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Sentimentos a respeito do nascimento por um grupo de gestantes de alto risco

RESUMO

Objetivo:

compreender os sentimentos a respeito do nascimento por um grupo de gestantes de alto risco.

Método:

estudo descritivo e qualitativo, tendo a fenomenologia social de Alfred Schütz como referencial teórico filosófico. Participaram do estudo 25 gestantes em acompanhamento de pré-natal de alto risco. A entrevista contou com as seguintes questões norteadoras: fale-me sobre seus sentimentos em relação ao momento do nascimento/parto; Como você lida com o diagnóstico de alto risco? Quais suas expectativas para o nascimento/parto?

Resultados:

emergiram cinco categorias: Medo da assistência obstétrica; Medo das complicações com o bebê; Medo da cesariana; A resiliência diante da gestação de alto risco; e Expectativas para o nascimento.

Considerações:

as gestantes de alto risco sentem medo da assistência que receberão, dos riscos e apreensividade quanto à vitalidade do bebê no nascimento. Ressalta-se a importância de assistência com ambiente acolhedor, efetivação de vínculo e comunicação entre equipe de saúde e gestante.

Descritores:
Gravidez; Gravidez de Alto Risco; Nascimento; Análise de Sentimentos; Humanização da Assistência

ABSTRACT

Objective:

to understand feelings about birth among a group of high-risk pregnant women.

Method:

a descriptive and qualitative study, using Alfred Schütz’s social phenomenology as a philosophical theoretical framework. The study included 25 pregnant women undergoing high-risk prenatal care. The interview had the following guiding questions: tell me about your feelings regarding the moment of birth/childbirth; How do you deal with the high-risk diagnosis? What are your expectations for birth/childbirth?

Results:

five categories emerged: Fear of obstetric care; Fear of complications with the baby; Fear of cesarean section; Resilience in the face of high-risk pregnancy; and Expectations for birth.

Considerations:

high-risk pregnant women are afraid of the care they will receive, the risks and concern about the baby’s vitality at birth. The importance of care is emphasized, with a welcoming environment, bonding and communication between health team and pregnant woman.

Descriptors:
Pregnancy; Pregnancy, High-Risk; Parturition; Sentiment Analysis; Humanization of Assistance

RESUMEN

Objetivo:

comprender los sentimientos sobre el parto de un grupo de gestantes de alto riesgo.

Método:

estudio descriptivo y cualitativo, utilizando como marco teórico filosófico la fenomenología social de Alfred Schütz. El estudio incluyó a 25 mujeres embarazadas que se sometían a atención prenatal de alto riesgo. La entrevista tuvo las siguientes preguntas orientadoras: cuénteme sobre sus sentimientos con respecto al momento del nacimiento/parto; ¿Cómo lidia con el diagnóstico de alto riesgo? ¿Cuáles son sus expectativas para el nacimiento/parto?

Resultados:

surgieron cinco categorías: Miedo a la atención obstétrica; Miedo a las complicaciones con el bebé; Miedo a la cesárea; Resiliencia ante el embarazo de alto riesgo; y Expectativas de nacimiento.

Consideraciones:

las gestantes de alto riesgo tienen miedo de la asistencia que recibirán, de los riesgos y aprensión en cuanto a la vitalidad del bebé al nacer. Se destaca la importancia de la asistencia con ambiente acogedor, vínculo y comunicación entre el equipo de salud y la gestante.

Descriptores:
Embarazo; Embarazo de Alto Riesgo; Parto; Análisis de Sentimientos; Humanización de la Atención

INTRODUÇÃO

O parto é um dos momentos mais marcantes na vida de uma mulher, pois, além de ser um evento biológico, social e cultural, é o momento em que nasce uma mãe. É também a transição de uma realidade conhecida para uma nova e, muitas vezes, desconhecida(11 Feitosa RMM, Souza JCP, Freitas RJM, Cabral SAR, Souza LFF. Fatores que influenciam a escolha do tipo de parto na percepção das puérperas. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2017;9(3):717-26. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v9i3.717-726
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).

Devido à intensificação de técnicas intervencionistas e tecnicistas, com o tempo, o parto deixou de ser um momento familiar, fisiológico e centrado no cuidado à mulher, tornando-se uma prática médica, passando o protagonismo para a equipe de saúde. Por muitas vezes, o parto se tornou angustiante e traumático, uma vez que a gestante perde o controle da situação e a sua autonomia, cabendo ao médico a condução desse processo(22 Leal MS, Moreira RCR, Barros KCC, Servo MLS, Bispo TCF. Humanization practices in the parturitive course from the perspective of puerperae and nurse-midwives. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 4):e20190743. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0743
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-33 Oliveira MC, Merces MC. Percepções sobre violências obstétricas na ótica de puérperas. Rev enferm UFPE. 2017;11(Supl-6):2483-9. https://doi.org/10.5205/reuol.9799-86079-1-RV.1106sup201701
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).

