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O processo inflacionário no Brasil e suas relações com o déficit e a dívida do setor público

The inflationary process in Brazil and its relations with the public sector deficit and debt

RESUMO

Este artigo oferece uma interpretação da inflação brasileira e comenta brevemente sobre o Plano Cruzado. Ele enfatiza dois pontos. Primeiro, há os problemas de consolidação fiscal na presença de uma grande dívida pública. O que falta em muitas análises de programas de estabilização é precisamente a situação particular da dívida e o papel da disponibilidade de divisas em programas bem-sucedidos ou malsucedidos. Em segundo lugar, discutimos o papel dos déficits orçamentários no processo inflacionário no Brasil. Os modelos de senhoriagem como explicação para a inflação no Brasil são descartados com base no fato de que a senhoriagem como parcela do PIB não mostra absolutamente nenhuma correlação com a inflação. O modelo de bens monetários do monetarismo é inadequado para a economia brasileira porque prevê que a senhoriagem conduz o sistema. Mas a experiência brasileira, ao contrário, deve ser interpretada à luz das mudanças nas fontes de financiamento do orçamento. A aceleração da inflação entre 1979 e 1985 está ligada à mudança do financiamento externo para o doméstico e aos grandes superávits comerciais que elevaram as taxas de juros e a inflação. O artigo desenvolve um modelo que mostra um padrão de ajuste para o aumento da inflação induzido pelo aumento das taxas de juros reais de equilíbrio, que coincide com os dados brasileiros. O Plano Cruzado não deu atenção ao problema da dívida e à necessidade de consolidação orçamentária (provavelmente por meio de alívio da dívida e taxa de capital). Na ausência de uma abordagem integrada, empurrou a economia para uma situação clássica de finanças inflacionárias.

PALAVRAS-CHAVE:
inflação; estabilização; plano cruzado; dívida

ABSTRACT

This paper offers an interpretation of the Brazilian inflation and comments briefly on the Cruzado Plan. It emphasizes two points. First, there are the problems of fiscal consolidation in the presence of a large public debt. What is missed in many analyses of stabilization programs is precisely the particular debt situation, and the role of foreign exchange availability in successful versus non-successful programs. Secondly, we discuss the role of budget deficits in the inflationary process in Brazil. Seignorage models as an explanation for inflation in Brazil are dismissed on the grounds that seignorage as a share of GDP shows absolutely no correlation with inflation. The money-goods model of monetarism is inappropriate for the Brazilian economy because it predicts that seignorage drives the system. But the Brazilian experience on the contrary has to be interpreted in the light of changing sources of financing the budget. The inflation acceleration between 1979 and 1985 is linked to the switch from external to domestic finance, and the large trade surpluses that pushed up interest rates and inflation. The paper develops a model that shows a pattern of adjustment for increasing inflation induced by increasing equilibrium real interest rates, that matches the Brazilian data. The Cruzado Plan failed to pay attention to the debt problem and the need for budget consolidation (probably through debt relief and a capital levy). In the absence of an integrated approach, it pushed the economy into a classic inflationary finance situation.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization; Cruzado Plan; debt

Este trabalho oferece uma interpretação do processo inflacionário brasileiro e de sua relação com o comportamento das taxas de juros. A Figura 1 mostra a taxa de inflação entre janeiro de 1979 e junho de 1987. Nem o modelo monetarista nem as teses inercialistas explicam satisfatoriamente a aceleração inflacionária observada entre 1979 e 1985.

O modelo monetarista de financiamento inflacionário tem sido, e com razão, refutado como incapaz de explicar a inflação no Brasil. O modelo monetarista é inapropriado para a economia brasileira porque deixa de tomar em consideração os déficits fiscais não financiados por expansão monetária. Ele prediz que o imposto inflacionário guia o sistema. Mas a experiência brasileira, ao contrário, tem de ser interpretada à luz da realidade institucional dos mercados financeiros e de uma crescente dívida externa.

