes das ciências naturais e sociais, mesmo quando puramente descritivos, podem trazer e trazem de fato para dentro do edifício das ciências do direito elementos e decisões de valoração que alteram a dinâmica e a compreensão normativa da dogmática.

VI. Pontos de conexão interdisciplinar da dogmática jurídica

Na terceira e última parte de seu livro, Stark apresenta um mapeamento dos potenciais para uma dogmática interdisciplinar. Central aí é a identificação dos ditos “pontos de conexão interdisciplinar” (interdisziplinäre Andockstellen), os quais resultariam do trabalho da dogmática com os enunciados e normas do direito positivo (AS, p. 233). Tais pontos funcionam, no modelo de Stark, como pontes de comunicação ou pontos para o encontro conceitual entre a dogmática e as disciplinas vizinhas, possibilitando o acoplamento de diferentes perspectivas, o contraste entre interpretações divergentes e a integração de entendimentos extradogmáticos.

Um específico potencial para a dogmática interdisciplinar poderia ser encontrado na tarefa de análise e formulação de sentido dos “conceitos indeterminados” - conceitos com predicados semânticos vagos - presentes nas normas jurídicas, tarefa que, segundo Stark, figura no centro das atividades da dogmática descritiva. No caso de conceitos indeterminados com origem extrajurídica - econômica, política, ecológica, científica -, haveria uma razão prima facie fundamental para que a dogmática consulte a ciência vizinha responsável por compreender tais conceitos. Assim, por exemplo, se segundo a compreensão especializada da biotecnologia uma determinada planta é considerada “organismo geneticamente modificado”, no sentido da legislação que trata das técnicas de modificação genética de plantas, então este deveria ser também o entendimento dogmático ao trabalhar com a respectiva legislação, independentemente de os cientistas do direito estarem ou não de acordo com o seu conteúdo, e independentemente também de eles entenderem os métodos da biotecnologia (AS, p. 240). A razão da obrigatoriedade prima facie de uma tal consulta residiria não na ideia de uma expansão do conhecimento dogmático pela via interdisciplinar, mas na necessidade de gerar razões normativas extrajurídicas capazes de justificar uma decisão racional acerca da determinação do sentido das normas do direito positivo (AS, p. 261). Um outro potencial interdisciplinar seriam as ditas “cláusulas de referência” (Verweisungsklauseln), quando conceitos presentes no direito positivo fazem referência expressa ao conhecimento e às abordagens de outras disciplinas ou específicas constelações empíricas. Em tais casos de referência expressa, seria exigível, segundo o modelo de Stark, que a justificação da decisão jurídica fosse articulada com o mais alto nível epistêmico possível - entenda-se: de acordo com o conhecimento científico extrajurídico referido pelo direito positivo.

Isto vale, como dito, para a dogmática descritiva. A estrutura básica da dogmática normativa, por sua vez, seria marcada pela compreensão da aplicação do direito como processo de deliberação e fundamentação prática. Stark sustenta como condição suficiente e necessária para garantir a juridicidade das decisões jurídicas que estas não entrem em conflito com “razões jurídicas definidoras”, é dizer, razões jurídicas que, por serem mais fortes, afastam quaisquer outras razões jurídicas. O autor diferencia, no entanto, o critério da juridicidade e o critério da racionalidade das decisões jurídicas. O critério da juridicidade (estar de acordo com razões jurídicas definidoras) determinaria apenas a concordância da decisão jurídica com o direito positivo, mas não a sua racionalidade - ou seja, a juridicidade não garante que uma decisão seja racional. Para tanto seria necessário seguir um mandamento geral de racionalidade (allgemein Rationlitätsgebot), segundo o qual as decisões devem estar acordo não apenas com as melhores razões jurídicas, mas também com as melhores razões extrajurídicas disponíveis. No modelo de Stark, uma decisão jurídica poderá ser considerada racional quando, além de estar de acordo com as razões jurídicas definidoras, responder adequadamente segundo as razões não-jurídicas relativas à respectiva questão jurídica (AS, p. 275). Com isso, o autor afasta e nega as teses da única decisão correta e de uma determinação total da correção do direito. Desde a perspectiva do ator com competência criativa do direito haveria, em diversas constelações empíricas, não apenas uma decisão correta, mas uma série de possibilidades de ação e/ou decisão racional.

