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O saldo e a dívida

The balance and the debt

RESUMO

Durante aproximadamente dois anos e meio a economia brasileira manteve um superávit comercial de cerca de US$ 12 bilhões. A origem e sustentabilidade desse superávit tornou-se um dos principais temas da polêmica sobre as perspectivas de crescimento de médio e longo prazo do país. Utilizando os dados mais recentes, e comparando 1987 com 1986, este artigo tenta mostrar que a queda do superávit comercial no segundo semestre de 1986 foi uma aberração, corrigida em 1987. Neste último, o nível de atividades alcançado em 1986 mostrou-se compatível com o nível de superávit sustentado de 1984 até o primeiro semestre de 1986. O artigo também tenta explorar algumas das implicações da excepcional capacidade do país de gerar superávits elevados, finalizando com uma breve referência à sua posição frente à dívida externa.

PALAVRAS-CHAVE:
Saldo comercial; comércio internacional; dívida externa

ABSTRACT

During approximately two and a half years the Brazilian economy sustained a trade surplus of about USS 12 billion. The origin and sustainability of this surplus became one of the main issues of the controversy about the medium and long-term growth perspectives of the country. Using the latest data, and comparing 1987 with 1986, this article tries to show that the trade surplus collapse in the second half of 1986 was an aberration, corrected in 1987. ln the latter, the level of activities achieved in 1986 proved to be compatible with the level of surplus sustained from 1984 to the first half of 1986. The article also tries to explore some of the implications of the country s exceptional capacity to generate a high surplus, ending with a brief reference to its position facing foreign debt.

KEYWORDS:
Trade surplus; international trade; external debt

Após permanecer durante cerca de dois anos e meio em torno da elevada cifra de US$ 12 bilhões, o saldo da balança comercial brasileira sofreu uma brutal queda no segundo semestre de 1986, recuperando-se no entanto, com insuspeitado vigor, a partir de maio de 1987. Entender os determinantes desse comportamento constitui verdadeira chave para a interpretação das possibilidades de crescimento desta economia, bem como para o posicionamento diante da dívida externa.

O presente artigo tem início com a recapitulação das teses existentes acerca da origem e sustentabilidade (ou volatilidade) do superávit de comércio do país. A isto se segue um confronto entre o ocorrido nos últimos dois anos e o previsto pelas diferentes interpretações. Segue-se uma especificação das condições para que, no nosso entender, a compatibilidade entre saldo e crescimento seja preservada. Finalmente, à luz das posições aqui defendidas, é feita uma sumária referência à atual política brasileira face à dívida externa.

O SALDO COMERCIAL: TRÊS INTERPRETAÇÕES

De acordo com uma primeira tese, que data da guinada imposta à política econômica deste país, em fins de 1980, pelo ministro Delfim Neto, a economia brasileira estaria necessitando de um ajustamento de tipo convencional. A absorção doméstica (consumo+investimento) deveria ser refreada, abrindo espaço para a obtenção de um vultoso saldo comercial. Simultaneamente os preços relativos e, em particular, a relação salário/câmbio deveriam ser alterados, passando a sinalizar corretamente a necessidade de ampliar as exportações e de conter as importações.

De acordo com essa interpretação, eliminado o excesso de demanda pelas políticas levadas a efeito a partir de 1981, o ajustamento da economia brasileira foi finalmente alcançado mediante a maxidesvalorização cambial de 1983. A partir daí, caberia preservar os preços relativos recém-definidos e, sobretudo, evitar o ressurgimento de desequilíbrios macroeconômicos do tipo excesso de demanda. Neste sentido, um complemento fundamental do ajustamento em curso seria a efetiva eliminação do déficit público - tarefa que parecia encaminhada na segunda metade de 1984. A ela caberia criar condições para a ampliação do investimento privado, requisito fundamental para que a economia viesse a alcançar uma trajetória de crescimento de longo prazo.

Em contraposição ao anterior, a corrente de pensamento predominante na antiga oposição ao governo militar defende a tese de que os megassuperávits obtidos a partir de 1983, longe de refletirem o ajustamento da economia, são produto da recessão, e estão na origem da desorganização das finanças públicas, da aceleração da inflação e da queda dos investimentos.1 1 Ver PND I da Nova República, p. 21. Nessa perspectiva, a retomada do crescimento traria consigo a redução do saldo comercial, que deveria pois ser entendido como o reverso (ou consequência) da recessão - daí a expressão “ajuste recessivo”.

Os mecanismos através dos quais a geração de megassuperávits atuaria como um obstáculo ao crescimento seriam essencialmente dois. Primeiramente, o esforço exigido pela geração de enormes saldos impunha uma limitação das importações incompatível com as necessidades do crescimento. Nesta perspectiva, pois, o serviço da dívida provoca um autêntico estrangulamento do crescimento. Por outro lado, a transferência real de recursos para o exterior pode ser entendida como algo que disputa com o investimento por um volume dado (interno) de poupança. Em tais condições, a necessidade de expandir o investimento para que se ingresse numa trajetória sustentável de crescimento requer a compressão do superávit. Observe-se que esta última restrição pode em princípio verificar-se sem que haja restrições pelo lado dos requisitos de importação.2 2 Ver Paulo Nogueira Batista Jr., “Formação de Capital e Transferência de Recursos ao Exterior”, in Revista de Economia Política, jan-mar 1987, pp. 15-23.

Em suma, o saldo comercial, que nasce da tentativa de adaptar a qualquer custo a economia ao serviço da dívida, é eminentemente insustentável, dada a necessidade imperiosa de retomar o processo de crescimento. Numa versão mais elaborada, esta tese incorpora a ideia de que o trade-off entre crescimento e saldo só se impõe, efetivamente, à medida que se esgote a capacidade ociosa existente na economia. No essencial, contudo, esse enunciado apenas daria maior rigor à mesma tese.3 3 Idem, p. 23.

