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Reformando o FMI* * Traduzido por Jalmar Nordin Carlson.

Reforming the IMF

RESUMO

Esta breve nota pretende analisar e apontar equívocos de algumas críticas dirigidas ao FMI.

Palavras-chave:
FMI

ABSTRACT

This short note intends to analyze and point out mistakes of some criticism directed to the IMF.

Keywords:
IMF

Recentemente, estive lendo um artigo de revista acerca do papel do FMI na África. A autora estava alarmada com o que ela classificava de “recolonização da África” pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial. “Tal coordenação internacional e tal grau de ocupação - recolonização”, escrevia ela, “eram imaginados somente pelos críticos mais paranóides e radicais de dez anos atrás ... O que era visto como um cenário ligeiramente histérico e paranóide durante as duas últimas décadas tornou-se uma realidade para os países africanos na década de 80.”1 1 Isebill V. Gruhn, “The Recolonization of Africa: International Organizations on the March”, Africa Today, 4o. semestre, 1983, p. 41.

Exatamente dez anos antes da data deste artigo, meu próprio livro (histérico, paranóide, radical), Debt Trap, estava no prelo, assim que, como podem imaginar, essas palavras me causaram um certo prazer mórbido. Há uma piada americana, bem coloquial e talvez difícil de traduzir: o simples fato de você ser paranóide não quer dizer que não estejam à sua procura. Talvez nós. histéricos, saibamos de coisas que você não sabe.

O exame das condições vinculadas aos empréstimos via FMI tornou-se objeto de grandes exercícios intelectuais em anos recentes. Ainda está em sua infância o trabalho semelhante sobre a condicionante do Ajuste Estrutural do Banco Mundial. Parte deste trabalho tem sido de grande utilidade. Mas, hoje, não pretendo usar uma lupa para examinar a letra miúda das “cartas de intenção” que, aliás, não estão ao meu alcance, a não ser que o governo tomador as publique na imprensa.

Tem havido uma porção enorme de críticas às condicionantes do FMI. A maior parte delas não tem sido tão radical quanto a minha, e muitas são positivamente ineptas. Hoje gostaria de dar minha opinião sobre algumas dessas críticas que acho serem desorientadoras e que não atingem o alvo.

Em primeiro lugar, alguns críticos têm dito que as condições exigidas pelo FMI foram desenvolvidas no contexto das políticas econômicas de países industrializados desenvolvidos e que são adequadas para aplicação nesses países, mas não para países do Terceiro Mundo, onde as condições são bastante diferentes.

A verdade é que certas nações industriais tiveram programas formais do FMI com condicionantes. Outras adotaram voluntariamente programas de austeridade com muitos aspectos idênticos às condicionantes típicas do FMI.

Onde foram aplicados na Europa Ocidental, por exemplo, os resultados dos programas de austeridade do FMI foram bem semelhantes aos do Terceiro Mundo. Esses resultados incluem desemprego, pressão baixista sobre os salários, inflação, cortes nos programas sociais e a bancarrota de pequenas empresas. O FMI também foi usado para fins políticos: para quebrar a espinha da revolução de 1974 e reinstalar uma orientação econômica conservadora em Portugal, por exemplo; para manter o Partido Comunista fora da coalisão de governo na Itália, em 1976.

Alguns críticos do FMI queixam-se de que o ajuste exigido é muito rápido, que tem muito de um choque súbito, quando o ajuste deveria ser gradual. Se alguém aprova os objetivos reais, não os declarados do FMI, é claro que haverá alguma razão em argumentar em torno do ritmo e da sequência das reformas. Tais argumentos, no entanto, estão perigosamente desviados do alvo, se se acredita, como eu, que a ordem do dia do Fundo está empurrando os países na direção errada. Em tal caso, pode ser melhor ir devagar do que rapidamente, mas, certamente, o caminho mais sábio é o da reversão imediata da direção.

Outra crítica falaciosa ao FMI é de que ele exige dos países que reduzam suas importações. Isso é verdade apenas no sentido limitado e muito recente de que o FMI não gosta de ver os países usando reservas cambiais para importações quando o serviço de sua dívida está em atraso. Com essa única exceção, porém, o FMI deseja que todos esses países importem o mais que possam e, se pagam seus atrasos, alegremente lhes emprestará o dinheiro para as suas compras e insistirá com que outros emprestadores também o façam.

Finalmente, concordo com Jacques de Larosiêre, o diretor executivo do FMI que está saindo, em pelo menos um ponto: o FMI não impõe a austeridade. A austeridade está inerente no próprio problema que leva governos desesperados a negociarem com o Fundo, e nenhum desses governos iria ao FMI se não esperasse alívio da austeridade.

Há duas grandes críticas ao FMI que são de fundamental importância. Uma delas surpreendentemente mereceu pouca atenção, porque gente demais teve receio de desafiar a vaca sagrada do livre comércio.

Dezenas de países foram conduzidos a se endividarem porque o FMI os encorajou, em nome da liberalização do comércio, a importar e tomar emprestado, em vez de poupar. Mesmo agora a liberalização do comércio está sendo imposta a economias que absolutamente não podem suportá-la. A China e a Índia são dois exemplos de particular importância, porque até agora haviam evitado a armadilha da dívida. Isto é um escândalo e um ultraje.

