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O diagnóstico falso positivo para HIV e a (des)proteção dos direitos da personalidade da parturiente nos serviços de saúde brasileiros: uma análise jurisprudencial

The (un)protection of personality rights pregnant person in view of a result false positive to HIV in the Brazilian health services: an analyse of the jurisprudence

Resumo

O estudo busca avaliar as jurisprudências dos principais tribunais de justiça do Brasil sobre responsabilidade civil em saúde pelo diagnóstico falso positivo em testes rápidos do vírus da Imunodeficiência Humana (conhecido pela sigla em inglês HIV) no processo de parturição e a consequente aplicação dos medicamentos e procedimentos necessários para evitar a transmissão vertical. O problema que orienta o estudo pode ser sintetizado nas seguintes perguntas: em que medida o resultado falso positivo em testes rápidos de HIV no momento do parto e a aplicação do protocolo de não transmissão retroviral vertical nessa ocasião podem ou não gerar responsabilidade civil? A consequente aplicação dos protocolos clínicos de não transmissão retroviral configura hipótese de erro médico ou representa uma situação de violência obstétrica? Com base nos dados levantados a partir de um conjunto de acórdãos a respeito do assunto, torna-se possível afirmar que o diagnóstico falso positivo de HIV impacta significativamente a experiência da parturiente em virtude da ocorrência do erro médico e/ou da violência obstétrica e por consequência a violação dos seus direitos reprodutivos. O objetivo geral do texto consiste em avaliar como o protocolo retroviral de HIV com diagnóstico falso positivo impacta os direitos reprodutivos da parturiente. Os objetivos específicos do texto, que se refletem na sua estrutura em três seções, são: a) avaliar, a partir do estudo já realizados no âmbito do Direito, se o diagnóstico falso positivo de HIV atinge os direitos da personalidade da parturiente e se é capaz de gerar responsabilidade civil do profissional da saúde; b) investigar, por meio dos acórdãos analisados, como configura-se o erro médico, hospitalar ou laboratorial nos diagnósticos de falso positivo e a violência obstétrica relacionados ao HIV, além da análise do quantum indenizatório arbitrado para as hipóteses de procedência; c) analisar os resultados obtidos por meio das jurisprudências levantadas como se dá a incidência da responsabilidade civil aos envolvidos na testagem falso positivo de HIV. O método de pesquisa foi o hipotético-dedutivo, mediante do emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-chave:
Direitos da personalidade; Erro médico; Responsabilidade civil; Testes rápidos de HIV; Violência obstétrica

Abstract

The study seeks to evaluate the jurisprudence of the main courts of justice in Brazil on civil liability in health by false positive diagnosis in rapid tests of human immunodeficiency virus (known by the acronym HIV) in the process of parturition and the consequent application of the drugs and procedures necessary to avoid vertical transmission. The problem that guides the study can be summarized in the following questions: to what extent can the false positive result in rapid HIV tests at the time of delivery and the application of the protocol of vertical retroviral transmission on this occasion generate civil liability? Does the consequent application of clinical protocols of retroviral non-transmission constitute a hypothesis of medical error or does it represent a situation of obstetric violence? Based on the data collected from a set of judgments on the subject, it is possible to affirm that the false hiv positive result significantly impacts the experience of the parturient due to the occurrence of medical error and/or obstetric violence and consequently the violation of her reproductive rights. The general objective of the text is to evaluate how the retroviral HIV protocol with false positive result impacts the reproductive rights of the parturient. The specific objectives of the text, which are reflected in its structure in three sections, are: a) to evaluate, from the study already carried out in the scope of law, whether the false positive result of HIV affects the personality rights of the parturient and whether it is capable of generating civil liability of the health professional; b) investigate, through the judgments analyzed, how the medical, hospital or laboratory error is configured in the results of false positive and obstetric violence related to HIV, in addition to the analysis of the quantum indemnity arbitrated for the hypotheses of origin; c) to analyze the results obtained through the jurisprudence raised how the incidence of civil liability is given to those involved in false HIV-positive testing. The research method was the hypothetical-deductive, through the use of bibliographic and documentary research technique.

Keywords:
Personality rights; Medical error; Civil responsability; Rapid HIV tests; Obstetric violence

1. Introdução

O presente estudo busca realizar uma análise jurisprudencial da responsabilidade civil em saúde pelo diagnóstico falso positivo1 1 Expressão constante nas jurisprudências encontradas. em testes rápidos do vírus da Imunodeficiência Humana (conhecido pela sigla em inglês HIV) no processo de parturição e a consequente aplicação dos medicamentos e procedimentos necessários para evitar a transmissão vertical.

O estudo tem relevância, pois apesar de atualmente ser baixa a probabilidade de um diagnóstico falso positivo no teste rápido de HIV, os protocolos clínicos recomendados para evitar a transmissão vertical do vírus incluem ausência de amamentação nas primeiras horas de vida da criança, indicação de parto cesáreo, enfaixamento das mamas e aplicação de medicamentos antivirais, condutas que geram danos psicofísicos na mãe e na criança, caso aplicadas indevidamente. Ademais, foram identificados diversos acórdãos tratando da temática, com resultados distintos, o que demonstra a emergência de discussão da questão.

O problema que orienta o estudo pode ser sintetizado na seguinte pergunta: em que medida o diagnóstico falso positivo em testes rápidos de HIV no momento do parto e a aplicação do protocolo de não transmissão retroviral vertical nessa ocasião podem ou não gerar responsabilidade civil? A consequente aplicação dos protocolos clínicos de não transmissão retroviral configura hipótese de erro médico ou representa uma situação de violência obstétrica?

Como hipótese inicial, levando-se em conta os dados levantados a partir de um conjunto de acórdãos dos principais tribunais de justiça, refletidas na bibliografia que dá sustentação ao presente estudo, torna-se possível afirmar que no caso de constatação no momento do parto do diagnóstico falso positivo de HIV, impacta significativamente danos a parturiente, que poderão ser configurados como mero erro médico, hospitalar ou laboratorial ou será qualificado como violência obstétrica.

Como objetivo geral, a pesquisa busca avaliar como o diagnóstico falso positivo de HIV no momento do parto e a aplicação do protocolo de não transmissão retroviral vertical nessa ocasião podem ou não gerar responsabilidade civil, e, em caso afirmativo, se isso configura mero erro médico, hospitalar ou laboratorial ou se induz à violência obstétrica; bem como a análise do quantum indenizatório arbitrado para as hipóteses de procedência. Para dar concretude ao objetivo geral, os objetivos específicos do texto, que se refletem na sua estrutura em três seções, são: a) avaliar, a partir de estudos já realizados no âmbito do Direito e da Saúde, como funcionam os testes rápidos e protocolos clínicos para detecção do HIV. Além disso, também será avaliado os direitos da personalidade da parturiente e a configuração da violência obstétrica, bem como o instituto da responsabilidade civil em saúde; b) investigar por meio da análise jurisprudencial como os principais tribunais de justiça do país configuram o diagnóstico falso positivo de HIV à parturiente; c) analisar os resultados obtidos por meio das jurisprudências levantadas dos principais tribunais de justiça como se dá a incidência da responsabilidade civil aos envolvidos na testagem falso positivo de HIV.

O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental. Buscou-se materiais recentes sobre a temática “testes rápidos para HIV”, nas plataformas de pesquisa de artigos do Google Scholar e PubMed, nos idiomas português e inglês e no material elaborado pelo Ministério da Saúde; bem como sobre os temas “responsabilidade civil médica”, “violência obstétrica”, “erro médico” e “direitos da personalidade”, a fim de buscar materiais para a fundamentação teórica do estudo.

Além disso, foi utilizada a técnica da análise documental, cujos documentos examinados foram as ementas e acórdãos dos tribunais de justiça estaduais, federais, bem como do Superior Tribunal de Justiça.

Para tanto, no mês de junho de 2021, foi realizada uma pesquisa no banco de jurisprudências do sítio eletrônico LEX MAGISTER2 2 Disponível em: https://www.lex.com.br/. Nota dos autores: o sítio eletrônico possui um banco de jurisprudência acessível para assinantes. , onde se digitaram os descritores “parto” e “AIDS”, selecionando-se o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, todos os Tribunais Regionais Federais, bem como todos os Tribunais de Justiça Estaduais e as Turmas Recursais. Não foram assinalados os tribunais que tratam de matéria trabalhista, eleitoral e militar devido ao afastamento dessas matérias específicas com o tema proposto. Diante disso, foram encontrados 17 resultados.

Foram utilizados como critérios de inclusão apenas casos que tratassem do objeto da pesquisa, ou seja, de aplicação de teste rápido de HIV, com diagnóstico falso positivo e aplicação dos protocolos para a doença no momento do parto. Assim, foram excluídos da análise acórdãos que não tangenciassem a temática (n=1); que não fossem especificamente no momento do parto (n=1); ou que, embora fossem, tivessem aparecido em duplicidade (n=1) (mesmo tribunal, órgão julgador, relator e mesmo resultado, ainda que processos distintos) e casos muito antigos (n=1) (publicados há mais de 10 anos) e ainda, os casos em que realmente houve a transmissão vertical (n=4). Aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 9 (nove) resultados.