Uma terceira interpretação parte da ideia de que uma nova estrutura econômica, muito mais diversificada e integrada, surgiu neste país como resultado da estratégia adotada pelo governo a partir de 1974 (II PND).4 4 Castro, A. B., e Souza, F. E. P., A Economia Brasileira em Marcha Forçada, Paz e Terra, 1985. Concretamente, o ciclo de investimentos associado àquela estratégia permitiria à economia brasileira reduzir drasticamente as suas necessidades de importação em áreas tais como energia, química pesada, metalurgia e bens de capital. Além disso, seja em decorrência de programas especiais de investimento (como, por exemplo, o de papel e celulose), seja como resultado da elevação do nível geral de produtividade da economia, sua capacidade de conquistar novos espaços no mercado internacional de manufaturas continuou em franca progressão. Em tais condições, decorrido o longo prazo de maturação característico dos mais importantes investimentos integrantes da nova estratégia, estava criada uma brecha entre as necessidades de importação e a capacidade de exportar do país. Sua mais imediata consequência foi o surgimento de enormes saldos comerciais, cuja magnitude (que excedeu quaisquer previsões) se revelou compatível com o pagamento dos juros da dívida externa. Mais precisamente, na economia reestruturada mostra-se factível atender às necessidades adicionais derivadas da retomada do crescimento e preservar a geração de grandes superávits - desde que as exportações apresentem um modesto ritmo de expansão (inferior à média alcançada nos últimos 20 anos).

A Tabela 1 pretende ilustrar a mudança ocorrida, mediante um contraste do triênio 1975-1977, quando já se encontra em curso a nova estratégia, mas os seus resultados ainda não haviam aflorado, com o triênio 1985-1987, quando já teriam sido plenamente efetivadas as referidas mudanças estruturais. Como se pode verificar, no mais recente triênio a economia brasileira apresenta um nível médio de atividade 50% maior, enquanto as importações, em dólares de 1980, encontram-se reduzidas em 30%.

Tabela 1
Índices médios trienais do produto e das importações reais1

Esse singular desempenho, convém destacar, diferencia o Brasil dos demais países devedores. O contraste chega a ser radical quando o confronto é feito com países que adotaram na última década políticas de liberalização - das quais resultou um verdadeiro processo de “dessubstituição de importações”. Na Argentina, por exemplo, “enquanto entre 1976 e 1985 o PIB acumulou um aumento de apenas 0,5% e a produção manufatureira retrocedeu 15,5%, o volume fisico de importações totais cresceu 14%.5 5 Bouzas, R., e Keifman, S., Política Comercial y Tendencias Recientes del Comercio Exterior en la Argentina (1976/1985), FLACSO, Serie de Documentos e Informes de Investigación, set. 1987.

Fechando este comentário, acrescentaremos que o desaparecimento da capacidade ociosa, por si, não constitui um impedimento para que - sem prejuízo para a obtenção de um dado volume de saldo - o consumo e o investimento domésticos continuem em expansão. Com efeito, mantido constante o valor do superávit, o consumo e o investimento internos absorveriam em sua totalidade o incremento do produto - enquanto o superávit perderia peso relativo a um ritmo determinado pela velocidade de crescimento da economia. A repartição do produto adicional entre investimento e consumo teria, no entanto, que ter em conta a necessidade de recuperar a taxa de formação de capital da economia a um nível compatível com o crescimento desejado no período que tem início com a plena utilização da capacidade. Todas estas questões serão retomadas ao longo do texto.

A PROVA DOS FATOS

O impetuoso crescimento que acompanha o Plano Cruzado trouxe consigo o desaparecimento do superávit do comércio, que se tornou negativo nos últimos três meses do ano. O ocorrido, numa palavra, parecia comprovar a tese do trade-off entre saldo e crescimento. Também a tese do ajustamento convencional poderia enxergar, como se verá mais adiante, na evolução observada em 1986, uma confirmação de seu diagnóstico. Em suma, a grande vítima dos fatos transcorridos por ocasião do Plano Cruzado teria sido a tese segundo a qual, como resultado da estratégia de 1974, a economia brasileira havia passado a contar com um saldo de natureza estrutural, cuja sustentação não estaria ameaçada pelo crescimento da economia. A conclusão parece-nos, contudo, precipitada, o que procuraremos demonstrar nas páginas que seguem.

Toda economia tem um potencial de crescimento que a longo prazo não pode, por definição, ser excedido. No curto prazo, porém, a existência de capacidade ociosa permite que essa rota ideal de crescimento seja excedida. É importante advertir, no entanto, que as dificuldades inerentes à mobilização de recursos produtivos, e à sustentação financeira das operações, impõem, mesmo no curto prazo, limites absolutos à velocidade a que pode crescer a oferta de bens e serviços. Este tipo de problema, contornado em regra pela elevação geral dos preços (que dilui na prática a pressão de demanda) só tende a ocorrer em situações referidas como “economia de guerra”.

Em resumo, a demanda, e com ela a produção, podem exceder transitoriamente, mediante o uso de capacidade ociosa, o produto potencial. Já o crescimento de demanda que excede as possibilidades “absolutas” de expansão da oferta só pode ocorrer na medida em que os estoques e/ou o saldo comercial sejam sacrificados. Esgotados estes precários mecanismos de ajuste entre oferta e demanda - e na ausência de financiamento externo para a cobertura de crescentes déficits comerciais - a situação torna-se rigorosamente insustentável. Estamos aqui diante de um trade-off, este, sim, inescapável. Ele nos diz que se a demanda crescer a uma velocidade inatingível pela oferta (mesmo com a progressiva utilização de capacidade instalada), após um período de redução de estoques, o saldo será consumido, e a seguir invertido (tornado negativo). Convém frisar que não estamos, no caso, diante de um fenômeno de restrição externa: desaparecido o superávit, o problema se recoloca no período subsequente, quando já não existe transferência de recursos reais ao exterior.

