Acessibilidade / Reportar erro

Crescimento e desigualdade: uma resenha crítica* * O autor agradece a José Afonso Beltrão da Silva pelos comentários feitos a uma versão anterior.

Growth and inequality: a critical review

RESUMO

Esta nota revisa a produção em torno da desigualdade e dos níveis de renda, procurando entender se há evidências teóricas e empíricas suficientes para estabelecer tal conexão.

PALAVRAS-CHAVE:
Desigualdade; distribuição de renda; história do pensamento econômico

ABSTRACT

This note reviews the production around inequality and income levels, trying to understand if there is sufficient theoretical and empirical evidence to stablish such connection.

KEYWORDS:
inequality; income distribution; history of economic thought

A experiência brasileira de desenvolvimento nos últimos 25 anos revela que, sob o aspecto da expansão do produto, o desempenho do país pode ser considerado bastante positivo. No entanto, quando se consideram as questões de equidade e justiça social, a experiência passada é frustrante: verifica-se que as altas taxas de crescimento do produto resultaram no aumento da concentração de renda no ápice da pirâmide socioeconômica e não exercerem uma pronunciada melhoria no bem-estar dos segmentos mais pobres da sociedade. Os dados disponíveis sobre os rendimentos das famílias para o ano de 1980 mostram com muita clareza o fenômeno da disparidade de renda no Brasil. Nesse ano, o grupo que abrange os 10% das famílias mais ricas absorveu 45,2% do total dos rendimentos familiares, enquanto o grupo mais pobre, representado por 50% das famílias brasileiras, recebeu somente 13,3%, valor correspondente ao rendimento auferido por apenas 1% das famílias mais ricas do país.

Nesse contexto, uma das tarefas cruciais dos formuladores de política econômica da Nova República será, uma vez controlada a inflação, conciliar os objetivos de crescimento e de igualdade. Dessa forma, não se trata apenas de voltar a crescer a taxas relativamente altas, mas sim de crescer de forma a beneficiar amplos contingentes de mão-de-obra hoje marginalizados.

O recém-divulgado Plano de Metas do Governo Federal propõe conciliar os objetivos de crescimento com igualdade, ao estabelecer como prioridades para o período 1986-1989 um ambicioso programa social, a expansão da produção em cerca de 6,8% ao ano (cifra bem próxima da taxa histórica de crescimento da economia brasileira), e a criação de 6,6 milhões de novos empregos. Entretanto, não se objetiva aqui avaliar a adequação e consistência do Plano de Metas. A questão em pauta é, antes de tudo, teórica, e consiste em investigar, com base na experiência internacional, se é possível atender aos objetivos de igualdade com crescimento simultaneamente, em uma economia como a brasileira, que é regida em grande parte pelas leis de mercado e ainda irá sofrer profundas transformações estruturais, associadas à transição de uma economia semi-industrializada, com excedentes de mão-de-obra, para uma plenamente desenvolvida.

A formulação teórica que predomina na literatura sobre o desenvolvimento econômico assegura que, nos estágios iniciais e intermediários do desenvolvimento (medidos pela renda per capita), o mecanismo que promove o crescimento acarreta também uma piora na distribuição de renda. Isso se deve, segundo certos autores, ao fato de o desenvolvimento implicar transferência da população do meio rural (onde supostamente a renda é menos concentrada) para a cidade e induzir o surgimento de atividades produtivas, cuja complexidade exige mão-de-obra mais especializada, que deve ser remunerada de acordo com a sua qualificação. Assim, segundo eles, somente nos estágios mais avançados de desenvolvimento, quando a economia já não possui excedentes de mão-de-obra, é que a distribuição de renda se torna mais igualitária. No entanto, um número crescente de autores tem rejeitado essa formulação, conhecida como a curva de Kuznets. Para eles, ainda que os fatores estruturais exerçam influência na distribuição de renda, esta é, em grande parte, explicada pela estratégia de desenvolvimento adotada e pelas próprias políticas implementadas pelo governo.