Ademais, como não encontrados resultados do Superior Tribunal de Justiça no LEXMAGISTER, também foi consultado o sítio eletrônico dessa Corte e na aba “jurisprudência” digitaram-se as palavras “parto” e “HIV”, sendo encontrados 04 acórdãos, contudo, um deles foi excluído, pois se tratava de transfusão de sangue contaminado com o HIV no parto e 02 (dois) deles se tratavam de inadmissibilidade por violar a súmula 07 do STJ, não havendo análise do mérito pelo Superior Tribunal de Justiça. Logo, apenas 01 (um) acórdão do STJ foi incluído na pesquisa.

Portanto, a amostra é composta por 10 (dez) ementas de julgados em segundo grau ordinário e em grau extraordinário acerca da temática do artigo. Após, as ementas foram lidas e classificadas conforme o resultado dos julgados em uma tabela no programa Microsoft Word 365, de acordo com os seguintes critérios: tribunal, órgão julgador, resultado, quantum indenizatório e data do julgamento, desenhando-se os resultados da pesquisa. Foram consultados os inteiros teores dos acórdãos e os resultados foram discutidos buscando-se a confirmação ou o falseamento da hipótese aventada, oportunidade em que se pôde retirar as conclusões da pesquisa.

2. Referencial teórico

2.1 Vírus da imunodeficiência humana (HIV): Testes rápidos e protocolos clínicos

A AIDS é a doença causada pelo vírus da imunodeficiência humana (conhecido pela sigla em inglês HIV), sendo este um retrovírus classificado na subfamília dos Lentiviridae, que ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças, atingindo principalmente os linfócitos T CD4+, alterando a cadeia do ácido desoxirribonucleico (DNA) dessa célula, quando consegue se replicar. Após se multiplicar, rompe os linfócitos para continuar a infecção (BRASIL, s.d.a, s.p.).

Esse vírus possui um longo período de incubação antes do surgimento dos sintomas da doença, infecciona as células do sangue e do sistema nervoso e suprime o sistema imune. O contágio pode ocorrer devido à prática de relações sexuais sem o uso de preservativo; com uso de seringas por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado; transmissão vertical (da mãe contaminada para seu filho durante a gravidez, parto e amamentação) e instrumentos perfurocortantes não esterilizados (BRASIL, s.d.a., s.p.).

Na década de 1980, nos Estados Unidos, surgiram alguns casos nos hospitais de São Francisco e Nova Iorque, com sarcoma de Kaposi, pneumonia por Pneumocystis carinii e comprometimento do sistema imune. Esses casos tinham em comum a incidência em homens que praticavam sexo com outros homens e usuários de drogas ilícitas injetáveis. Somente no ano de 1983, o agente etiológico foi identificado como sendo um retrovírus humano, atualmente denominado vírus da imunodeficiência humana (HIV). Contudo, não há consenso sobre a data das primeiras transmissões, mas provavelmente tenham acontecido por volta de 1930, tendo sido encontrados alguns casos nas décadas seguintes na África Central (AGETEC, 2020, s.p.).

No Brasil, em 1985 houve a criação da Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS (CN DST/AIDS) para gerir a política de combate à epidemia de HIV. O teste denominado ELISA (enzymelinkedimmunosorbentadsorption) foi comercializado no Brasil e utilizado logo após seu anúncio nos EUA e na Europa para o teste de casos suspeitos, diagnóstico das formas de infecção (dentre elas a AIDS) e a verificação da prevalência da infecção em diferentes grupos populacionais. Apenas em 1987, a testagem dos doadores de sangue se tornou obrigatória no país, após iniciativa tomada pelo estado de São Paulo. Em seguida, a testagem passou a ser obrigatória em outras doações como medula óssea, órgãos sólidos e sêmen (FERREIRA JR.; MOTTA, 2015, p. 21-22).

De 1987 a 1989, foram criados nacionalmente os Centros de Orientação de Apoio Sorológicos (COAS), que passaram a ser denominados de Centro de Testagem e Aconselhamento, que ofertavam a possibilidade de indivíduos realizarem a testagem para HIV gratuita, confidencial e anonimamente, mas ainda não havia um protocolo/fluxograma recomendando como seriam realizados os testes. Em 1989, houve a publicação das primeiras recomendações para diagnóstico de HIV nos Estados Unidos, recomendando-se que após o teste ELISA, se realizasse um ensaio suplementar ou confirmatório, o que passou a ser seguido pela maioria dos laboratórios brasileiros. A partir de 1995, surgiram os primeiros casos de erros nos testes de HIV, que na triagem se apresentavam falso-positivo, mas não eram corroborados pelos testes confirmatórios, o que levou a diversas ações judiciais contra laboratórios públicos e privados e em condenações por dano moral e material (FERREIRA JR., MOTTA, 2015, p. 22-23).

Então, em junho de 1998, foi editada pelo Ministério da Saúde a Portaria nº 488/1998, que regulou o processo de diagnóstico de infecção pelo HIV, mediante fluxograma de testes sequenciais, havendo obrigatoriedade de uso de dois testes na triagem da primeira etapa. Em 2003, houve a edição da Portaria n.º 59/2003 do Ministério da Saúde, que alterou o fluxograma, gerando redução de custos na realização do diagnóstico da infecção pelo HIV (o que se deve à exclusão de um dos testes da etapa I), sem alterar o rigor técnico (RIBEIRO, 2012RIBEIRO, Rosangela Maria Magalhães et al. Avaliação da implantação da Portaria 151 para o diagnóstico da infecção pelo HIV no Brasil. 2012. Tese de Doutorado. Disponível em:https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/23376/1/rosangela_maria_magalh%c3%a3es_ribeiro_ensp_mest_2012.pdf. Acesso em: 15 mar. 2022.
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/ic...
, p. 24).

Além disso, na virada do milênio surgiram os testes rápidos para HIV, que começaram a ser implantados no Brasil em 2001, a partir de publicação sobre recomendações para a profilaxia da transmissão materno infantil do HIV. Então, recomendou-se a aplicação de um único teste rápido em gestantes no terceiro trimestre da gestação ou havendo indicação clínica para reavaliação de diagnóstico anterior. Além disso, foi editada a Portaria n° 34/2005, do Ministério da Saúde, que regulamentou o uso de testes rápidos sem a necessidade de testes adicionais (BRASIL, 2005, s.p.).

Em 2009, por meio da Portaria 151/2009 do Ministério da Saúde, foram publicados novos fluxogramas para diagnósticos de HIV, e, com isto, flexibilizou-se a incorporação de novas metodologias, reduziram-se etapas, aumentando-se a capacidade de atendimento dos serviços de saúde e houve redução de tempo para a divulgação dos resultados (BRASIL, 2009, s.p).

Em 2013, foi publicada uma nova portaria pelo Ministério da Saúde (29/2013), aprovando a utilização do “Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV”, com a descrição de cinco fluxogramas para diagnóstico: dois utilizando testes rápidos e três em testes laboratoriais. O manual foi revisado em 2014, adicionando-se um novo fluxograma. Com isto, o Brasil atingiu nível de excelência comparável ao realizado em países economicamente mais desenvolvidos (FERREIRA JR., MOTTA, 2015, p. 26).

Atualmente, os testes rápidos detectam os anticorpos contra o HIV em cerca de 30 minutos são realizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nas unidades de rede pública ou centros de testagem e aconselhamento (CTA). Salienta-se que para a detecção do HIV é necessário aguardar pelo menos trinta dias após a exposição à situação de risco, pois esse período corresponde à janela imunológica, que pode ou não apresentar os anticorpos contra o vírus (BRASIL, s.d.b, s.p.).

Os testes rápidos, ainda que sejam dispositivos de uso simplificado, devem ser executados seguindo rigorosamente as normas estabelecidas para que os resultados sejam confiáveis. Assim, o profissional deve ser bem treinado para evitar erros de execução destes testes e assegurar a qualidade dos resultados, seguindo sempre o disposto nas bulas. Os resultados podem ser reagentes para quem apresenta uma infecção (aparecem duas linhas coloridas, uma na área de teste e outra na área de controle), não reagentes para quando uma pessoa não tem infecção (só aparece uma linha colorida na área controle e nenhuma linha na área de teste) ou inválido (nenhuma linha aparece no teste) (PARUCKER; FRANZ et al, 2017PARUCKER, Lucy Maria Bez (coord.); FRANZ, Helena Cristina Ferreira et al. Infecções Sexualmente Transmissíveis: cuidados na execução de testes rápidos. Florianópolis: ACL/UFSC, 2017, 24p., módulo I, ISBN: 978-85-45535-02-7. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/o-que-e-hiv/diagnostico-do-hiv. Acesso em: 16. jun. 2021.
http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-ger...
, p. 13-14).

Os resultados inconsistentes podem ser falsos-não-reagentes (quando a pessoa tem uma infecção e o resultado não é reagente) ou ao contrário, falsos-reagentes (a pessoa não tem infecção, mas o resultado é reagente). Estes resultados podem decorrer de diversas situações, como erro na execução do teste, condições de armazenamento do kit, peculiaridades da pessoa testada como outras infeções ou imunizações recentes. Contudo, eles devem ocorrer apenas em casos excepcionais, cujos resultados fogem do controle do operador. Dentre os fatores que podem gerar um diagnóstico falso positivo está a gravidez, sendo muito comum esse tipo de relação, embora não existam evidências suficientes para apontar as causas dessa relação (PARUCKER; FRANZ et al, 2017PARUCKER, Lucy Maria Bez (coord.); FRANZ, Helena Cristina Ferreira et al. Infecções Sexualmente Transmissíveis: cuidados na execução de testes rápidos. Florianópolis: ACL/UFSC, 2017, 24p., módulo I, ISBN: 978-85-45535-02-7. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/o-que-e-hiv/diagnostico-do-hiv. Acesso em: 16. jun. 2021.
http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-ger...
, p. 14-16).