Retornemos ao ocorrido em 1986. A Tabela 2 sugere que a taxa de expansão do consumo após o Plano Cruzado excedeu de muito a velocidade concebível de expansão da oferta doméstica - mesmo que se tenha em conta o salto observado na utilização da capacidade. Também o componente investimento da demanda agregada expandiu-se, ao que parece, a um ritmo elevadíssimo. Concretamente, o consumo aparente de bens de capital chegou a crescer 31% no segundo semestre de 1986, quando comparado ao segundo semestre de 1985.6 6 Boletim de Conjuntura, IEI/UFRJ, ago. 1987, p. 60. Não obstante isto, as filas de espera saltaram, ·enquanto os prazos de entrega para máquinas e equipamentos sofreram enorme dilatação. Estávamos, pois, diante de um caso insofismável de expansão da demanda (consumo mais investimento) a um ritmo inalcançável pela oferta doméstica. Em tais condições, os estoques da economia (sobre os quais não se dispõe de informações precisas) baixaram precipitadamente e, com uma pequena defasagem, o saldo comercial desapareceu.

Tabela 2
Indicadores de consumo, investimento, e nível de atividades

A quase totalidade dos observadores, infelizmente, não percebeu que o aparente trade-off entre crescimento da economia e saldo era, na realidade, uma trade-off entre crescimento (inalcançável) da demanda e saldo. Ou seja, o drástico encolhimento do saldo não decorre do crescimento efetivamente ocorrido naquele ano - que para a economia como um todo praticamente não excedeu o de 1985 - e sim das condições de patente desequilíbrio entre demanda e oferta então observados.

É à luz dessa interpretação que se pode entender a virulência das alterações verificadas nos fluxos de comércio. Isto porque, sendo a economia brasileira particularmente fechada (importa 6% e exporta cerca de 10% de produto), qualquer tentativa de compensar desequilíbrios macroeconômicos domésticos via importações e exportações acarreta mudanças fortemente amplificadas nas trocas externas. Contrariamente, uma economia com um coeficiente de abertura de, digamos, 50% (para importações e exportações) poderia compensar desequilíbrios macroeconômicos domésticos com variações proporcionalmente muito menos acentuadas, seja nas necessidades de importação, seja no excedente exportável.

Em resumo, a queda de 50% nas exportações de manufaturados no último trimestre de 1986 reflete, primordialmente, o fato de que um profundo desequilíbrio macroeconômico foi - num país caracteristicamente fechado - intempestiva e momentaneamente compensado pelos fluxos de comércio.

***

O que precede oferece, no nosso entender, uma interpretação adequada do ocorrido em 1986. Cabe, pois, focalizar a reversão ocorrida em 1987, quando, a partir de junho, o saldo comercial anualizado (re)assumiu valores superiores a US$ 12 bilhões. Antes, porém, conviria indagar-se sobre o posicionamento das teses aqui discutidas, no tocante ao superávit externo em 1987.

Para a visão de inspiração ortodoxa, o fato de que o déficit público em 1987 viria a exceder significativamente o valor alcançado no ano anterior - pressionando, por conseguinte, a limitada poupança doméstica - aponta na direção do encolhimento do superávit externo (e do investimento). Se a isto somarmos o fato de que a relação câmbio/salário manteve-se no mesmo patamar entre o último trimestre de 1986 e maio/junho de 1987, não haveria por que - com base nesse paradigma - prever a recuperação da balança de comércio. Coerentes com esta visão, representantes dessa corrente chegaram a errar por mais de 100% nas suas previsões quanto aos resultados a serem alcançados na balança comercial em 1987.7 7 Antônio Carlos Lemgruber, por exemplo, em 15 de abril de 1987, previu que o superávit comercial atingiria no máximo US$5 bilhões no corrente ano (ver Gazeta Mercantil dessa data).

Quanto à interpretação segundo a qual o saldo está indissoluvelmente ligado à compressão da demanda global (o chamado ajustamento recessivo), o ocorrido em 1987 surgiria como uma comprovação do acerto de suas ideias. Afinal, enquanto o virulento crescimento de 1986 trouxe consigo a evaporação do saldo, a reversão da conjuntura em 1987 promoveu o seu reaparecimento.

A avaliação do grau de acerto da tese do ajuste recessivo em relação ao ocorrido em 1987 requer uma advertência preliminar. A relação originária e usualmente feita entre saldo e recessão privilegia a dependência entre o nível de atividades e o volume (por hipótese, tecnicamente determinado) de importações. Na transição de 1986 para 1987, contudo, o colapso bem como a reconstituição do saldo se deve, fundamentalmente, a mudanças no volume de exportações. Ora, não obstante seja líquido e certo que uma baixa ocupação da capacidade instalada leve as empresas a buscar o mercado externo,8 8 Observe-se aliás que, para a indústria como um todo, o grau médio de utilização da capacidade entre janeiro e outubro de 1987 (80,8%) manteve-se próximo ao do primeiro semestre de 1986 (81,3%), e 3 pontos percentuais acima de 1985 (77,8%), períodos estes durante os quais não havia, incontestavelmente, sinais de recessão. o aumento das exportações é, em si, um fator de expansão. Assim sendo, a ampliação das exportações - ao contrário da diminuição das importações requeridas pelo funcionamento da economia - não tem relação direta e inequívoca com a variação do nível de atividades. Mais precisamente, sendo a ampliação das exportações no mínimo uma atenuante da retração econômica, dificilmente uma brutal elevação do saldo como a ocorrida ao longo de 1987 poderia resultar de movimentos em direções opostas das exportações e do nível de atividades. O retorno do saldo não deve, em suma, ter por base um “ajustamento recessivo” ... Voltemos pois aos dados, focalizando, em particular, a brusca oscilação do saldo verificada entre a segunda metade de 1986 e a primeira metade de 1987.

