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Disciplina financeira versus desenvolvimento econômico: será que o Plano Baker acaba com o conflito?* * Trabalho apresentado à “Conferência Internacional sobre a Dívida Externa dos Países em Desenvolvimento”, promovida pela Associação Brasileira de Juristas Democratas, CEBRAP e Associação Internacional de Juristas Democratas, São Paulo, 30.11 a 4.12.1986. Traduzido por Jalmar Nordin Carlson.

Financial Discipline Versus Economic Development: Does the Baker Plan End Conflict?

RESUMO

Após a divulgação do plano de James Baker de reestruturação da dívida externa de países selecionados, esta nota revisa o histórico de renegociação de dívidas entre países latino-americanos e bancos transnacionais. Também trata de como um plano de estabilização pode ser harmônico com o crescimento econômico.

PALAVRAS-CHAVE:
Dívida externa; crise da dívida

ABSTRACT

Following the disclosure of James Baker’s plan of restructuring the external debt of selected countries, this note reviews the history of debt renegotiation between Latin American countries and transnational banks. It also deals with how a stabilisation plan could be harmonic with economic growth.

KEYWORDS:
external debt; debt crisis

OS TRÊS PRIMEIROS ESTÁGIOS DOS REESCALONAMENTOS DA DÍVIDA

O gerenciamento da crise da dívida na América Latina atingiu um novo estágio. As autoridades no Norte anunciaram recentemente uma grande modificação em seu enfoque, de “austeridade” para “crescimento” nos países devedores. O secretário do Tesouro norte-americano, James Baker, propôs financiamento novo de cerca de 29 bilhões de dólares ao longo de um período de três anos para países devedores selecionados, a fim de amenizar as seqüelas do processo recessivo de ajuste de 1982 a 1985.

A crise da dívida apareceu formalmente em meados de 1982, quando o México declarou-se incapaz de atender ao serviço de sua dívida externa. Até hoje, 17 países da região (incluindo o Caribe) tiveram problemas de pagamento e foram obrigados a entrar em um ou mais reescalonamentos da dívida com seus credores.

Os reescalonamentos com os bancos transnacionais, de longe os mais importantes credores da região, podem ser divididos em três etapas. Em cada uma, os bancos reviram os esquemas de amortização para futuros vencimentos e em muitos casos incorporam novos créditos aos pacotes de socorro. Os novos empréstimos bancários, que na verdade eram reescalonamentos disfarçados de parte dos encargos dos juros, representaram inicialmente uma expansão planejada de 7% da carteira de empréstimos dos bancos. Nas duas etapas seguintes, no entanto, a concessão de novos empréstimos reduziu-se acentuadamente (ver Tabela 1).

TABELA 1
AMÉRICA LATINA: REESCALONAMENTO DA DÍVIDA AOS BANCOS, 1982-1985a (MILHÕES DE DÓLARES)

A primeira etapa de reescalonamento, em 1982-1983, foi conduzida sob condições muito duras para os devedores: o spread sobre a LIBOR era habitualmente de 2,25%, os períodos de amortização eram de seis a sete anos e as comissões superavam 1% (ver Tabela 2). De fato, o custo negociado do crédito (isto é, spread, período de amortização e comissões) na primeira etapa frequentemente era de 150 a 250% mais elevado que para os empréstimos contraídos pelos devedores no mercado normal de crédito, antes da crise. Nas etapas subsequentes, porém, os bancos suavizaram as condições de concessão de crédito.1 1 Para mais dados e análise, ver CEPAL, External Debt in Latin America, Boulder, Lynne Rienner Publishers, 1985. Na verdade, na mais recente etapa de reescalonamento, em 1984-1985, o custo negociado do crédito foi em geral ligeiramente inferior ao contratado, antes da crise em 1980-1981, no mercado de crédito (ver Tabela 3). Os termos mais suaves, vinculados com o recente compromisso das autoridades do hemisfério norte de dar mais impulso a novos empréstimos, sugerem que futuros reescalonamentos poderão se aproximar mais das orientações reclamadas há mais tempo quanto ao tratamento dos problemas das dividas dos países em desenvolvimento.2 2 Ver, por exemplo, Gamani Corea, “The Debt Problem of Developing Countries’’, Journal of Development Planning, n. 9, abr. 1976.