Ao final do seu livro, Stark responde a uma série de objeções à proposta de combinação dos métodos interdisciplinar e dogmático (AS, p. 314). Digna de nota é a sua tese de que a interdisciplinaridade e o mandamento de racionalidade que lhe subjaz não seriam conceitualmente antagônicos com as funções tradicionais da dogmática, mais especificamente com as funções de “desencargo prático” (Entlastungsfunktion) e de “estabilização”. O raciocínio de Stark é o seguinte: tais funções pressupõem, de fato, uma compreensão da dogmática como bloco relativamente estável de conhecimento - o saber jurídico par excellence -, uma espécie de síntese de um conhecimento prático historicamente acumulado com a finalidade de facilitar a tomada de decisões no universo jurídico. Em contraste com este entendimento, por assim dizer prático-prudencial da dogmática, a abertura cognitiva para outras disciplinas traria consigo uma tendência a fazer erodir a ideia de permanência e estabilidade, com a dogmática interdisciplinar trabalhando não exatamente com vistas a assegurar a manutenção de um saber prático-normativo estável, mas com vistas a fortalecer antes a racionalidade reflexiva das respostas jurídicas. O que Stark sugere é que essa tensão entre estabilidade e racionalidade é apenas gradual. O primado da estabilidade seria de fato essencial à dogmática prática - e no âmbito desta não haveria sequer que se questionar as funções de desencargo e facilitação da dogmática. Porém, esta exigência seria válida apenas para dogmática que trabalha próxima à situação de decisão concreta, não para a dogmática distanciada dessa situação - a dogmática teórica. A esta seria possível, e mesmo necessário, articular-se sob o primado ou mandamento geral de racionalidade, podendo trabalhar com o método interdisciplinar, ao invés de servir à manutenção de decisões pretéritas (AS, p. 350).

VII. Conclusão: precisamos de mais teoria!

Um dos pontos fortes do livro de Stark é o seu trabalho com a dogmática teórica. Ainda que a ideia de uma dogmática teórica não seja propriamente uma novidade - a diferenciação entre dogmática prática e dogmática teórica pode ser encontrada mutatis mutandis já na obra de Jhering e na diferenciação entre pensamento jurídico inferior e pensamento jurídico superior (Jhering, p. 8 ss.) -, uma tal diferenciação mostra-se hoje particularmente relevante pelo fato de reinar atualmente, mormente na literatura jurídica de língua alemã, uma compreensão da dogmática como disciplina de uso meramente prático sem grande capacidade reflexiva (Gebrauchsdisziplin). A visão dominante faz crer que não toca à dogmática produzir um saber teorético sobre o direito e o direito positivo, mas apenas um saber prático-normativo voltado à solução de casos concretos. Dado este contexto, a relativização da perspectiva do participante, tal qual operada por Stark, cumpre de fato uma contribuição à teoria da dogmática jurídica hodierna e, desta feita, ao fortalecimento do potencial reflexivo da dogmática como disciplina.