Como indica o Gráfico 1, o PIB (e por conseguinte a renda agregada) apresentou um comportamento oscilante em torno a um mesmo nível desde setembro de 1986. Isto por si só indica que, no curto intervalo de nove meses, o mesmo nível de produto revelou-se compatível com saldos comerciais que oscilaram entre valores negativos e valores (anualizados) superiores US$ 12 bilhões. Em outras palavras, durante o referido período o (mesmo) nível de atividades que se fez acompanhar da evaporação do saldo em fins de 1986 revelou-se compatível com a sua integral recuperação. A chave para a compreensão deste fenômeno reside no fato já anteriormente sugerido de que - especialmente numa economia sujeita a controle de preços - não há uma correspondência necessária entre nível de produto e de demanda. O equívoco de muitos consistiu, portanto, reiteramos, em atribuir a queda do saldo ao nível de atividades alcançado no segundo semestre de 1986: o ano seguinte demonstraria cabalmente a capacidade da economia de atingir, simultaneamente, aquele nível de atividades e o saldo característico dos anos precedentes.

Do ponto de vista por nós adotado, a interpretação do ocorrido recentemente já deve estar clara para o leitor. O colapso bem como a recuperação do superávit - que, como indica o Gráfico 1, não guardam proporção com a evolução do nível.

Gráfico 1
PIB E Saldo Comercial Trimestrais (1982/87)

de atividades - devem ser entendidos, primordialmente, a partir da sobre demanda com que consumidores e investidores bombardearam o mercado em 1986, e do seu desaparecimento em 1987. Convém acrescentar, no entanto, que a brutal reversão de expectativa que acompanha o desastre do Cruzado levou as famílias e empresas a atitudes a tal ponto cautelosas e defensivas (uns consumindo menos do que podiam, outros empenhando-se ao máximo na reconquista do mercado externo), que a reorientação das vendas em direção ao mercado internacional excedeu quaisquer previsões. Isto, por sua vez, se por um lado acelerou a reconstituição do saldo, por outro (paradoxalmente) ajudou a evitar a retração da economia que se anunciava com nitidez no segundo trimestre de 1987.

CONDIÇÕES DE SUSTENTABILIDADE DO SALDO

Reduzidas as importações necessárias à operação da economia (a um dado nível de atividades), estão lançadas as bases para a obtenção de um superávit cuja preservação será favorecida por dois mecanismos. Sinteticamente eles podem ser assim enunciados:

  • 1) as importações podem daí por diante crescer em valor absoluto tanto quanto as exportações. Isto significa que, sendo o valor das exportações (no ponto de partida) significativamente superior ao das importações, estas podem se expandir a uma taxa maior do que aquelas. A rigor, tão maior quanto maior a relação exportações/importações. Esta propriedade pode ser facilmente formalizada como indicamos abaixo.

M = X

M / X = X / X

(X=exportações; M=importações)

sendo X/M=k, temos:

M / k M = X / X

M / M = k b . X / X

No caso brasileiro, sendo k aproximadamente igual a 2, conclui-se que as importações podem crescer (a médio prazo) ao dobro do ritmo das exportações;9 9 Entretanto, na medida em que vão se alterando as magnitudes das exportações e das importações, o valor de k também muda. Em qualquer momento t, seu valor será dado pela expressão kt=1+SXo1+xt-s, onde S é o saldo comercial a ser mantido, Xo o valor inicial das exportações, e x a taxa de crescimento das exportações. Para exemplificar, suponhamos um superávit inicial de USS 12 bilhões (gerado a partir de exportações de USS 24 bilhões e importações de USS 12 bilhões), e um ritmo de expansão das exportações de 5% ao ano. O valor de k diminuiria com o tempo, de acordo com a fórmula acima, indicando, todavia, que as importações ainda poderiam, no quinto ano da série (t=4), estar crescendo por uma taxa 70% superior à do crescimento das exportações. Agradecemos a Carlos Eduardo F. Young pela derivação da expressão para kt.

  • 2) a constância de X-M significa que todo o crescimento da renda passa a ser absorvido domesticamente:

C + I = A

Essa regra, apesar de óbvia, tem uma importante implicação não percebida por muitos: uma vez alcançado um determinado saldo, dai por diante o crescimento da soma do consumo e do investimento domésticos se dará de forma idêntica à de um país que não realize transferência real de recursos ao exterior (onde X-M=0).

Além disso, se à substituição de uma vez por todas de um dado volume de importações se somar - como ocorreu manifestamente no caso brasileiro - a aquisição de competitividade em novos campos, um novo fator virá reforçar a tendência à obtenção reiterada de grandes saldos.

Nada disso porém assegura a sustentação do superávit, cuja efetiva preservação exige o acatamento de certas regras, que passamos a enunciar.

  1. A demanda interna não pode se expandir a um ritmo inatingível (mesmo com absorção de capacidade ociosa) pela oferta. Reside aqui, como vimos anteriormente, um erro fatal cometido no período que segue à decretação do Plano Cruzado.

  2. A taxa real de câmbio deve ser mantida ao nível a que se encontre quando tem início a obtenção do superávit.

  3. Os investimentos na produção de insumos básicos devem ser iniciados com a devida antecipação, para evitar estrangulamentos que acarretem, ainda que transitoriamente, saltos nas necessidades de importar.

  4. Na medida em que se pretenda crescer a uma velocidade significativamente superior ao ritmo de expansão do mercado mundial, novas oportunidades de exportação devem ser permanentemente rastreadas e estimuladas.