Os testes possuem níveis de sensibilidade, que definem a proporção de pessoas com infecção que apresentam resultado reagente (ou seja, positivo para infecção e positivo para o reagente); e de especificidade, que é a proporção de pessoas que não tem infecção e apresentam resultado não reagente (negativo para infecção e negativo para o reagente). Assim, para um teste ser considerado bom, ele deve apresentar altas proporções de sensibilidade e especificidade. Outro conceito acerca dos testes é valor preditivo, que se trata da possibilidade de um teste ser verdadeiro (PARUCKER; FRANZ et al, 2017PARUCKER, Lucy Maria Bez (coord.); FRANZ, Helena Cristina Ferreira et al. Infecções Sexualmente Transmissíveis: cuidados na execução de testes rápidos. Florianópolis: ACL/UFSC, 2017, 24p., módulo I, ISBN: 978-85-45535-02-7. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/o-que-e-hiv/diagnostico-do-hiv. Acesso em: 16. jun. 2021.
http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-ger...
, p. 19-21).

Em uma pesquisa realizada em um serviço de atenção primária do setor público na Cidade do Cabo, na África do Sul, entre 2013 e 2014, examinou-se o diagnóstico incorreto de HIV falso positivo em uma coorte de mulheres grávidas atendidas no pré-natal, em que foram aplicados dois testes rápidos de anticorpos de HIV de terceira geração, quais sejam: o SD Bioline HIV-1/2 (Standard Diagnistics, Kyonggi-do, Coreia do Sul) para triagem e o Alere Determine HIV ½ (Alere, Waltham, MA, EUA) para confirmação. Foram consideradas verdadeiramente infectadas todas as mulheres que relataram testes rápidos positivo e virêmicas; e não infectadas as que tinham resultados negativos e permaneceram negativos após o teste HIV ELISA de quarta geração (Ezygnost HIV Integral4, Siemens, Marburg, Alemanha). A análise incluiu 952 mulheres grávidas inscritas que foram diagnosticadas com HIV com base nos algorítimos de testes rápidos e que relataram não utilizar terapia antirretroviral (ART) atualmente, com idade gestacional de 21 semanas. A pesquisa resultou na taxa 0,3% (3 pessoas) de diagnósticos baseados em dois testes rápidos. Essa taxa foi relativamente baixa em comparação com pesquisas anteriores realizadas na África, em que foram constatados níveis de 10% de diagnósticos falsos positivos (HSIAO et al, 2017HSIAO, Nei-Yuan; ZERBE, Alisson; PHILLIPS Tamsin K; MYER, Landon; ABRAMS, Elaine J.. Misdiagnosed HIV infection in pregnant women initiating universal ART in South Africa. J Int AIDS Soc., v. 20, n. suplementar 6, ago./2017. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.7448/IAS.20.7.21758. Acesso em: 16. Jun. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full...
, p. 57-60).

Em revisão sistemática acerca do tema, realizada em artigos publicados entre 01 de janeiro de 1990 e 19 de abril de 2017, em que foram selecionados 64 artigos para revisão, relatando diagnósticos incorretos de HIV e fatores correlatos, no qual 48 estudos teriam sido realizados na África, 7 nas Américas e 1 na Europa, bem como 4 estudos em multipaíses ou regionais, constataram-se os seguintes motivos potencialmente relacionados aos erros de diagnósticos: a estratégia ou algoritmo de teste incorreto/subótimo (nº de estudos = 37), erro do usuário (nº = 25), gestão e supervisão pobres ou inadequadas (nº = 21), outros fatores (nº = 18), erros administrativos/técnicos (nº = 16) e resultados reativos fracos (nº = 14). Os diagnósticos falsos positivos apareceram em 30 estudos (43 relatórios), em taxa pequena de diagnóstico incorreto (em média 3,1% em um intervalo interquartil de 0,4 a 5,2%) e a maioria deles estava relacionada ao uso de uma estratégia subotima, como uso de teste de desempate ou uma única testagem rápida (JOHNSON et al, 2017JOHNSON, Cheryl C.; FONNER, Virginia; SANDS, Anita; FORD, Natan; OBERMEYER, Carla Mahklouf; TSUI, Sharon; WONG, Vicent; BAGGALEY, Rachel. To err is human, to correct is public health: a systematic review examining poor quality testing and misdiagnosis of HIV status. J Int AIDS Soc. v. 20, n. suplementar 6, ago./2017. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.7448/IAS.20.7.21755. Acesso em: 16. Jun. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full...
, p. 7-12).

Portanto, embora a ocorrência de diagnósticos falsos positivos seja baixa, esta incorreção pode estar relacionada com o manuseio e interpretação do profissional que realiza o teste, bem como da estratégia utilizada para o diagnóstico. Além disso, a própria gravidez é um fator relacionado à ocorrência de diagnóstico falso positivo nos testes rápidos de HIV. Assim, pode-se dizer que a pessoa ou entidade que adquire e aplica os testes é responsável pela correição na aplicação, conforme preconizam os fluxogramas de diagnóstico do Ministério da Saúde.

Atualmente, o diagnóstico de HIV vem recomendado pelo “Manual Técnico para o Diagnóstico de HIV em Adultos e Crianças” do Ministério da Saúde, que indica a utilização de testes rápidos em instituições de atenção primária à saúde e pertencentes a programas do Ministério da Saúde, como Rede Cegonha, Saúde da Família e outros; em gestantes que não tenham sido testadas durante o pré-natal ou cuja idade gestacional não assegure o recebimento do resultado do teste antes do parto; parturiente ou puérperas que não tenham sido testadas no pré-natal ou quando não se conhece o diagnóstico do teste no momento do parto. Ademais, o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/AIDS e das Hepatites Virais (DIAHV) do Ministério da Saúde recomenda testes rápidos que tenham especificidade de 99,0% e sensibilidade clínica de 99,0% e desempenho “satisfatório” (BRASIL, 2016, p. 44-46).

O Protocolo de Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Síflis e Hepatites Virais, recomenda serem realizados pela gestante para prevenir a transmissão vertical de HIV, na primeira consulta do pré-natal (idealmente, no primeiro trimestre da gestação) e no início terceiro trimestre (BRASIL, 2019, p. 31). Ademais, recomenda-se a realização da testagem rápida na admissão da mulher na maternidade, hospital ou casa de parto, sendo preferenciais para diagnóstico, pois possibilitam o início adequado da terapia antirretroviral e resposta imunológica mais rápida. A utilização da testagem laboratorial é indicada desde que o diagnóstico seja entregue em momento oportuno, até 14 dias (BRASIL, 2019, p. 75).

Acerca dos diagnósticos falso-reagentes nos testes para HIV em gestantes, o protocolo explica que isso se dá por causa da presença de aloanticorpos, exigindo-se especial atenção à existência de doenças autoimunes, múltiplos partos, transfusões sanguíneas, hemodiálise e vacinação recente. Portanto, após a confirmação de HIV, o protocolo aconselha a realização imediata de teste de carga viral de HIV. Ademais, previamente ao tratamento, indica o teste de genotipagem pré-tratamento, o qual deverá ser solicitado e coletada a amostra de sangue antes do início da terapia antirretroviral. Contudo, o protocolo aduz que não é necessário aguardar o resultado desse teste para tanto (BRASIL, 2019, p. 76).

O protocolo prescreve a terapia para toda gestante infectada com o HIV, não devendo ser suspensa após o parto, independentemente do nível de linfócitos T-CD4+ existente no início do tratamento e, inclusive, ela pode ser iniciada antes mesmo dos resultados dos exames de LT-CD4+, CV-HIV e genotipagem, objetivando-se a rápida supressão viral, principalmente em gestantes que iniciaram o pré-natal tardiamente (BRASIL, 2019, p. 97-98).

Além disso, o protocolo analisado estabelece a realização de cesárea eletiva a partir da 38ª semana de gestação, para a diminuição do risco de transmissão vertical para mulheres com carga viral desconhecida ou maior que 1.000 cópias/ml após 34 semanas de gestação. Outrossim, recomenda-se o parto vaginal, se não houver contraindicação obstétrica e o uso de AZT (zidovudina) intravenoso, quando a carga viral é menor que 1.000 cópias por ml, mas detectável. E em ambos os casos, AZT injetável durante o início do trabalho de parto ou pelo menos três horas da cesariana até o clampeamento do cordão umbilical (BRASIL, 2019, p. 133-134).

O protocolo ainda prevê que toda puérpera vivendo com HIV seja orientada a não amamentar, tendo a criança o direito de receber fórmula láctea infantil até os seis meses de idade e inclusive é indicado o uso de inibidores de lactação imediatamente após o parto, administrada antes da alta hospitalar (dose de 1 mg de cabergolina, via oral) e o enfaixamento das mamas. Ao recém-nascido também é aplicado o AZT por solução oral e nevirapina (BRASIL, 2019, p. 147-148).

Portanto, o protocolo de diretrizes terapêuticas para prevenção de transmissão vertical de HIV indica o uso de testes rápidos para a detecção do HIV e alguns testes confirmatórios antes do uso da terapia. Contudo, quanto mais próximo do parto for o diagnóstico positivo, mais urgente se torna o início da terapia, o pode levar ao uso dos medicamentos e procedimentos mesmo antes do resultado dos testes confirmatórios.

