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O SUPERDOTADO COMO AGENTE ACELARADOR DO DESENVOLVIMENTO

INTRODUÇÃO

É consenso mundial que a maior riqueza de um país é seu povo, e que capacidade criadora e liderança eficaz constituem patrimônio nacional.

No entanto, as pessoas que são excepcionais, pela riqueza de sua dotação pessoal, constituem um campo ainda à espera de pesquisas iniciais.

Na vida profissional o enfermeiro encontra-se face a pessoas que apresentam vida tranqüila e outras que se julgam incompreendidas. As primeiras desconhecem dificuldades, frustrações ou adversidades, sendo propensas a viver ao sabor da existência, sem desenvolver o senso crítico e sem acostumar-se ao esforço mais prolongado. As segundas, ao contrário, sentem-se diminuídas, desafiadas ou rejeitadas e desenvolvem mecanismos de compensação e de defesa, que as levam a progredir e a suplantar outras pessoas, aparentemente com o mesmo nível de aptidões. Vivendo a maior parte do tempo uma vida solitária, apresentam comportamentos diferentes e por isso tornam-se pessoas de convívio difícil, que tendem a neurotizar-se, o que não significa que inexistam superdotadas naturalmente ajustados. Sendo intectualmente mais capazes do que os outros, melhor do que estes outros, podem ajustar-se, quando amparados e assistidos no devido momento.

Muitos superdotados possuem uma grande capacidade de atenção e de concentração na área de seu interesse e de talento; sendo assim, podem ocorrer dificuldades com o meio ambiente, devido à resistência que opõem à interrupção das atividades nas quais estão empenhados; por terem curiosidade intelectual, espírito de indagação e motivação intrínseca têm tendência a ficarem desinteressados, caso a estimulação não seja válida ou adequada para eles; tendo flexibilidade de pensamento, fluência ideativa, profundidade de compreensão, rapidez perceptiva, capacidade de liderança, originalidade e independência de ação, necessitam de movimento e de ação livre, podendo apresentar problemas de indisciplina, de rebelião e de não conformismo; possuindo uma capacidade de autocrítica aguda e julgamento crítico, tendem a apresentar uma atitude crítica permanente e insatisfação pessoal, denotando, de um modo geral, uma multiplicidade de interesse e sendo por vezes, inconstantes e aparentemente dispersivos; estando sujeitos à instabilidade emocional, à distraibilidade, impaciência, irritação, hiperativismo e negligência pela rotina, desenvolvem tanto atitude de independência de julgamento e de ação, liberdade de expressão e originaildade, como atitudes de exibicionismo, revolta ou oposição, indiferença e agressividade, tendo mesmo, alguns superdotados, a preocupação de ocultar seus talentos, a fim de não criarem situações embaraçosas para os demais e não serem rejeitados pelo grupo de amigos ou colegas.

Frustrados por não terem suas necessidades atendidas, incompreendidos, e fadados ao desânimo e isolamento, os superdotados, mais do que qualquer outro ser humano, exigem atenção e amparo para que possam ajustar-se e colaborar no levantamento da cultura, seja ela humanística, tecnológica ou quem sabe, de vanguarda, na descoberta de problemas terrenos ou extra-terrenos, de que tanto se preocupam os cientistas.

Os superdotados que constituem um grupo minoritário (apenas meio por cento, aproximadamente da população), conseguem realizar-se apesar de e não por causa do sistema educacional ou social, pois não existe ainda uma conscientização nacional da importância de programas especiais para eles.

O presente trabalho encerra duas esperanças: a de dissipar algumas das dúvidas e crenças freqüentes nesta área, e a de facilitar, em algo, a tarefa do enfermeiro que lida com as pessoas excepcionais superiores, que a diversidade de conceitos para defini-las, leva à utilização de variada terminologia para identificá-las: superdotadas, precoces, supernormais, brilhantes, talentosas, gênios, bem dotadas e outras.