Quanto às duas primeiras condições, de natureza predominantemente macroeconômica - e cuja violação tem impactos negativos de curto prazo -, sua observância foi restabelecida ao longo de 1987. A ausência de política industrial e a completa falência do planejamento neste país têm, no entanto, levado a um ostensivo desrespeito às regras terceira e quarta.

***

Uma objeção diversas vezes levantada à tese da sustentabilidade do saldo (e em apoio ao argumento do “ajuste recessivo”) tem por base o caráter acentuadamente cíclico do coeficiente importado. Em resposta a este questionamento já se procurou mostrar que, tomando-se fases análogas dos dois últimos grandes ciclos econômicos, fica comprovada a redução drástica (da ordem de 50%) dos coeficientes de importação (medidos, respectivamente, em 1967 e 1983).10 10 A Economia Brasileira em Marcha Forçada, p. 71. Recentemente, contudo, Markwald11 11 Markwald, R. A., “Balança Comercial e Dívida Externa”, in Revista da ANPEC, dez. 1987. buscou mostrar que o acentuado crescimento das importações (exclusive petróleo e trigo) durante o Plano Cruzado não refletiu apenas o desregramento e a atipicidade característicos daquela experiência (explicação da demanda, retardamento da taxa de câmbio, liberação das importações de numerosos bens ao sabor das circunstâncias). Pelo contrário, a forte expansão das compras externas teve início em 1985, prosseguindo, evidentemente, em 1986.

Que os fatores atípicos acima assinalados tiveram um peso não desprezível no comportamento das importações em 1986, é algo que nos parece inquestionável. É preciso advertir, no entanto, que a evolução das importações (exceto petróleo e trigo), a partir de 1985, tem que ser interpretada tendo-se em conta o baixíssimo nível do qual elas recomeçam a crescer, finda uma recessão, e em grande parte concluído um vigoroso processo de substituição de importações. Vejamos alguns dados.

Em 1984, quando tem início a recuperação cíclica da economia brasileira, as importações de petróleo e trigo representavam 54% da totalidade das compras externas. As demais importações haviam sido reduzidas a 3% do PIB e a 23,7% das exportações(!). Esta última relação significa que, mantidas por hipótese constantes as aquisições de trigo e petróleo, as demais importações poderiam crescer a um ritmo quatro vezes superior ao das exportações, sem redução do superávit. É, no entanto, evidente que uma taxa muito alta de crescimento dessas importações (outras que não petróleo e trigo), sustentada durante sucessivos períodos, ao acarretar a elevação do seu peso relativo, acabaria por ameaçar o saldo (vide nota 9). Mas, seria este um comportamento plausível?

Vejamos a questão por outro prisma. Examinando-se os índices de quantum da Tabela 3, nota-se que o volume global de importações continuou declinando em 1985, apesar de a economia já se encontrar no seu segundo ano de expansão. Isto se explica, porque as importações de petróleo - de longe o item mais importante da pauta - continuavam sendo substituídas por produção doméstica. Ora, se a substituição de importações na área energética já havia desempenhado um papel decisivo nos anos anteriores, agora, que as demais importações haviam se reduzido a um mínimo, a diminuição do gasto com petróleo surgia, na prática, como o único meio de (ainda) se obter uma baixa residual no volume total de importações.

Tomemos agora as demais importações. Não cabe dúvida de que a taxa de expansão em 1985 foi bastante elevada (Tabela 3). Essas taxas encontram-se, porém, como já foi assinalado, fortemente influenciadas pela reduzida base de que se parte. As importações de bens intermediários (excetuados petróleo e trigo) haviam caído em 1984 a cerca da metade do volume observado em 1980; as de bens de capital, por sua vez, a 43%. Alguns produtos singulares haviam mesmo desaparecido da pauta, enquanto outros encontravam-se reduzidos a volumes irrisórios. Sobre uma base assim contraída, uma modesta expansão absoluta surge como altamente significativa. A rigor, no entanto, apesar de apresentarem taxas de crescimento entre 19% e 57% - e, portanto, elasticidades entre 2,2 e 6, 7 -, as importações adicionais de bens intermediários (exceto petróleo e trigo), de bens de capital e de bens de consumo resultaram num acréscimo total de importações equivalente a apenas 3,7% do acréscimo do PIB durante o período. Ou seja, apesar da elevadíssima elasticidade renda destas importações, o respectivo coeficiente marginal de importações apresenta-se reduzidíssimo em 1985. (Para um breve desenvolvimento formal acerca da impropriedade de se avaliar as importações futuras, com base no comportamento das compras externas nos primórdios da recuperação - e após um intenso processo de substituição de importações -, veja-se o apêndice 1 APÊNDICE 1 Para analisar o comportamento das importações em economias como a brasileira, onde elas são em regra complementares à produção doméstica, e raramente competitivas a ela, convém grupar os produtos importados em duas grandes categorias. A primeira incorporaria aqueles bens que simplesmente não são produzidos domesticamente, implicando que o abastecimento interno total provenha de importações (no caso do Brasil, determinadas linhas de equipamentos de alta sofisticação tecnológica, aviões de grande porte etc.). A segunda categoria englobaria aqueles cuja oferta interna é insuficiente para atender à demanda, sendo, portanto, complementada a partir de compras externas (no nosso caso, petróleo, barrilha, cobre, trigo etc.). Para os produtos pertencentes ao primeiro conjunto existe, evidentemente, uma identidade entre a demanda total e a demanda por importações. A elasticidade renda das importações confunde-se pois com a própria elasticidade renda da demanda. Para os demais produtos, que representam hoje mais da metade das importações brasileiras, tal identidade não existe. Neste caso, a curva de demanda por importações pode ser derivada da curva de demanda total, como nos Gráficos 2A e 2B, nos quais a oferta doméstica é rígida, caracterizando assim o curto prazo. GRÁFICO 2A GRÁFICO 2B Ao nível de renda Y1, a demanda OQ1 é toda ela atendida por produção doméstica. A um nível de renda superior, como por exemplo Y2, a demanda é atendida em parte por produção doméstica (OQ1), e em parte por importações (Q1Q2). Um acréscimo relativamente pequeno de demanda a partir de um ponto vizinho a (Y1Q1) representará uma ampliação proporcionalmente grande da demanda de importação pelo bem em questão. A volatilidade da importação na vizinhança de Y1 pode ser melhor visualizada no Gráfico 2B. A elasticidade renda da demanda em determinado ponto é igual ao quociente de sua ordenada pelo segmento perpendicular que liga o ponto à reta Y1 V. Assim, no ponto R, a elasticidade da importação é igual à razão RM/RT; em P, a elasticidade é PM/PN. É fácil perceber então que à medida que nos aproximamos de Y1 a elasticidade renda da demanda por importação tende ao infinito. Suponham-se agora dois países, o primeiro representado pelo diagrama 2A, e o segundo diferindo do primeiro por não dispor de uma produção interna do bem em questão. Se ambos elevam sua renda de Y0 para Y2, e a demanda de Q0 para Q2, as diferenças entre o país que dispõe de capacidade instalada interna para produzir o bem, e o outro que não a possui, ficam evidentes. No caso do primeiro, a demanda adicional será atendida em parte por produção doméstica (Q0Q1) e complementarmente por importações (Q1Q2), enquanto no segundo ela será totalmente abastecida por compras no exterior. Apesar disso, a elasticidade renda das importações será, a curto prazo, infinitamente maior no caso do primeiro país. É este último fenômeno que traduz o ocorrido com as importações brasileiras de bens intermediários (exceto petróleo e trigo) em 1985. Tendo sido trazidas para próximo à fronteira da autossuficiência, tais importações estão sempre sujeitas a desaparecer da pauta - no caso de um deslocamento positivo da oferta interna-, ou a crescer exibindo elevadas elasticidades. Neste último caso, contudo, na medida em que, período após período, aumentassem as compras externas, a taxa de crescimento destas, e também suas elasticidades, declinariam progressivamente. Em termos do Gráfico 2B, esta situação corresponderia a um progressivo afastamento a partir da origem em direção a M1 e M2. ).