Depois de uma breve análise das limitações do modelo monetarista de financiamento inflacionário, propomos uma extensão deste modelo que permite tomar em consideração a existência dos mercados financeiros, enfatizando os papéis desempenhados pelas taxas de juros e pela inércia inflacionária. O modelo mostra que a aceleração inflacionária entre 1979 e 1985 está indissoluvelmente ligada à elevação das taxas de juros reais de equilíbrio. Por outro lado, a explosão inflacionária que se seguiu ao Plano Cruzado está próxima de um processo clássico de financiamento do déficit através de emissões monetárias.

Por outro lado, os inercialistas deixam de lado a análise de variáveis fundamentais na determinação da inflação. Na formulação do Plano Cruzado, os economistas enfatizaram· a inércia como o fator mais importante da inflação. Escolheram, portanto, um tratamento de choque centrado no congelamento de preços. E se esqueceram de prestar atenção à restrição orçamentária. Hoje em dia o Plano Cruzado é visto como o mais óbvio exemplo do fracasso de planos heterodoxos para acabar com a inflação, e por isso força os economistas a examinarem uma vez mais o comportamento das variáveis fundamentais na determinação do equilíbrio macroeconômico.

Figura 1
Taxa de inflação mensal (IGP: FGV, janeiro 1979 - junho 1987)

Este trabalho desenvolve um modelo que combina os insights de diferentes escolas de pensamento e salienta a importância do mercado financeiro no funcionamento da economia. Enfatizamos dois pontos. O primeiro concerne aos problemas de consolidação fiscal na presença de uma dívida pública grande. O que algumas análises deixam de lado é precisamente o tamanho da dívida externa e o papel desempenhado pela disponibilidade de recursos externos no sucesso ou não dos programas de estabilização. Em segundo lugar, discutimos o papel dos déficits orçamentários no processo inflacionário brasileiro.

DÍVIDA E ESTABILIZAÇÃO

Nos últimos 22 anos o Brasil experimentou dois notórios programas de estabilização: um em 1965 e outro em 1986. Analisados conjuntamente eles nos ensinam muitas lições. Uma delas é a de que o tamanho da dívida do setor público pode representar um enorme empecilho à consolidação fiscal. A Figura 2 mostra a participação da dívida do setor público no PIB. Em 1964, a dívida externa e interna do setor público representava menos de 4% do PIB. Nos anos que antecederam o programa de estabilização em 1965, dois fatores contribuíram para a redução da dívida do setor público. Em primeiro lugar, as altas taxas de inflação reduziram o tamanho da dívida interna devido à ausência de correção monetária naquele período. Em segundo lugar, não havia uma oferta de empréstimos externos para o Brasil no começo da década de 60.

Exatamente o contrário se passou nos anos que antecederam ao programa de estabilização de 1986. A correção monetária da dívida interna e as altas taxas de juros externas levaram a uma relação dívida/PIB de mais de 50% em 1985. Existe um limite para a receita tributária que o governo pode recolher para financiar crescentes pagamentos de juros. Não é de se admirar, portanto, que o tamanho da dívida e do déficit tenham provocado expectativas de inflação elevada e uma explosão das taxas de juros.

Figura 2
Dívida líquida do setor público (como porcentagem do PIB)

Outra diferença importante entre os dois programas diz respeito à disponibilidade de recursos externos. O governo militar que tomou o poder em 1964 teve uma acolhida favorável no cenário internacional. A renegociação da dívida foi facilitada, e novos empréstimos da Agência para Desenvolvimento Internacional (AID), assim como do Fundo Monetário Internacional (FMI), tomaram-se prontamente disponíveis. A demanda por importações caiu por causa da recessão, mas o apoio internacional ajudou a evitar uma queda ainda maior da renda e permitiu o crescimento das importações nos estágios iniciais da recuperação de 1967.

Em 1986, pelo contrário, a posição do setor público encontrava-se gravemente comprometida pela necessidade de extrair recursos do setor privado para servir a dívida externa. Qualquer análise do desastre inflacionário de 1986 estará incompleta sem uma referência ao arriscado ajustamento via dívida externa ocorrido durante a década de 70. A dívida externa, adotada como solução para os desequilíbrios de então, transformou-se facilmente em fator de desequilíbrio no momento em que as taxas de juros reais aumentaram, a partir de 1979. Com o estancamento dos fluxos de capitais a partir de 1983, a necessidade de transferir 4 ou 5 por cento do PIB para o exterior passou a impor uma carga demasiadamente pesada sobre a economia.