Minha segunda crítica fundamental é a seguinte: O que o FMI faz é decretar que classes sofrem com a austeridade, e quais recebem alívio ou estão isentas dela. A austeridade é inevitável nas situações em que o FMI é consultado. O FMI assegura que as classes que mais facilmente poderiam suportar a carga dessa austeridade, as que mais usufruíram dos benefícios do endividamento passado e que foram as maiores responsáveis pela carga acumulada da dívida, não tenham nada a sofrer com a austeridade.

As classes que não foram responsáveis pela montagem da dívida, as que nada ganharam, ou até mesmo perderam, com o endividamento passado, mas que criam a riqueza desses países, são as que devem suportar a carga da austeridade.

Em alguns casos, as elites que se beneficiam com o tipo de austeridade para as classes baixas do FMI têm controle suficiente do governo para impor tais programas sem oposição (legal). Mas, em muitos casos, isso não acontece. Algumas vezes o FMI precisa forçar os governos a revogar leis que já foram aprovadas por seus próprios legislativos.

Oficialmente, o FMI garante ser estritamente neutro na questão da distribuição dos sacrifícios. Ele ajuda os governos a decidirem de quanto devem ser os cortes das despesas, mas cabe ao governo tomador decidir onde tais cortes devem ser feitos.

Isto é uma mentira deslavada. O FMI tem ideias bem definidas quanto a quem deve suportar a carga dos cortes de despesas, e também ideias bem claras de que os salários devem ser contidos e os gastos sociais reduzidos, enquanto isenções fiscais são dadas a investidores estrangeiros e leis alteradas, se necessário, para facilitar a participação estrangeira na economia. E o FMI negará sua aprovação até que tais mudanças tenham ocorrido. As únicas exceções (que são numerosas) são os casos em que considerações políticas não-econômicas apontam para a necessidade dos poderes por trás do FMI de apoiar governos em exercício, quando a rigidez do Fundo será temperada com clemência.

Não posso presumir que as simpatias desse público sejam as mesmas que as minhas. Mas todos devemos ter plena clareza da natureza de classe dos programas do FMI. É do interesse de apenas um lado - o lado dominante - mascarar a realidade do conflito de classe. E sinto que pelo menos parte do escrutínio técnico detalhado das condicionantes do FMI - em particular as discussões em moda acerca da sequência e das etapas - destina-se a obscurecer essas realidades fundamentais.

No passado, fui muitas vezes censurada por ter tomado uma atitude completamente negativa em relação ao FMI e ao Banco Mundial. É verdade, tenho culpa de ter desejado o seu desaparecimento e de acreditar que nada precisaríamos colocar em seu lugar, porque eles são quase que totalmente perniciosos.

Hoje, no entanto, quero informar que vi a luz.

Tenho algumas sugestões construtivas para a reforma dessas duas instituições. Na verdade, minha inspiração para essas reformas vem de uma fonte insuspeitada: da filosofia dessas próprias instituições e das teorias conservadoras do “lado da oferta” da administração norte-americana.

Até agora, tenho visto todas elas com a maior aversão. Finalmente, porém, encontrei o núcleo racional dessas filosofias que, de outro modo, pareciam tão duvidosas.

Minha sugestão é a seguinte: o FMI e o Banco Mundial devem ser privatizados. Devem ser convertidos de paraestatais supranacionais em empresas privadas de consultoria e leiloadas pelo melhor lance.

Esta mudança não será benéfica, no entanto, se não for acompanhada de uma reforma complementar essencial. Simultaneamente, com a privatização das instituições, elas devem ser liberadas de sua dependência dos governos.

Até agora, suas exportações ideológicas foram pesadamente subsidiadas. Isso é uma carga indesculpável sobre quem paga impostos, e tem pressionado seus rivais do setor privado que, por definição, são muito mais eficientes. Esses subsídios via impostos permitem que se engajem numa forma extrema de concorrência de preços - elas pagam ao cliente para aceitar seus conselhos!

O Fundo e o Banco reformados devem ser obrigados a cobrar taxas de serviço que cubram seus custos e, assim, concorrer no mesmo plano com outras empresas privadas de consultoria - a minha própria, por exemplo - na venda de seus conselhos a governos com problemas de pagamentos externos.

É claro que há alguns inconvenientes num tal plano. Podemos adiantar que, despojadas dos subsídios governamentais de que usufruem no momento, ter-se-ia algum problema em encontrar comprador para tais organizações - como tem sido o caso com outras empresas públicas que foram postas à venda em países numerosos demais para serem citados.

Também é muito provável, receio, que, tendo se tornado obesas e complacentes em sua posição até agora de monopólio, descobrirão que seu produto é defeituoso e muito caro. A não ser que queiram enfrentar os frios, mas revigorantes, ventos da concorrência, pode-se temer que brevemente tenham que cair fora do negócio. Esta é a mágica do mercado!

  • 1
    Isebill V. Gruhn, “The Recolonization of Africa: International Organizations on the March”, Africa Today, 4o. semestre, 1983, p. 41.
  • 2
    JEL Classification: F35.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1987
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