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Os grandes problemas da moeda internacional* * Trabalho apresentado na “Conferência Internacional sobre a Dívida Externa dos Países em Desenvolvimento”, promovida pela Associação Brasileira de Juristas Democratas, CEBRAP e Associação Internacional de Juristas Democratas, São Paulo, 30.11 a 4.12.1986. Traduzido por Solange Ramos Esteves.

The big problems of the international money

RESUMO

Considerando as dramáticas mudanças no mercado monetário internacional durante a década de 1980, este artigo discute a necessidade de restabelecer a coordenação monetária interna.

PALAVRAS-CHAVE:
Arranjos monetários internacionais; dólar; globalização

ABSTRACT

considering the dramatic changes in the international money market during the 1980s, this piece discusses the necessity of re-establishing the internal monetary coordination.

KEYWORDS:
International monetary arrangements; dollar; globalisation

A paisagem monetária internacional mudou muito desde 1980. A alta das taxas de juro modificou os comportamentos financeiros. O desequilíbrio dos pagamentos internacionais entre os países industrializados superou aquele que resultou dos excedentes do petróleo. A concorrência entre as divisas substituiu a simples gestão de um dólar padrão pelos bancos centrais, a qual havia prevalecido entre 1974 e 1978.

Essas mudanças fizeram surgir a necessidade de restabelecer uma cooperação monetária. Mas esta não foi além de alguns gestos espetaculares, ainda permanecendo muitas ambiguidades sobre o seu conteúdo. Enfim, a cooperação entre as políticas monetárias, por mais indispensável que seja, não é suficiente para controlar as forças que transformam as finanças internacionais. À globalização dos mercados financeiros deve corresponder uma organização da moeda a qual impõe suas regras ao mesmo tempo que se universaliza. A reforma do sistema monetário internacional inscreve-se sob a forma de uma reivindicação silenciosa, em meio às incertezas do nosso tempo.

O RETORNO NECESSÁRIO DA COOPERAÇÃO MONETÁRIA

A necessidade de cooperação se impôs sobre os fatos e levou o governo norte-americano a abandonar o monetarismo agressivo que havia adotado em fins de 1979. Três tipos de fenômeno explicam essa virada: a polarização das influências financeiras nas relações entre as principais divisas; a polarização dos desequilíbrios financeiros entre os grandes países industrializados; a fragilidade do regime de taxas flutuantes.

1) A hegemonia das finanças sobre as taxas de câmbio

Todos os observadores foram obrigados a reconhecer que as evoluções do dólar em relação às outras moedas importantes não refletiram as reais condições das economias nacionais durante a primeira metade dos anos 80. Os fatores puramente financeiros tiveram uma importância cada vez maior. Estes fatores decorrem dos progressos da integração financeira entre os países industrializados. Três fatores tiveram uma influência direta sobre as taxas de câmbio.

  • ampliação dos portfólios financeiros diversificados. A deflação simultânea modificou consideravelmente os comportamentos em relação à poupança e ao investimento. A alta das taxas de juros reais provocou a conjunção de um aumento das dívidas públicas e uma elevação das taxas de investimentos privados. Este duplo processo provocou a formação de uma capacidade maior de financiamento privado visando rendimentos financeiros elevados. As oportunidades de aplicação ampliaram-se com a liberação da movimentação de capital decidida pelos governos dos países que antes impunham controles: Reino Unido e Japão desde o início dos anos 80 e, posteriormente, França, países escandinavos e Itália;

  • elevação da capacidade de substituição mútua entre os diferentes tipos de ativos financeiros. As inovações financeiras enriqueceram os instrumentos de aplicação nos mercados financeiros nacionais e nos euromercados, imprimiram um grande dinamismo aos títulos negociáveis, estabeleceram conexões estreitas entre os mercados que até então eram menos interdependentes. Estas inovações melhoraram, então, a liquidez das aplicações e elevaram a sensibilidade dos portadores de portfólios em relação aos saques antecipados de rendimentos entre os mercados;

  • crescimento da mobilidade internacional dos capitais. Este fator reforça o precedente. Aumentando a velocidade de deslocamento dos capitais, facilita as intenções de diversificação de capital e, mais comumente, um efeito da grande onda de desregularização que atingiu as finanças do conjunto dos países industrializados. Estabeleceu-se uma concorrência entre as instituições financeiras que sustenta uma gestão ativa dos portfólios por parte dos agentes financeiros e que alimenta os mercados dos quais dependem as definições dos lucros.