A consolidação fiscal, que já era difícil devido ao tamanho da dívida, tomou-se impossível com o rápido crescimento dos gastos correntes do governo em 1986. Em parte, a responsabilidade pelo descontrole do déficit pode ser atribuída a crenças difundidas por economistas. Alguns argumentaram que não existia uma relação entre déficits fiscais e inflação. Outros, que a inflação era puramente inercial e que para acabar com ela bastavam o congelamento de preços e algumas fórmulas para recalcular salários, aluguéis, diferentes prestações e juros nos contratos existentes. Outros se contentaram em negar a existência do déficit fiscal e fabricaram novas fórmulas e definições que lhes permitiam calcular um déficit nulo.

A Tabela 1 mostra a participação do déficit operacional no PIB. Medidas alternativas do déficit do setor público são encontradas no Apêndice 1 APÊNDICE 1: O DÉFICIT ORÇAMENTÁRIO A Tabela 1 mostra a informação disponível sobre o déficit do setor público no Brasil. Em 1982, o déficit consolidado do setor público, corrigido de forma a se eliminar o elemento devido à inflação, excedeu 8% do PIB.6 Em dezembro daquele ano o Brasil assinou um acordo com o FMI, cuja missão calculou as Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) como 15,8% do PIB em 1982. No ano seguinte, apesar da política monetária contracionista, a inflação mais do que dobrou. O déficit do setor público excedeu os critérios impostos pelo FMI, em grande parte devido aos pagamentos crescentes de juros internos e externos, e em parte devido à desvalorização real que aumentou o custo doméstico do serviço da dívida externa. A informação disponível mostra a persistência de déficits elevados. O déficit operacional indica a existência de déficits menores que os calculados a partir da dívida com correção pela inflação (segunda coluna). A diferença se deve a dois fatores. Tabela A.1 Diferentes medidas do déficit em relação ao PIB Brasil, 1982-1986 (Porcentagem) Ano (1) Aumento da dívida total/PIB (2) Déficit corrigidopela inflaçãoª/PIB (3) FGVb/PIB (4) NFSPc/PIB (5) Déficit operacíonald/PIB 1982 25,9 8,4 3,7 15,8 6,6 1983 60,5 15,2 4,1 19,9 3,0 1984 60,7 4,6 4,7 23,3 2,7 1985 65,6 6, 1 n.d. 27,8 4,3 1986 21,2 n.d. n.d. 10,8 3,7 1987p 7,0 Fontes: Cardoso e Reis (1986) e Banco Central. acalculado a partir do aumento da dívida do setor público, Cardoso e Reis (1986); bcalculado pela Fundação Getúlio Vargas, na base de fluxos de caixa; exclui os programas administrados pelas autoridades monetárias; cNecessidade de Financiamento do Setor Público, calculada de acordo com a rnetçdoloqia do FMI (on accrual basis); exclui as autoridades monetárias; dsubtrai a correção monetária e cambial da NFSP; pprojeção. O Banco Central calcula o déficit operacional eliminando da Necessidade de Financiamento do Setor Público os pagamentos devidos à correção monetária e cambial. Essa forma de cálculo implica, em primeiro lugar, que o déficit operacional exclui os fundos e programas administrados pelas autoridades monetárias.7 Em segundo lugar, o procedimento escolhido para o cálculo do déficit operacional implica também que todas as vezes que a correção monetária é diferente da taxa de inflação, ganhos ou perdas de capitais não são tomados em consideração. Em anos como o de 1983, em que a desvalorização cambial excede a taxa de inflação significativamente, essas perdas são relevantes, principalmente quando se considera que parte da dívida interna tem cláusula de correção cambial. Essas perdas estão computadas na medida do déficit corrigido pela inflação, mas não aparecem no déficit operacional para o ano de 1983. Em 1986, o déficit operacional possivelmente superestima o déficit, já que houve ganhos de capital devido a desvalorizações cambiais menores do que a taxa de inflação. .