A pesquisa de Stark poderia beneficiar-se, no entanto, dos debates conceituais no âmbito da teoria da ciência do direito (Rechtswissenschaftstheorie), que também têm dado atenção ao campo da dogmática (Lepsius e Jestaedt, Rechtswissenschaftstheorie, 2008Jestaedt, M., Perspectiven der Rechtswissenschaftstheorie, in. Jestaedt/Lepsius (Orgs.), Rechtswissenschaftstheorie, Mohr Siebeck, Tübingen, 2008, p. 185-206.). Um dos pontos centrais para a compreensão institucional da ciência do direito no século 21 parece consistir no reconhecimento de que a ciência do direito é uma ciência plural (von Bogdandy, 2011von Bogdandy, A., Deutsche Rechtswissenschaft im europäischen Rechtsraum, JZ, 2011., p. 4 s.). As suas atribuições, funções e valores próprios não podem ser realizados por apenas uma disciplina e/ou apenas um método isolado, isto é, uma única racionalidade disciplinar. Exige-se antes uma pluralidade disciplinar e, por conseguinte, uma multiplicidade metodológica. A pergunta que se coloca, portanto, é saber se a representação deliberativa da dogmática, na proposta de Stark, é capaz de harmonizar-se com uma perspectiva pluralista da ciência do direito e então com o primado da divisão interna das tarefas das ciências do direito - ou se pressupõe, ao invés disto, uma concentração de trabalho no âmbito dogmático, com a representação da dogmática interdisciplinar como uma espécie de superdisciplina que pode fazer tudo sozinha.

O que está fora de dúvida é saber se a dogmática pode afinal combinar-se com o método interdisciplinar; Stark mostrou convincentemente que a dogmática pode operar interdisciplinarmente. O que, contudo, fica também claro é que a interdisciplinaridade, como método, não é capaz de aprimorar sozinha a racionalidade da dogmática - o funcionamento empírico da interdisciplinaridade, reconhece o próprio autor, permanece demasiado contingente e aleatório (AS, p. 220). Não bastasse isto, ela acaba por dar primazia a um modo de trabalho monológico pouco compatível com o próprio “mandamento geral de racionalidade” (AS, p. 121 s.), mormente se se parte de uma visão pluralista de ciência31 31 Para uma visão pluralista da ciência e a ideia de convivência simultânea de diferentes métodos e paradigmas, cfr. Schurz, Koexistenz und Komplementarität rivalisierender Paradigmen, 2014, p. 47-62. . Na representação de Stark, as disciplinas vizinhas são percebidas como acervos de saber que se pode manejar, quando não manipular, sem a necessidade de se compreender os seus pressupostos e as suas racionalidades disciplinares próprias. O perigo que assim se afigura consiste em a interdisciplinaridade ser utilizada não para a ampliação da racionalidade geral da dogmática, mas para a autoconfirmação de decisões e preferências disciplinares já previamente determinadas. Seja como fora, impõe concluir que o livro de Stark oferece uma teoria bem fundamentada da dogmática interdisciplinar, cristalizando, não tanto pelas suas contribuições metódicas quanto pela sua reabilitação da dimensão teorética, um reforço crítico para a ampliação da reflexividade na esfera de conhecimento da dogmática jurídica.

Por fim, o presente texto sugere que a atual discussão em torno do método da dogmática, como exercício de autorreflexão metodológica da ciência do direito, é de importância central também para a ciência do direito brasileira. Impulsionada sobretudo pela difusão global da teoria dos princípios de Alexy - mas também por conta das perspectivas, igualmente difundidas, de Dworkin, de um lado, e Gadamer, do doutro -, uma série de elementos próprios da metodologia jurídica novecentista foi assimilada pela cultura jurídica nacional. Com um apoio nos pressupostos da nova hermenêutica e das teorias da argumentação jurídica, os temas relacionados à interpretação e aplicação judicial do direito ganharam centralidade também no Brasil32 32 Ver e.g. da Silda, Interpretação Constitcional e Sincretismo Metodológico, 2005, p. 115-143; Barroso, Reason Without Vote: The Representative and Majoritarian Function of Constitutional Courts, 2016. . Mesmo entre os trabalhos que tentam se distanciar da perspectiva estritamente prático-normativa, como é o caso de Marcelo Neves, também aí não se encontra a devida reflexão em torno dos métodos da ciência do direito (Neves, 1998)33 33 Embora reconhecendo a importância dos esforços no sentido de ampliar a seriedade metodológica da dogmática brasileira, Neves sugere aí que o problema do déficit reflexivo não reside na ciência do direito, mas nas condições de reprodução do direito (brasileiro). Em diálogo com Luhmann, Neves apresenta a questão do déficit reflexivo como problema da comunicação social entre o direito e a política (e outros sistemas sociais). Ao invés de mirar no método da dogmática, haveria que insistir, segundo Neves, na diferenciação social do direito, o qual, uma vez operativamente diferenciado frente à política e à economia, galgaria - como que naturalmente - uma maior reflexividade sistêmica. Apenas então faria sentido falar em seriedade metodológica da dogmática (ver p. 31-34, 46 e 49). O que o presente texto está a sugerir é precisamente o contrário. De modo pontual: o grau de reflexividade tanto da dogmática quanto da práxis do direito é determinado, predominantemente, pelo tipo de discussão metodológica que se tem no campo da ciência do direito. . O foco permanece na práxis do direito.