Esses três tipos de fatores combinam-se para exercer uma grande influência sobre as taxas de câmbio com três consequências. Os mercados de câmbio tornaram-se mercados de ativos financeiros, mais exatamente, das componentes integradas dos mercados de capital que engendram preços sem relação com as estruturas de transação correntes. Esses mercados reagem às contradições entre as políticas econômicas dos países mais ricos; sancionam, assim, as divergências decorrentes de atitudes puramente nacionais, que não levam em conta suas repercussões sobre os outros países. Enfim, as evoluções das taxas de câmbio provocam distorções amplas e estáveis nas taxas de câmbio reais que estão na origem de ajustamentos macroeconômicos ineficientes e de alocações microeconômicas indevidas dos recursos.

2) A polarização dos desequilíbrios financeiros: o trio infernal

Os processos descritos acima definem apenas uma instabilidade potencial. Políticas responsáveis e compatíveis poderiam limitá-la. Mas, ao contrário, os desequilíbrios financeiros cumulativos entre os Estados Unidos, de um lado, e Japão e Alemanha, de outro, exacerbaram as divergências. Grandes mudanças afetaram a estrutura do equilíbrio poupança-investimento ao nível da economia mundial desde 1986. Os credores artificiais da OPEP desapareceram; os Estados Unidos tornaram-se o único polo deficitário; a riqueza financeira privada foi redistribuída em favor do Japão e da Alemanha. O papel dominante do dólar transformou uma relação entre devedores e credores em desequilíbrio monetário nos mercados das grandes divisas: um excesso potencial de oferta de ienes e marcos alemães.

De fato, os credores da OPEP tinham um comportamento inerte, sobre o qual o governo americano possuía seus próprios meios de influência. Eles aplicavam seus excedentes em dólar em uma proporção variável em torno de 80%. Não ocorria o mesmo com as instituições financeiras japonesas e europeias, que possuem muitas outras possibilidades de aplicação além dos títulos financeiros americanos, e que são obrigadas a otimizar os patrimônios financeiros que geram. Essas instituições possuem uma demanda de diversificação de seus créditos em diferentes divisas, a qual é sensível às condições reinantes nos diferentes mercados. Mesmo que os devedores americanos se adaptassem a essas demandas, participando dos riscos de câmbio e emitindo títulos na proporção das divisas solicitadas, ainda restaria um problema financeiro, em consequência da insuficiência de poupança nos Estados Unidos. Mas não haveria problema monetário. Este problema decorre do privilégio americano de financiar em sua própria moeda um déficit estrutural que aumenta a cada ano.

As consequências sobre a instabilidade das taxas de câmbio foram descritas com o auxilio do modelo SIMULO construído pelo CEPII. O desequilíbrio entre o excesso potencial de demanda de outras divisas exerce um “efeito de alavanca” sobre os câmbios. Todo choque conjuntural, traduzindo-se por uma variação relativa das taxas de juros ou por uma mudança das previsões sobre a evolução futura das taxas de câmbio, tem uma incidência ampliada sobre a variação da taxa de câmbio corrente em relação ao efeito que esse choque teria se ocorresse às proximidades de uma posição de equilíbrio fundamental entre oferta e demanda de ativos em diferentes divisas. Assim, os desequilíbrios financeiros acumulados alimentam a instabilidade monetária internacional.

3) A interdependência monetária condena os bancos centrais a cooperar

À medida que os desequilíbrios financeiros se aprofundam, o sistema de taxas flutuantes torna-se mais frágil. A especulação desenfreada sobre o dólar em fins de 1984, em contradição com a evolução de todos os parâmetros econômicos e financeiros, acabou demonstrando às autoridades monetárias que os mercados de câmbio estavam sob o império de previsões especulativas que faziam o dólar subir a níveis absurdos. Portanto, a não fixação das previsões dos mercados em algum valor de equilíbrio qualquer convenceu os bancos centrais a intervir conjuntamente para fazer baixar o dólar e para controlar essa baixa.