Tabela 1
Participação do déficit operacional no PIB Brasil, 1979-1987 (Porcentagem)

A Tabela 1 mostra a persistência de déficits elevados. O déficit operacional para os anos entre 1983 e 1985 subestima o déficit verdadeiro, devido a importantes perdas cambiais durante aqueles anos, que são excluídas dessa medida, em virtude da forma escolhida para seu cálculo.1 1 Ver o apêndice 1 para uma explicação desse fato. Em 1986, a participação do déficit no produto sofre uma redução devido ao rápido crescimento econômico naquele ano, mas em meados de 1987 as projeções eram de que a participação do déficit no produto seria ainda maior do que em 1985. Uma vez constatada a existência de déficits elevados e persistentes, imediatamente se coloca a questão da relação entre o processo inflacionário no Brasil e os déficits fiscais.

PODEM OS DÉFICITS FISCAIS EXPLICAR A INFLAÇÃO NO BRASIL?

Os modelos monetaristas de financiamento inflacionário costumam ser sumariados numa relação como a curva g representada na Figura 3. Essa curva mostra uma relação positiva entre a taxa de inflação e a participação no produto do déficit financiado por emissão monetária, e representa uma equação que iguala a participação do déficit no produto à taxa de inflação dividida pela velocidade de circulação da moeda. Essa equação pode ser obtida da seguinte maneira: uma parte G do déficit fiscal é financiada por emissão monetária, AM.

G = M (II.1)

O modelo na Figura 3 faz ainda duas hipóteses adicionais. A primeira é de que a velocidade é uma função crescente da taxa de inflação. E a segunda é de que a taxa de inflação iguala à taxa de expansão monetária. Estas hipóteses adicionais nos permitem reescrever a equação (II.1) da forma como está representada na Figura 3, ou seja:2 2 Dividam-se ambos os lados da equação (II.1) pelo índice de preços, P, e pela renda real, y. Multiplique-se e divida-se o lado direito da equação pela base monetária, M. Defina-se a velocidade de circulação da moeda, v=y/(M/P). Segue-se que a participação no produto do déficit financiado por expansão mone­tária, (G/P)/y=g, é igual à taxa de expansão da base monetária dividida pela velocidade: g = ' % M / M / v As hipóteses adicionais de que v=v(π) e de que (∆M/M)=(∆P/P)=π nos permitem obter (II.2).

g = π / v π (II.2)

onde g representa a participação no produto do déficit fiscal e n, a inflação.

O modelo pode ser facilmente estendido tanto para o caso da economia em crescimento quanto para o caso da economia aberta. Na economia aberta, o que importa na determinação da inflação não é apenas o déficit fiscal financiado por emissão monetária, mas o aumento da base, seja ele derivado de déficits fiscais ou de aumentos das reservas cambiais.

Figura 3
O modelo Monetarista de financiamento inflacionário

No caso da economia em crescimento precisamos distinguir entre senhoriagem (seignorage) e imposto inflacionário. Chamamos o aumento da base monetária de senhoriagem e definimos:

S e n h o r i a g e m r e a l = M / P = M / M M / P = M / P + P / P M / P

I m p o s t o I n f l a c i o n á r i o = P / P M / P

A senhoriagem real, ∆M/P, pode ser decomposta em dois elementos: em aumentos da base real, ∆(M/P), e no imposto inflacionário sobre a base, (∆P/P)(M/P). Mesmo quando a inflação é nula, desde que a demanda por encaixes reais esteja crescendo, o governo pode criar moeda e recolher senhoriagem sem provocar inflação. Este elemento é registrado pelo aumento da base real. Em economias onde a demanda por encaixes reais está crescendo, a senhoriagem excede o imposto inflacionário, e em economias onde a base monetária real está decrescendo, a senhoriagem é menor do que o imposto inflacionário.

Cada ponto na curva g=π/v na Figura 3 corresponde a uma situação em que a senhoriagem e o imposto inflacionário são iguais porque, por hipótese, fizemos a taxa de inflação igual à taxa de expansão da base monetária. Mas, observe-se que pontos de inflação mais alta correspondem a senhoriagens mais elevadas e a menores encaixes reais. Considerem-se dois pontos na Figura 3: o ponto E e o ponto E’. No ponto E’, a participação no produto do déficit financiado por expansão monetária, ou seja, a participação da senhoriagem no produto, é maior do que em E, e, pois, tanto a taxa de inflação quanto a velocidade são maiores.