A decisão sobre a via de nascimento é pouco compartilhada entre médico e gestante. Estudo com gestantes de alto risco no estado de São Paulo demonstra que elas tiveram dificuldades em escolher a via de parto, e as que fizeram, optaram em sua maioria pelo parto vaginal, contrapondo a escolha da cesariana quando a decisão era tomada pelo médico. A escolha individual das mulheres pela via de parto não representou, neste estudo, seu protagonismo ou autonomia. Chama atenção o fato de que, com menor frequência, as mulheres relataram a possibilidade de decisão conjunta entre gestante e médico e que, em 60,5% desses casos, a cesariana foi a opção de escolha(44 Fernandes JÁ, Campos GWS, Francisco PMSB. Perfil das gestantes de alto risco e a cogestão da decisão sobre a via de parto entre médico e gestante. Saúde Debate. 2019;43(121). https://doi.org/10.1590/0103-1104201912109
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). A via de parto não deve ser decidida baseando-se apenas nos conhecimentos técnicos, pois se tornaria uma onipotência injustificada, portanto, é necessário ouvir a gestante e compartilhar a decisão(55 Ministério da Saúde (BR). Gestação de alto risco: manual técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 5ª ed. 2010. 302 p.).

A cesariana está associada ao maior risco de morbidade materna e fetal(66 Terto RL, Silva TPR, Viana TGF, Sousa AMM, Martins EF, Souza KV, et al. Association between early pregnant hospitalization and use of obstetric interventions and cesarean: a crossectional study. Rev Bras Enferm. 2021;74(4):e20200397. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0397
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). A Organização Mundial da Saúde preconiza que as taxas de cesarianas devem ser inferiores a 15%, entretanto dados fornecidos pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) mostram que, no ano de 2018, as taxas de cesariana alcançaram 55,9% dos nascimentos no Brasil(77 Ministério da Saúde (BR). Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Nascimento por ano segundo tipo de parto. 2018.). No Paraná, a Lei Estadual nº 20.127/2020, que dispõe sobre direitos da gestante e da parturiente, tais como o da gestante optar pela cesariana em situações eletivas, tem elevado consideravelmente as taxas de cesariana, a pedido no estado, com dados não publicados.

A gestação de alto risco é caracterizada pela presença de maior risco de evolução desfavorável para a mulher ou bebê, quando comparada à média da população considerada. No entanto, o parto vaginal deve ser estimulado, a depender das condições clínicas de ambos(55 Ministério da Saúde (BR). Gestação de alto risco: manual técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 5ª ed. 2010. 302 p.).

Há muita expectativa e sentimentos envolvidos no nascimento, uma vez que o bebê, antes de nascer, já é imaginado pela mulher. Em gestações de alto risco, a mulher constantemente vivencia sentimentos confusos e ambíguos antes do parto. Concomitantemente ao desejo da mulher de ter seu filho, ela também demonstra preocupações, apresentando medo de que ele nasça com problemas ou ainda nasça morto. Ainda que elas possam imaginar como serão seus bebês e planejar o nascimento, frequentemente este não acontece da forma que idealizaram(88 Azevedo KF, Vivian AG. Representações maternas acerca do bebê imaginário no contexto da gestação de alto risco. Diaphora. 2020;9(1):33-40. https://doi.org/10.29327/217869.9.2-5
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).

Nesse contexto, entender como a mulher se sente antes do parto é essencial para ajudá-la a refletir sobre as possibilidades no momento do nascimento do seu filho, afirmando que a dor é real, no entanto, é suportável, e não necessita ser tratada farmacologicamente. Acredita-se que, dessa maneira, haja alívio da ansiedade e aumento da segurança e da autonomia sobre a forma de condução do parto. Além disso, melhorará a qualidade de vida reprodutiva das mulheres, reduzindo os custos com assistência médica e as repercussões negativas à saúde materna e neonatal(99 Marins RB, Cecagno S, Gonçalves KD, Braga LR, Ribeiro JP, Soares MC. Tecnologias de cuidado para o alívio da dor na parturição. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2020;12:276-81. https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v12.8502
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).

Ainda, orientar as gestantes no pré-natal sobre as vias de parto e as possibilidades de uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor no trabalho de parto auxilia no enfrentamento de seus medos e inseguranças, contribuindo com a redução das taxas de cesariana desnecessária(1010 Dias BAS, Leal MC, Pereira APE, Pereira MN. Variações das taxas de cesariana e cesariana recorrente no Brasil segundo idade gestacional ao nascer e tipo de hospital. Cad Saúde Pública 2022;38(6):e00073621. https://doi.org/10.1590/0102-311XPT073621
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).

Para compreender os sentimentos e angústias que as gestantes de alto risco vivenciam a respeito do nascimento, utilizaremos a sociologia fenomenológica de Alfred Schütz, pois ela propicia o aprofundamento das significações, intenções, crenças e valores das pessoas, que atribuem significados singulares às suas ações e relações humanas. A perspectiva fenomenológica busca compreender o ser humano e sua visão de mundo, com seus verdadeiros significados e intencionalidades, contemplando-o como um ser único em sua individualidade que vivencia e interpreta o mundo de maneira pessoal e interage com seus pares, transformando-os e sendo transformados(1111 Schütz A. Fenomenologia del mundo social. Buenos Aires (DF): Paidos; 1973.).

OBJETIVO

Compreender os sentimentos a respeito do nascimento por um grupo de gestantes de alto risco.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo seguiu as normas regulamentadoras para pesquisa com seres humanos segundo a Resolução 466/2012 (BRASIL, 2012). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina (UEL). As participantes foram orientadas sobre o objetivo da pesquisa, e só foram incluídas após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Tipo de estudo e referencial teórico-metodológico

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, tendo a fenomenologia social de Alfred Schütz como referencial teórico filosófico, e os dados foram analisados à luz do mesmo(1212 Schütz A. El problema de la realidad social. Escritos I. Buenos Aires: Amorrortu; 2003.). A pesquisa atendeu aos itens da lista de verificação do COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ).