RESUMO HISTÓRICO

Através dos séculos, os homens de Estado, a Igreja e os educadores em geral, se preocuparam com os indivíduos de inteligência superior, recrutando crianças bem dotadas para educá-las nas áreas das ciências e das artes.

No Brasil, o atendimento ao superdotado limitou-se a esparsas iniciativas isoladas.

LEONI KASEFF em 1931KASEFF, Leoni — Educação dos Supernormaes, J. R. Oliveira & Cia. — Editores, Rio de Janeiro, 1931., no seu livro "A Educação dos Super-Normaes", referia-se à Reforma do Ensino Primário, Profissional e Normal do Estado do Rio de Janeiro que incluía algumas disposições referentes à seleção de alunos brilhantes.

Em 1933, ESTEVÃO PINTOPINTO, Estevão — O Problema da Educação dos Bem Dotados, Companhia Melhoramentos de São Paulo, São Paulo, 1933. lutava pela necessidade de pesquisas para identificar e desenvolver os superdotados.

Em 1945, HELENA ANTIPOFF, na Sociedade Pestalozzi do Brasil, reunia pequenos grupos de superdotados dos colégios da Zona Sul do Rio de Janeiro, para realizar com eles estudos sobre literatura, teatro e música.

Na década de 50, em São Paulo, JULIETA ORMASTRONI iniciava um programa extra-escolar com o concurso "Cientistas de Amanhã" que tinha como meta, descobrir vocações científicas na juventude estudantil. A este trabalho juntou-se um outro: a "Feira de Ciências".

Em 1962, por iniciativa de HELENA ANTIPOFF, foi realizada a primeira experiência de reunir um grupo de jovens superdotados do meio rural, na Fazenda do Rosário, no Município de Ibirité, em Minas Gerais.

Em 1967, por Portaria Ministerial, criou-se no MEC, Comissão a fim de estabelecer critérios para identificação e atendimento aos superdotados.

Quatro anos mais tarde, o então Departamento de Educação Complementar ao MEC, realizou, na Universidade de Brasília, um Seminário sobre Superdotados, com o objetivo principal de proceder a um levantamento sobre a situação do superdotado no Brasil.

A Lei n.º 5.692/71, que fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1.º e 2.º Graus, pela primeira vez dá um destaque especial ao assunto, quando em seu artigo 9.º determina: "os alunos que apresentarem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrarem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados,deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação". (Grifo da autora) .

No ano seguinte, é dada prioridade à Educação Especial, incluindo-se como Projeto Prioritário no Plano Setorial de Educação e Cultura, no período 1972/ 1974.

Entretanto, somente com a criação do Centro Nacional Especial — CENESP em 1973, o atendimento do superdotado passou a constituir-se em matéria de estudos sistematizados, visando-se à concretização de um atendimento especial e diversificado em todo território nacional.

Constituindo-se em área de grande interesse dos governos, o superdotado, em sua dimensão sócio-psico-educativo, vem merecendo sucessivos e sistemáticos estudos, não só por parte das nações desenvolvidas, como também daqueles engajados no processo de desenvolvimento, tendo sido realizadas sobre o assunto duas Conferências Mundiais, a primeira em 1975, em Londres e a segunda em São Francisco, USA, em 1977.

CARACTERIZAÇÃO DO SUPERDOTADO

O superdotado é aquele que mostra desempenho superior em qualquer linha importante de trabalho, porém torna-se necessária a definição de critérios para a sua caracterização.

— O superdotado intelectual — apresenta alguns dos seguintes traços: rapidez e facilidade de aprendizagem; facilidade de retenção; curiosidade evidenciada através do tipo, propriedade, relevância e freqüência das perguntas formuladas; originalidade de pensamento e de expressão; satisfação na leitura que habitualmente atinge níveis mais maduros em relação aos companheiros de idade; interesse por palavras e idéias manifestado através de uso freqüente de dicionários, enciclopépias e outras fontes de informação; capacidade para generalizar, perceber e fazer associações lógicas; habilidade para coletar, classificar e conservar informações e dados; interesse e apreciação por assuntos dos quais outras crianças não se dão conta; alto senso de humor e alegria; persistência e forte desejo de vencer.