Este artigo tem por objetivo resenhar criticamente os principais estudos empíricos que trabalham com dados internacionais sobre a relação entre desigualdade e crescimento. Considera-se inicialmente a hipótese de Kuznets de que a desigualdade aumenta à medida que a economia cresce, declinando a partir de certo estágio. Posteriormente, analisa-se a suposição de que, para dado nível de desenvolvimento, países que crescem rapidamente apresentam resultados piores em termos de igualdade de renda do que aqueles que se expandem de forma mais lenta. E, finalmente, apresentam-se os estudos decorrentes de exercícios de simulação que procuram investigar quais seriam as consequências de mudanças hipotéticas no perfil da distribuição de renda de um dado país. Espera-se, assim, estimular o debate em torno desse importante tema da economia política, que foi em certa época no Brasil dominado por posições com pouca ou nenhuma fundamentação teórica e empírica, traduzidas em frases como “Não se pode distribuir o que não se tem” ou “É preciso fazer crescer o bolo para depois distribuí-lo”.

AS EVIDÊNCIAS DISPONÍVEIS

Kuznets (1955Kuznets, S., (1955). “Economic and Income Inequality”, American Economic Review, vol. 45, n 1, pp. 1-28.), em seu influente estudo, foi o primeiro economista a detectar que a renda era distribuída de forma mais desigual nos países subdesenvolvidos do que nos desenvolvidos. Posteriormente, Oshima (1962Oshima, H. T. (1962). “The International Comparison of Size Distribution of Family Incomes with Special Reference to Asía”, Review of Economics and Statistics, vol. 44, n. 4, pp. 439-445.) e, novamente, Kuznets (1963Kuznets, S., (1963). “Quantitative Aspects of the Economic Growth of Nations: II. Industrial Distribution of National Product and Labor Force”, Economic Development and Cultural Change, Suplemento ao vol. 5, n. 4, pp. 3-111.) sugeriram um padrão de desigualdade que acompanha o desenvolvimento dos países que pode ser caracterizado como o de um “U” invertido: segundo os autores, a desigualdade aumenta nos estágios iniciais de desenvolvimento (medido pela magnitude da renda per capita), atinge um pico e declina nos estágios mais avançados.

Suas conclusões são severamente limitadas pela qualidade dos dados usados.

Entretanto, novas e mais apropriadas bases de dados foram compiladas por Adelman e Morris (1973Adelman, I. e Morris, C., (1973). Economic Growth and Social Equity in Developing Countries, Stanford, Califórnia, Stanford University Press.) e por Jain (1975Jain, B., (1975). Size Distribution of Income: A Compilation of Data, Washington, D.C., Banco Mundial.), sendo que os primeiros estudos empíricos baseados nestes novos dados dão suporte às interpretações daqueles autores.

Por exemplo, o estudo de Paukert (1973Paukert, F., (1973). “Income Distribution at Different Levels of Development: A Survey of Evidence”, International Labour Review, vol. 108, ns. 2-3, pp. 97-125.), usando dados de corte transversal (cross-section), para 56 países ordenados pela magnitude da renda per capita de 1965, mostra um aumento na desigualdade (medida pelo coeficiente de Gini) à medida que os países passam de baixos níveis de renda per capita aos níveis de US$ 101- 200. O pico é atingido nos grupos de países que exibem renda per capita entre US$ 200 e US$ 500 e, a partir daí, a desigualdade torna-se progressivamente menos acentuada.

Roberti (1974Roberti, P., (1974). “Income Distribution: A Time-Series and a Cross-Section Study”, Economic Journal, vol. 84, n. 335. pp. 629-638.) encontrou que o PIB per capita relaciona-se negativamente à participação na renda dos decis da população de renda mais baixa e mais alta. Mas, de acordo com sua análise, os decis inferiores à renda média nacional correm maior risco de perder com o crescimento do que os decis superiores àquela renda.

As regressões de Cline (1975Cline, W. R., (1975). “Distribution and Development: A Survey of Literature”, Journal of Development Economics, vol. 1., n 4, pp. 359-400.), baseadas em uma amostra de 44 países menos desenvolvidos, também sugerem que a desigualdade relativa (isto é, a razão da participação na renda dos 20% mais ricos pela participação na renda dos 20% mais pobres) aumenta substancialmente nos estágios iniciais de desenvolvimento, e que essa tendência se reverte nos estágios mais avançados.

As estimativas de Ahluwalia (1976Ahluwalia, M. S., (1976). “Inequality, Poverty and Development”, Journal of Development Economics, vol. 3, pp. 307-342.) constituem, sem dúvida, a mais bem elaborada evidência empírica em suporte à hipótese de Kuznets, e por isso são aqui apresentadas com maior detalhe.