Além disso, como a terapia inclui medicamentos antirretrovirais na parturiente e no recém-nascido, suspensão da amamentação e enfaixamento das mamas e sugestão da via de parto a depender do momento da descoberta do HIV, diante de uma incorreção de diagnóstico, as consequências podem ser bastante traumáticas para a pessoa parturiente, seu companheiro e a criança. Por isso, a importância de se estudar a responsabilização civil nas hipóteses de falso positivo para HIV no momento do parto. Para tanto, na próxima seção serão abordados os direitos da personalidade da pessoa parturiente e a questão da violência obstétrica para, na última seção do artigo, enfrentar a temática da responsabilização civil em casos de falsos positivos na transmissão vertical.

2.2 Direitos da personalidade da parturiente e violência obstétrica

A dignidade da pessoa humana é o maior princípio do direito, que tem por finalidade a proteção do indivíduo em todos os seus aspectos, colocando-o a salvo de situações humilhantes e degradantes, servindo de base para os demais princípios (dentre eles, o livre planejamento familiar) e de onde decorrem os demais direitos da personalidade (MORAES, YOSHIOKA, BONINI, 2020YOSHIOKA, Anara Rebeca Ciscoto; OLIVEIRA, José Sebastião. Direitos da personalidade e o dano existencial pela prática de episiotomia de rotina. In: II Encontro Virtual do CONPEDI, 2020, Florianópolis - SC. Anais do II Encontro Virtual do CONPEDI. Florianópolis - SC: CONPEDI, 2020. v. 1. p. 200-220., p. 21).

A proteção à dignidade da pessoa humana está prevista constitucionalmente no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 (CFRB/1988) como fundamento da democracia (BRASIL, 1988, s.p.). Internacionalmente, também está prevista na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que prevê “que todas as pessoas nascem libres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1948, s.p.).

Acerca disso, Ingo Wolfgang Sarlet (2009SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: ____________ (org.). Dimensões da Dignidade: ensaios de filosofia do direito constitucional. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009, p. 15-43., p. 41) salienta que a dignidade da pessoa humana possui simultaneamente duas funções em relação aos poderes estatais, à sociedade e ao indivíduo: a) limite, não podendo a pessoa ser objetificada em relação a ação própria ou de terceiros, e gerando direitos fundamentais contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças; b) tarefa, de onde decorrem deveres concretos de tutela por parte do Estado, que deve proteger a dignidade de todos, tomando medidas para assegurar o devido respeito e promoção. Assim, caso não haja respeito à vida, integridade física e moral do ser humano e não sejam minimamente assegurados e reconhecidos os direitos à liberdade, à autonomia, à igualdade em direitos e em dignidade e todos os demais direitos fundamentais, se não houver limitação do poder, a pessoa humana será apenas um objeto de arbítrio e injustiças.

Acerca disso, Cleide Fermentão e Pedro Henrique Sanches Aguera (2015FERMENTÃO, Cleide; AGUERA, Pedro Henrique Sanches. A Ausência de Eficácia do Direito Fundamental à Saúde e a Vulnerabilidade das Pessoas que Dependem da Saúde Pública: onde está a Inviolabilidade da Dignidade Humana? Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito - PPGDir./UFRGS, [s. l.], v. 10, n. 3, 2015. Disponível em: https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=edsdoj&AN=edsdoj.426513642e204dd68d07722740a5e84d⟨=pt-br&site=eds-live. Acesso em: 30 jun. 2021.
https://search.ebscohost.com/login.aspx?...
, p. 113), aduzem que:

Toda pessoa tem o direito de ver garantido pelo Estado o seu desenvolvimento físico e mental, isso representa o mínimo existencial que a dignidade exige. A dignidade da pessoa humana tem a pessoa como um fim e não como um objeto, um meio para se obter alguma coisa. De modo que, é garantida, como princípio constitucional, a autonomia da pessoa humana, de forma permanente no ordenamento jurídico brasileiro.

Portanto, a dignidade da pessoa humana é princípio basilar do direito, sendo dever do Estado garantir que a pessoa humana possa não apenas existir, mas “ser”. Atribui ao sujeito uma individualidade e impede que esta seja funcionalizada em prol de interesses alheios ou ações próprias.

Dentre os direitos da personalidade protegidos constitucionalmente, encontra-se a integridade psicofísica, reconhecida por meio do artigo 5º, inciso III, da CFRB/1988, segundo o qual “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (BRASIL, 1988, s.p.). Ademais, está previsto na legislação infraconstitucional nos artigos 133 3 Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial (BRASIL, 2002). e 154 4 Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica (BRASIL, 2002). do Código Civil, por meio da tutela dos atos de disposição do próprio corpo.

Trata-se de direito da personalidade, na medida em que os aspectos físico e mental da pessoa constituem a materialidade de sua existência. Em que pese esteja previsto no Código Civil, esta lei não traz proteção suficiente ao bem jurídico da integridade psicofísica, devendo-se sempre ser protegida por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui cláusula geral dos direitos da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro (YOSHIOKA, OLIVEIRA, 2020YOSHIOKA, Anara Rebeca Ciscoto; OLIVEIRA, José Sebastião. Direitos da personalidade e o dano existencial pela prática de episiotomia de rotina. In: II Encontro Virtual do CONPEDI, 2020, Florianópolis - SC. Anais do II Encontro Virtual do CONPEDI. Florianópolis - SC: CONPEDI, 2020. v. 1. p. 200-220., p. 204).

Para assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana nas práticas médicas, deve-se considerar a teoria principialista de Beauchamp e Childress, desenvolvida a partir da obra “Princípios da Ética Médica”, que teve a primeira edição publicada em 1975. Dentre os princípios encontram-se: a) autonomia, que na assistência à saúde do parto, traduz-se em ouvir o indivíduo ou casal e informar todos os riscos, intercorrências, motivos das interferências a serem realizadas, colocando a pessoa como protagonista desse momento; b) beneficência (dever de promover ações benéficas) e não maleficência (dever de não causar danos intencionais) à pessoa parturiente e seu bebê; c) justiça, que se traduz nas ações do Estado para o atendimento humanizado ao parto, a fim de que este alcance a toda a população. Tais princípios devem ser integrados e estar presentes em todas as fases do tratamento médico ou pesquisa que envolva seres humanos (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS J. F. Princípios de bioética médica. São Paulo: Loyola, 2002., p. 45).O feminismo brasileiro influenciou no processo de redemocratização, gerando impactos na Constituição Federal de 1988, que acatou 80% das reivindicações do movimento e, dentre outros feitos, destituiu o pátrio poder. Destaca-se ainda, a noção de que o privado também é público, criando-se, por exemplo, políticas públicas de combate à violência contra a mulher. Essa luta também impactou no campo da sexualidade, com a demanda de autonomia das mulheres sobre os próprios corpos, do exercício do prazer feminino, decisão sobre a reprodução, o que ocasionou na conquista dos direitos sexuais e reprodutivos, que são direitos de toda a humanidade (CARNEIRO, 2003CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, n. 17, v. 49, p. 117-132, 2003., p. 117-118)

Nesse sentido, Maria Betânia Ávila (2003ÁVILA, Maria Betânia. Direitos sexuais e reprodutivos: desafios para as políticas de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19, sup. 2, 2003, p. 645-649;), conceitua os direitos sexuais como liberdade e igualdade no exercício da sexualidade; e os direitos reprodutivos como liberdade e igualdade na esfera da vida reprodutiva. Destaca que a sexualidade e a reprodução devem ser entendidas como dimensões da cidadania e da vida democrática. Ademais, para se assegurar a autonomia das duas esferas de vida, aduz sobre a necessidade de tratar esses direitos como dois campos separados e relacionados entre si e com outros campos da vida social.

Portanto, ao se tratar esses direitos como formas de se garantir a cidadania e a democracia, se adota uma visão não reducionista, entendendo-se que esses não pertencem somente às mulheres, mas a todas as pessoas, se enquadrando como direitos da personalidade.

Além disso, ao se tratar do feminismo e direitos reprodutivos, deve-se colocar em pauta as intersecções com outras formas de opressão, sob pena de invisibilizar as necessidades específicas de determinadas minorias, e de não reconhecimento das diferenças e desigualdades existentes no contexto brasileiro, reproduzindo-se um discurso eurocêntrico e universalizante das mulheres (CARNEIRO, 2003CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, n. 17, v. 49, p. 117-132, 2003.).

Desse modo, Sueli Carneiro (2003CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, n. 17, v. 49, p. 117-132, 2003.) propõe a expressão “enegrecendo o feminismo”, para denunciar essas desigualdades e criar construção teórica e uma agenda específica que integre diferentes expressões do feminismo construídos em sociedades multirraciais e pluriculturais. Portanto, deve-se pensar como o racismo impacta a vivência das mulheres negras, produzindo gêneros subalternizados, pois “o racismo rebaixa o status dos gêneros” (CARNEIRO, 2003CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, n. 17, v. 49, p. 117-132, 2003., p. 119).