A relação social é enfatizada por Schütz como elemento essencial na interpretação dos significados subjetivos implícitos na ação dos sujeitos no mundo da vida. A realidade é o mundo da vida cotidiana, também chamado de mundo do senso comum ou simplesmente mundo da vida(1212 Schütz A. El problema de la realidad social. Escritos I. Buenos Aires: Amorrortu; 2003.).

Esse referencial não se interessa em examinar o comportamento individual particular de cada sujeito. O foco de interesse está no que pode ser revelado como uma característica padrão ou traço típico de todo um grupo social que está vivenciando uma dada situação. Esse padrão chama-se “tipo vivido”(1111 Schütz A. Fenomenologia del mundo social. Buenos Aires (DF): Paidos; 1973.). Dessa forma, buscaremos compreender os significados na vivência intersubjetiva da relação social entre as gestantes.

Na fenomenologia, é o homem que dá significado à sua ação. A ação social é uma conduta humana projetada pelo sujeito, de maneira intencional, dotada de propósito. Nesse sentido, a compreensão do social volta-se para o comportamento do indivíduo em relação aos motivos que conduzem sua ação. Para Schütz, as ações que se relacionam ao alcance de objetivos futuros, expectativas e projetos são chamados de “motivos para”. As ações que se baseiam no passado, no acervo de conhecimentos disponíveis, na experiência prévia vivida, são as “motivos porque”(1111 Schütz A. Fenomenologia del mundo social. Buenos Aires (DF): Paidos; 1973.,1313 Schütz A. El problema de la realidad social. Buenos Aires (DF): Amorrortur Editores; 1974).

Diante desses conceitos trabalhados por Schütz, pretende-se dar voz às gestantes de alto risco, considerando suas subjetividades, singularidades e as relações intersubjetivas, na tentativa de revelar a essência do fenômeno estudado, os sentimentos em relação ao nascimento revelado pelos “motivos porque” e suas expectativas para esse momento por meio dos “motivos para”.

Fonte de dados e cenário do estudo

As participantes do estudo foram vinte e cinco gestantes que faziam acompanhamento de pré-natal no ambulatório de especialidades de um hospital universitário localizado no norte do Paraná.

Foram incluídas gestantes classificadas como alto risco, que estivessem no segundo trimestre gestacional, com idade cronológica acima de 18 anos, orientadas no tempo e espaço. Gestantes com anomalias fetais e primigestas foram excluídas do estudo. A delimitação do número de participantes ocorreu quando os fenômenos foram desvelados e não tiveram mais informações novas para análise e discussão, ou seja, o momento de saturação teórica foi considerado ao encontrar a resposta do objeto em estudo(1414 Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qual [Internet]. 2017[cited 2023 Feb 2];5(7):01-12. Available from: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/82
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).

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados no período de junho a setembro de 2020, por meio de uma entrevista presencial com a gestante, realizada pela pesquisadora principal nas dependências do ambulatório, em sala privada. A pesquisadora que realizou a coleta possui residência em enfermagem obstétrica. As gestantes foram selecionadas por conveniência. Eram convidadas a participar no momento da pós-consulta e, ao aceitar, eram conduzidas para este ambiente privativo. As entrevistas tiveram duração média de 20 minutos, foram gravadas em aparelho celular e as falas foram transcritas na íntegra. Para a coleta dos dados, utilizaram-se três perguntas norteadoras: fale-me sobre seus sentimentos em relação ao momento do nascimento/parto; Como você lida com o diagnóstico de alto risco? Quais suas expectativas para o nascimento/parto?

Análise

Os resultados foram analisados manualmente e apresentados conforme os princípios metodológicos de pesquisa fenomenológica em Schütz. Didaticamente, são classificados seis princípios interligados, não sendo apresentados em etapas. O quarto princípio é a interpretação subjetiva da significação dos motivos “porque” e “para”, relatados pelas participantes, e a organização desses motivos é apresentada em categorias, nas quais as falas são interpretadas(1515 Zeferino MT, Carraro TE. Alfred Schütz: do referencial teórico-filosófico aos princípios metodológicos de pesquisa fenomenológica. Texto Contexto Enferm. 2013;22(3):826-34 https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000300032
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).

RESULTADOS

Foram entrevistadas 25 gestantes com idade entre 18 e 41 anos. A maior parte era branca (60%); estava em união civil legalizada (53,3%); era do lar (66,6%); e muitas cursaram o ensino médio (86,6%), mas nem todas o completaram. Não houve perdas ou recusas.

A média de gestações foi três, mas algumas mulheres eram multigestas, com sete gestações. A idade gestacional variou entre 20 e 38 semanas. As patologias maternas mais prevalentes foram síndromes hipertensivas (43,3%), diabetes gestacional (20%) e tireoidopatias (10%).

O parto é um fenômeno fisiológico e uma experiência social. Assim, a mulher elabora suas percepções por meio da vivência da gestação e do parto, mas também da inter-relação entre indivíduos. Essas inter-relações podem resultar em sentimentos positivos ou não. Os relatos apresentados a seguir construíram as categorias concretas do vivido de um grupo de gestantes sobre os sentimentos a respeito do nascimento.

As mulheres relataram a sensação de medo relacionada a alguns aspectos, seja por vivências pessoais ou experiências do coletivo, e expectativas para a assistência obstétrica humanizada. Desse sentimento e sensação, surgiram quatro categorias relacionadas aos motivos porque: Medo da assistência obstétrica; Medo das complicações com o bebê; Medo da cesariana; e A resiliência diante da gestação de alto risco, e uma categoria pertinente aos motivos para: Expectativas para o nascimento.