Mas, à medida que a queda do dólar tomou amplitude, sem corrigir os desequilíbrios das balanças de pagamento, novos problemas foram colocados. Como persuadir os credores dos Estados Unidos a manter e a aumentar sua demanda de ativos financeiros em dólar a despeito das perdas em capital sobre suas posições líquidas? Seria necessário estabilizar as taxas de câmbio entre as três principais divisas, de que maneira e em que níveis? Pode-se ir além do entendimento monetário e mobilizar os outros instrumentos de política econômica com vistas a absorver os desequilíbrios financeiros?

QUE CONTEÚDO DAR À COOPERAÇÃO MONETÁRIA?

A cooperação a ser colocada em prática deve tirar lições dos erros passados, levar em conta o contexto econômico atual e limitar suas ambições.

1) Tirar lições dos erros passados

Em 1978-1979 aconteceu uma experiência de retomada econômica nos países da OCDE chamada “locomotiva e comboio”. O objetivo era ambicioso: nada menos que uma “co-pilotagem keynesiana” da economia mundial. O esquema intelectual que fundamentava essa iniciativa baseava-se nos efeitos de estímulos comerciais. A cooperação era buscada através das políticas orçamentárias. A Alemanha e o Japão aceitaram desempenhar o papel de locomotivas. Sabe-se que esta experiência conheceu um fracasso espetacular. Ela se arrebentou no segundo choque do petróleo e na inflação mundial. As “locomotivas” pagaram o fracasso com déficits que só puderam ser corrigidos com políticas de austeridade brutais. Esses países juraram que jamais cairiam noutra.

A partir do final de 1979, a virada americana provocou uma completa mudança de doutrina. Tudo que era branco passou a ser preto e vice-versa. Todos os países foram obrigados a procurar saídas próprias em meio às taxas flutuantes. Uma nova e cruel desilusão estava por vir. A simultaneidade das políticas deflacionárias desencadeou uma profunda recessão mundial e precipitou a crise de endividamento do Terceiro Mundo. Os países europeus perceberam que as taxas flutuantes não os preservavam das repercussões da alta das taxas de juros americanas. Enfim, as políticas orçamentárias dos dois lados do Atlântico nunca foram tão radicalmente contraditórias como o foram nesse momento.

2) A originalidade do conteúdo da cooperação, versão 1986 e pós-1986

A primeira lição nos diz ser impossível gerir um sistema monetário internacional, por menos impositivo que seja, com mudanças bruscas nas políticas econômicas. Hoje, as interdependências financeiras são preponderantes. Os efeitos mecânicos dos atrativos comerciais diminuem com as perturbações das taxas de câmbio. As dificuldades orçamentárias colocam os meios monetários em primeiro plano. A absorção dos desequilíbrios financeiros no interior da OCDE é a preocupação prioritária. A continuidade das distorções perpetua as aspirações protecionistas nos Estados Unidos, o desemprego na Europa, as dificuldades financeiras no Terceiro Mundo. A primeira fase do compromisso mínimo foi um acordo sobre a queda do dólar. A dificuldade agora é passar do compromisso em torno da necessidade de baixar o dólar para um acordo sobre a maneira de estabilizá-lo.

O governo americano busca unir a estabilização das taxas de câmbio e a inversão das diferenças de ritmo de crescimento na OCDE solicitando ao Japão e à Alemanha, com insistência, uma retomada orçamentária temporária. A solicitação encontra, logicamente, a hostilidade destes países, pois os americanos não oferecem nada em troca. Não há nenhuma garantia de que eles conseguirão absorver seu déficit orçamentário estrutural. Além disso os países europeus e o Japão estão fortemente empenhados em reduzir o peso de sua dívida pública no PIB. De mais a mais, os governos do MCE fizeram um diagnóstico sobre a natureza do desemprego, que, certo ou errado, descarta a responsabilidade de uma insuficiência de demanda.

As divergências de perspectivas restringem a cooperação ao domínio monetário. Sem uma sensível reversão das taxas de crescimento entre os Estados Unidos e o resto da OCDE, é impossível esperar um reequilíbrio da balança comercial dos Estados Unidos daqui até o fim da década. Mesmo que o déficit se reduza progressivamente, o endividamento líquido acumulado dos Estados Unidos continuará crescendo, para atingir pelo menos 500 bilhões de dólares em 1990. A cooperação monetária deve agir de forma que esse endividamento seja financiado, portanto, que sejam evitadas uma recessão e uma elevação catastrófica das taxas de juros americanas.