Ahluwalia procurou, em amostra composta por 60 países desenvolvidos e menos desenvolvidos, relacionar a participação da classe compreendida pelos 40% mais pobres da população ao PNB per capita (em dólares constantes de 1970). Ele especificou uma função matemática que poderia gerar a mencionada curva de Kuznets, bastando que os coeficientes das duas variáveis consideradas se mostrem significativos e apresentem sinais opostos (negativo para o termo do 1ª grau e positivo para o 2ª grau).1 1 Como Ahluwalia trabalhou com a participação dos 40% mais pobres da população no PNB per capita como proxy para a desigualdade, a curva de Kuznets assume em sua análise o formato em “U”. Se confirmada pelos dados dos países selecionados, há indicações de que a participação dos pobres na renda decresce à medida que essa se expande, atinge um mínimo e aumenta nos níveis mais altos de renda.

A relação foi estimada, separadamente, para toda a amostra (onde D é uma dummy para os países socialistas na amostra2 2 A introdução da dummy tem por finalidade captar se a desigualdade é influenciada pelo regime político adotado nos diferentes países. Se o coeficiente referente a essa variável apresentar sinal positivo, deduz-se que, para um dado nível de renda per capita, os países socialistas apresentam renda menos concentrada. Se o sinal for negativo, a interpretação é oposta. ) e para uma subamostra que abrange os 40 países menos desenvolvidos. Suas estimativas são as seguintes:

  • 1) todos os países

I = 70 , 57 5 , 38 - 44 , 38 4 , 61 log y + 8 , 31 4 , 82 log y 2 + 11 , 95 8 , 45 D (1)

R2=0,594; n=60

Ponto de inflexão=$ 468,0

onde I=participação dos 40% mais pobres da população na renda e log y=logaritmo do PNB per capita.

  • 2) países menos desenvolvidos

I = 106 , 79 3 , 83 - 74 , 67 3 , 25 log y + 14 , 53 3 , 10 log y 2 (2)

R2=0,242; n=40

Ponto de inflexão=$ 371,1

O autor acredita ter confirmado a hipótese de Kuznets, uma vez que os coeficientes das equações (1) e (2) são estatisticamente significativos (valor de “t” entre parêntesis) e apresentam os sinais esperados. Todavia, suas conclusões foram duramente contestadas em um estudo mais recente de Anand e Kanbur (1981Anand, S. e Kanbur, B., (1981) “Inequality and Development: A Critique”, estudo apresentado em SRCC Development Economics Study Group, novembro, pp. 1-50, mimeo.), sob o argumento de que elas são altamente sensíveis à forma funcional e influenciadas pelos dados usados nas estimativas.

Deixando de lado as críticas aos dados utilizados por Ahluwalia, que os autores consideram “uma seleção idiossincrática de distribuições não-comparáveis”,3 3 Anand e Kanbur, (1981, p. 11). estamos convencidos de que, de fato, não há uma clara justificativa teórica para a especificação das equações na forma apresentada por Ahluwalia. Concordamos com Anand e Kanbur, quando afirmam que, se a teoria não oferece indicações sobre a forma funcional a ser testada, dever-se-iam estimar formas alternativas para testar a sensibilidade das conclusões.

Com base nos dados usados por Ahluwalia, esse autores especificaram uma forma quadrática simples, não logarítmica, para gerar o formato em “U” entre desigualdade e desenvolvimento.4 4 Para maiores detalhes e uma elaborada justificativa teórica da superioridade da função alternativa, não-logarítmica, para testar a hipótese de Kuznets, ver Anand e Kanbur (1981). Os resultados obtidos são:

  • 1) todos os países

I = 12 , 24 16 , 07 + 0 , 98 0 , 82 I 0 - 3 y + 0 , 09 0 , 34 10 - 6 y 2 + 10 , 87 7 , 03 D (3)

R2=0,496; n=60

Ponto de inflexão=- $5444,4

  • 2) países menos desenvolvidos

I = 16 , 43 11 , 3 - 20 , 43 3 , 09 10 - 3 y + 17 , 34 2 , 97 10 - 6 y 2 (4)

R2=0,163; n=40

Ponto de inflexão=$589,1

Verifica-se que, para o conjunto dos países (equação 3), os coeficientes das variáveis relativas ao nível de desenvolvimento - renda per capita - não são significativos (valores de “t” de 0,82 e 0,34). Além do mais, os coeficientes estimados apresentam sinais positivos e o ponto de inflexão ocorre no nível negativo de renda (-$5.444,40), significando que a desigualdade sempre decresce à medida que o país se desenvolve.