Medo da assistência obstétrica

Desde o começo, eu nunca quis ter o parto normal, desde o começo. Mas, ultimamente, eu tenho pensado em ter parto normal. Eu queria mesmo ter o humanizado, eu tenho um pouco de medo de sofrer violência obstétrica, medo de ficar sozinha. (G2)

Ah, a gente tem muito medo, eu tenho medo mesmo já tendo feito dois partos. Quando eu tive meu último filho, eu fiquei com um pouco de trauma, foi meio constrangedor. O doutor “judiou” muito, não sabia tratar bem a gente e eu fiquei com medo e estou com medo [...]. (G4)

Tenho medo de ser maltratada e de algo acontecer na cirurgia. Um motivo acaba levando ao outro, porque, se você é bem atendido, você não fica com medo, mas, se você chega sendo maltratada, você já fica com medo do que pode acontecer. (G9)

Minha mãe teve uma experiência de perder o meu irmão por causa do parto normal. Ele nasceu pelos pés primeiro e ficou muito tempo enroscado, acabou morrendo, por isso eu tenho trauma. (G10)

Eu tenho medo do parto normal, porque todo mundo fala que dói muito. Uma amiga minha teve bebê agora e ela falou que sentiu muita dor, uma dor que não tem nem explicação [...]. (G15)

Tenho medo do parto, porque minha irmã teve um parto recentemente, e ela disse que deixaram ela lá sozinha durante o trabalho de parto. (G19)

Medo das complicações com o bebê

Eu já tive uma cesárea onde o bebê nasceu e faleceu. Eu tive eclampsia gravídica, meu bebê não nasceu bem, ficou internado e morreu. Dessa vez, eu gostaria que fosse diferente, tenho medo de acontecer de novo. (G1)

Eu tenho medo, bastante. Quando eu paro para pensar, dá muito medo do que pode acontecer na hora. Eu tenho medo, e caso seja cesárea, medo da anestesia que eles dão, medo dos meus bebês ficarem em incubadora. (G5)

Medo do parto, mesmo, não, eu tenho medo de acontecer alguma coisa com o bebê. Nem tanto medo da dor, mas de o bebê não querer sair na hora. (G10)

Tenho medo, por ver os relatos, a gente fica um pouco assustada de acontecer alguma coisa com o bebê. (G25)

Medo da cesariana

Não vou falar que eu não tenho medo, porque eu tenho. A gente com gravidez é um pé dentro e fora da cova. Não é medo da dor, porque eu já sei que dói mesmo. É medo de não aguentar [...]. Dizem que o segundo parto é mais rápido. Eu tenho medo da cesárea por causa da anestesia, porque eu nunca tomei nenhuma anestesia. (G22)

Se for uma cesárea, eu já teria mais medo por causa da cirurgia, do corte, da recuperação. (G24)

Falaram que talvez meu parto será cesárea, e eu fiquei morrendo de medo. Eu tenho medo da cesárea por causa da anestesia, medo de não funcionar. (G25)

Eu tenho um pouco de medo da cesárea, minha mãe fez cesárea e, pelo que ela relata, sentia muita dor depois, e eu acredito que a recuperação seja mais lenta. É um corte extremamente profundo, corta o útero. Eu acredito que uma cesárea não é um parto natural. Quando existe um risco na vida da mãe ou da criança, eles optam pela cesárea, mas se não for isso, eu não vejo necessidade específica para mim. (G6)

Alguns medos que envolvem o nascimento estiveram presentes neste grupo de gestantes, o que as motivou a uma atitude de resiliência, ou seja, de enfrentamento e superação diante das adversidades que geraram seus “motivos porque” do medo. Portanto, ao responderem à pergunta “Como você lida com o diagnóstico de alto risco”, elas apresentaram estratégias e habilidades para superar e resistir às experiências desfavoráveis, como uma gestação de alto risco. A adaptação positiva para se obter estabilidade diante dos sentimentos negativos foi encontrada na distração desses pensamentos, na busca pela informação com o médico diante do medo do desconhecido, no controle da ansiedade, na fé e religião, na ajuda psicológica e no uso de práticas integrativas como a meditação.

A resiliência diante da gestação de alto risco

Eu tento não colocar coisas na cabeça. Tento me entreter com outras coisas, como meu trabalho. Ajuda bastante a não ficar pensando tanto. As experiências dos outros acabam afetando um pouco, mas eu tento não ficar com isso na minha cabeça. Eu vou colocando nas mãos de Deus, pedindo pra Deus me ajudar. (G4)

Quando eu estou com dúvida mesmo, eu pergunto para minha médica. Isso de ficar pesquisando, você acaba vendo coisa que nem deveria ver e achando que isso pode acontecer comigo e com meus bebês. (G5)

Eu tenho muita fé na Nossa Senhora Aparecida, então eu coloco a fé em primeiro lugar. Eu não gosto muito de pesquisar, não, mas acabo escutando as colegas falarem sobre. (G10)

Eu tento não ficar conversando com muita gente, e quando eu encontro com uma grávida, nem pergunto muito. Eu tento receber menos opinião, ficar calma, pedindo muito a Deus que dê certo independente do que for. (G11)

Para controlar a ansiedade, eu assisto vídeos sobre mamães mostrando depois que o bebê nasce. (G15)

O meu psicólogo começou a me atender agora no final da gestação e tanto o psicólogo quanto psiquiatra vão me acompanhar por um tempo, até depois do parto. Eu tento ficar calma, mas é difícil. (G20)

Eu estou tentando praticar mais meditação, até por conta da pressão alta, então tentando me preparar. (G17)

As mulheres esperam por uma assistência obstétrica humanizada no momento do nascimento pautada no respeito e no cuidado oferecido pelos profissionais. A categoria a seguir abordou os “motivos para”, que são os motivos do sujeito com fins de atingir os objetivos no tempo futuro.