— O superdotado criativo — destaca-se pelos seguintes traços: inteligência superior; sensibilidade emocional; vigor de opiniões; sentimento de desafio diante da imprecisão e da desordem; preferência por lidar com abstrações; forte necessidade de independência e autonomia; resistência à pressão para comportamento conformista; apreciação de qualidades estéticas; auto-imagem precisa; facilidade para recordações precoces, mesmo que desagradáveis; senso de humor; variabilidade de atitudes, entremeando atitudes adultas com atos impulsivos; tendência para respostas imaginativas e emocionais; relativa falta de rigidez e bastante relaxamento; presença de idéias extravagantes e absurdas; auto-aceitação sem medo do ridículo; expressão livre de seus sentimentos, percepção do desconhecido como um desafio; abertura à experiência como um todo; maior tolerância à ambigüidade; maior tendência a julgar com base em valores pessoais internos; tipo de percepção menos dependente dos estímulos e fatos reais, orientando-se mais para o não convencional (percepção intuitiva de possibilidades).

— O superdotado psico-motor — destaca-se por apresentar desempenho fora do comum em: velocidade, agilidade, força e resistência física.

— O superdotado psico-social — apresenta características acentuadas de liderança e habilidade no trato e manejo com outras pessoas e grupos; são mais inteligentes que seus seguidores, mas não muito; tendem a ser ajustados, dominantes, extrovertidos e a ter mais sensibilidade interpessoal.

— O superdotado musical — apresenta as seguintes características: alto senso rítmico e melódico (percepção acurada); capacidade de reproduzir ritmos e melodias; percepção das alturas sonoras (afinação); memória musical; reações rápidas expontâneas na expressão musical; manipulação precoce de instrumentos musicais ainda que de forma intuitiva.

— O superdotado para artes plásticas — as suas características são muito semelhantes às dos criativos. As interpretações da realidade são comunicadas por processos não verbais, as percepções visuais e táteis se projetam e se concretizam nos desenhos, nas pinturas e nas modelagens.

IDENTIFICAÇÃO DO SUPERDOTADO

A identificação do superdotado deve ser feita com a utilização simultânea de diversas fontes de informações: resultados de testes coletivos e individuais; julgamento dos professores, baseado em características e desempenhos da criança na sala de aula; e dados fornecidos pela família.

Assim, a identificação do superdotado se faz por rendimento escolar, teste de interesse; exame de saúde física; apelidos; precocidade; produção original; atitudes talentosas; tipos de passatempos e de leitura; rapidez de compreensão e de aprendizagem; capacidade de substituir o professor; sensibilidade a tipos de preocupação; senso crítico; perseverança e maturidade social.

PROBLEMAS DO SUPERDOTADO

Existem crenças infundadas como a de que haja uma correlação direta e positiva entre o nível de inteligência e o grau de desajustamento; a de que quanto mais capaz o indivíduo, quanto mais "afastado" do homem comum; a de que assim como o indivíduo comum se sente insatisfeito ou desinteressado frente ao deficiente mental, o mesmo deve ocorrer ao superdotado em relação ao que é mediano, e portanto sua integração num grupo normal seria extremamente difícil.

O superdotado não é naturalmente propenso a desvios, se porém lhe faltam o reconhecimento e o cultivo de seu potencial, pode vir a sentir tédio, frustração, ou antagonismo; pode apresentar rebelião, retraimento, alcançar resultados inexpressivos no trabalho, ou ainda sofrer desajustamento emocional.

Algumas fontes de pressão externa podem ser apontadas: pais e professores que incitem o superdotado a se exibir, muitas vezes desejando glórias para si mesmos; certas situações locais, regionais e nacionais que exercem forças persuasivas em direções convenientes a elas mesmas; as escolas, por manterem nível homogêneo de estimulação e de exigência para todos. Entre os efeitos destas e de outras circunstâncias adversas ao superdotado, o problema maior é o da sub-realização.