Diante disso, parece forçoso reconhecer que a ciência do direito brasileira passa por um momento de déficit reflexivo relativamente à questão do método. Os efeitos disso fazem-se perceptíveis não apenas nas discussões teóricas da ciência do direito, mas também no âmbito prático das decisões dos atores do direito. Pois a questão do método, principalmente no campo do trabalho dogmático, não é puramente acadêmica, como se não gerasse efeitos no mundo da prática. Trata-se, na verdade, de questão que perpassa a totalidade do universo jurídico, mostrando a sua cara também no cotidiano das instituições jurídicas. O que se quer aqui sugerir é que a trivialização da questão do método pode e deve ser vista como uma das causas da atual situação de descontrole na prática do direito nacional; não é segredo que decisões de tribunais superiores têm sido exaradas não tanto para assegurar a competência própria do direito - suas finalidades, funções e interesses próprios -, quanto para fazer valer interesses político-partidários contingentes. Como dito acima, a política é componente constitutivo do direito. Ela requer, no entanto, para ser adequadamente manejada, uma consciência metodológica própria, sob pena de a política do direito ser substituída por vontades político-partidárias de ocasião.

Ainda que não seja dado à ciência do direito controlar a práxis - pois esta tampouco é apenas uma questão de método, é também de competência -, importa perceber que os atores do direito lançam mão dos seus enunciados reflexivos, figuras e construções disciplinares, a fim de operar a produção do direito. A metodologia do século 20 assumiu por corolário ganhar controle normativo sobre a práxis. Os seus modelos práticos fizeram-na, no entanto, ainda mais incontrolável. Talvez esteja na hora de desviarmos o foco (do controle normativo) da práxis e retomarmos a reflexão em torno dos métodos da ciência do direito. Uma práxis que se alimente de uma ciência mais reflexiva há de se tornar, também ela, mais reflexiva.

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  • von Bogdandy, A., Deutsche Rechtswissenschaft im europäischen Rechtsraum, JZ, 2011.
  • Zimmermann, R., Juristische Methodenlehre in Deutschland, in. RabelsZ, 2019.
  • 1
    Alexander Stark, Interdisziplinarität der Rechtsdogmatik, Mohr Siebeck, 2020. A partir daqui, as referências ao livro serão feitas diretamente no corpo do texto com a indicação das iniciais do autor e da respectiva página (p.e.: “AS, p. 1”).
  • 2
    Sobre a metodologia jurídica do século 20, em língua portuguesa, cfr. Castanheira Neves, Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais, 1993Castanheira Neves, A., Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais, Coimbra, 1993..
  • 3
    Sobre as funções da metodologia, cfr. Zimmermann, Juristische Methodenlehre in Deutschland, 2019Zimmermann, R., Juristische Methodenlehre in Deutschland, in. RabelsZ, 2019., p. 256.
  • 4
    Neste sentido, cfr. Schröder, Theoretische und praktisce Jurisprudenz, p. 236-238.
  • 5
    Schröder, Ibidem, p. 233, fala de uma ciência descorporificada, feita in abstracto, cujas operações teoréticas não alcançam o âmbito da práxis, diferenciando-se da arte e da técnica, constituídas estas sim por juízos práticos.