Para que isso aconteça é preciso evitar toda queda excessiva e brutal do dólar, o que faria com que os credores americanos perdessem a confiança. Isto implica manter estável uma diferença na taxa de juro de 2 a 3% sobre os mercados financeiros americanos, além das taxas japonesas e alemãs. Implica também um acordo entre os bancos centrais, sustentado por uma vontade claramente expressa de intervir em conjunto, se for o caso, para manter as taxas de câmbio em níveis convencionais mas ainda atrativos para que sirvam de referência às previsões dos mercados. Deixando de lado as doutrinas puras e duras, esse compromisso mínimo poderá ter um bom desempenho. Ele introduzirá sub-repticiamente, sem que seja necessário reunir solenemente uma conferência monetária, uma mudança profunda no funcionamento do sistema monetário internacional.

SOBRE A COOPERAÇÃO MONETÁRIA NO SISTEMA DE MÚLTIPLAS MOEDAS

A atual fragilidade do dólar não tem a mesma natureza da que o caracterizou nos fins dos anos 70. Nessa época, o mundo inteiro solicitava créditos em dólar. Os bancos americanos acumulavam títulos no exterior. A fragilidade do dólar decorria de uma produção monetária excessiva. A mudança de direção na política monetária pôs fim rapidamente a isso. Hoje, o mal é mais profundo. Em sua origem está, certamente, a falência da política econômica, o naufrágio do governo Reagan. Mas essa fragilidade produziu mudanças estruturais na posição financeira dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo. Tais mudanças não são reversiveis através da manipulação discricionária entre o dólar e outras moedas nas transações internacionais. Essa tendência rumo a uma simetria maior provoca, para a economia norte-americana, dificuldades externas que não eram sentidas anteriormente. Essas influências externas podem modificar a atitude dos Estados Unidos frente ao sistema monetário internacional.

1) Fatores de internacionalização das moedas

É muito provável que os governos fixem, no momento, limites mais estreitos para a cooperação monetária a fim de reduzir o desequilíbrio financeiro fundamental que alimenta a instabilidade dos câmbios. Pois a diversificação dos ritmos de crescimento não será suficiente para absorver rapidamente o déficit corrente dos Estados Unidos. A coordenação através de diferenças nas taxas de juros age somente sobre a demanda de diversificação das carteiras no exterior para forçar os credores a se prender a moedas diversas e prender os devedores ao dólar. Mas esses fatores de reequilíbrio agem somente à margem do sistema, e são sempre ameaçados por uma perda de confiança no dólar se os déficits americanos (orçamentário e externo) não se reduzirem no ritmo esperado. Estas previsões pessimistas sobre a queda do dólar serão mais facilmente formuladas ao mesmo tempo que a emissão de dólares em favor dos não residentes for mais forte e mais sensível.

Parece, portanto, lógico agir também sobre a composição por divisas da oferta de crédito internacional para baixar relativamente o montante dos ativos disponíveis em dólar e elevar o que existe em ienes e marcos alemães. Vários caminhos são possíveis para fazer com que estas divisas atinjam o status de moedas internacionais concorrentes do dólar. Uma parte dos títulos novos emitidos contra os Estados Unidos poderia ser liberada em divisas estrangeiras (semelhantes aos bônus de Carter). Os bancos japoneses e europeus poderiam emprestar mais em suas próprias moedas, os mercados financeiros desses países poderiam se abrir mais aos tomadores estrangeiros. Uma parte das dívidas do Terceiro Mundo junto aos bancos não americanos poderia ser convertida nas moedas desses bancos.

Esses fatores macroeconômicos de internacionalização das divisas diferentes do dólar são acentuados pela concorrência das instituições financeiras. Esta conduz à generalização, para os demais mercados financeiros, das inovações desenvolvidas inicialmente com os instrumentos próprios do dólar. A substituição entre divisas torna-se uma característica das novas facilidades de crédito oferecidas aos tomadores pela concorrência.