TABELA 2
AMÉRICA LATINA: AS CONDIÇÕES DE REESCALONAMENTO DA DÍVIDA AOS BANCOSa

A progressiva suavização dos pacotes de reescalonamento tem sido frequentemente interpretada como recompensa pelo bom comportamento dos devedores durante o processo de ajuste, e o consequente risco menor para os credores. A frequente referência a “bom comportamento” e “risco menor” são reflexos de conceitos com orientação de mercado. No entanto, desde a irrupção da crise financeira em 1982, devedores e credores têm negociado num contexto fora do mercado, em que ambas as partes têm se reunido para distribuir o custo das carteiras de empréstimos dos bancos à América Latina, em deterioração. O resultado das negociações não tem dependido das forças do mercado, mas antes do respectivo poder de barganha do devedor e do credor.

A ABORDAGEM DO MONOPÓLIO BILATERAL3 3 Para a análise mais extensa, ver Robert Devlin, “External Debt and Crisis: The Decline of the Orthodox Strategy”, CEPAL Review, n. 27, dez. 1985.

Na primeira fase dos reescalonamentos, os bancos transnacionais estavam com enormes vantagens. Estavam reunidos num cartel representado pelo comitê consultivo dos bancos - para enfrentar os devedores problemáticos numa discussão caso a caso. O poder de barganha dos credores era reforçado pelo apoio pleno e ativo de organismos financeiros bi e multilaterais do hemisfério norte. Por sua vez, os devedores enfraqueciam sua posição agindo individualmente e submetendo-se às exigências de seus credores, enquanto assumiam compromissos de honrar suas dívidas, mesmo sob as mais difíceis condições. O resultado foi o de se esperar quando um monopolista enfrenta agentes econômicos isolados: o primeiro consegue gerar lucros em excesso. De fato, os bancos, reunindo-se num bloco para renegociar as dívidas em termos altamente lucrativos para eles, conseguiram transferir para os devedores o grosso do custo de suas carteiras problemáticas. Isto contrastava com a década de 1930, quando os custos tinham distribuição mais equânime entre devedor e credor, como resultado de um ambiente de mercado competitivo que induzia a participação no risco via atraso nos pagamentos (default) e desvalorização forçada dos recursos dos credores.4 4 Na década de 1930 os credores eram em grande parte possuidores de letras. Sendo anônimos e dispersos, não podiam se organizar em cartel para pressionar os devedores a pagarem. A forte posição de barganha dos bancos privados produziu a anomalia de terem estas instituições registrado enormes lucros em 1982-1983, mesmo com a mais grave crise financeira desde a década de 1930.

A existência de um monopólio bilateral em potencial indica aos devedores, com muita lógica, que cooperem num clube ou cartel. Seria introduzida assim uma força de oposição· ao poder monopolista do cartel dos credores, e oferecidas aos devedores oportunidades de negociar uma solução para a crise da dívida, socialmente mais equânime. No entanto, também há uma lógica igualmente forte promovendo a desunião.5 5 Guillermo O’Donnell “External debt: Why can’t our Governments do the Obvious?”, CEPAL Review, n. 27, dez. 1985. Os bancos comerciais compreendem que seu forte poder de barganha e habilidade em evitar o atraso de pagamentos e as perdas repousam, por um lado, na solidariedade de seu próprio cartel, e por outro, na capacidade de garantir que seu clube não seja neutralizado pela formação de um clube de devedores. Em outras palavras, enquanto o cartel dos banqueiros permanecer sólido e os devedores permanecerem dispersos, pode ser mantida a atual assimetria em poder de barganha. Nestas circunstâncias, a grande ameaça dos credores, as sanções, tem considerável força. Mas a grande ameaça dos devedores, atraso declarado dos pagamentos e perdas para os bancos, não tem força, a não ser que um governo seja suicida ou goze de grande autonomia econômica e política internamente, o que não é característica da maioria dos países latino-americanos hoje. Se os devedores se unissem, no entanto, sua grande ameaça ganharia imediatamente foros de realidade. E se usado com responsabilidade, o poder de barganha aumentado dos devedores poderia finalmente encorajar os credores e seus governos a aceitar um acordo com partilha mais equânime dos custos da crise e dessa forma uma retomada do processo de desenvolvimento na América Latina.

Tabela 3
América Latina: condições da dívida com os bancos privadosa, b (Índice: 1980-Junho 1981=100)

Assim, logo que surjam sinais de que a lógica da unidade começa a juntar os devedores, os credores têm um motivo para tentar desviar o processo. Procurarão fazer isso oferecendo a devedores individuais “pagamentos marginais” ou concessões, para que não se unam num cartel. De fato, os credores estão dispostos a perder parte dos lucros de monopólio gerados hoje por seu cartel a fim de evitar maior perda futura destes ganhos - e suportar os consequentes prejuízos - no caso de os devedores formarem um clube amanhã.