Quanto à amostra dos países menos desenvolvidos, a especificação não logarítmica confirma o formato em “U” (equação 4). Deve-se notar, contudo, que as regressões para este conjunto de países (os únicos que satisfazem a ambas as especificações) têm um poder explicativo muito limitado (r2=0,24 e 0,16, respectivamente). Em outras palavras, muito pouco (no máximo um quarto) da variação da desigualdade relativa entre os países é explicado pelo nível de renda, sendo que três quartos dessa variação provêm de outros fatores que não estão retratados nas equações

A principal implicação desses resultados, explorada em vários estudos, é a de que a desigualdade relaciona-se não somente a fatores estruturais, como o nível da renda per capita, mas também a variáveis (por exemplo, educação, regimes salariais e fiscais) que podem ser influenciadas por políticas do governo.5 5 Para uma tentativa de distinguir os determinantes da distribuição de renda entre variáveis sobre as quais o governo não tem controle e outras variáveis que podem ser influenciadas por políticas, ver Ahluwalia (1974), Ver também Bacha (1979). Certamente, nesta perspectiva, o padrão de desigualdade em “U” está longe de ser inevitável. Um autor coloca isso de forma muito apropriada: “ ... a distribuição de renda é determinada tanto pelo nível de desenvolvimento quanto pelo tipo de desenvolvimento e políticas seguidas em um dado país. Pode-se esperar, desta forma, que políticas públicas apropriadas podem ser desenhadas para evitar a deterioração na distribuição relativa da renda e para exercer uma melhoria na situação econômica da população pobre”.6 6 Fields (1980, p. 71), trad. do autor. Experiências bem-sucedidas de crescimento com igualdade e que dão algum suporte para o argumento de que a distribuição de renda é influenciada por políticas são os casos de Formosa e Hong Kong, Ver a esse respeito, respectivamente, Fei, Ranis, Kuo (1979), ou Ranis (1977), e Chow e Papanek (1981).

Os resultados dos estudos discutidos anteriormente devem ser vistos com cautela, porque baseiam-se em dados de cross-section, ou seja, as inferências sobre a evolução do padrão de distribuição de renda são feitas a partir de informações de vários países para um único ano. A limitação de tal análise é bem conhecida, e desta forma basta ponderar que somente estudos que trabalham com dados de séries temporais (isto é, aqueles que analisam a experiência de um país ao longo do tempo) podem confirmar ou refutar o padrão de desigualdade de formato em “U”.

Infelizmente não há dados apropriados de séries temporais sobre distribuição de renda para países menos desenvolvidos, e isso impede que se apresente uma resposta conclusiva. Contudo, em dois pontos no tempo, existem informações para alguns desses países, compiladas por Jain (1975Jain, B., (1975). Size Distribution of Income: A Compilation of Data, Washington, D.C., Banco Mundial.).

Alguns autores examinaram esses “dados de séries temporais” e, de acordo com seus resultados, é bastante duvidoso que o crescimento possa, espontaneamente, operar em detrimento dos pobres. Cline (1975Cline, W. R., (1975). “Distribution and Development: A Survey of Literature”, Journal of Development Economics, vol. 1., n 4, pp. 359-400., p. 377), por exemplo, conclui que não há deterioração generalizada na distribuição de renda à medida que um país cresce. Para ele, ‘’dos treze países menos desenvolvidos para os quais se têm dados intertemporais, seis apresentaram um aumento na concentração (Índia, Peru, Panamá, Brasil, Filipinas e México); seis registraram uma diminuição na concentração (Formosa, Sri Lanka, Irã, Colômbia, Costa Rica e El Salvador); e um mostrou uma concentração inalterada (Coréia)”. Ainda segundo Cline, não se observa qualquer associação entre as taxas de crescimento desses países e as modificações nas suas estruturas de distribuição de renda.

De forma similar, Loehr e Powelson (1981Loehr, W., e Powelson, J., (1981). The Economics of Development and Distribution, Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, Inc.) - com amostra ligeiramente diferente por incluírem na análise dados referentes a Bangladesh, Paquistão e Malásia - também não encontraram uma relação estatisticamente significativa nem entre mudanças na desigualdade (refletidas pelas magnitudes dos coeficientes de Gini) e as taxas de· crescimento do produto nem entre a participação dos ricos na renda e o crescimento econômico. Os autores encontraram uma tênue relação entre as taxas de crescimento do produto e a participação dos pobres na renda, mas esta revelou ser positiva e não negativa.7 7 Ver também Loehr (1977).