Essas intersecções entre gênero, raça, classe e parceria sexual impactam a reprodução, criando-se o que Laura Davis Mattar e Carmem Simone Grilo Diniz (2012MATTAR, Laura Davis; DINIZ, Carmen.Simone Grilo. Reproductive hierarchies: motherhood and inequalities in women’s exercising of human rights. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.16, n.40, p.107-19, jan./mar. 2012.) denominam hierarquias reprodutivas. A existência do hetero-cis-patriarcado cria um ideal do que seria “boa maternidade”, formado por pessoas brancas, de classe média ou alta, heterossexuais, casados entre si, que têm maior aceitação social da maternidade e os direitos humanos seriam mais respeitados. Entretanto, quanto mais se afasta desse padrão, mais a maternidade é considerada ilegítima, subalterna ou marginal, fonte de preconceito, discriminação e violação a direitos (MATTAR; DAVIS, 2012MATTAR, Laura Davis; DINIZ, Carmen.Simone Grilo. Reproductive hierarchies: motherhood and inequalities in women’s exercising of human rights. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.16, n.40, p.107-19, jan./mar. 2012.).

A partir disso, se adentra no debate acerca da violência obstétrica, que é conceituada por Yoshioka (2022YOSHIOKA, Anara Rebeca Ciscoto. O reconhecimento da violência obstétrica como violência de gênero no Direito brasileiro: a proteção e a promoção dos direitos da personalidade do indivíduo parturiente. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) - Universidade Cesumar, Maringá, 2022., p. 274) como: “a violência de gênero praticada mediante a utilização de instrumentos (físicos, verbais, simbólicos) com a finalidade de dominação dos corpos das pessoas no exercício de seus direitos reprodutivos, retirando a autonomia do sujeito passivo”.

Desse modo, o sujeito ativo e passivo podem ser qualquer pessoa, independentemente do sexo e do gênero; o termo não se vincula a momentos ou procedimentos específicos (como somente o parto ou gravidez), bastando que a pessoa esteja no exercício de seus direitos reprodutivos; e há diversos níveis em que pode ocorrer, como a nível individual, institucional ou estrutural (YOSHIOKA, 2022YOSHIOKA, Anara Rebeca Ciscoto. O reconhecimento da violência obstétrica como violência de gênero no Direito brasileiro: a proteção e a promoção dos direitos da personalidade do indivíduo parturiente. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) - Universidade Cesumar, Maringá, 2022., p. 274)

Salienta-se que a violência obstétrica é agravada e possui maior incidência em razão das desigualdades raciais. Maria do Carmo Leal et al. (2017LEAL, Maria do Carmo et al. A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, n. 33, sup. 1, e 00078816, 2017.) demonstram que as iniquidades raciais impactam na piora da qualidade do pré-natal, aumento da peregrinação para o parto, na falta de acesso ao direito ao acompanhante, maior solidão na internação para o parto associada ao maltrato nos serviços de saúde, pior relação com os profissionais e menor satisfação com o atendimento recebido.

A violência obstétrica é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, que, preocupada com a integridade psicofísica das mulheres no momento do parto, em 2014, lançou a declaração de “Prevenção e Eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2014, p. 1), que parte dos seguintes pressupostos:

No mundo inteiro, muitas mulheres experimentam abusos, desrespeito, maus-tratos e negligência durante a assistência ao parto nas instituições de saúde. Isso representa uma violação da confiança entre as mulheres e suas equipes de saúde, e pode ser também um poderoso desestímulo para as mulheres procurarem e usarem os serviços de assistência obstétrica. Embora o desrespeito e os maus-tratos possam ocorrer em qualquer momento da gravidez, no parto e no período pós-parto, as mulheres ficam especialmente vulneráveis durante o parto. Tais práticas podem ter consequências adversas diretas para a mãe e a criança.

Relatos sobre desrespeito e abusos durante o parto em instituições de saúde incluem violência física, humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), falta de confidencialidade, não obtenção de consentimento esclarecido antes da realização de procedimentos, recusa em administrar analgésicos, graves violações da privacidade, recusa de internação nas instituições de saúde, cuidado negligente durante o parto levando a complicações evitáveis e situações ameaçadoras da vida, e detenção de mulheres e seus recém-nascidos nas instituições, após o parto, por incapacidade de pagamento.

Ademais, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em informe da Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, suas causas e consequências, Dubravka Simonovic, de 11 de julho de 2019, considerou essa violência como uma violação dos direitos das mulheres no momento do parto, sob o enfoque de direitos humanos. O documento relata diversas formas de violação dos direitos reprodutivos das mulheres, como abortos e esterilizações forçadas, episiotomia de rotina sem o consentimento informado, manobra de Kristeller, uso excessivo de ocitocina sintética para aceleração do parto, exames vaginais perante terceiros, abusos verbais sexistas e gritos, imobilização física e amordaçamento de detentas durante o parto, uso de cesárea sem indicação médica e sem consentimento informado, eletivas, procedimentos cirúrgicos sem anestesia, ponto do marido (sutura mais do que o necessário após a episiotomia), não dar autonomia à mulher para eleger a posição que deseja parir (NACIONES UNIDAS, 2019, p. 8-13).

A violência obstétrica é conceituada pelo dossiê “Violência Obstétrica: parirás com dor”, como “todos aqueles atos atentatórios à mulher no exercício de seus direitos reprodutivos, podendo ser cometida por qualquer pessoa, tanto pelos profissionais que a atendem, quanto por civis” (BRASIL, 2012, p. 60).

Está prevista em algumas legislações estrangeiras, que também a classificam no rol de violências de gênero, como na Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de violência, vigente desde 2007 na Venezuela, que conceitua a violência obstétrica como:

Artículo 15. 13: Se entende violencia obstétrica la apropiación del cuerpo y procesos reproductivos de las mujeres por personal de salud, que se expresa en un trato deshumanizador, en un abuso de medicalización y patologización de los procesos naturales, trayendo consigo pérdida de autonomía y capacidad de decidir libremente sobre sus cuerpos y sexualidad, impactando negativamente en la calidad de vida de las mujeres (BRASIL, 2012, p. 41-42).

Portanto, se trata de uma violência de gênero, que consiste nos abusos e maus tratos ocorridos contra a pessoa no exercício de seus direitos reprodutivos, podendo ocorrer tanto nas instituições de saúde, quanto na sociedade, capaz de retirar da vítima a autonomia sobre o próprio corpo e que impacta negativamente na qualidade de vida das mulheres.

A violência obstétrica não se confunde com o erro médico. O erro médico é um mero ato ilícito cometido pelo médico, no exercício de sua função, mediante culpa, podendo ser cometido por negligência, imprudência ou imperícia. Já a violência obstétrica é uma forma mais ampla de violação dos direitos das mulheres gestantes, parturientes ou puérperas (DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO PAULO, 2020, s.p.).

Assim, Julia de Campos Leite (2017) aponta que há diversas problemáticas ao se tratar a violência obstétrica como erro médico, pois se atenua a complexidade da questão enquanto violência de gênero e problema institucional; dificulta-se a punição de seus sujeitos ativos; bem como demonstra a despreocupação do Direito com a saúde física e psíquica das mulheres. Ainda, as provas se conduzem à apuração do erro médico, o que gera a improcedência de muitas ações por falta de prova da culpa ou do nexo causal (DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO PAULO, 2020, s.p.).

Logo, os direitos reprodutivos são direitos da personalidade e a violência obstétrica acaba por feri-los. Ela não se confunde com o instituto do erro médico, sendo mais ampla, caracterizando-se como violência de gênero, havendo inclusive formas de manifestação que não decorrem de intervenções médicas ou cirúrgicas. Além disso, ela se agrava ou ocorre de formas específicas a depender de outros fatores de opressão, como gênero, raça, classe, parceria sexual e idade.

Assim, evidencia-se a importância do presente estudo no sentido de analisar se há violência obstétrica ou erro médico e responsabilidade civil decorrente quando o dano é a falta de amamentação, retirada do poder de escolha da via do parto e abuso de medicalização decorrentes da aplicação do protocolo de não transmissão vertical retroviral no momento do parto diante de um erro de diagnóstico havido pelos diagnósticos falsos positivos após testes rápidos de HIV.

2.3 Da responsabilidade civil e sua importância na saúde

A responsabilidade civil é um dos temas mais instigantes no campo jurídico, isso porque, desde o surgimento da própria humanidade, verifica-se situações relacionadas ao tema, em virtude de condutas que violam direitos que acabam por gerar consequências danosas a outrem.

De acordo com Sérgio Cavalieri Filho (2020, p. 10 e 11), em sentido jurídico, a essência da responsabilidade se assemelha à noção de desvio de conduta. Assim, a responsabilidade significa o dever de reparação por prejuízo causado pela violação de outro dever jurídico. Trata-se, portanto, de dever jurídico sucessivo, surgido para recompor o dano advindo da violação de dever jurídico originário. Por exemplo, existe no direito civil o dever originário de respeito à integridade física da pessoa, que é um direito originário e absoluto, ou seja, a obrigação. Para quem descumpre esse dever, surge outro dever jurídico, o da reparação do dano, que é um dever sucessivo, mais conhecido por responsabilidade.

Assim, a responsabilidade civil possui algumas funções que variam de importância a depender do tempo e do espaço, quais sejam: a) prevenir danos: reparar o sujeito atingido pela lesão, reagindo-se ao ilícito danoso; b) retornar o lesado ao status quo ante, colocando-o na situação em que se encontrava antes de suportar a ofensa; c) prevenção de ilícitos: reafirmar o poder punitivo do Estado; d) prevenção de riscos: desestimular qualquer pessoa que pretenda desenvolver atividade que possa prejudicar terceiros. Tais funções são compatíveis e não excludentes (ROSENVALD, 2016ROSENVALD, Nelson. As funções da reponsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016., p. 32).