  • 6
    Ver, com uma reconstrução da obra de Heck no contexto da crítica metodológica, Auer, Methodenkritik und Interessenjurisprudenz. Philipp Heck zum 150. Geburtstag, 2008Auer, M., Methodenkritik und Interessenjurisprudenz, in. ZeuP, 2008, p. 517-533., p. 517-533.
  • 7
    A sua crítica é direcionada aí a Puchta, que segundo Heck projetara uma ciência do direito teorética apartada da vida ao assumir como método a ideia de dedução subsuntiva. A recuparação conceitual da “vida”, na obra de Heck, dá-se por meio do conceito de “interesse”, interesse social e da vida social, elementos teleológico da práxis que o método jurídico teria de passar a integrar. A teoria da interpretação de Heck é de tipo subjetiva, voltada à vontade cronstitutiva do ator criador do direito, mas abrindo espaço também para a formação judicial do direito na sua relação com a ciência do direito. como ciência prática, a ciência do direito não teria uma função apenas descritiva, mas também produtiva do direito. A aproximação com a sociologia, inspirada em Jhering, tem em conta o desenvolvimento de um olhar que vê na práxis uma teleologia própria. Cfr. Heck, Gesetzesauslegung und Interessenjurisprudenz, 1914, p. 4 ss.
  • 8
    Sobre o papel da correção normativa na metodologia jurídica, cfr. Möllers, Juristische Methodenlehre, 2017Möllers, T., Juristische Methodenlehre, C.H. Beck, 2017., p. 477 s.
  • 9
    Nas palavras, e.g., de Jestaedt: “A metodologia tradicional é por muitos considerada, não sem razão, desesperantemente sub-complexa no que respeita o seu valor explicativo e orientativo para a obtenção do direito [Rechtsgewinnung]. Com ela, dificilmente pode solucionar-se um caso mais exigente. Ela não fornece nem uma descrição minimamente precisa de como os aplicadores do direito realmente procedem na obtenção do direito - no que toca tanto o momento de conhecimento quanto o de criação do direito -, tampouco uma instrução confiável ou pelo menos útil para os práticos do direito que buscam orientação e ajuda em seus atos.” Jestaedt, Braucht die Wissenschaft vom Öffentlichen Recht eine fachspezifische Wissenschaftstheorie?, p. 25 [tradução livre].
  • 10
    “No contexto da produção, i.e. para a questão sobre como e com que meios o direito deveria ser obtido, as ofertas apresentadas pela metodologia tradicional na forma de métodos de interpretação [Auslegungsmethoden] não desempenham, como se tem dado a impressão, qualquer, ou ao menos qualquer papel digno de nota; delas utiliza-se no contexo de apresentação ou justificação, isto é, apenas post festum, nomeadamente quando se trata de comunicar aos afetados o resultado do direito obtido, e ganhar o seu entendimento e obediência, ou seja: para fins de marketing.” Jestaedt, Ibidem, p. 26 [tradução livre].
  • 11
    A expressão mos germanicus é de AlexanderSomek, Wissen des Rechts, 2018Somek, A., Wissen des Rechts, Mohr Siebeck, 2018, p. 1, nota 2, utilizada para diferenciar, no espírito da jurisprudência humanista, o método da cultura jurídica germânica, considerada a partir do legado oitocentista, frente a outras expressões do humanismo jurídico, nomeadamente mos gallicus e mos italicus.
  • 12
    Para uma discussão atual no Brasil sobre a dogmática, cfr. Rodrigo Rodriguez/Batalha da Silva e Costa/Rodrigues Barbosa, Formalismo, Dogmática Jurídica e Estado de Direito, 2010.
  • 13
    Para uma reconstrução da dogmática alemã a partir do séc. 19 como pensamento jurídico prático (praktische Jurisprudenz), cfr. Bumke, Rechtsdogmatik, p. 16-21. Para um aprofundamento histórico, cfr. Schröder, Wissenschaftstheorie und Lehre der “praktischen Jurisprudenz“ auf deutschen Universität an der Wende zum 19. Jahrhundert, 1976, p. 4 ss.