A escolha ocupacional determina problemas para o superdotado, por dispor de maior número de possibilidades alternativas e de maior facilidade de ser bem sucedido. Outras vezes, a insuficiência de incentivos e desafio mantêm seu nível motivacional inferior àquele a que poderia aspirar, o seu não conformismo à rotina pode criar um entrave a seu bom ajustamento sócio-profissional.

Os problemas de sub-realização e de escolha ocupacional têm repercussão e manifestações sociais diretas, tais como:

• Reação aos pais — muitos pais percebem a excepcionalidade do filho como se fora algo constrangedor, negativo e apresentam dois tipos básicos de comportamento: sentem-se rebaixados pela capacidade do filho, abafam-na em moldes convencionais, criando assim no superdotado, condições de carência, incomunicabilidade, frustração e baixo rendimento. Outros pais orgulham-se do filho brilhante, estimulam-no exagerada-mente, requerem dele demonstrações de talento e exibem-no como um objeto de sua propriedade e os resultados desta atitude incluem a inibição, o isolamento, a insegurança e o sentimento de incompreensão.

Por outro lado, há pais que não se apercebem dos atributos de superdotação, não atendem às necessidades que o filho tem de obter respostas satisfatórias, segurança real e oportunidade de aprender; favorecem o desenvolvimento de traços de infantilidade, dependência, negativismo e oposição ao adulto.

• Reação ao "normal" — capacidades que levam naturalmente a posição de liderança também isolam e marginalizam e, em conseqüência, promovem ansiedade, sub-realização e inadaptação. Quando pais ou professores realçam a separação entre o superdotado e o "normal", propiciam a marginalização e a busca de uma integração social (conformismo) ou de uma compensação (auto-afirmação) .

• Auto-Imagem e Escala de Valores — para o superdotado a concepção de sua excepcionalidade é parte integrante da auto-imagem, mas a possível relação entre a auto-avaliação depreciativa e a auto-imagem não tem sido explorada. Muitas vezes é desconcertante, descobrir que o auto-conceito de um superdotado é às vezes muito diferente das percepções que os outros têm dele. Certos fatores ambientais, sociais e familiares podem impedir o superdotado de se perceber como tal.

O excepcionalmente perceptivo apreende um campo de amplitude maior, e por isto, maior número de falhas, perigos e erros — em si e nos outros; é mais receptivo aos estados emocionais, à alegria e à dor, tanto seus como alheios e é assim, mais afetado por carências, injustiças e frustrações; suas dúvidas e convicções são intensamente vivenciadas e, adquirem para ele valor de metas vitais. Não aceita um código sem prévia avaliação pessoal, e como seus ideais tendem a um nível superior ao comum, encontra-se em conflito freqüente com metas e valores padronizados, por ele parecem materialistas, incoerentes ou insuficientes. Suas razões e suas aspirações podem não ser compreendidas ou aceitas e custar-lhe frustrações, depressões e isolamento.

Para orientar a elaboração de programas amplos especiais para superdotados, FREEHILL propõe as seguintes metas, a serem adotadas pela família, pela escola e pela comunidade: impedir c desajustamento em relação à mediana, de modo que a distância entre o superdotado e o normal não se torne um fator de marginalização; prover ensino e oportunidades de caráter sócio-emocional e técnico, para liderança intelectual e criativa; valorizar menos a acomodação e a tranqüilidade, em prol de uma busca de interesses autênticos e valores próprios; eliminar ou reduzir as pressões afetivas ou outras, que tolhem a realização; e permitir o desenvolvimento gradativo da independência e da expressão, sem forçar o ritmo natural, individual.