A responsabilidade civil pode ser contratual, advinda da inexecução obrigacional do contrato cujas cláusulas fazem lei entre as partes; ou extracontratual (aquiliana) que ocorre pelo inadimplemento obrigacional normativo, prevista no artigo 1865 5 Art. 186 do Código Civil. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2002, s.p.) , 1ª parte do Código Civil de 2002, na qual todo aquele que comete ato ilícito deve pagar pelo dano emergente e lucro cessante. Com a evolução do conceito de responsabilidade extracontratual, incluiu-se em seu significado a indenização por danos sem existência de culpa, fundada no risco. Logo, há duas espécies de responsabilidade extracontratual: a) subjetiva, quando resulta de ação ou omissão, dolosa ou culposa, lesiva a determinada pessoa; b) objetiva, responsabilidade pelo risco existente em decorrência da atividade do agente (AZEVEDO, 2018AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018., p. 226).

Nem todo dano gera responsabilidade civil, sendo essencial a atuação dolosa ou culposa do agente, pois existem hipóteses em que se operam as excludentes de responsabilidade, como no caso fortuito ou força maior e os previstos no artigo 188, do Código Civil de 20026 6 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo (BRASIL, 2002, s.p.) (legítima defesa, exercício regular de um direito reconhecido, deterioração ou destituição da coisa alheia, lesão à pessoa visando a remoção de um perigo iminente). Além disso, conforme previsto no artigo 5º, inciso X, da CF/1988 é possível o ressarcimento ao abalo moral, que somente pode ser admitido se houver culpa do agente (AZEVEDO, 2018AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018., p. 227).

A responsabilidade civil subjetiva possui alguns pressupostos, quais sejam: a) conduta culposa do agente: é a ação ou omissão, por fato próprio (por quem deu causa ao dano) ou por fato de terceiro (por quem tinha dever de guarda, vigilância e cuidado), praticada por agente imputável, ou seja, que possui condições pessoais que lhe dão capacidade de responder pelas consequências de uma conduta contrária ao dever, que age dolosa (dolo direto ou eventual) ou culposamente (com negligência, imprudência ou imperícia); b) nexo causal: se resume no elemento referencial entre a conduta e o resultado, podendo se resumir em causalidade simples (relação entre fato e dano) ou em causalidade múltipla (cadeia de condições e circunstâncias que contribuem para o evento danoso, havendo que se definir qual entre elas é a real causa do dano); c) dano: lesão a bem juridicamente tutelado, podendo ser patrimonial (dano emergente, lucro cessante ou perda de uma chanca) ou moral (lesão a um atributo da personalidade, insuscetível de avaliação pecuniária) (CAVALIERI FILHO, 2020CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 14. ed. rev. atual. reform. São Paulo: Atlas, 2020.DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO PAULO. Tese 129. 2020. Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Conteudos/Materia/MateriaMostra.aspx?idItem=89388&idModulo=9706. Acesso em: 30. jun. 2021.
https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/C...
, p. 33-115).

Acerca da responsabilidade profissional, na relação médico-paciente é cabível a incidência do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990 - CDC), uma vez que o médico é o fornecedor de serviços e o paciente é o consumidor, configurando-se a relação de consumo prevista conforme os artigos 2º e 3º da referida lei. Assim, o paciente possui direito básico de informação clara e adequada sobre os produtos e serviços (artigo 6º, inciso III, do CDC), inversão do ônus da prova diante da verossimilhança das alegações da parte (artigo 6º, inciso VIII, do CDC), ser considerado vulnerável (artigo 4º, inciso I, do CDC) (FETTEBACK NETO, p. 99-100).

Aplica-se ainda o artigo 14, caput, do CDC “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre sua fruição e riscos (BRASIL, 1990, s.p.). Contudo, adverte-se no § 4º do próprio artigo 14: “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa” (BRASIL, 1990, s.p.)”.

Ademais, o Código Civil de 2002 aduz no artigo 951: “O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho” (BRASIL, 2002, s.p).

Portanto, resta claro que a responsabilidade do profissional da saúde é subjetiva, necessitando da verificação da culpa. Acerca disso, Caio Mário da Silva Pereira (2018PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 12. ed. rev. atual. e ampl. Atualizado por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Forense, 2018., p. 196), leciona que:

O Código Civil de 1916, destacando certas profissões, não excluía a responsabilidade de outras. Apenas levava em consideração, como observava Beviláqua, a responsabilidade das pessoas que indicava, considerando as falhas cometidas como casos especiais de culpa. Ao mencionar os médicos, cirurgiões, dentistas, farmacêuticos e parteiras, estabelecia que respondem uns e outros pelos danos que venha alguém a sofrer por imperícia, imprudência ou negligência deles. O sistema atual seguiu tal orientação. Não é possível descer a minúcias para estabelecer em que consiste o ato culposo no diagnosticar, no prescrever, no tratar o cliente. Se age com culpa, e daí resulta um prejuízo para a pessoa sujeita a seus cuidados, responde por perdas e danos. As hipóteses lembradas pelos autores, na maioria hauridas na jurisprudência, são meramente exemplificativas, cabendo ao juiz, em cada caso, ponderar as circunstâncias, para só então qualificar a espécie. Não é fácil a sua determinação genérica.

Logo, a questão da responsabilidade civil do profissional de saúde ocorre quando verificada a culpa, não importando o grau de culpa, se grave ou leve. Basta que a vítima tenha sofrido um dano decorrente de negligência, imprudência ou imperícia.

Outra questão interessante que tem sido levantada é quanto ao “erro de diagnóstico” ou “erro de técnica”. Muitas vezes, a doutrina e jurisprudências brasileiras utilizam-se o conceito de culpa grave, ou seja, erro grosseiro, para estabelecer o dever de indenizar. Contudo, tal parâmetro pode acabar por excluir a responsabilidade profissional em casos cujos graves danos são gerados, em que pese a conduta não se trate de erro grosseiro. Assim, deve ser realizada uma avaliação se houve culpa do médico na forma como procedeu ao diagnóstico, se utilizou de todos os meios possíveis para a investigação, se houve cumprimento de regras e posturas imprescindíveis ao procedimento diagnóstico (PEREIRA, 2018PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 12. ed. rev. atual. e ampl. Atualizado por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Forense, 2018., p. 199).

Além disso, o médico tem o dever de obter o consentimento informado do paciente, conforme artigo 15 do Código Civil e artigos 22 e 24 do Código de Ética Médica de 2010, corolário da boa-fé objetiva, que demanda que sejam informados ao paciente todas as circunstâncias inerentes ao tratamento, zelando que ele seja capaz de compreender as informações transmitidas, assegurando-se que o enfermo tenha capacidade de autodeterminação sobre seu processo de cura (PEREIRA, 2018PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 12. ed. rev. atual. e ampl. Atualizado por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Forense, 2018., p. 200). Em regra, não é necessário que o consentimento seja reduzido a termo, embora seja bastante recomendável a formalização deste instrumento para trazer mais segurança ao paciente e ao profissional (FETTEBACK NETO, 2019, p. 90-91).

Ainda, são cabíveis as excludentes de responsabilidade do artigo 14, §3º, inciso I e II, do CDC, que aduzem: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro” (BRASIL, 1990b, s.p.). Assim, exclui-se a responsabilidade se provado que não houve dano, se o paciente der causa exclusiva ou se o fato for de terceiro que não faça parte da relação de consumo.

Ademais, caso se trate de prestação de serviços públicos prestados sem remuneração, a exemplo dos serviços médicos prestados pelo SUS (em hospitais públicos ou privados), aplica-se a responsabilidade objetiva do Estado prevista no artigo 37, §6º, da CFRB/1988: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988, s.d.).

Portanto, em suma, a responsabilidade civil do profissional de saúde é sempre subjetiva e a dos estabelecimentos de saúde é solidária e objetiva se for por ato de seus prepostos e em se tratando de profissional liberal é inexistente.

3. Resultados e discussões

A pesquisa se deu diante de casos publicados entre 2010 e 2020 nos tribunais pátrios, época em que, conforme se denota do tópico 2.1, já se utilizava de fluxogramas de diagnóstico de HIV, a fim de se evitarem os erros de diagnósticos, a exemplo da Portaria 151/2009, do Ministério da Saúde. Dentre os resultados, houve 04 acórdãos que foram de improcedência e 06 de procedência.

Tabela 01
Acórdãos dos tribunais pátrios sobre diagnóstico falso positivo de HIV por teste rápido no momento do parto.

O evento 01 trata-se de caso que tramitou na 2ª Vara Cível de Ceilândia - Distrito Federal contra o Hospital São Francisco, que em primeira instância foi condenado a indenizar aos autores a quantia de R$ 40.000,00 a título de danos morais, sendo R$ 15.000,00 para a mãe, R$ 15.000,00 para o esposo e R$ 10.000,00 para a criança. Contudo, a Oitava Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), por maioria dos votos, vencida a relatora, reformou a sentença, julgando-se improcedente a demanda, pois se tratava de negligência da gestante acerca da realização de exames laboratoriais para diagnóstico de HIV no último trimestre da gestação; a simples notícia de diagnóstico de HIV causa um sofrimento inerente, pois gera sentimento de perda de expectativa de vida; que é dever do médico comunicar à paciente o resultado reagente/positivo obtido em teste rápido no parto e aplicar o protocolo até que haja o resultado definitivo da contraprova; que os sentimentos dos autores (negação, isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação) são os cinco estágios de pessoas que recebem diagnósticos fatais; que a pessoa poderia estar no período de janela imunológica; que as entrevistas ao casal fazem parte dos procedimentos, não havendo ilicitude nas perguntas realizadas acerca de hábitos e práticas sexuais; e que o prazo de 48 horas não era abusivo para chegar o diagnóstico definitivo não reagente, momento em que foram interrompidas as medidas preventivas e profiláticas (JUS BRASIL, 2018, s.p.).

