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A enfermagem como protagonista no enfrentamento da hesitação e recusa vacinal

Desde a década de 1970, o Ministério da Saúde do Brasil instituiu o Programa Nacional de Imunização (PNI), que precedeu o Sistema Único de Saúde e que lhe foi incorporado e fortalecido, devido ao modelo descentralizado aos municípios, mas de comando único ao nível central. Seu objetivo era e ainda é coordenar as ações de vacinação para controlar, erradicar e eliminar doenças imunopreveniveis.

Em 50 anos de existência do programa, além de oferecer cobertura gratuita para todos os brasileiros, as ações do PNI costumeiramente foram aumentadas com o passar do tempo, diversificando a variedade de imunobiológicos implantados nos calendários de rotina de vacinação ou oferecidas como imunobiológicos especiais, bem como o quantitativo de vacinas oferecidas à população, tornando-se assim um dos maiores programas de vacinação pública do mundo.

Dessa forma, o PNI colaborou na prevenção de diversas enfermidades, com quedas significativas das taxas de incidência de doenças imunopreveníveis e melhoria de indicadores de saúde, promovendo impacto positivo na expectativa de vida da população brasileira(11 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. The Brazilian National Immunization Program: 46 years of achievements and challenges. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2):1-17. https://doi.org/10.1590/0102-311x00222919
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). Por outro lado, a diminuição da incidência de algumas doenças trouxe uma falsa ideia dos seus desaparecimentos, gerando baixa adesão à vacinação e diminuindo a importância dada às vacinas como principal meio de prevenção.

Em estudo publicado em 2020, o Sistema Nacional de Vigilância do PNI identificou diminuição da cobertura vacinal desde 2010 e heterogeneidade entre os municípios, trazendo, em consequência, a reintrodução de doenças controladas, como sarampo e poliomielite(22 Arroyo LH, Ramos ACV, Yamamura M, Weiller TH, Crispim JA, Cartagena-Ramos D, Áreas com queda da cobertura vacinal para BCG, poliomielite e tríplice viral no Brasil (2006-2016): mapas da heterogeneidade regional. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00015619. https://doi.org/10.1590/0102-311X00015619
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).

Esse contexto, acentuado com o isolamento social gerado pela pandemia do coronavírus, com a agravante e constante disseminação de fake news ocasionada pela expansão dos meios de comunicação, particularmente com a presença da internet e seu elevado poder de propagação(33 Neto M, Gomes TO, Porto FR, Rafael RMR, Fonseca MHS, Nascimento J. Fake news no cenário da pandemia de Covid-19. Cogitare Enferm. 2020;25. https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.72627
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), somado ao desconhecimento da população sobre a temática, contribuiu para comportamentos como hesitação e recusa vacinal, com queda nas coberturas vacinais de forma bastante negativa. Materiais da internet mostram conteúdos em que dúvidas são colocadas junto aos apelos emocionais, misturados com notícias reais entre as falsas, o que acaba gerando credibilidade à desinformação veiculada(44 Borges dos Santos ML, Leite AE, Lambach M. Mecanismos de consolidação da cultura da ignorância: o cotidiano de um grupo anti-vacina. ReDoC [Internet]. 2023 [cited 2023 Oct 18];7(2):198-209. Available from: https://www.e-publicacoes.uerj.br/re-doc/article/view/69353
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).

A enfermagem, que tem contribuído para a efetividade do PNI ao longo do tempo, empreendendo suas competências técnicas, científicas e éticas no seu desenvolvimento, depara-se com este novo desafio: a hesitação e a recusa vacinal decorrentes de inverdades que tentam descontruir o conhecimento científico embasado em evidências e métodos científicos.

Considerando-se o protagonismo da enfermagem no PNI, o mesmo deve-se atentar para embasar o seu trabalho nas melhores e mais recentes evidências científicas, considerando a constante evolução de conhecimento e sendo capaz de promover educação em saúde dentro e fora das Unidades Básicas de Saúde, apropriando-se de e disseminando as informações sobre a vacinação com embasamento científico e adaptado ao nível de compreensão da sociedade.

A equipe de enfermagem, treinada e capacitada, é responsável pelos procedimentos nas salas de vacinas, incluindo o manuseio, a conservação, o preparo, a administração, o registro e o descarte dos resíduos resultantes das ações de vacinação, bem como pela educação permanente da equipe, atentando-se para a cobertura vacinal da população e a ocorrência de eventos adversos.

A gestão e a coordenação de imunização dos estados e municípios devem garantir as capacitações sobre imunização e rede de frio e, assim, executar a imunização de forma resolutiva e com qualidade para que se possa atingir uma cobertura vacinal elevada e homogênea, visando à manutenção da eliminação ou controle das doenças imunopreveníveis.

Assinala-se que, em toda a cadeia de ações do PNI, tem-se de forma estratégica o trabalho da equipe de enfermagem sob a liderança do enfermeiro, desde o planejamento de nível central até a liderança das equipes locais que atuam nas salas de vacinação.

Nesse ínterim, ressalta-se a necessidade da realização de mais pesquisas pela enfermagem para a compreensão do impacto das fake news disseminadas na população relacionadas à hesitação e à recusa vacinal, bem como para o desenvolvimento de estratégias de comunicação efetiva com a sociedade para reverter as baixas coberturas vacinais e reatar a confiança da população brasileira no PNI.

REFERENCES

  • 1
    Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. The Brazilian National Immunization Program: 46 years of achievements and challenges. Cad Saude Publica. 2020;36(suppl 2):1-17. https://doi.org/10.1590/0102-311x00222919
    » https://doi.org/10.1590/0102-311x00222919
  • 2
    Arroyo LH, Ramos ACV, Yamamura M, Weiller TH, Crispim JA, Cartagena-Ramos D, Áreas com queda da cobertura vacinal para BCG, poliomielite e tríplice viral no Brasil (2006-2016): mapas da heterogeneidade regional. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00015619. https://doi.org/10.1590/0102-311X00015619
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00015619
  • 3
    Neto M, Gomes TO, Porto FR, Rafael RMR, Fonseca MHS, Nascimento J. Fake news no cenário da pandemia de Covid-19. Cogitare Enferm. 2020;25. https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.72627
    » https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.72627
  • 4
    Borges dos Santos ML, Leite AE, Lambach M. Mecanismos de consolidação da cultura da ignorância: o cotidiano de um grupo anti-vacina. ReDoC [Internet]. 2023 [cited 2023 Oct 18];7(2):198-209. Available from: https://www.e-publicacoes.uerj.br/re-doc/article/view/69353
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/re-doc/article/view/69353

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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