DIRETRIZES ATUAIS DO M.E.C. COM RELAÇÃO AO SUPERDOTADO

O superdotado em sua dimensão psico-sócio-educativa tem constituído área de grande interesse do MEC, que fixou uma política de ação a ele relacionada no Projeto Prioritário n.º 35 — Educação Especial — do Plano Setorial de Educação e Cultura 1972/1974, que determina as diretrizes básicas para a ação do CENESP, considerando que: "O direito à educação do excepcional, fundamenta-se nas próprias características filosófico-políticas e sócio-culturais da sociedade democrática brasileira: preceitua-se que todas as pessoas devem ter oportunidade de desenvolver ao máximo as potencialidades próprias. O mesmo se aplica aos superdotados que, atendidos adequadamente, irão formar elites mais aptas aos vários campos de reflexão para darem continuidade e expandirem o desenvolvimento brasileiro, dinamizarem e inovarem a sociedade".

Determina ainda o MEC que a identificação do superdotado seja feita, o mais cedo possível, desde os níveis pré-escolares, objetivando ao pleno desenvolvimento de suas capacidades e ao seu ajustamento social e recomenda que cada indivíduo seja estudado em sua totalidade, utilizando-se de vários procedimentos, para que o processo de identificação atinja padrões máximos de eficiência.

O aluno superdotado, a não ser em casos extraordinários, deverá ser atendido em escolas comuns, onde receberá tratamento especial adequado, não devendo haver preocupação exclusiva com o desenvolvimento dos talentos que possui, mas também com a formação harmoniosa de sua personalidade. O tratamento especial compreenderá, conforme o caso e as condições da escola, programação de enriquecimento curricular, de aceleração de estudos ou as duas modalidades conjugadas. Poderá o superdotado freqüentar classes especiais de escolas comuns, promovendo-se a realização do máximo possível de atividades conjuntas do aluno superdotado e dos demais alunos da escola.

Com o objetivo de integrar a Educação Especial na rede comum de ensino, o CENESP elaborou o Projeção "Reformulação de Currículos para Educação Especial", visando a que quantitativa e qualitativamente a natureza e conteúdo dos currículos correspondam a atendimento efetivo do superdotado e à sua integração na escola.

A ação a ser desenvolvida quanto à abordagem do problema de identificação do superdotado, deve considerar os seguintes aspectos:

— O que se faz necessário: identificação precoce; análise das características dos superdotados e levantamento dos respectivos comportamentos observáveis; e mobilização de recursos da comunidade.

— Alternativas de ação: elaboração de instrumentos de identificação para uso dos professores e agentes da comunidade; formação de núcleos de identificação junto a centros experimentais; e implantação de núcleos de identificação nos Estados.

Quanto ao atendimento, a ação a ser desenvolvida deve considerar:

_ O que se faz necessário: aumento das possibilidades, mediante enriquecimento, aceleração, agrupamento especial e programas — protótipo.

— Alternativas de ação: estímulo as iniciativas já existentes: criação de Centros de Experimentação junto às Universidades; orientação dos pais junto a. escolas, parques infantis e agências da comunidade; promoção de publicações especializadas; uso da TV educativa para instrução e sensibilização; elaboração de material de instrução para uso dos superdotados; concessão de bolsas de estudo a superdotados; preparação de pessoal técnico e docente; formação de grupos de planejamento nas diversas regiões do país.

O SUPERDOTADO E A ESCOLA

O maior desafio no atendimento educacional ao superdotado consiste em mobilizar recursos comunitários que favoreçam uma situação mais eficaz entre os órgãos governamentais e as entidades particulares.

O superdotado deve ser integrado no ritmo normal de uma escola e paralelamente ter uma assistência especializada complementar. No entanto, as iniciativas têm sido isoladas, como por exemplo, a Associação de Desenvolvimento e Assistência a Vocações de Bem-Dotados (ADAV), em Belo Horizonte, criada por Helena Antipoff. No Rio Grande do Norte, o Núcleo de Educação de Excepcionais possui um setor especializado também em pesquisas sobre o superdotado. É contudo em Brasília que está sendo realizada a experiência mais animadora de todas: as escolas-parque. O Projeto consiste na experiência de um currículo mínimo, básico para todas as crianças e, paralelamente, um sistema de clubes sediados nas escolas-parque, com freqüência opcional e horário adicional, garantindo a cada aluno a oportunidade de se concentrar em aptidões específicas, como ciências, artes plásticas e dramáticas, música, literatura e outras atividades, de acordo com os interesses manifestados.