No caso 2, houve afastamento da responsabilidade civil, pois, conforme os fundamentos utilizados da decisão analisada, naturalmente os testes podem atestar um falso positivo, sendo esta uma hipótese admitida pelo Ministério da Saúde; o resultado é influenciável pelo estado em que se encontrava a autora; houve aconselhamento pós-teste por profissionais de saúde, cientificando-se a autora sobre a necessidade de confirmação do diagnóstico mediante outros exames complementares e da adoção de medidas terapêuticas de emergência em relação à filha; que os protocolos foram ministrados, conforme indicado pelo Ministério da Saúde em tempo de se reverter o possível quadro infeccioso. Ainda conforme o acórdão, a responsabilidade civil foi afastada pela inexistência de nexo causal, uma vez que o falso positivo é inerente à tecnologia desses exames e os pais foram informados de que seria necessária uma confirmação do teste realizado (JUSBRASIL, 2017, s.p.).

O caso 3 segue na mesma linha, entendendo que os protocolos do Ministério da Saúde foram seguidos, submetendo-se a gestante que não realizou o pré-natal a um teste rápido de HIV no momento do parto e com o resultado positivo, houve a aplicação de impedimento da lactação e acompanhamento especializado. Ademais, que o tratamento foi suspenso logo após o resultado negativo dos testes confirmatórios e, ainda, a mãe e a criança foram submetidas a acompanhamento por seis meses para evitarem-se possíveis sequelas, que foram inexistentes. Tais questões, segundo a decisão, são riscos do procedimento, realizado de acordo com o estado atual da ciência, sem intuito de lucro, não sendo razoável a coletividade arcar com isto (TRF 2ª R, 2012).

No caso 6, trata-se de discussão acerca da responsabilidade civil objetiva do Estado. Fundamenta que foram tomadas todas as cautelas possíveis, foi solicitada a realização de novo exame médico, diante da possibilidade de um falso positivo; que é dever do laboratório diante de um resultado positivo, informar ao paciente a situação, mediante o médico solicitante, havendo responsabilidade caso a recomendação da necessidade de realização de exame confirmatório não tiver sido efetivada; tais condutas foram realizadas; que a própria demandante deu causa ao suposto dano, pois não realizou novo exame; que é da própria natureza do exame a possibilidade de falso positivo em gestantes, carecendo de confirmação. Assim, a Câmara afastou a responsabilidade civil pela culpa exclusiva da vítima (TJPE, 2016).

Assim, os casos de improcedência justificam os sofrimentos dos genitores como inerentes ao sofrimento causado por um falso diagnóstico e afastam a responsabilidade civil, pois os protocolos do Ministério da saúde estão sendo seguidos ou porque é possível o teste apresentar os resultados falso-positivos.

Os casos de procedência são seis, sendo que em três deles houve a redução do valor da indenização do dano moral em sede recursal.

No caso 04, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de 2016, em decorrência do resultado falso positivo quando a autora já estava em trabalho de parto, esta foi submetida a uma cesariana, foi separada de sua filha recém-nascida e impedida de a amamentar logo após o parto, havendo o uso de AZT, e apenas posteriormente, houve resultado diverso, com negativo para HIV (TRF 1ª R, 2016). No caso 05, de 2011, do mesmo tribunal, as premissas fáticas são parecidas: houve um primeiro resultado positivo, o parto cesáreo, após, nova testagem no casal, sendo o resultado da autora positivo e o do marido negativo, a autora foi separada de sua filha recém-nascida e impedida de amamentar, sendo ambas submetidas ao uso de AZT. Houve um teste no mesmo dia e um após um mês, em que outros exames em laboratório constataram a ausência do HIV (TRF 1ª R, 2011).

Em ambos os casos, decidiu-se que o erro de diagnóstico não afastaria os graves traumas sofridos em relação à enfermidade supostamente detectada. Considerou-se degradante o recebimento da notícia de ser portador do vírus, acarretando-se dor física e emocional. Ademais, salientou-se que tal diagnóstico expõe o seu portador a discriminação, sendo mais graves as consequências quando se trata de mulher parturiente, que se viu sem chance de tentar o parto natural, privada de amamentar seu filho e o ter ao seu lado no imediatamente após o parto. Considerou a situação vexatória que teve o casal, diante do resultado negativo do companheiro, gerando-se dúvidas quanto à fidelidade conjugal e a aflição de saber se há ou não a possibilidade de grave doença incurável após o aumento do número de membros da entidade familiar (TRF 1ª R, 2016; TRF 1ª, 2011)

Logo, embora não se tenha utilizado a terminologia “violência obstétrica” nos casos 04 e 05, os acórdãos consideram que houve esse tipo de violência, pois as consequências ultrapassaram o mero erro de diagnóstico, causando suspensão da amamentação e cerceamento da escolha da via do parto, o que retirou da vítima a autonomia sobre o próprio corpo; além da situação vexatória de suspeita de infidelidade conjugal e a vulnerabilidade da mulher parturiente em receber uma notícia dessa magnitude nesse momento.

Assim, comparando-se os casos 01, 02, 03 e 06, de improcedência, com os casos 04 e 05, de procedência, todos com premissas fáticas semelhantes, nos primeiros é dada a suma importância aos protocolos clínicos e não aos sofrimentos psicofísicos pelos quais passaram as parturientes, seus companheiros e as crianças. Os sofrimentos acabam por serem absorvidos pela correição dos protocolos clínicos ou pela possibilidade existente de ser um falso positivo. Inclusive, no caso 01, um dos fundamentos para se decidir pela improcedência é o fato de a gestante não ter realizado o exame de HIV no último trimestre da gestação.

Diante disso, ao se tratar as consequências como danos decorrentes de “erro de diagnóstico” ou “erro médico”, invisibiliza-se uma violação muito mais grave, que é a violência aos direitos reprodutivos das mulheres quando se encontram extremamente vulneráveis, que é o momento do parto. Ao se fundamentarem os casos de improcedência na possibilidade existente e admitida pelo Ministério da Saúde de que esses testes possam resultar em falso positivo, de que a paciente foi informada que se tratava de uma “possibilidade” e não de um teste definitivo, se “fecha os olhos” para a gravidade das consequências.

Ademais, a falha na prestação dos serviços deve se consubstanciar na própria ocorrência de um diagnóstico falso positivo após um teste rápido, ainda que seja não-definitivo ou para triagem, tendo em vista que as pesquisas apresentadas demonstram a baixíssima possibilidade de incidência de falsos positivos (HSIAO et al, 2017HSIAO, Nei-Yuan; ZERBE, Alisson; PHILLIPS Tamsin K; MYER, Landon; ABRAMS, Elaine J.. Misdiagnosed HIV infection in pregnant women initiating universal ART in South Africa. J Int AIDS Soc., v. 20, n. suplementar 6, ago./2017. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.7448/IAS.20.7.21758. Acesso em: 16. Jun. 2021.
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, p. 57-60; JOHNSON et al, 2017JOHNSON, Cheryl C.; FONNER, Virginia; SANDS, Anita; FORD, Natan; OBERMEYER, Carla Mahklouf; TSUI, Sharon; WONG, Vicent; BAGGALEY, Rachel. To err is human, to correct is public health: a systematic review examining poor quality testing and misdiagnosis of HIV status. J Int AIDS Soc. v. 20, n. suplementar 6, ago./2017. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.7448/IAS.20.7.21755. Acesso em: 16. Jun. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full...
, p. 7-12). Outrossim, o Ministério da Saúde recomenda a aquisição de testes rápidos contendo 99,0% de especificidade, 99,0% de sensibilidade clínica e desempenho “satisfatório” (BRASIL, 2016, p. 44-46), a fim de se minorarem os resultados falsos-reagentes ainda nessa fase prévia e suas consequências.

Não é que não devem ser aplicados os protocolos clínicos nos casos de emergência, contudo, ao serem aplicados mesmo com o risco baixíssimo de os resultados dos testes rápidos serem falsos-reagentes, deve-se sim arcar com isto. Caso contrário, quem estaria suportando tais riscos seriam as parturientes e as crianças, que devem ser especialmente protegidas pelo Estado, diante proteção e garantia da dignidade da pessoa humana.

Logo, ainda que a situação seja tratada sob a ótica do “erro médico” ou “erro de diagnóstico”, há responsabilidade civil objetiva em relação ao estabelecimento de saúde e laboratórios diante da falha na prestação de serviços, embora se deva analisar a responsabilidade civil subjetiva do médico.

No caso 07, a situação é ainda mais grave, pois a autora tinha se submetido no pré-natal a um exame de HIV que resultou positivo e foi diagnosticada com HIV pelo posto de saúde municipal. Após, houve um segundo exame, negativo. Então, teve uma 3ª coleta pela autarquia para a confirmação do resultado negativo, que se daria em 16.06.2009. Neste interregno, em 10.06.2009, sem que se aguardasse o resultado, houve a internação para parto cesariano precipitado, que culminou na proibição do direito de amamentação e em medicação retroviral. O acórdão manteve sentença de procedência, contudo, abaixou o valor do dano moral de R$ 20.000,00 para R$ 7.000,00 em face do princípio da razoabilidade (TJSP, 2014).