Tabela 3
Indices de Quantum das importações

Saindo do contexto da recuperação, tratemos agora de considerar, ainda que brevemente, as relações de médio e longo prazos entre crescimento das importações e crescimento do produto. Estudos empíricos recentes têm chegado a estimativas de funções de importação que geram valores para a elasticidade renda das importações (exceto petróleo e trigo) que variam entre extremos de 0,8 e 2,9.12 12 Dib, M. F. S. P., Importações Brasileiras: Políticas de Controle e Determinantes da Demanda, BNDES, 1987; Moraes, P. B., “Uma Nota sobre as Importações Brasileiras de Produtos Manufaturados”, PUC/RJ, Texto para Discussão n.º 114; Abreu, M. P., “Equações de Demanda de Importações Revisitadas: Brasil, 1960-1985”, PUC/RJ, Texto para Discussão n.º 148. Além do evidente desconforto que tal dispersão de estimativas inevitavelmente provoca, há problemas em relação às hipóteses adotadas que levam a indagar-se sobre o real valor desses exercícios.

As equações de importação especificadas na maioria dos estudos apresentam variáveis independentes do tipo: nível de atividades, relação entre preços internos e externos, grau de utilização da capacidade instalada e, por vezes, “tendência” (ver nota 9). A inclusão da relação de preços como variável explicativa supõe, evidentemente, a livre escolha entre produtos importados e nacionais. Costuma-se usar a coluna 30 dos índices de comércio exterior da FGV como um indicador das quantidades importadas de produtos competitivos com a indústria doméstica. Ocorre que a coluna 30 engloba a totalidade dos produtos industrializados importados pelo país, para os quais, como se sabe, os controles quantitativos têm sido muito mais a regra do que a exceção. De fato, as restrições não tarifárias às importações - proibições, programas de importação, exigências de financiamento de longo prazo, exames de similaridade etc. - são tão amplas e permanentes neste país, que as decisões de compra em função de preços têm um espaço limitado no cômputo global das importações.13 13 Reconhecendo esse problema, Bodin de Moraes (op. cit.) procura adotar uma antiga sugestão de Diaz Alejandro de usar a variação de reservas como variável explicativa, na medida em que reduções no seu nível levavam o governo a intensificar os controles administrativos sobre as importações.

Quanto à inclusão de uma variável de tendência, visando captar as mudanças estruturais ocorridas na economia, além de não ter em regra o seu conteúdo discutido, parece-nos capaz de introduzir avaliações discutíveis quanto à influência das demais variáveis. Exemplificando: pelas estimativas de Bodin de Moraes para o período de 1976-1984, “a variável de tendência indica que as importações caem a uma taxa de quase 7,5% ao ano”.14 14 Moraes, P. B., op, cit., p. 6 Parece-nos claro que as elasticidades renda bastante altas referidas no mesmo contexto pelo autor sofreram forte influência dos valores estimados para a tendência.

Finalmente, embora concordando com a introdução do grau de utilização da capacidade como determinante das importações, cumpre assinalar que os elevados valores para as elasticidades renda das importações (e=3) obtidas em estudos preliminares15 15 Citação não autorizada. referem-se à hipótese extrema de um crescimento anual do índice de ocupação da capacidade da ordem de 4 pontos percentuais. O ritmo de progressão do uso da capacidade industrial verificado durante a vigência do Plano Cruzado constitui, no entanto, um fenômeno sem precedentes desde que foram iniciadas as Sondagens Conjunturais da FGV, em 1968. Posta de lado a hipótese de um tal ritmo de progressão, a inclusão desta variável não parece resultar em elasticidades renda particularmente elevadas.