Em Belo Horizonte, a ADAV está executando o Projeto CIRCULA (Civilização Rural, Cultura e Lazer), através do qual mantém colônias de férias, onde as crianças do meio rural, arregimentadas por indicação das Delegacias Regionais de Ensino, são assistidas por especialistas durante um determinado período.

No Município do Rio de Janeiro, desde 1973, estão funcionando três núcleos de enriquecimento de alunos superdotados, nas Escolas Canadá, Soares Pereira e Argentina, que recebem crianças superdotadas de várias outras escolas. As crianças participam das atividades normais de suas escolas e duas vezes por semana, participam das atividades dos núcleos: pesquisas, trabalho de pintura, modelagem, desenho, teatro, expressão corporal, ou o que quer que seja sua preferência, enquanto seus pais recebem, periodicamente orientação sobre as atitudes a serem adotadas em relação ao talento de seus filhos.

O que deve ser considerado nessas experiências, é a atmosfera favorável, livre de ansiedade, para ajudar o superdotado a resolver seus conflitos de adaptação, motivados pelo choque entre suas potencialidades e necessidades próprias e a limitação que encontra para suas realizações. Psicólogos são unânimes em afirmar que os estados de tensão no superdotado são comuns, por conta de suas necessidades pessoais, das solicitações externas e das expectativas sociais relacionadas às suas potencialidades diversas.

O SUPERDOTADO E A FAMÍLIA

O estudo e o atendimento do superdotado se estendem à sua família com dois objetivos principais. O primeiro é pesquisar a origem da superdotação e se integra no movimento de identificação do superdotado na sociedade, procurando caracterizar quais aptidões pessoais, práticas de criação, características sócio-econômicas ou que outros aspectos aparecem nas famílias como ligados às atitudes excepcionais. Certas características destes lares poderiam ser propiciadas à população como condições desejáveis na educação dos filhos. O segundo objetivo é o de orientar a família quando um dos seus membros é superdotado, pois as condições familiares deverão ser apropriadas a um desenvolvimento satisfatório.

Os valores defendidos pela família na auto-realização de seus filhos são variáveis que podem promover um desenvolvimento mais intenso das aptidões infantis. Atitudes positivas dos pais frente a metas de aprendizagem e realização associadas a outras características favoráveis do ambiente familiar são freqüentemente encontradas no histórico de superdotados. Até recentemente as tentativas de identificar superdotados na população tendiam a recair sobre o elemento médio de certos grupos sócio-econômico-culturais mais propícios ao desenvolvimento ou à manifestação de dotes superiores. Hoje, ao ampliar-se a busca com meios mais elaborados de pesquisa, é dada oportunidade a crianças provindas de lares menos favorecidos e o estudo de suas famílias poderá vir a confirmar ou corrigir conclusões anteriores sobre a origem ambiental da superdotação, considerando-se que aptidões excepcionais podem manter-se desapercebidas se não houver condições que lhes sejam favoráveis.

O desconhecimento sobre a superdotação e sobre as necessidades e características de pessoas superdotadas leva até mesmo pais muito adequados a erros de criação. Deve-se considerar ainda a carga emocional representada por uma pessoa "superior" no contexto familiar. Pessoas despreparadas poderão ser atingidas justamente em seus traços de insegurança, por crianças de comportamentos inesperados que são características do superdotado. Suas reações poderão recair em atitudes desfavoráveis para a criança e incluir: inveja e desconfiança; vaidade e exibicionismo; excesso de expectativa e exigência; afastamento e marginalização; incompreensão e repressão. Os efeitos negativos de tais reações, especialmente se provinda dos pais, são bem conhecidas.