Se crescentes déficits orçamentários financiados por expansão monetária explicam a aceleração inflacionária entre 1979 e 1985, então as estatísticas deveriam mostrar números crescentes para a relação entre a senhoriagem e o PIB. Isto não acontece. Entre 1970 e 1985, a senhoriagem como proporção do PIB se mantém relativamente constante, em torno de 2 por cento. Ela sofre uma dramática elevação em 1986, quando mais do que dobra para 4,3 por cento.

Modelos de senhoriagem foram, portanto, postos de lado como uma possível explicação para a inflação brasileira, já que a proporção da senhoriagem no PIB não mostra nenhuma correlação com a inflação.

Na verdade, o modelo de moeda e bens do monetarismo é inapropriado para a economia brasileira, porque deixa de tomar em consideração aumentos dos déficits não financiados por expansão monetária. Ele prediz que a senhoriagem guia o sistema. Mas a experiência brasileira, ao contrário, tem de ser interpretada à luz da realidade institucional de mercados financeiros e dívida externa crescente.

Existe ainda uma outra razão que torna necessário o uso de um modelo mais completo para explicar a inflação brasileira. E ela diz respeito à dinâmica inflacionária.

Figura 4
Senhoriagem e Imposto inflacionário (Participação No PIB) Brasil 1973-1986

Em modelos com preços perfeitamente flexíveis, a economia pula de um equilíbrio com inflação baixa, como em E, para outro, com inflação alta, como E’. Tal dinâmica implica que a senhoriagem e o imposto inflacionário sobre a base monetária seriam sempre iguais (exceto pelo efeito da variação da demanda de moeda em função do crescimento da renda). Mas as estatísticas brasileiras não são consistentes com esse resultado. Um aumento da inflação aumenta o imposto inflacionário, mas também aumenta a velocidade e reduz a senhoriagem. Estes fatos estão ilustrados na Figura 4.

Os fatos empíricos nos obrigam a rejeitar a hipótese de preços perfeitamente flexíveis. Outras hipóteses para a dinâmica de preços resultam em modelos de senhoriagem pouco atrativos. A razão é que nesses modelos os agentes monetários retêm moeda numa situação de desequilíbrio, de acordo com o desejo das autoridades monetárias. Esse resultado implica a necessidade da introdução de mercados financeiros mais realistas no modelo. A próxima seção faz exatamente isso.

O MODELO DE SENHORIAGEM NA ECONOMIA ABERTA COM UM MERCADO FINANCEIRO

Considere-se uma economia onde o governo financia o déficit orçamentário seja pela tomada de empréstimos no exterior, seja através da criação de dívida interna ou pela criação de crédito doméstico. É possível combinar a equação do balanço de pagamentos e a restrição orçamentária do governo de forma a obter uma equação para a taxa de expansão da base monetária real, µ:

µ = x / m - π (III.1)

onde m representa a base real; π é a taxa de inflação; e x representa a soma dos componentes monetizados do déficit orçamentário e do aumento das reservas internacionais.3 3 A equação (III.1) é derivada no apêndice.

A taxa de juros nominal, i, se ajusta de forma a manter o mercado monetário em equilíbrio:

i = i m

A próxima questão se refere à dinâmica da inflação. Admitindo que os preços não são perfeitamente flexíveis, mas que existe inércia inflacionária, precisamos de uma equação que descreva como a taxa de inflação varia no tempo. Nossa hipótese é que a taxa de inflação varia lentamente em resposta ao nível de atividade na economia, isto é, ela aumenta sempre que a taxa de juros real, i-π, é menor quea taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego, r:

π ˙ = a r - i - n (III.2)

Vale a pena observar também que a taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego, r, depende do nível dos gastos do governo e do superávit comercial. Para um determinado nível do produto de pleno emprego, quanto maiores os gastos do governo e o superávit comercial, tanto maior a taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego necessária para reduzir (crowd out) a participação dos gastos privados no produto.4 4 Supõe-se também que uma política de desvalorização cambial que reage à diferença entre as taxas de inflação interna e externa mantenha a taxa de câmbio real constante. Maxidesvalorizações podem ocorrer e são interpretadas como um aumento da taxa de câmbio real, levando a um aumento do superávit comercial e a um aumento da taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego.