Há ainda uma abordagem distinta que trata da relação entre crescimento e distribuição, a qual mediante uso extensivo de modelos de planejamento multissetorial procura investigar as possíveis implicações de uma redistribuição de renda hipotética em um dado país. Metodologias apropriadas à análise dos efeitos da redistribuição através de exercícios de simulação têm sido desenvolvidas em vários estudos, e de forma geral apresentam as seguintes características:8 8 Para maiores detalhes ver, por exemplo, Clark (1975) e Pyatt (1977).

  1. supõe-se um padrão alternativo de distribuição de renda familiar baseado em objetivos sociais;

  2. o consumo total de cada grupo é desagregado em seus componentes, usando-se especificações da função demanda;

  3. a partir das funções de consumo, calcula-se o impacto da redistribuição no nível de poupança;

  4. os novos níveis de consumo oriundos do padrão alternativo de distribuição de renda são introduzidos em um sistema ampliado de insumo-produto para se determinar os novos níveis, de curto prazo, das importações, emprego, valor adicionado, produção bruta setorial e requisitos de capital;

  5. e, finalmente, aplicando-se os dados gerados pelo modelo de simulação em uma especificação do tipo Harrod-Domar, pode-se captar as implicações de uma redistribuição de renda no crescimento futuro.

Dentro dessa abordagem, em nível internacional, são dignos de nota os estudos realizados para a Índia (The Indian Planning Commission, 1973Indian (The) Planning Comission, (1973). A Technical Note on the Approach to the Fifth Five - Year Plan of India, Nova Déli.; Mohammad, 1981Mohammad, S., (1981). “Trade, Growth and Income Redistribution: A Case Study of India”, Journal of Development Economics, vol. 9, n. l, pp. 131-147.) e para as Filipinas, Irã, Coréia do Sul e Malásia (Paukert et alii, 1976Paukert, F., Skolka, J., e Matou, J., (1976). “Redistribution of Income, Patterns of Consumption, and Employment: A Case Study for the Philippines”, in K. R. Polenske e J. Skolka, Advances in Input-Output Analysis, Cambridge, Mass., Ballinger Publishing Co. e 1979Paukert, F., Skolka, J. e Maton, J., (1979). “Income Distribution by Size, Structure of the Economy and Employment: A Comparative Study for Four Asian Countries”, estudo apresentado em The Seventh International Conference Input-Output Techniques, pp. 1-27, mimeo.). A principal conclusão que emerge desses estudos é que uma redistribuição de renda poderia provocar, em geral, impactos positivos no nível de emprego e produção de curto prazo, sendo neutra do ponto de vista do crescimento futuro da renda.

É oportuno mencionar também os estudos empíricos de Cline (1972Cline, W. R., (1972). Potential Effects of Income Redistribution on Economic Growth: Latin American Cases, Nova York, Praeger.), Lopes (1982Lopes, F. L., (1972). Inequality Planning in the Developing Economy, tese de Ph.D., Universidade de Harvard.) e do autor (Locatelli, 1985aLocatelli, R. L., (1985a). “Efeitos Macroeconômicos de uma Redistribuição de Renda: Um Estudo Para o Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 15, n. 1, pp. 139-170.),9 9 Ver também Locatelli (1985b, cap. 5). que se direcionam exatamente a investigar as possíveis implicações de uma redistribuição de renda no Brasil. Os seus resultados estão em acordo com os observados internacionalmente ao apontar que maior igualdade pode ser alcançada no país sem que se imponham sacrifícios à sua taxa histórica de crescimento.

Além das implicações da desconcentração de renda no crescimento futuro, o trabalho do autor (Locatelli, 1985aLocatelli, R. L., (1985a). “Efeitos Macroeconômicos de uma Redistribuição de Renda: Um Estudo Para o Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 15, n. 1, pp. 139-170., pp. 151-160) analisou vários impactos que poderiam materializar-se em um curto espaço de tempo. Em termos da estrutura produtiva, por exemplo, seus resultados revelam que os principais beneficiários das mudanças seriam os setores agrícolas e os de produtos alimentares, enquanto os perdedores seriam os setores de bens de consumo duráveis. Para as indústrias que produzem bens intermediários (siderurgia, cimento etc.) as modificações na distribuição de renda não exerceriam nenhum efeito digno de nota sobre a produção setorial.10 10 Ver também a este respeito Bonelli e Vieira da Cunha (1981).