Para propiciar ao superdotado a oportunidade de se desenvolver de modo sadio, é indispensável a adoção dos seguintes procedimentos:

— Esclarecimentos gerais à comunidade sobre: indícios e características de superdotação; necessidades básicas, pessoais, sociais e pedagógicas do superdotado; e recursos existentes adequados ao melhor desenvolvimento de talentos superiores.

— Processo contínuo de informações e orientação aos pais, voltado para: conhecimento das capacidades e necessidades psico-sócio-pedagógicas de seu filho; e discussão de atitudes e dinâmica existentes na família.

— Aconselhamento psicológico aos pais, visando: facilitar o relacionamento intra-familiar; atender a situações de conflito e dúvida; compreender e resolver dificuldades pessoais que os pais encontram na aplicação de práticas educativas e de relacionamento familiar; e ajudar a elaborar fórmulas para atender às necessidades sócio-afetivas do superdotado.

O SUPERDOTADO E O MERCADO DE TRABALHO

A partir do momento em que o superdotado é identificado, ele passa a ser olhado com especial atenção por pais, professores e amigos, o mesmo ocorrendo quando ele tenta um caminho profissional.

Enquanto criança, é grandemente incentivado nos seus dotes intelectuais, mas por ocasião de seu ingresso no mercado de trabalho os problemas surgem, pois ele percebe ser, mais do que uma exceção na regra de normalidade, mas e principalmente uma ameaça a essa normalidade.

Sua admissão numa instituição poderá representar um desequilíbrio de qualidade no quadro de servidores, foco de insatisfação e desajustes entre os mesmos.

O fato de ser ele capaz de produzir com qualificação superior e originalidade o marginaliza, constituindo-se em problema grave a sua colocação no mercado de trabalho e determina a tendência dominante que o leva ao trabalho solitário, que é mais fácil do que a sua integração em equipes de trabalho.

Torna-se necessário favorecer-lhe a auto-realização e aumentar-lhe as possibilidades de vir a tornar-se fator de desenvolvimento e dinamização da sociedade, além de considerar que o superdotado sem emprego ou subutilizado é um revoltado em potencial.

CONCLUSÕES

— Os sistemas educacionais e sociais não atendem de modo satisfatório aos superdotados, pois as suas potencialidades precisam ser devidamente estimuladas pelo meio ambiente.

— Esforços especiais devem ser desenvolvidos para atender às necessidades dos superdotados pois eles têm direito a uma educação diferenciada, pois caso:

— Atendidos, contribuem com importantes descobertas e inovações no campo das ciências, das artes e da política e mesmo ainda em áreas desconhecidas, possibilitando maior desenvolvimento do país.

— Não atendidos adequadamente, podem apresentar sérias dificuldades no seu ajustamento, desperdiçando seus talentos e sua criatividade e o que é pior, podem utilizar seus talentos e capacidades de forma negativa.

— A sociedade, a escola e a família devem favorecer alternativas capazes de proporcionar ao superdotado oportunidades de expansão de suas potencialidades a fim de não ser desperdiçado seu expressivo potencial humano, que se constitui na grande força intelectual, artística e política do Brasil de amanhã.

  • MEDEIROS, N.R.D. - O superdotado como agente acelerador do desenvolvimento. Rev. Bras. Enf.; DF, 31:312-320, 1978.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    FREEHILL, Maurice F. — Gifted Children: Their Psychology and Education, Mc Millan Co., New York, 1961.
  • 2
    KASEFF, Leoni — Educação dos Supernormaes, J. R. Oliveira & Cia. — Editores, Rio de Janeiro, 1931.
  • 3
    MEC-CENESP — Características e problemas de aprendizagem dos superdotados, Rio de Janeiro, 1976.
  • 4
    ---- Educação Especial — Superdotados, Rio de Janeiro. 1976.
  • 5
    PINTO, Estevão — O Problema da Educação dos Bem Dotados, Companhia Melhoramentos de São Paulo, São Paulo, 1933.
  • 6
    ROSENBERG, R. L. — Psicologia dos Superdotados, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1973.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 1978
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