O modelo descrito pelas equações (III.1) e (III.2) se encontra representado na Figura 5. Comecemos por explicar as inclinações das curvas µ=0 e π˙=0.

A curva m=0 representa as combinações entre a taxa de inflação e a base monetária real para as quais a base monetária real se mantém constante, dada a soma x dos componentes monetizados do déficit orçamentário e do aumento das reservas. Ela é negativamente inclinada porque ao longo dela um aumento da taxa de inflação é compensado por uma redução dos encaixes reais, mantendo constante o imposto inflacionário que financia uma determinada soma x. À direita de µ=0, a taxa de inflação excede a taxa de expansão da base monetária, e os encaixes reais estão declinando. À esquerda de µ=0, a taxa de inflação é menor do que a taxa de expansão da base monetária, e os encaixes reais estão aumentando.

A linha π˙=0 representa as combinações entre a taxa de inflação e a base monetária real para as quais a taxa de inflação se mantém constante dada a taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego, que corresponde a uma determinada política fiscal e a uma dada taxa de câmbio real. Ela é negativamente inclinada porque, ao longo dela, um aumento da base monetária, que reduz a taxa de juros nominal, é compensado por uma redução da taxa de inflação, mantendo a taxa de juros real constante. Pontos à direita de π˙=0 correspondem a booms econômicos e taxas de inflação crescentes. Pontos à esquerda de π˙=0 correspondem a situações de desemprego e taxas de inflação em declínio.

Figura 5

O ponto de interseção entre µ=0 e π˙=0 corresponde a um equilíbrio de pleno emprego com taxa de inflação constante.5 5 A condição de estabilidade do modelo é que a curva π˙=0 tenha inclinação maior do que a curva µ=O. Para que esta condição se verifique é preciso que o valor absoluto de δi/δm>x/m2.

A seguir examinamos o que se passa no caso, ilustrado na Figura 6, de um aumento dos gastos do governo financiado por expansão monetária. Um aumento dos gastos do governo financiado por expansão monetária aumenta a soma x e, portanto, desloca a curva µ=0 para a direita. Maiores gastos governamentais também aumentam a taxa de juros de equilíbrio de pleno emprego, deslocando a curva π˙=0 para a esquerda. A economia se desloca do equilíbrio inicial com inflação baixa para outro com inflação mais alta através de oscilações. Num primeiro momento, quando a taxa de expansão monetária aumenta, a taxa de juros nominal cai, e devido à inércia inflacionária a taxa de juros real também cai, estimulando a atividade econômica e empurrando a taxa de inflação para cima. Gradualmente a inflação acompanha a taxa de expansão monetária e depois a excede, reduzindo o nível de encaixes reais e aumentando as taxas de juros nominais e reais.

Uma história desse tipo pode servir para descrever o que se passou após o Plano Cruzado (ver a Figura 7), mas certamente não corresponde aos fatos compreendidos entre 1979 e 1985, que estão ilustrados na Figura 8. O processo inflacionário que se observa na Figura 8 só pode ser explicado por uma história bem diferente.

Figura 6
Um aumento dos gastos do Governo financiado por expansão monetária

Figura 7
Taxa de inflação e base monetária Real Brasil, março 1986 - janeiro 1987

Figura 8
Taxa de inflação e base monetária Real Brasil, 1979-11/1985-IV (média no trimestre)

A Figura 9 mostra os ajustamentos da taxa de inflação e da base monetária real em presença de uma relação senhoriagem/PIB constante, mas de taxas de juros reais de equilíbrio de pleno emprego em elevação.

A relação senhoriagem/PIB se mantém imodificada se um aumento do déficit orçamentário ou das reservas não for monetizado. O aumento da taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego pode ser atribuído a crowding out, e pode ser explicado seja por crescentes gastos governamentais financiados por dívida interna ou por crescentes superávits comerciais usados no pagamento de juros da dívida externa.