Um resultado interessante, advindo da referida análise acerca da associação entre crescimento setorial e desigualdade, refere-se ao obtido para as indústrias de bens de consumo duráveis. Como se salientou, para essas indústrias a desconcentração de renda teria um efeito negativo. Entretanto, os resultados do autor não dão suporte ao argumento de que uma política redistributivista poderia frustrar-se em virtude da inadequação da estrutura produtiva instalada - adequadamente muito voltada para a produção de bens sofisticados - e o novo perfil da demanda. Se, por exemplo, se pensar em retornar ao perfil de distribuição de renda existente no país em 1960, que envolve uma razoável diminuição na desigualdade (redução no coeficiente de Gini de 0,60 para 0,50), o decréscimo previsto na produção da indústria automobilística seria algo em torno de 6,5%, enquanto na indústria de aparelhos elétricos estaria situado em somente 4,0%, reduções que, convenhamos, não seriam suficientes para provocar crise alguma na economia.

Deve-se ter em mente, contudo, que os exercícios de simulação são parciais, porque os resultados baseiam-se em modelos que, para serem operacionais, adotam algumas hipóteses restritivas e deixam de lado importantes dimensões associadas a uma política de redistribuição de renda. Os estudos não dedicam atenção, por exemplo, às possíveis tensões inflacionárias resultantes do novo padrão de crescimento setorial, supondo-se para isso oferta elástica, garantida ou pela capacidade ociosa na economia ou pela folga no balanço de pagamento. Sabemos que, na situação atual da economia brasileira, essas condições não são fáceis de ser atendidas. De um lado, em face do estrangulamento do balanço de pagamentos, o uso de divisas para importações adicionais provocadas pelo aumento do consumo poderia dificultar ainda mais as negociações com os credores externos para o reescalonamento de nossa dívida e, de outro, há indicações de que a capacidade ociosa já se esgotou em vários setores. Dessa forma, o momento não é o mais apropriado para se implementar uma política ativa de desconcentração de renda, pois esta poderia se traduzir em novos problemas aos programas de estabilização ora em curso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências empíricas avaliadas neste artigo, embora passíveis de alguma restrição por se basearem em dados incompletos, não favorecem a proposição de que crescimento e igualdade constituem objetivos conflitantes. A interpretação que assegura que a distribuição de renda deve piorar antes de se tornar mais igualitária é, antes de tudo, bastante questionável, como demonstram os estudos mais recentes:

Da mesma forma, não se pode postular a existência de uma relação direta entre crescimento e concentração de renda, uma vez que, dentre os países que apresentaram altas taxas de crescimento do produto, alguns exibiram piora na distribuição de renda, enquanto outros melhoraram. Além do mais, os resultados de estudos que usam modelos multissetoriais para simular os efeitos de maior igualdade sugerem que esta poderia ser alcançada sem que se imponham custos significativos ao crescimento econômico.