Os pagamentos marginais, ou concessões, podem ser muito eficazes. Quando um devedor recebe uma oferta de concessão, precisa ponderar os benefícios imediatos da concessão em face dos possíveis benefícios do provável cartel dos devedores. Por um lado, um país que examina sua participação num cartel suspeita que seus vizinhos também receberão ofertas de pagamentos marginais atraentes. Por outro lado, um país sabe que se rejeitar a concessão e insistir na formação do cartel poderá ser isolado e mesmo tornar-se objeto de sanções. A única maneira de sobrepor-se a esse dilema é estabelecer linhas definidas de comunicação entre os participantes potenciais do cartel. Mas isto é politicamente bastante difícil de se conseguir.

Os devedores latino-americanos nunca tentaram formar um cartel. No entanto, com início no final de 1983, passaram a estabelecer as linhas de comunicação que tinham evitado na primeira etapa das renegociações. Esta vinculação teve seu reflexo em encontros regionais, como a Conferência Econômica Latino-Americana em Quito, em janeiro de 1984, a declaração conjunta sobre o problema da dívida em maio do mesmo ano pelos presidentes do Brasil, México, Argentina e Colômbia, e o encontro em nível ministerial de onze países devedores em junho de 1984 para discutir o problema da dívida, batizado com o nome de Consenso de Cartagena.

Foi essa crescente comunicação entre os devedores que motivou as concessões da parte dos credores nas segunda e terceira etapas dos reescalonamentos. Essas concessões tiveram êxito em desfazer a tensão em torno da questão da dívida, como mostraram os encontros subsequentes do Consenso de Cartagena, em Santo Domingo e Mar del Plata. De fato, no início de ·1985 falava-se muito no hemisfério norte que a crise da dívida estava superada.

O RESSURGIMENTO DA CRISE DA DÍVIDA

No entanto, as tensões cresceram durante 1985. Os termos mais suaves dos reescalonamentos na terceira etapa não reduziram significativamente a grande transferência de recursos para o exterior, dos países devedores para os credores (influxo líquido de capital menos juros e remessas de lucros). Entre 1982 e 1985, a transferência acumulada de recursos superou 105 bilhões de dólares e ainda superava 30 bilhões de dólares em 1985. Além disso, não se satisfez a esperança de uma forte retomada da economia mundial. Com a prolongada estagnação econômica promovendo crescente pressão política interna, os governos, especialmente os novos regimes democráticos, tiveram dificuldades em cooperar passivamente com a receita de austeridade do hemisfério norte. A realidade política interna deu origem a novas iniciativas latino-americanas quanto à dívida e a um renovado fortalecimento das linhas de comunicação intrarregionais. Por exemplo, em meados de 1985, o México teve um encontro secreto com representantes de países latino-americanos em Oaxtepec para discutir o problema da dívida, e Cuba promoveu encontros públicos sobre o tema, além de difundir a ideia de que a dívida não pode ser paga e deve ser perdoada pelos credores. Enquanto isso, o recém-eleito governo de Alan Garcia no Peru declarou unilateralmente que limitaria o serviço da dívida pública de médio e longo prazos a 10% das exportações nacionais, e também se recusou a negociar com o FMI. Mais tarde, no mesmo ano, o Brasil manifestou que não poderia pagar a sua dívida às custas do crescimento econômico e do desenvolvimento, e teve também sérios problemas com o Fundo.

Embora os países nunca mais manifestassem maior interesse na formação de um cartel, os novos contatos regionais na questão da dívida deram origem a um certo alarme nos círculos financeiros do hemisfério norte. Isto, mais do que qualquer outro fator, é que explica o abandono da anterior condução da dívida, em favor da nova, com sua promessa de crescimento. É claro que é preciso ver se as novas propostas de alívio significam um esforço para manejar seriamente a crise de crescimento e desenvolvimento na América Latina, ou se tudo não passa de mais um “pagamento marginal” a curto prazo, destinado a proteger os balanços credores. O volume de dinheiro novo discutido de início certamente não era encorajador: numa base anual, os 29 bilhões de dólares representavam menos do que o México sozinho tomara emprestado dos bancos em 1982. Além disso, acompanhavam-no algumas propostas extremamente onerosas de condicionantes, inspiradas na orientação ideológica da economia de oferta.

Provavelmente será necessária uma solução de proporções maiores para que se produza a tão esperada solução pública e internacional combinada do problema da dívida. Uma tal solução pública é em jargão econômico um “bem público”. No entanto, sistemas econômicos baseados em mercados privados são sabidamente sem produção mínima de bens públicos. Estes bens· frequentemente aparecem apenas quando os custos de um problema são “internados” pelos agentes econômicos maiores do sistema. Enquanto os bancos e seus respectivos governos puderem continuar a passar a maior parte do custo da dívida para os devedores, haverá pouco estímulo no hemisfério norte para se agir além do limite dos pagamentos marginais de curto prazo, destinados a manter os devedores em xeque e preservar o poder monopolista dos credores.