Expectativas para o nascimento

Percebeu-se que há expectativas para um parto vaginal fisiológico ou que a cesariana não tenha complicações. Desejam que a dilatação cervical no trabalho de parto seja rápida, para que não tenham o sofrimento atribuído à dor das contrações. As gestantes também expressaram o anseio pela presença do acompanhante como forma de apoio e participação da família no momento do nascimento.

Eu queria que fosse um parto bem tranquilo, sossegado, com pessoas atenciosas para atender. Pessoas que possam animar a gente, porque, quando somos tratados com estupidez, a gente não fica tão tranquila. (G4)

Eu imaginaria que o parto perfeito seria um parto normal, quando eles vão vir ao mundo no momento certo [...] quando eles sentirem a vontade de nascer, sem adiantar nada. (G5)

Quero que a experiência seja boa, com médicos atenciosos. Eu gostaria de ter a mesma experiência da minha irmã, que teve bebê faz um mês, e ela gostou bastante da maternidade. Um bom atendimento ajuda bastante. (G8)

Gostaria que ocorresse tudo bem, se Deus quiser. [...] um bom atendimento é que a gente mais precisa, porque eu sou ansiosa. Que eles tenham mais paciência com a gente. Eu tive dois abortos, e os médicos não foram pacientes comigo, eu fiquei depressiva, com muitos problemas junto [...]. (G14)

Eu quero parto normal, e se for, eu queria que meu namorado estivesse presente, que eu chegue na maternidade já ganhando o bebê, para não sofrer muito. Eu prefiro normal porque se recupera mais rápido. Que os médicos sejam atenciosos também. (G19)

Eu queria que, dessa vez, fosse tranquilo, com meu esposo todo tempo perto de mim, e que eu consiga escutar o choro do neném. Eu não me importo com a dor, só quero que ele venha bem. (G25)

DISCUSSÃO

A grande maioria das mulheres relatou medo associado à assistência obstétrica durante o trabalho de parto e parto. Esse medo se mostrou mais frequente nas falas das gestantes do que o medo da dor do trabalho de parto. Essa insegurança pode estar relacionada ao aumento de intervenções hospitalares desnecessárias e, muitas vezes, dolorosas que as gestantes são submetidas, como uso de ocitocina sintética para acelerar o trabalho de parto e a manobra de Kristeller, práticas prejudiciais e que devem ser eliminadas, e os toques vaginais frequentes, o uso de fórceps ou vácuo-extrator e a episiotomia, práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado(66 Terto RL, Silva TPR, Viana TGF, Sousa AMM, Martins EF, Souza KV, et al. Association between early pregnant hospitalization and use of obstetric interventions and cesarean: a crossectional study. Rev Bras Enferm. 2021;74(4):e20200397. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0397
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,1616 Organização Mundial da Saúde (OMS). Guia Maternidade Segura. Assistência ao parto normal: um guia prático. Brasília: OPAS; 2000.).

Embora as recomendações da Organização Mundial da Saúde para as boas práticas de assistência ao parto tenham sido realizadas há mais de duas décadas, esses procedimentos são usados como práticas ainda rotineiras em muitas maternidades, e quando realizados sem o consentimento da paciente, são considerados violações dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Algumas mulheres vivenciaram essas situações, e outras ouviram relatos sobre estas vivências. Isso pode ter contribuído para a reflexão e percepção que não querem sofrer qualquer tipo de violência obstétrica na sua experiência de parto.

A crença natural no mundo, em sua realidade, a experiência do passado e um provável futuro, e o fato de as pessoas serem dadas umas às outras de maneira muito semelhante constituem o fundamento filosófico do mundo do senso comum. A pessoa pode agir nele e sobre ele e ser modificada por ele, consciente de que seu mundo cotidiano não é privado e sim intersubjetivo, compartilhado com outros sujeitos, um mundo social, considerado por Schütz(1212 Schütz A. El problema de la realidad social. Escritos I. Buenos Aires: Amorrortu; 2003.) como cenário da ação social, no qual as pessoas entram em mútua relação e tentam entenderem-se umas com as outras.

Cada explicação do mundo é baseada em um acervo de experiências prévias, que podem ser as próprias experiências imediatas de alguém, assim como as experiências que lhe são transmitidas de seus semelhantes e, acima de tudo, seus pais, professores, e assim por diante(1212 Schütz A. El problema de la realidad social. Escritos I. Buenos Aires: Amorrortu; 2003.). Todas essas experiências estão incluídas em uma forma de bagagem de conhecimentos, servindo como um esquema de referência para explicar o mundo. Todas as experiências no mundo da vida são trazidas dentro desse esquema. Portanto, os objetos e eventos do mundo da vida confrontam o ser humano desde as suas características típicas. Acreditamos que as experiências vividas pelas gestantes influenciaram seus sentimentos em relação ao nascimento.