Em suma, os estudos mais recentes aqui resenhados dão suporte a uma corrente de economistas brasileiros, cujo expoente é Celso Furtado, que já há muito proclama que se tem espaço para implementar, no médio prazo, uma redistribuição de renda no país e, por conseguinte, uma nova estratégia de desenvolvimento que atenda aos interesses de amplos segmentos da população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Adelman, I. e Morris, C., (1973). Economic Growth and Social Equity in Developing Countries, Stanford, Califórnia, Stanford University Press.
  • Ahluwalia, M. B., (1974). “Income Inequality: Some Dimension of the Problems”, in H. Chenery et alii, Redistribution with Growth, Londres, Oxford University Press.
  • Ahluwalia, M. S., (1976). “Inequality, Poverty and Development”, Journal of Development Economics, vol. 3, pp. 307-342.
  • Anand, S. e Kanbur, B., (1981) “Inequality and Development: A Critique”, estudo apresentado em SRCC Development Economics Study Group, novembro, pp. 1-50, mimeo.
  • Bacha, E. L., (1979). “The Kuznets Curve and Beyond: Growth and Changes in inequalities”, in E. Malinvaud, Economic Growth and Resources, vol. 1., Proceedings of the World Congress of the International Economic Association, Londres, Macmillan.
  • Bonelli, R., e Vieira da Cunha, P., (1981). “Crescimento Econômico, Padrão de Consumo e Distribuição da Renda no Brasil: Uma Abordagem Multissetorial para o Período 1970- 75”, Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 11, n. 3, pp. 703-756.
  • Chow, S., e Papanek, G., (1981). “Laíssez-Faire, Growth and Equity - Hong Kong”, Economic Journal, vol. 91, n. 91, pp. 466-45.
  • Clark, P., (1975). “Intersectoral Consistency and Macroeconomic Planning”, in C. Blitzer et alii, Economic-Wide Models and Development Planning, Londres, Oxford University Press.
  • Cline, W. R., (1972). Potential Effects of Income Redistribution on Economic Growth: Latin American Cases, Nova York, Praeger.
  • Cline, W. R., (1975). “Distribution and Development: A Survey of Literature”, Journal of Development Economics, vol. 1., n 4, pp. 359-400.
  • Fei, J., Ranis, G., e Kuo, B., (1979). Growth with Equity: The Taiwan Case, Nova York, Oxford University Press.
  • Fields, G. S., (1980). Poverty, Inequality and Development, Nova York, Cambridge University Press.
  • Indian (The) Planning Comission, (1973). A Technical Note on the Approach to the Fifth Five - Year Plan of India, Nova Déli.
  • Jain, B., (1975). Size Distribution of Income: A Compilation of Data, Washington, D.C., Banco Mundial.
  • Kuznets, S., (1955). “Economic and Income Inequality”, American Economic Review, vol. 45, n 1, pp. 1-28.
  • Kuznets, S., (1963). “Quantitative Aspects of the Economic Growth of Nations: II. Industrial Distribution of National Product and Labor Force”, Economic Development and Cultural Change, Suplemento ao vol. 5, n. 4, pp. 3-111.
  • Locatelli, R. L., (1985a). “Efeitos Macroeconômicos de uma Redistribuição de Renda: Um Estudo Para o Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 15, n. 1, pp. 139-170.
  • Locatelli, R. L., (1985b). Industrialização, Crescimento e Emprego: Uma Avaliação da Experiência Brasileira, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, Série PNPE 12.
  • Loehr, W., (1977). “Economic Underdevelopment and Income Distribution: A Survey of Literature”, in W. Loehr e J. Powelson, Economic Development, Poverty, and Income Distribution, Boulder, Col., Westview Press.
  • Loehr, W., e Powelson, J., (1981). The Economics of Development and Distribution, Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, Inc.
  • Lopes, F. L., (1972). Inequality Planning in the Developing Economy, tese de Ph.D., Universidade de Harvard.
  • Mohammad, S., (1981). “Trade, Growth and Income Redistribution: A Case Study of India”, Journal of Development Economics, vol. 9, n. l, pp. 131-147.
  • Oshima, H. T. (1962). “The International Comparison of Size Distribution of Family Incomes with Special Reference to Asía”, Review of Economics and Statistics, vol. 44, n. 4, pp. 439-445.
  • Paukert, F., (1973). “Income Distribution at Different Levels of Development: A Survey of Evidence”, International Labour Review, vol. 108, ns. 2-3, pp. 97-125.
  • Paukert, F., Skolka, J., e Matou, J., (1976). “Redistribution of Income, Patterns of Consumption, and Employment: A Case Study for the Philippines”, in K. R. Polenske e J. Skolka, Advances in Input-Output Analysis, Cambridge, Mass., Ballinger Publishing Co.
  • Paukert, F., Skolka, J. e Maton, J., (1979). “Income Distribution by Size, Structure of the Economy and Employment: A Comparative Study for Four Asian Countries”, estudo apresentado em The Seventh International Conference Input-Output Techniques, pp. 1-27, mimeo.