  • 14
    Cfr. a proposta de Rodrigo Rodriguez, Dogmática Jurídica: Crise ou Transformação?, p. 103 s., com uma crítica ao excesso de formalismo que se demanda, segundo o autor, da dogmática. Mediada pela teoria do direito, a dogmática poderia trabalhar, sugere o autor, sem as premissas clássicas da tradição pandectística, das quais ainda hoje far-se-ia dependente (p. 104).
  • 15
    Para uma reconstrução dos primeiros contatos da ciência do direito brasileira com a ciência do direito alemã, cfr. Borrmann, Tobias Barreto, Sílvio Romero und die Deutschen. Die Rezeption deutschsprachiger Autoren in der brasilianischen Rechtskultur (1869-1889), 2019. Ver também Losano, Un giurista tropicale. Tobias Barreto fra Brasile reale e Germania ideale, 2000Losano, M., Un giurista tropicale. Tobias Barreto fra Brasile reale e Germania ideale, Laterza, 2000..
  • 16
    Ver por todos Miranda Coutinho, Dogmática crítica e limites lingüísticos da lei, 2005Miranda Coutinho, J.N., Dogmática crítica e limites lingüísticos da lei, in. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica - Crítica à dogmática, n. 3, Porto Alegre, IHJ, 2005., p. 37 ff.; Streck, Hermenêutica e Ensino Jurídico em terrae brasilis, 2007Streck, L.L., Hermenêutica e Ensino Jurídico em terrae brasilis, in. Revista da Faculdade de Direito, UFPR, V. 46, 2007., p. 27 ss.
  • 17
    Cfr. Fachin, Pressupostos hermenêuticos para o contemporâneo Direito Civil brasileiro: elementos para uma reflexão crítica, 2012. Para uma crítica: Reis, Dogmática e incerteza normativa: crítica ao substancialismo jurídico do direito civil-constitucional, 2017.
  • 18
    Ver e.g. Vick, A Dogmática em Debate: Franz Neumann e as Possibilidades Emancipatórias no Método Jurídico, 2021, p. 1014-1032.
  • 19
    Sobre as implicações no âmbito da prática jurídica, cfr. Neves, Relatório Brasileiro. Uso e Abuso de Princípios: da Doutrina à Prática Jurídico-Constitucional Brasileira, 2017, S. 589 ff. Neves fala aí, relativamente à jurisprudência do STF, de um uso personalista dos princípios que culmina numa lógica decisória que abandona a função binária do direito (jurídico/antijurídico), para funcionar de acordo com a função política governo/oposição (p. 588). Sobre esta lógica concorrer para a desestabilização da ordem constitucional brasileira, cfr. Meyer, Judges and Courts Destabilizing Constitutionalism: The Brazilian Judiciary Branch’s Political and Authoritarian Character, 2018, p. 727-768, com a correlação aí entre o modelo metodológico da teoria dos princípios de Alexy e a politização da jurisprudência (p. 746 s.).
  • 20
    Ver e.g.Rüthers, Rechtsdogmatik und Rechtspolitik unter dem Einfluß des Richterrechts, 2003Rüthers, B., Rechtsdogmatik und Rechtspolitik unter dem Einfluß des Richterrechts, in. Rechtspolitisches Forum, Nr. 15, 2003., p. 2-39, em que se falará de uma “erosão da dogmática pela via do direito judicial” (p. 30-36).
  • 21
    Sobre o conceito de “tercialidade”, utilizado embora noutro contexto, cfr. Aroso Linhares, Phronêsis und Tertialität. Die Behandlung des Neuen als Kern des «geworfenen Entwurfs» des Rechts, 2013, p. 37-56. Também dele, O projectar do mundo prático do direito enquanto prática de comparação-tribuere, 2014, p. 309-326.
  • 22
    Como exemplo desse olhar binário, Stark menciona um importante trabalho de Lepsius, Kritik der Dogmatik, 2012Lepsius, O., Kritik der Dogmatik, in. Kirchhof/Magen/Schneider (Orgs.), Was weiß Dogmatik?, Mohr Siebeck, Tübingen, 2012., p. 60, segundo o qual, de fato, contribuições dogmáticas e interdisciplinares seriam metodicamente incompatíveis.