As observações acima nos levam a encarar com ceticismo os resultados obtidos nos recentes exercícios acerca das elasticidades renda das importações brasileiras. Convém, no entanto, assinalar que mesmo elasticidades renda (das importações outras que não petróleo e trigo) da ordem de 3 não tornariam impossível a obtenção de superávits comerciais da ordem de USS 12 bilhões: seria necessário, neste caso, que as importações de petróleo e trigo não crescessem, e que as exportações se expandissem ao ritmo de 5% ao ano.

O SALDO E A DÍVIDA

Decorre de tudo que precede a convicção de que - respeitadas as regras anteriormente formuladas - a sustentação de saldos comerciais em níveis semelhantes ao verificado em 1984-1985 não constitui uma tarefa difícil para o país. Em tal caso, o superávit do balanço de bens e serviços atuaria como uma espécie de sobra de recursos reais, a ser remetida, a cada período, para o exterior. A totalidade do crescimento do produto interno seria absorvida, como vimos, pelo consumo e o investimento domésticos, enquanto as importações evoluiriam a um ritmo que, durante alguns anos, poderia manter-se próximo ao dobro do ritmo de crescimento das exportações.

Essa possibilidade, que coloca o Brasil numa posição incomum entre as nações devedoras - e permite entender a total ausência de crise cambial durante o vigoroso surto de crescimento que se estende do início de 1984 a meados de 1986- constitui, no nosso entender, um marco inescapável de referência no que toca à definição da política do país frente à dívida externa.

Durante 1985 e a primeira metade de 1986 essas ideias pareciam ganhar terreno, fato que iria se refletir na própria concepção do Plano Cruzado, que ao descartar a desvalorização cambial (ao contrário do ocorrido em Israel e na Argentina) admitia implicitamente a inexistência de restrição externa. Seguiram-se a turbulência gerada pelo Plano Cruzado e a decretação da moratória. Presentemente, estamos diante de uma curiosa situação. Por um lado, o país parece haver reconstituído a sua capacidade de pagar o montante líquido de juros da dívida (entre USS 9 bilhões e USS 10 bilhões}, o que, em outras circunstâncias, tenderia a traduzir-se no cumprimento regular de seus compromissos financeiros. Ocorre, porém, que no curso deste último ano - e em parte devido à moratória brasileira - a credibilidade e a vigência dos compromissos decorrentes da dívida externa foram, por toda parte, seriamente abaladas. Concretamente: saltou para nove o número dos devedores latino-americanos em moratória; os grandes bancos credores foram levados a reforçar substancialmente suas reservas para fazer face ao risco da dívida; o mercado secundário para títulos da dívida cresceu; e os deságios aplicados sobre os papéis transacionados aumentou vertiginosamente.16 16 Bacha, E. L., “A Crise da Dívida Latino-Americana”, in Revista da ANPEC, dez. 1987 Acrescente-se a tudo isso a patente deterioração das perspectivas da economia internacional, seja no que toca ao crescimento previsto para os próximos anos, seja no que se refere à flagrante instabilidade do sistema.

O evidente risco de contração da economia mundial, aliado à crescente instabilidade cambial - facilmente capaz de contaminar as taxas de juros-, deixa claro que a recente recuperação do potencial de geração de saldos não é mais uma condição suficiente para assegurar a capacidade de pagar do país. Diante deste fato, o retorno a uma rota de crescimento sustentável a longo prazo requer como salva­guardas:

  • a conversão de uma parte significativa da dívida em títulos de longo prazo, incorporado o deságio e/ou fixados os respectivos juros em níveis substancialmente inferiores ao valor de mercado. No que se refere a este ponto, a “Proposta Brasileira de Renegociação da Dívida Externa”, publicada em outubro de 1987,17 17 Plano de Controle Macroeconômico, Ministério da Fazenda, out. 1987, apêndice A. parece-nos satisfatória;

  • a constituição de um considerável montante de reservas. A elas caberia: criar um colchão de liquidez capaz de proteger o país da instabilidade externa, e possibilitar a definição de políticas de longo prazo; reduzir a sua vulnerabilidade frente a eventuais perdas de linhas de crédito interbancário; permitir a formação de fundos destinados a garantir esquemas de securitização de parcela da dívida.