Neste caso houve violência obstétrica, pois o primeiro resultado já havia se mostrado falso-positivo no pré-natal, e mesmo assim, houve a precipitação do parto, impondo-se o parto cesariano, o impedimento da amamentação e a aplicação de medicamentos na mãe e na criança. Embora se tivesse o risco de ser falso positivo, o que já era atestado por um segundo exame, era possível esperar o resultado do terceiro exame, mas não foi isso que aconteceu. Assim, viciou-se o próprio consentimento informado, houve apropriação dos corpos, privação dos direitos reprodutivos e medicalização do parto.

Contudo, ao não ser encarada a situação sob a ótica da violência obstétrica, houve a redução do dano moral de R$ 20.000,00 para R$ 7.000,00 reais pela aplicação dos critérios de “proporcionalidade”, de onde se conclui pela invisibilidade deste tipo de violência e dos direitos reprodutivos. Enquanto no caso 04, houve a fixação de danos morais ao casal em patamares elevados, vez que foram consideradas todas as nuances de violações dos direitos reprodutivos destes, no caso 07, mais grave do que o caso 04, foi considerado excessivo o quantum de R$ 20.000,00 reais fixados somente à genitora.

No caso 08, constam das premissas fáticas que no momento do parto, a autora foi submetida a teste rápido, que resultou em positivo. Após foram aplicados os protocolos clínicos e a autora ficou por quatro dias com a certeza de que era portadora do HIV, sem poder amamentar sua filha por medida de segurança e ambas iniciaram o tratamento para a enfermidade. Assim, foi reconhecido o abalo emocional e psicológico sofrido pela autora, bem como à privacidade, diante da repercussão da notícia no meio social em que ela vive. Inclusive, no inteiro teor, o relator destaca: “sendo inegável a carga emocional que a apelada sofreu diante de um resultado falso-positivo do exame, torna-se obrigatória o ressarcimento pelo poder público, ante a sua responsabilidade civil objetiva” (TJPE, 2011a, p. 5). Assim, analisando-se os requisitos do dano moral, bem como alguns precedentes em que os casos resultaram em morte, considerou elevadíssima a condenação em 300 salários-mínimos e fixou o dano moral em R$ 20.000,00 (TJPE, 2011a).

O caso 09, julgado e publicado pelo mesmo tribunal e na mesma época, o resultado falso reagente ocorreu logo após o parto, sendo que a autora ficou com a certeza de que era portadora do HIV por três dias, sem poder amamentar, seu tórax ficou enfaixado, e ela e a filha receberam medicação antirretroviral. A sentença foi reformada apenas para reduzir o valor da indenização para a Autora, de R$ 35.000,00 fixados em primeiro grau, para R$ 15.000,00, mantendo-se o valor de R$ 10.000,00 concedidos à filha (TJPE, 2011b).

O caso 10, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, as premissas fáticas demonstram que no dia 04.04.2011, foi realizada a coleta do sangue proveniente da placenta, procedido o teste rápido para HIV, obtendo-se resultado provisório “Reagente para HIV”, havendo a suspensão imediata do aleitamento materno do recém-nascido, para evitar a contaminação. Contudo, somente em 07.04.2011, três dias após o primeiro teste, foi providenciada a coleta de sangue para o exame confirmatório, sendo liberado o resultado “Negativo para HIV” no dia 11.04.2011. Assim, durante oito dias, foi impedido o exercício do aleitamento materno. O julgado salienta que a Portaria 151/2009 do Ministério da Saúde, após o resultado positivo para HIV na etapa I, determina a coleta imediata de nova amostra para ser submetida à etapa II e que a demora na coleta (quatro dias) causou o defeito relativo na prestação de serviço afeto à responsabilidade hospitalar, que deveria ter providenciado rapidamente a coleta nas instalações do nosocômio. Assim, entendeu pela responsabilidade civil objetiva do hospital e manteve o quantum indenizatório fixado em grau ordinário (R$ 10.000,00), por não se mostrar exorbitante.

No caso, o relator Ministro Luis Felipe Salomão, discorrendo-se acerca da responsabilidade pelo diagnóstico em exames laboratoriais, ponderou que se tratava de obrigação de resultado:

Por outro lado, no que diz respeito a erro em exame laboratorial, precedentes da Terceira Turma são no sentido de que o laboratório - assim como o hospital ao qual é subordinado -, possui obrigação de resultado na realização de exame médico, de maneira que o fornecimento de diagnóstico incorreto configura defeito na prestação do serviço a implicar responsabilidade objetiva, com base no artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor (STJ, 2019, p. 29).

Além disso, levou-se em consideração a importância do aleitamento materno nos primeiros dias de vida da criança:

Não há dúvida da importância do aleitamento materno, sabendo-se que, nos cinco primeiros dias após o parto, a genitora produz o "colostro", tido como fundamental para o recém-nascido, por se tratar da primeira e melhor vacina que se conhece para o ser humano, uma vez composto de grande quantidade de imunoglobulinas, que devem ser transferidas de mãe para filho (STJ, 2019, p. 37).

Diante disso, no caso 10 considerou-se o direito reprodutivo de amamentação, que não é só um direito da mãe, como também do recém-nascido em ser amamentado, bem como a responsabilidade civil objetiva do hospital pela demora na coleta do material.

Diante disso, os casos 08, 09 e 10 têm em comum a demora entre o resultado do primeiro teste rápido e do segundo teste confirmatório, havendo neste interregno a suspensão da amamentação, bem como, nos casos 08 e 09, a aplicação de medicamentos antirretrovirais e a certeza de que a pessoa era portadora do vírus da imunodeficiência humana.

O caso 10 é importante, pois reconhece a obrigação de resultado dos laboratórios e hospitais quanto aos diagnósticos de exames, bem como a responsabilidade civil objetiva e a falha na prestação de serviços. Ademais, é um caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, que assume relevância no papel de uniformização das decisões.

Portanto, há três entendimentos jurisprudenciais, a depender do enfoque dado pelos julgadores: a) improcedência, quando se foca na correição da aplicação dos protocolos e no risco de o resultado ser errôneo, bem como na informação transmitida à pessoa parturiente; b) procedência decorrente do sofrimento e da violação dos direitos reprodutivos das mulheres; c) procedência decorrente da demora na liberação do resultado de exame confirmatório.

Em relação aos valores indenizatórios, tem-se que variam entre R$ 7.000,00 reais a R$ 50.000,00 reais, não sendo considerado pelo Superior Tribunal de Justiça exorbitante a fixação de R$ 10.000,00 reais. Ademais, em alguns casos, além da mãe, também são partes legítimas e indenizadas o genitor e a criança.

Neste sentido, o quantum indenizatório deve servir não só à reparação dos danos, como também às outras funções da responsabilidade civil, como prevenção e punição, o que, reitera-se, não ocorreu no caso 07.

4. Considerações finais

Na pesquisa, foi selecionada a responsabilidade civil como mecanismo de proteção dos direitos da personalidade da parturiente e da criança, uma vez que suas funções visam prevenir, punir e reparar o dano, que na hipótese, é o dano moral em relação aos atributos da privacidade, autonomia sobre o corpo, integridade psicofísica e aos direitos reprodutivos.

Conforme o relator do caso 10, em se tratando de erro de diagnóstico há uma obrigação de resultado, de modo que sempre restará configurada a falha na prestação de serviços, resultando em responsabilidade civil objetiva do laboratório ou hospital. Assim, não se justificam as improcedências pela possibilidade de falso positivo, ainda que a gestante seja informada de que se trata de um teste prévio, pois a simples notícia da possibilidade de um diagnóstico de HIV já causa um abalo psíquico imensurável. Ademais, a possibilidade de falso diagnóstico é baixíssima nos casos de testes rápidos, sendo recomendados pelo Ministério da Saúde que haja máxima sensibilidade e especificidade, justamente para não haver o risco de falso-reagente.

Portanto, ao se tratar a situação sobre a ótica do erro médico e não da violência obstétrica, há invisibilidade das violações aos direitos da personalidade das parturientes e crianças, quanto à autodeterminação nos direitos à amamentação, ao parto natural, não ter as mamas enfaixadas e a não receber medicamentos desnecessários.

Logo, em um momento de extrema vulnerabilidade quanto o parto, ao se entender pela improcedência ou redução dos valores de indenização, há a desproteção da dignidade da pessoa humana da parturiente, de modo que o instituto da responsabilidade civil deixa de cumprir a função de prevenção de novos danos, sendo ineficaz para a proteção dos direitos da personalidade, como visto em alguns dos casos analisados neste artigo.

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  • 1
    Expressão constante nas jurisprudências encontradas.
  • 2
    Disponível em: https://www.lex.com.br/. Nota dos autores: o sítio eletrônico possui um banco de jurisprudência acessível para assinantes.
  • 3
    Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial (BRASIL, 2002).
  • 4
    Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica (BRASIL, 2002).
  • 5
    Art. 186 do Código Civil. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2002, s.p.)
  • 6
    Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo (BRASIL, 2002, s.p.)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2022
  • Aceito
    15 Jan 2023
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