A humanização da assistência obstétrica foi desejada pelas entrevistadas. A literatura(1717 Guimarães QV, Coêlho LPI, Santos MBL, Costa ACM, Pereira BM, Silva JTP. Vivência de puérperas diante da assistência obstétrica no processo parturitivo. SANARE - Revista De Políticas Públicas, 19(1). https://doi.org/10.36925/sanare.v19i1.1404
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) aborda que só é possível tornar humanizado o atendimento ao parto quando a gestante é ouvida e informada sobre suas dúvidas, e então tem autonomia para participar e decidir sobre os procedimentos a serem realizados. Ao contrário, quando a mulher tem seus direitos sexuais e reprodutivos negados, poderão surgir sequelas e traumas emocionais, como medo e tristeza por toda a sua vida devido à experiência malsucedida de parto. Sabe-se também que as mulheres se sentem mais satisfeitas em relação ao atendimento recebido quando os profissionais aderem às práticas humanizadas ao parto e nascimento, priorizando o mínimo de intervenções obstétricas(1818 Sandall J, Soltani H, Gates S, Shennan A, Devane D. Midwife-ledcontinuitymodels versus othermodelsofcare for childbearingwomen. Cochrane Database of Systematic Reviews, v.4, n. CD004667, 2016. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD004667.pub5.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00466...
-1919 Silva TPR, Dumont-Pena E, Moreira AD, Camargos BA, Meireles MQ, Souza KV, et al. Factors associated with normal and cesarean delivery in public and private maternity hospitals: a cross-sectional study. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e20180996. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0996
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).

Em relação ao medo da dor do trabalho de parto, foi possível identificar nos discursos das gestantes que existe uma cultura que continuamente relaciona a sensação dolorosa ao sofrimento e à angústia. O medo da dor é um processo mental que pode assustar a mulher durante toda a gestação, mesmo que ela nunca tenha sentido essa dor em nenhum momento. Entretanto, no processo de parturição, a dor é fisiológica e natural, não sendo um sinal de que algo está errado, mas um sinal de que a fisiologia natural está acontecendo e um novo ser está para nascer(99 Marins RB, Cecagno S, Gonçalves KD, Braga LR, Ribeiro JP, Soares MC. Tecnologias de cuidado para o alívio da dor na parturição. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2020;12:276-81. https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v12.8502
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).

Para Schütz, o planejamento é a antecipação de eventos futuros, e as tipificações fazem parte das antecipações. Essas antecipações baseiam-se nas expectativas típicas em contextos típicos. A tipificação refere-se a fenômenos de ocorrência única, e nenhuma pessoa pode registrar uma experiência sem recorrer a tipificações, portanto, são individuais e possuem implicações sociais(2020 Wagner HR. Fenomenologia e Relações Sociais: textos escolhidos de Alfred Schütz. Rio de Janeiro: ZAHAR; 1979. 319p.).

No mundo da vida das gestantes, apresentar expectativas com o parto tipifica suas ações no processo de gestação, às vezes com a busca de conhecimentos sobre o parto, mas, se estiverem focadas nas dificuldades e na dor, tal ação pode gerar o medo e a insegurança.

A percepção de dor durante o trabalho de parto aumenta ainda mais quando são realizadas intervenções médicas, quando a mulher sofre violência obstétrica ou fica sozinha. Os profissionais do parto devem oferecer a todas as mulheres métodos de alívio da dor, ao mesmo tempo em que devem ajudá-las a construir autoconfiança durante o trabalho de parto, mantendo a sensação de domínio e bem-estar(99 Marins RB, Cecagno S, Gonçalves KD, Braga LR, Ribeiro JP, Soares MC. Tecnologias de cuidado para o alívio da dor na parturição. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2020;12:276-81. https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v12.8502
https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo....
).

Nos discursos, observou-se como origem do medo da dor do parto o conhecimento popular sobre a dor, transmitido coletivamente por familiares e amigos. Este conhecimento possui valor cultural muito importante, e por vezes, determinante sobre a percepção das mulheres. O conhecimento sociocultural é muitas vezes capaz de influenciar fortemente na construção de mitos, crenças e opiniões que refletem na experiência pessoal de cada uma(2121 Arik RM, Parada CMGL, Tonete VLP, Sleutjes FCM. Perceptions and expectations of pregnant women about the type of birth. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl-3):41-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0731
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).

Schütz explica que as experiências de comunicação com outras pessoas geram um ambiente interativo, e esse ambiente é composto por eventos percebidos subjetivamente de forma diferente por cada pessoa, mas permite que a compreensão durante a comunicação seja mútua, pois cada pessoa vivencia sua própria situação e a situação vivida pela outra pessoa naquele momento(2020 Wagner HR. Fenomenologia e Relações Sociais: textos escolhidos de Alfred Schütz. Rio de Janeiro: ZAHAR; 1979. 319p.). Também são nas situações “face a face” que elas podem expressar sua subjetividade e serem auxiliadas em suas demandas, mas nem sempre os profissionais de saúde interagem de forma eficaz e interpretam adequadamente suas ações.