  • 23
    O conceito utilizado pela tradição kelseniana para referir os enunciados da ciência do direito é o conceito de Rechtsaussagesatz, que traduz a ideia de enunciados sobre os enunciados do direito (Rechtssatz). Stark chama aí atenção para o fato de a tradição kelseniana iluminar apenas a dimensão descritiva dos trabalhos enunciativos da ciência do direito, escapando-lhe outras facetas enunciativas da dogmática. (“Rechtsdogmatische Argumentationen sind oftmals Bündel verschiedener Satzarten.”, p. 39). Stark sublinha, ademais, algo deveras relevante, a saber, a ausência, na obra de Kelsen, de uma verdadeira teoria da dogmática jurídica (p. 3).
  • 24
    Trata-se aí de tema referente à discussão acerca da determinação do objeto próprio da dogmática como disciplina e/ou ciência. A ideia de que esta deve se guiar a partir dos enunciados do direito positivo, e já não imediatamente desde o resultado reflexivo de outras disciplinas, pode ser encontrado nos trabalhos de Jestaedt no âmbito da teoria da ciência do direito (Rechtswissenschaftstheorie), cfr. Jestaedt, Perspectiven der Rechtswissenschaftstheorie, 2008, p. 192 ss., com a demanda aí de uma adequação do método disciplinar ao seu objeto próprio (Gegenstandsadäquanz); no campo da interpretação significa que “como eu interpreto, depende do que eu interpreto” (“Wie ich etwas auslege, hängt davon ab, was ich auslege.”), Jestaedt, Wie das Rechts, so die Auslegung, cit., p. 147. Para uma crítica à ideia de adequação ao objeto: Vesting, Gegenstandsadäquate Rechtsgewinnung?, 2001Vesting, T., Gegenstandsadäquate Rechtsgewinnung?, in. Der Staat, 41, 2001, p. 73-97., p. 73-97.
  • 25
    Para uma representação da dogmática como disciplina para o uso prática (Gebrauchsdisziplin/Gebrauchswissenschaft), cfr. Jestaedt, Wissenschaftliches Recht, 2012, p. 121. Lepsius, Kritik der Dogmatik, cit. p. 60, fala de uma perda de cientificidade (poderíamos dizer: reflexividade) da dogmática, por conta dessa sua orientação para a aplicação prática.
  • 26
    Trata-se aí do núcleo da sua tese, a saber, o desenvolvimento conceitual de uma dogmática que não seja meramente descritiva, que possa antes trabalhar, tendo por base uma estrutra metodológica própria, também de modo normativo, articulando enunciados prescritivos e avaliativos sobre a produção dos enunciados e das normas do direito.
  • 27
    Essa diferenciação encontra-se na tese de Adolf Julius Merkl, aluno de Kelsen, que representa os processos de produção (e de “destruição”) do direito moderno a partir da imagem de uma dupla face do direito (doppelte Rechtsantlitz). Merkl, Das doppelte Rechtsantitz. Eine Betrachtung aus der Erkenntnistheorie des Rechts (1918), p. 227/252 (p. 232). Todo ato jurídico é a um só tempo aplicação do direito pretérico e criação de novo direito. Essa alternância mútua entre conhecimento e produção do direito marca todos os níveis (escalões) da dinâmica do direito, os processo da sua obtenção concreta, sendo operada por qualquer um(a) a quem a ordem jurídica tenha concedido competência normativa, legisladores, administradores, juizes e/ou pessoas privadas. Ver também: Kelsen, Reine Rechtslehre, 1934, p. 83 ss. Atualmente: Jestaedt, Grundrechtsentfaltung im Gesetz, 1999, p. 318; Elsner, Das Ermessen im Lichte der Reinen Rechtslehre, 2011Elsner, T., Das Ermessen im Lichte der Reinen Rechtslehre, Duncker & Humblot, Berlin, 2011., p. 121 ss. Ver também: Cadore, Alternativermächtigung vs. Fehlerkalkül, 2018Cadore, R.G., Alternativermächtigung vs. Fehlerkalkül, in. Jestaedt/Poscher/Kammerhofer, Die Reine Rechtslehre auf dem Prüfstand, Franz Steiner Verlag, 2018., p. 177-201.