  • 1
    Ver PND I da Nova República, p. 21.
  • 2
    Ver Paulo Nogueira Batista Jr., “Formação de Capital e Transferência de Recursos ao Exterior”, in Revista de Economia Política, jan-mar 1987, pp. 15-23.
  • 3
    Idem, p. 23.
  • 4
    Castro, A. B., e Souza, F. E. P., A Economia Brasileira em Marcha Forçada, Paz e Terra, 1985.
  • 5
    Bouzas, R., e Keifman, S., Política Comercial y Tendencias Recientes del Comercio Exterior en la Argentina (1976/1985), FLACSO, Serie de Documentos e Informes de Investigación, set. 1987.
  • 6
    Boletim de Conjuntura, IEI/UFRJ, ago. 1987, p. 60.
  • 7
    Antônio Carlos Lemgruber, por exemplo, em 15 de abril de 1987, previu que o superávit comercial atingiria no máximo US$5 bilhões no corrente ano (ver Gazeta Mercantil dessa data).
  • 8
    Observe-se aliás que, para a indústria como um todo, o grau médio de utilização da capacidade entre janeiro e outubro de 1987 (80,8%) manteve-se próximo ao do primeiro semestre de 1986 (81,3%), e 3 pontos percentuais acima de 1985 (77,8%), períodos estes durante os quais não havia, incontestavelmente, sinais de recessão.
  • 9
    Entretanto, na medida em que vão se alterando as magnitudes das exportações e das importações, o valor de k também muda. Em qualquer momento t, seu valor será dado pela expressão kt=1+SXo1+xt-s, onde S é o saldo comercial a ser mantido, Xo o valor inicial das exportações, e x a taxa de crescimento das exportações. Para exemplificar, suponhamos um superávit inicial de USS 12 bilhões (gerado a partir de exportações de USS 24 bilhões e importações de USS 12 bilhões), e um ritmo de expansão das exportações de 5% ao ano. O valor de k diminuiria com o tempo, de acordo com a fórmula acima, indicando, todavia, que as importações ainda poderiam, no quinto ano da série (t=4), estar crescendo por uma taxa 70% superior à do crescimento das exportações. Agradecemos a Carlos Eduardo F. Young pela derivação da expressão para kt.
  • 10
    A Economia Brasileira em Marcha Forçada, p. 71.
  • 11
    Markwald, R. A., “Balança Comercial e Dívida Externa”, in Revista da ANPEC, dez. 1987.
  • 12
    Dib, M. F. S. P., Importações Brasileiras: Políticas de Controle e Determinantes da Demanda, BNDES, 1987; Moraes, P. B., “Uma Nota sobre as Importações Brasileiras de Produtos Manufaturados”, PUC/RJ, Texto para Discussão n.º 114; Abreu, M. P., “Equações de Demanda de Importações Revisitadas: Brasil, 1960-1985”, PUC/RJ, Texto para Discussão n.º 148.
  • 13
    Reconhecendo esse problema, Bodin de Moraes (op. cit.) procura adotar uma antiga sugestão de Diaz Alejandro de usar a variação de reservas como variável explicativa, na medida em que reduções no seu nível levavam o governo a intensificar os controles administrativos sobre as importações.
  • 14
    Moraes, P. B., op, cit., p. 6
  • 15
    Citação não autorizada.
  • 16
    Bacha, E. L., “A Crise da Dívida Latino-Americana”, in Revista da ANPEC, dez. 1987
  • 17
    Plano de Controle Macroeconômico, Ministério da Fazenda, out. 1987, apêndice A.
  • 18
    JEL Classification: F134

APÊNDICE 1

Para analisar o comportamento das importações em economias como a brasileira, onde elas são em regra complementares à produção doméstica, e raramente competitivas a ela, convém grupar os produtos importados em duas grandes categorias. A primeira incorporaria aqueles bens que simplesmente não são produzidos domesticamente, implicando que o abastecimento interno total provenha de importações (no caso do Brasil, determinadas linhas de equipamentos de alta sofisticação tecnológica, aviões de grande porte etc.). A segunda categoria englobaria aqueles cuja oferta interna é insuficiente para atender à demanda, sendo, portanto, complementada a partir de compras externas (no nosso caso, petróleo, barrilha, cobre, trigo etc.).

Para os produtos pertencentes ao primeiro conjunto existe, evidentemente, uma identidade entre a demanda total e a demanda por importações. A elasticidade renda das importações confunde-se pois com a própria elasticidade renda da demanda. Para os demais produtos, que representam hoje mais da metade das importações brasileiras, tal identidade não existe. Neste caso, a curva de demanda por importações pode ser derivada da curva de demanda total, como nos Gráficos 2A e 2B, nos quais a oferta doméstica é rígida, caracterizando assim o curto prazo.

GRÁFICO 2A

GRÁFICO 2B

Ao nível de renda Y1, a demanda OQ1 é toda ela atendida por produção doméstica. A um nível de renda superior, como por exemplo Y2, a demanda é atendida em parte por produção doméstica (OQ1), e em parte por importações (Q1Q2). Um acréscimo relativamente pequeno de demanda a partir de um ponto vizinho a (Y1Q1) representará uma ampliação proporcionalmente grande da demanda de importação pelo bem em questão.

A volatilidade da importação na vizinhança de Y1 pode ser melhor visualizada no Gráfico 2B. A elasticidade renda da demanda em determinado ponto é igual ao quociente de sua ordenada pelo segmento perpendicular que liga o ponto à reta Y1 V. Assim, no ponto R, a elasticidade da importação é igual à razão RM/RT; em P, a elasticidade é PM/PN. É fácil perceber então que à medida que nos aproximamos de Y1 a elasticidade renda da demanda por importação tende ao infinito.

Suponham-se agora dois países, o primeiro representado pelo diagrama 2A, e o segundo diferindo do primeiro por não dispor de uma produção interna do bem em questão. Se ambos elevam sua renda de Y0 para Y2, e a demanda de Q0 para Q2, as diferenças entre o país que dispõe de capacidade instalada interna para produzir o bem, e o outro que não a possui, ficam evidentes. No caso do primeiro, a demanda adicional será atendida em parte por produção doméstica (Q0Q1) e complementarmente por importações (Q1Q2), enquanto no segundo ela será totalmente abastecida por compras no exterior. Apesar disso, a elasticidade renda das importações será, a curto prazo, infinitamente maior no caso do primeiro país.

É este último fenômeno que traduz o ocorrido com as importações brasileiras de bens intermediários (exceto petróleo e trigo) em 1985. Tendo sido trazidas para próximo à fronteira da autossuficiência, tais importações estão sempre sujeitas a desaparecer da pauta - no caso de um deslocamento positivo da oferta interna-, ou a crescer exibindo elevadas elasticidades. Neste último caso, contudo, na medida em que, período após período, aumentassem as compras externas, a taxa de crescimento destas, e também suas elasticidades, declinariam progressivamente. Em termos do Gráfico 2B, esta situação corresponderia a um progressivo afastamento a partir da origem em direção a M1 e M2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1988
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