Outro ponto observado no presente estudo foi o medo associado à gestação de alto risco e à vitalidade do bebê. A gestação de alto risco pode ocasionar complicações obstétricas e neonatais, trazendo consequências negativas para a mãe ou o bebê. Outros estudos corroboram com os relatos aqui descritos, pois mostram que sentimentos de medo e ansiedade comuns em uma gestação de risco habitual se intensificaram quando há presença de risco para a saúde do binômio mãe/filho. Torna-se necessário que as gestantes lidem com seus sonhos e fantasias do bebê imaginário diante do medo de perdê-lo no parto ou de não nascer saudável(2222 Antoniazzi M, Siqueira A, Farias C. Aspectos psicológicos de uma gestação de alto risco em primigestas antes e depois do parto. Pensando Famílias [Internet]. 2019[cited 2023 Feb 2];23(2):191-207. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v23n2/v23n2a15.pdf
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). Conforme o parto se aproxima, as expectativas da gestante aumentam, sendo um período de angústias, suposições e probabilidades. Isso ocorre, porque, frequentemente, não é explicado à mãe a dimensão real do risco que ela se sujeita(2323 Paz MMS, Diniz RMC, Almeida MO, Cabral NO, Mendes CKTT, Araujo JSS, Assis TJCF. Ansiedade na gestação de alto risco: um reflexo da atenção básica no alto sertão da Paraíba. Rev Neuro Cienc. 2020;28:1-21. https://doi.org/10.34024/rnc.2020.v28.10466
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).

Na fenomenologia, a consciência pessoal é contínua e mutável, por isso é denominada de “corrente de pensamento”, sinonimamente entendida como “corrente de experiências ou cogitações”, ou ainda “corrente de vida pessoal consciente”. Esses termos definem a essência da vida pessoal interior de cada indivíduo. Na medida em que a pessoa reflete sobre suas experiências, ocorre a “intencionalidade” da consciência e, dessa forma, toma-se consciente de alguma coisa. O fenômeno da reflexão pode ser interpretado neste estudo como o medo das complicações com o bebê e a desconstrução do bebê inicialmente imaginado pela gestante(2020 Wagner HR. Fenomenologia e Relações Sociais: textos escolhidos de Alfred Schütz. Rio de Janeiro: ZAHAR; 1979. 319p.).

Algumas mulheres deste estudo relataram também medo de serem submetidas a uma cesariana. Sabe-se que a cesariana deve ser proposta exclusivamente em condições emergenciais, visto que é capaz de ocasionar risco aumentado de prematuridade e desconforto respiratório neonatal, quando realizada de forma eletiva e sem indicação baseada em evidências. Além disso, está associada ao desenvolvimento de morbidades maternas, tais como acidentes anestésicos e tromboembólicos, infecções puerperais, hemorragias e morte materna.

No entanto, nas gestações de alto risco, existem situações e condições clínicas em que o parto normal não é possível, e torna-se necessário a realização de uma cesariana, muitas vezes sem planejamento prévio. Por vivenciarem uma gestação de alto risco, a via de parto não é conhecida para as gestantes e, frequentemente, ficam dependendo da decisão médica no momento da internação hospitalar. Apesar de muitas desejarem ter o parto normal, elas correm o risco de serem submetidas a uma cesariana por indicação médica. Mulheres que passam por uma cesariana sem planejamento prévio podem experimentar sentimentos como medo, frustração, desânimo, insegurança e impotência(2424 Tavares PAB, Soares FGS, Oliveira ES, Valente RN, Neta AMSM, Oliveira ITM, et al. Sentimentos após cesárea não planejada: estudo de caso. Braz J Health Rev. 2020;3(5):15279-90. https://doi.org/10.34119/bjhrv3n5-308
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).

Sabe-se que, ao vivenciar a gestação em seu corpo, a mulher torna-se particularmente mais sensível e emotiva. É previsto que ela experimente algum grau de ansiedade, estresse e tristeza durante o período gestacional. Todavia, observa-se em algumas mulheres a intensificação de sintomas de ansiedade e até mesmo o aparecimento de quadros depressivos, devido a alguns eventos estressores. A gestação de alto risco e as possíveis complicações, assim como o medo do parto, são eventos estressores considerados fatores de risco para o sofrimento psíquico da mulher(2525 Ayers S. Birth trauma and post-traumatic stress disorder: the importance of risk and resilience. J Reprod Infant Psychol. 2017;35(5):427-30. https://doi.org/10.1080/02646838.2017.1386874
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).

O sofrimento psíquico pode surgir da dificuldade de adaptação às novas situações e adversidades da vida e, quando isso ocorre com a gestante, há uma maior probabilidade de complicações na gravidez, no parto e no puerpério, podendo gerar repercussões na saúde do binômio mãe-filho, além de pensamentos negativos em relação à maternidade e dificuldades no cuidado com o recém-nascido(2525 Ayers S. Birth trauma and post-traumatic stress disorder: the importance of risk and resilience. J Reprod Infant Psychol. 2017;35(5):427-30. https://doi.org/10.1080/02646838.2017.1386874
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).

A resiliência desvelou-se diante das experiências desfavoráveis com a gestação de alto risco, com estratégias e habilidades para adaptar-se a elas, com destaque para manobras de distração mental, busca de informações sobre parto e cesariana, controle da ansiedade e resgate de sua fé e religião. Por vezes, algumas mulheres não souberam como superar o medo que vivenciava.

No campo das ciências humanas e da saúde, compreender como as pessoas se desenvolvem diante das circunstâncias envolve a definição de resiliência, que é a capacidade que alguns indivíduos apresentam de superar as adversidades da vida(2626 Taboada NG, Legal EJ, Machado N. Resiliência: em busca de um conceito. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum [Internet]. 2006[cited 2023 Feb 2];16(3):104-13. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v16n3/12.pdf
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). É fundamental para o profissional de saúde auxiliar a mulher no desenvolvimento da resiliência para se adaptar positivamente às novas situações de vida.