  • 28
    Sobre a presença da política jurídica no âmbito da interpretação e da hermenêutica jurídica, cfr. Engel, Rationale Rechtspolitik und ihre Grenzen, 2005Engel, C., Rationale Rechtspolitik und ihre Grenzen, in. JZ, Mohr Siebeck, 2005., p. 581-590 (p. 589).
  • 29
    Stark tem em mira aí a conhecida tese de Puchta, para quem, no contexto das ciências do direito do século 19 e tendo em vista a ideia de um direito científico, a ciência do direito seria, ao lado da lei e do direito costumeiro, verdadeira “fonte do direito”. Stark cita (p. 101) o seguinte trabalho de G.F. Puchta, Vorlesungen über das heutige römische Recht, Bd. 1, 6. Aufl., 1873, p. 42 [«Sie ist selbst eine Rechtsquelle, neben das Gewohnheitsrecht und das gesetzliche Recht tritt ein Recht der Wissenschaft.»]. Atualmente tem se dedicado ao tema Schönberger, Der „German Approach“. Die deutsche Staatsrechtslehre im Wissenschaftsvergleich, 2015 Schönberger, C., Der „German Approach“, Mohr Siebeck, 2015. , p. 47 s., que representa a tese de Puchta como parte do romantismo jurídico alemão oitocentista, que no entanto não teria hoje qualquer chance (“It’s really over”). De outro lado, apresentando-se como um representante contemporâneo do romantismo mos gemanicus, Somek, Wissen des Rechts, cit. p. 42 ss., defende a posição de uma ciência do direito como fonte do direito.
  • 30
    A referência a Philipp Reimer tem em conta especificamente o seu recente livro, resultado do seu trabalho de habilitação, Reimer, Verfahrenstheorie, 2015, p. 94, dedicado a uma análise teorético-científica do direito processual, seus ordenamentos e a ciência do direito processual.
  • 31
    Para uma visão pluralista da ciência e a ideia de convivência simultânea de diferentes métodos e paradigmas, cfr. Schurz, Koexistenz und Komplementarität rivalisierender Paradigmen, 2014Schurz, G., Koexistenz und Komplementarität rivalisierender Paradigmen, in. Kornmesser/Schurz (Orgs.), Die multiparadigmatische Struktur der Wissenschaften, Springer VS, 2014, p. 47-62., p. 47-62.
  • 32
    Ver e.g. da Silda, Interpretação Constitcional e Sincretismo Metodológico, 2005, p. 115-143; Barroso, Reason Without Vote: The Representative and Majoritarian Function of Constitutional Courts, 2016.
  • 33
    Embora reconhecendo a importância dos esforços no sentido de ampliar a seriedade metodológica da dogmática brasileira, Neves sugere aí que o problema do déficit reflexivo não reside na ciência do direito, mas nas condições de reprodução do direito (brasileiro). Em diálogo com Luhmann, Neves apresenta a questão do déficit reflexivo como problema da comunicação social entre o direito e a política (e outros sistemas sociais). Ao invés de mirar no método da dogmática, haveria que insistir, segundo Neves, na diferenciação social do direito, o qual, uma vez operativamente diferenciado frente à política e à economia, galgaria - como que naturalmente - uma maior reflexividade sistêmica. Apenas então faria sentido falar em seriedade metodológica da dogmática (ver p. 31-34, 46 e 49). O que o presente texto está a sugerir é precisamente o contrário. De modo pontual: o grau de reflexividade tanto da dogmática quanto da práxis do direito é determinado, predominantemente, pelo tipo de discussão metodológica que se tem no campo da ciência do direito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2022
  • Aceito
    23 Nov 2022
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