2) Problemas de organização de um sistema de múltiplas moedas: da cooperação ad hoc à cooperação institucionalizada

O crescimento de outras moedas, além do dólar, como moedas de crédito internacional contribuiria para a absorção dos desequilíbrios financeiros dos anos 80. Mas esse sistema de múltiplas moedas colocaria novos problemas monetários. A história e a teoria ensinam que a concorrência de divisas no conjunto das funções monetárias é instável se não for enquadrada por regras que a limitem. Uma saída possível é o restabelecimento de uma moeda padrão, única, como sequência a profundas mudanças econômicas. Tal saída é improvável nas condições colocadas no final do século XX, que se caracterizam principalmente pela disseminação dos fatores técnicos e políticos do poderio econômico. Se essa evolução se mantém, as autoridades econômicas se encontrarão diante de um novo quadro: organizar coletivamente a coexistência de várias divisas, de maneira a atingir uma coerência tal que substitua as· funções da moeda internacional.

Partindo da situação atual, a busca da coerência implica, no mínimo, duas condições. Em primeiro lugar, é preciso realizar intervenções bem coordenadas e sobre uma base permanente nos mercados de câmbio. Isto implica um acordo sobre níveis de taxa de câmbio que sirvam como referência, passíveis de revisão mas válidas por períodos mais longos do que os efeitos das intervenções. Em segundo lugar, as intervenções devem ser sustentadas por políticas monetárias que levem em conta as repercussões de suas próprias decisões sobre os outros países. Isso significa unir estreitamente a política de câmbio e a política monetária, fazendo da taxa de câmbio um objetivo intermediário da política monetária.

Ao enunciar essas condições nós nos chocamos novamente com o mesmo obstáculo: os Estados Unidos não desejarão renunciar à preponderância do dólar e ao benign neglect que ele permite! Mas o problema não é esse. Sabe-se muito bem que o jogo monetário encerra uma relação estratégica. O problema é saber· se as transformações objetivas do sistema monetário internacional lavarão os parceiros influentes do jogo monetário a negociar novas regras por estarem conscientes de suas mútuas ameaças.

Os Estados Unidos mostrarão interesse em reconsiderar o funcionamento atual do sistema monetário se perceberem que não estão mais ao abrigo das influências externas. Três razões vão nesse sentido. Em primeiro lugar, a crise do endividamento do Terceiro Mundo, desde já, forçou o banco central americano a moderar seu zelo monetarista a partir de agosto de 1982. As quebras sucessivas no sistema bancário também conduzem à prudência. Em segundo lugar, a penetração da economia americana através das importações aumentou enormemente nestes últimos anos. Com a abertura acentuada veio uma experiência muito conhecida na Europa: as flutuações excessivas da taxa de câmbio real tiveram influências nefastas sobre a economia, as quais se tornaram mais importantes que as vantagens da autonomia na política monetária. Finalmente, o crescimento de sua própria dívida externa conduzirá, irremediavelmente, os Estados Unidos a levar em conta os interesses de seus credores. Em resumo, não há mais benign neglect. Uma simetria cada vez maior no uso internacional das moedas terá, como consequência, que os Estados Unidos percebam mais intensamente e mais rapidamente o custo, para eles, da repercussão de decisões tomadas no exterior para reagir às políticas desestabilizadoras levadas a efeito por eles mesmos.

Desnecessário dizer que o funcionamento de um sistema de múltiplas moedas exige mais do que o interesse dos parceiros em seu êxito. É preciso inventar formas originais de organização monetária que possam garantir que a coerência das relações entre as grandes divisas se transforme em um processo institucionalizado. Não é o momento de debater esta questão. Pode-se, todavia, sustentar que elementos mais importantes de supranacionalidade deveriam ser incorporados ao sistema, o que remete ao grande problema de fortalecimento do papel do FMI em suas três funções de regularização dos ajustes de balanços de pagamento, de gestão da liquidez internacional, de consulta e diagnóstico dos desequilíbrios.

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    Trabalho apresentado na “Conferência Internacional sobre a Dívida Externa dos Países em Desenvolvimento”, promovida pela Associação Brasileira de Juristas Democratas, CEBRAP e Associação Internacional de Juristas Democratas, São Paulo, 30.11 a 4.12.1986. Traduzido por Solange Ramos Esteves.
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    JEL Classification: F33; G15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1988
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