  • Pyatt, G., Roe, A., (1977). Social Accounting for Development Planning: With Special Reference to Sri Lanka, Cambridge, Cambridge University Press.
  • Ranis, G., (1977) “Growth and Distribution: Trade-offs or Complements”, in W. Loehr e J. Powelson, Economic Development, Poverty and Income Distribution, Boulder, Col., Westview Press.
  • Roberti, P., (1974). “Income Distribution: A Time-Series and a Cross-Section Study”, Economic Journal, vol. 84, n. 335. pp. 629-638.
  • *
    O autor agradece a José Afonso Beltrão da Silva pelos comentários feitos a uma versão anterior.
  • 1
    Como Ahluwalia trabalhou com a participação dos 40% mais pobres da população no PNB per capita como proxy para a desigualdade, a curva de Kuznets assume em sua análise o formato em “U”. Se confirmada pelos dados dos países selecionados, há indicações de que a participação dos pobres na renda decresce à medida que essa se expande, atinge um mínimo e aumenta nos níveis mais altos de renda.
  • 2
    A introdução da dummy tem por finalidade captar se a desigualdade é influenciada pelo regime político adotado nos diferentes países. Se o coeficiente referente a essa variável apresentar sinal positivo, deduz-se que, para um dado nível de renda per capita, os países socialistas apresentam renda menos concentrada. Se o sinal for negativo, a interpretação é oposta.
  • 3
    Anand e Kanbur, (1981Anand, S. e Kanbur, B., (1981) “Inequality and Development: A Critique”, estudo apresentado em SRCC Development Economics Study Group, novembro, pp. 1-50, mimeo., p. 11).
  • 4
    Para maiores detalhes e uma elaborada justificativa teórica da superioridade da função alternativa, não-logarítmica, para testar a hipótese de Kuznets, ver Anand e Kanbur (1981Anand, S. e Kanbur, B., (1981) “Inequality and Development: A Critique”, estudo apresentado em SRCC Development Economics Study Group, novembro, pp. 1-50, mimeo.).
  • 5
    Para uma tentativa de distinguir os determinantes da distribuição de renda entre variáveis sobre as quais o governo não tem controle e outras variáveis que podem ser influenciadas por políticas, ver Ahluwalia (1974Ahluwalia, M. B., (1974). “Income Inequality: Some Dimension of the Problems”, in H. Chenery et alii, Redistribution with Growth, Londres, Oxford University Press.), Ver também Bacha (1979Bacha, E. L., (1979). “The Kuznets Curve and Beyond: Growth and Changes in inequalities”, in E. Malinvaud, Economic Growth and Resources, vol. 1., Proceedings of the World Congress of the International Economic Association, Londres, Macmillan.).
  • 6
    Fields (1980Fields, G. S., (1980). Poverty, Inequality and Development, Nova York, Cambridge University Press., p. 71), trad. do autor. Experiências bem-sucedidas de crescimento com igualdade e que dão algum suporte para o argumento de que a distribuição de renda é influenciada por políticas são os casos de Formosa e Hong Kong, Ver a esse respeito, respectivamente, Fei, Ranis, Kuo (1979Fei, J., Ranis, G., e Kuo, B., (1979). Growth with Equity: The Taiwan Case, Nova York, Oxford University Press.), ou Ranis (1977Ranis, G., (1977) “Growth and Distribution: Trade-offs or Complements”, in W. Loehr e J. Powelson, Economic Development, Poverty and Income Distribution, Boulder, Col., Westview Press.), e Chow e Papanek (1981Chow, S., e Papanek, G., (1981). “Laíssez-Faire, Growth and Equity - Hong Kong”, Economic Journal, vol. 91, n. 91, pp. 466-45.).
  • 7
    Ver também Loehr (1977Loehr, W., (1977). “Economic Underdevelopment and Income Distribution: A Survey of Literature”, in W. Loehr e J. Powelson, Economic Development, Poverty, and Income Distribution, Boulder, Col., Westview Press.).
  • 8
    Para maiores detalhes ver, por exemplo, Clark (1975Clark, P., (1975). “Intersectoral Consistency and Macroeconomic Planning”, in C. Blitzer et alii, Economic-Wide Models and Development Planning, Londres, Oxford University Press.) e Pyatt (1977Pyatt, G., Roe, A., (1977). Social Accounting for Development Planning: With Special Reference to Sri Lanka, Cambridge, Cambridge University Press.).
  • 9
    Ver também Locatelli (1985bLocatelli, R. L., (1985b). Industrialização, Crescimento e Emprego: Uma Avaliação da Experiência Brasileira, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, Série PNPE 12., cap. 5).
  • 10
    Ver também a este respeito Bonelli e Vieira da Cunha (1981Bonelli, R., e Vieira da Cunha, P., (1981). “Crescimento Econômico, Padrão de Consumo e Distribuição da Renda no Brasil: Uma Abordagem Multissetorial para o Período 1970- 75”, Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 11, n. 3, pp. 703-756.).
  • 12
    JEL Classification: O15; B22.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1988
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br