As situações serão experiências significativas quando o presente é vivido de forma reflexiva, pois o momento “agora” anterior está contido no “agora” de hoje na forma de “modificação por retenção”. Se a pessoa passar pelas situações sem reflexão, estará apenas dentro do fluxo de duração daquela situação. A recuperação de lembranças pela memória é requisito para a construção racional, e o que não se pode recuperar só pode ser vivido, nunca pensado, consequentemente, impossível de ser verbalizado. Mas a atitude assumida pela pessoa é chamada comportamento, assim, ela pode lutar contra a situação, suprimi-la ou entregar-se a ela(2020 Wagner HR. Fenomenologia e Relações Sociais: textos escolhidos de Alfred Schütz. Rio de Janeiro: ZAHAR; 1979. 319p.).

Uma forma de enfrentar as dificuldades da vida é o exercício da espiritualidade que, neste estudo, foi utilizado como estratégia de superação do medo do nascimento. É comum observar esse comportamento no enfrentamento das doenças, e o cuidado espiritual deve ser ofertado pelos profissionais de forma imparcial à religião(2727 Camatta MW, Medeiros RG, Greve IH, Calixto AM, Nasi C, Souza LB, et al. Spirituality and religiosity expressed by relatives of drug users: contributions to health care. Rev Bras Enferm. 2022;75(Suppl 3):e20210724. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0724pt
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0...
-2828 Viana ACG, Lopes MEL, Vasconcelos MF, Evangelista CB, Lima DRA, Alves AMPM. Espiritualidade, religiosidade e malformação congênita: uma revisão integrativa de literatura. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e40193. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.40193
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).

Em relação às expectativas com o nascimento, identificou-se que esse momento não é um evento neutro, uma vez que mobiliza grandes níveis de ansiedade, excitação e expectativa para o encontro entre a mãe e o bebê real, diferente daquele imaginário e idealizado na gestação. Todas as participantes do estudo referiram expectativas envolvendo um bom atendimento, a presença do acompanhante, um trabalho de parto rápido, nascimento saudável do bebê e fácil recuperação. Além disso, a experiência com parto anterior influenciou na preferência pela próxima via de parto, e a maioria afirmou preferir o parto normal. Esse achado concorda com um estudo achado na literatura(2929 Silva ACL, Félix HCR, Ferreira MBG, Wysocki AD, Contim D, Ruiz MT. Preferência pelo tipo de parto, fatores associados à expectativa e satisfação com o parto. Rev Eletron Enf. 2017;19:a34. https://doi.org/10.5216/ree.v19.44139
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) em que as mulheres que já tiveram um parto normal prévio demonstraram maior desejo pelo parto normal novamente.

Diante dos “motivos porque” e “motivos para”, embasados nos conceitos de Alfred Schütz e na compreensão das categorias concretas do vivido de um grupo de gestantes de alto risco, apresenta-se o tipo vivido “o medo do nascimento para gestantes de alto risco” como aquela que sente medo do parto e das complicações com o bebê com base nas suas experiências prévias e também de outras mulheres próximas a ela e em seus acervos de conhecimentos disponíveis, por vários motivos, tais como o medo de não conseguir parir, o medo da violência obstétrica, o medo das complicações com o bebê e o medo da cesariana.

Nas vivências de um indivíduo ou de um grupo no mundo social, encontra-se a tipificação, algo que tipifica como uma estrutura vivenciada única e um padrão de comportamentos. A tipificação oportuniza a apreensão de um conhecimento anônimo e objetivo da situação analisada, o qual se manifesta da descrição vivida do comportamento social, das concordâncias dos “motivos para” e “motivos porque”(1313 Schütz A. El problema de la realidad social. Buenos Aires (DF): Amorrortur Editores; 1974).

Limitações do estudo

O presente estudo teve como limitação a amostra pertencente a um único serviço ambulatorial de alto risco, não sendo possível generalizar os dados para outros serviços.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde, ou políticas públicas

Apesar da aplicação do estudo em apenas um serviço, os resultados foram significativos e podem representar a realidade de outras gestantes e em outras regiões. Esses achados contribuem com os avanços na assistência obstétrica ofertada, em especial pelos enfermeiros obstetras, pois estimulam a reflexão acerca das demandas das gestantes de alto risco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidenciou-se que as gestantes de alto risco sentem medo do tipo de assistência que receberão e da dor do trabalho de parto. Também se sentem inseguras quanto à vitalidade do bebê no momento do nascimento e dos riscos de uma possível cesariana por indicação médica, entretanto buscam superar esses medos com informação por meio de seu médico, ajuda profissional psicológica, controle da ansiedade por distração mental e meditação, e pela fé na qual acreditam.

A assistência humanizada é desejada, pautada no respeito e no cuidado oferecido pelos profissionais, assim como o parto vaginal fisiológico ou uma cesariana sem complicações; o período de dilatação rápido e menos doloroso; um recém-nascido saudável; a fácil recuperação pós-parto; a presença de um acompanhante como forma de apoio; e a participação da família no momento do nascimento de seu filho.

Ressalta-se a importância de assistência obstétrica interdisciplinar com criação de ambiente acolhedor, efetivação de vínculo e comunicação entre a equipe de saúde e a gestante, além de orientações desde o início do pré-natal para proporcionar maior nível de satisfação por elas com a experiência de gestar e parir.

Espera-se, com este estudo, que haja maior entendimento por parte dos profissionais de saúde a respeito dos medos da gestante de alto risco relacionados ao nascimento e, dessa forma, auxilie a mulher a ressignificar seus conceitos durante o pré-natal, assim como elaborar um plano terapêutico desde a gestação.

  • EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
  • EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2023
  • Aceito
    13 Jul 2023
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