Essa crise, porém, pode ter chegado. Os novos governos democráticos acham cada vez mais difícil pedir sacrifícios de seus povos em nome da disciplina financeira. Parecem mais remotas do que nunca as perspectivas dos países devedores de conseguir socorro externo da dívida e da estagnação econômica através de uma brusca virada da economia mundial e de menores taxas de juros reais (medidas pelos índices de preços de exportação dos devedores). Enquanto isso, os governos latino-americanos parecem adquirir uma visão mais completa do contexto monopolista para as negociações e dos benefícios da cooperação e da firmeza com vistas a limitar o pagamento de juros. Isto se manifesta na declaração incisiva do encontro de dezembro de 1985 do Consenso de Cartagena em Montevidéu e do aberto ceticismo dos ministros quanto ao Plano Baker. O mesmo pode ser dito de uma declaração posterior, de fevereiro de 1986, de um Comitê de Trabalho de Consenso, expressando a solidariedade dos membros com qualquer país que considere necessária a limitação unilateral dos pagamentos a seus credores. O quadro se complica ainda mais com a decisão de alguns importantes devedores de não colaborar com os bancos ou com o FMI. E por fim, mas não o menos importante, o preço do petróleo em queda corroeu dramaticamente a capacidade de atender ao serviço da dívida de dois dos maiores devedores da região, México e Venezuela.

A QUARTA ETAPA: UMA SOLUÇÃO EM POTENCIAL NO HORIZONTE?

A crise começou com o México e poderia terminar com o México se os países credores levassem em consideração as opiniões de John Maynard Keynes; que argumentou em seu estudo das dívidas aliadas da Primeira Grande Guerra que a administração dos problemas de pagamento entre países poderia ser conduzida generosamente em torno de claros interesses estratégicos econômicos e políticos de médio e longo prazos, em vez dos critérios financeiros de curto prazo normalmente empregados pelos banqueiros.6 6 John Maynard Keynes, The Economic Consequences of the Peace, Nova York, Harcourt Brace Howe, 1920, pp. Seu conselho, que não foi seguido pelos países credores até depois da Segunda Grande Guerra através do Plano Marshall, de tanto sucesso, poderia se aplicar à crise atual na América Latina através de uma rigorosa generalização das medidas recentemente adotadas no México.

A queda nos preços do petróleo e o desgaste das reservas cambiais do México no primeiro semestre de 1986, junto com a virtual eliminação de quaisquer perspectivas de reingresso no mercado de euro moedas, levaram o governo mexicano a adotar recentemente uma posição mais firme de negociação com seus credores. De fato, o México considerou politicamente intolerável o ajuste recessivo que os países credores tentavam impor, e concretamente ameaçou com uma moratória se maiores concessões não fossem feitas. Em conformidade com o antes mencionado quadro de monopólio bilateral, os credores, temendo os amplos efeitos negativos diretos em seus balanços de uma moratória mexicana, e os maus efeitos de exemplo junto aos demais devedores se o México limitasse os pagamentos e entrasse no clube de países avessos a um programa do FMI, revisaram rapidamente a sua posição. O resultado foi um pacote altamente inovador que, se generalizado para outros países, produziria o muito necessitado processo de ajuste com crescimento na América Latina.

Pela primeira vez, os credores haviam definido um objetivo explícito de crescimento para um devedor (3 a 4% em 1987) durante um processo de ajuste, e tinham constituído o pacote financeiro em torno desse objetivo. Isso tinha exigido do FMI flexibilidade quanto à sua preocupação limitante com uma rápida redução do déficit fiscal (o déficit será reduzido apenas gradualmente dos atuais 13% do PIB para 10% ao final de 1987) e forçado os credores a aceitar um programa financeiro ajustado a contingências tais que não bloqueiem o crescimento. O pacote inicial envolve de 11 a 12 bilhões de dólares, mais que o dobro da soma que os credores desejavam discutir antes do endurecimento da atitude do México. Os bancos privados estão sendo conclamados a elevar sua contribuição dos 2,5 bilhões de dólares iniciais para algo em torno de 6 bilhões, o restante devendo vir de governos e de organismos multilaterais. Em agosto de 1986, não se sabia se as taxas de juros estariam acima ou abaixo das taxas correntes do mercado.

O programa mexicano novamente mostra às limitações do Plano Baker conforme proposto originalmente: o dinheiro novo para o México, apenas, absorve em 18 meses mais do que um terço dos 29 bilhões de dólares a serem distribuídos para 15 países de 1986 a 1988. Claramente, se o Plano Baker se destina a atingir o objetivo declarado de promover o ajuste do crescimento, e não servir somente como pagamento marginal para manter o México no programa dos credores, o compromisso financeiro com a região, da parte dos governos da OCDE e dos bancos, deve ser aumentado dramaticamente. Se tal compromisso não ocorrer, outros países poderão ter dificuldades em repetir o esquema mexicano, especialmente se sua concessão central se limitar a dinheiro novo e não incorporar maiores reduções nas trocas de juros. Isto porque o México, tanto devido ao tamanho de sua dívida quanto pelo seu significado geopolítico, é um cartel virtual, que pode ser um parceiro ousado no jogo do monopólio bilateral. Com exceção do Brasil, nenhum outro país usufrui dessa vantagem, e teria sozinho grande dificuldade em conseguir novos empréstimos da mesma grandeza relativa do programa mexicano.

Enquanto isso, os devedores menores sentir-se-iam induzidos a enfocar sua atenção em negociações não essencialmente financeiras, mas sim na garantia de crescimento mexicano, evidenciando que, se o México pode ter um crescimento de 4% embutido em seu programa de ajuste, o mesmo deve ser concedido a outros devedores. Como os credores financiariam o programa pode ser, por enquanto, problema deles, embora claramente, de um ponto de vista técnico, muitos países e bancos estariam em melhores condições se o dinheiro novo viesse a taxas de juros abaixo das trocas do mercado e por prazos de amortização bem dilatados. Enquanto isso, como parte do entendimento, os credores tentariam impor seu tipo particular de condicionalidade. Seria vergonhoso se esta condicionalidade formulada ideologicamente se tornasse um obstáculo à incorporação de outros países a um programa organizado e sistemático de ajuste. A proposta do senador norte-americano Bill Bradley7 7 Bill Bradley, Declaração no Carter Center da Emory University, Atlanta, Geórgia, 7.4.1986, na conferência intitulada “The Debt Crisis: Adjusting to the Past or Planning for the Future”. de estabelecer uma comissão multilateral para definir a condicionalidade sobre critérios amplos, incluindo a necessidade de consolidação da democracia, poderia ser um caminho para acrescentar uma dose de pluralismo à hoje unilateral fórmula do Plano Baker.

Em suma, a América Latina tem um novo conjunto de democracias vigorosas, com líderes políticos pragmáticos e equipes econômicas desejosas de examinar novas e mais eficientes vias para o desenvolvimento. Um pacote de ajuste, generoso e pluralista, orientado para o crescimento, ajudaria o avanço dessas tendências encorajadoras. A alternativa, um programa rígido, ideologicamente balizado, que não atende ao crescimento e às condições socioeconômicas particulares dos países, poderia minar as novas alianças políticas na América Latina e preparar o terreno para tendências menos promissoras, que a longo prazo seriam contrárias aos interesses dos credores

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    Trabalho apresentado à “Conferência Internacional sobre a Dívida Externa dos Países em Desenvolvimento”, promovida pela Associação Brasileira de Juristas Democratas, CEBRAP e Associação Internacional de Juristas Democratas, São Paulo, 30.11 a 4.12.1986. Traduzido por Jalmar Nordin Carlson.
  • 1
    Para mais dados e análise, ver CEPAL, External Debt in Latin America, Boulder, Lynne Rienner Publishers, 1985.
  • 2
    Ver, por exemplo, Gamani Corea, “The Debt Problem of Developing Countries’’, Journal of Development Planning, n. 9, abr. 1976.
  • 3
    Para a análise mais extensa, ver Robert Devlin, “External Debt and Crisis: The Decline of the Orthodox Strategy”, CEPAL Review, n. 27, dez. 1985.
  • 4
    Na década de 1930 os credores eram em grande parte possuidores de letras. Sendo anônimos e dispersos, não podiam se organizar em cartel para pressionar os devedores a pagarem.
  • 5
    Guillermo O’Donnell “External debt: Why can’t our Governments do the Obvious?”, CEPAL Review, n. 27, dez. 1985.
  • 6
    John Maynard Keynes, The Economic Consequences of the Peace, Nova York, Harcourt Brace Howe, 1920, pp.
  • 7
    Bill Bradley, Declaração no Carter Center da Emory University, Atlanta, Geórgia, 7.4.1986, na conferência intitulada “The Debt Crisis: Adjusting to the Past or Planning for the Future”.
  • 9
    JEL Classification: F34: H63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1988
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