Considere-se uma situação em que uma crise do balanço de pagamentos, tal como a engendrada pela interrupção de fluxos de capitais no final de 1982, requer uma desvalorização cambial real que induz superávits comerciais. Ao mesmo tempo, metas impostas pelo FMI impõem uma mudança na forma de financiamento do déficit substituindo-se crédito doméstico por aumentos da dívida interna. A soma x dos componentes monetizados do déficit orçamentário e do superávit comercial permanece inalterada, e, portanto, a curva µ=0 também permanece inalterada. A taxa de câmbio mais alta e os superávits comerciais são contrabalançados por uma taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego mais alto. A curva π˙=0 se desloca para a esquerda.

A economia se desloca do equilíbrio inicial de inflação baixa para um novo equilíbrio de inflação mais alta. Num primeiro momento a desvalorização real estimula a atividade no setor exportador aumentando o nível de atividade e provocando mais inflação. À medida que a inflação aumenta e a taxa de expansão monetária se atrasa, os encaixes reais se reduzem e as taxas de juros aumentam. A economia move para o novo equilíbrio, passando alternadamente por booms e recessões.

Figura 9
Aumentos sucessivos da taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego

A Figura 9 mostra um padrão de ajustamento da base monetária real e da taxa de inflação através de loops para a esquerda e para o alto, induzidos por aumentos sucessivos da taxa de juros real. Este padrão repete o mesmo padrão de comportamento da taxa de inflação e dos encaixes reais observado durante o período 1979-1985 e ilustrado na Figura 8.

CONCLUSÕES

Entre 1979 e 1985, a inflação brasileira dobrou três vezes. De 45% em meados de 1979 ela pulou para 100% em 1980-1982, e para 200 por cento em 1983-1984. No final de 1985 e começo de 1986, a taxa anualizada de inflação alcançou 400%. Essa aceleração inflacionária não pode ser explicada por déficits orçamentários crescentes financiados por expansão monetária. Isto não significa nem que os déficits não tenham sido grandes nem que eles tenham deixado de desempenhar um papel importante na sustentação de altas taxas de inflação. Mas este processo tem de ser entendido à luz das mudanças ocorridas na forma de financiamento do déficit e da economia. O aceleramento da inflação entre 1979 e 1985 está indissoluvelmente ligado à reversão do financiamento de externo para interno, e ao crescimento dos superávits comerciais que empurraram as taxas de juros e a inflação para cima (ver a Figura 10).

Figura 10
Taxa de juros real líquida de impostos (CDB-30 dias, retorno médio no trimestre)

Em contraste com esse processo, a rápida monetização dos déficits fiscais levada a cabo pelo Plano Cruzado resultou num processo clássico de financiamento inflacionário. O Plano Cruzado falhou ao deixar de lado uma perspectiva integrada de estabilização e redução dos pagamentos da dívida externa. Atualmente, dado o tamanho da dívida, a consolidação fiscal provavelmente só será alcançada através de um imposto sobre o capital e uma consolidação da dívida externa que implique redução de seu pagamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Cardoso, Eliana e Eustáquio Reis, (1986) “Dívida, Déficit e Inflação”, Pesquisa e Planejamento Econômico, dez. 1986.
  • Goldsmith, Raymond, (1986) Brasil, 1850-1984: Desenvolvimento Financeiro sob um Século de Inflação, Harper e Row do Brasil.
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    Ver o apêndice 1 APÊNDICE 1: O DÉFICIT ORÇAMENTÁRIO A Tabela 1 mostra a informação disponível sobre o déficit do setor público no Brasil. Em 1982, o déficit consolidado do setor público, corrigido de forma a se eliminar o elemento devido à inflação, excedeu 8% do PIB.6 Em dezembro daquele ano o Brasil assinou um acordo com o FMI, cuja missão calculou as Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) como 15,8% do PIB em 1982. No ano seguinte, apesar da política monetária contracionista, a inflação mais do que dobrou. O déficit do setor público excedeu os critérios impostos pelo FMI, em grande parte devido aos pagamentos crescentes de juros internos e externos, e em parte devido à desvalorização real que aumentou o custo doméstico do serviço da dívida externa. A informação disponível mostra a persistência de déficits elevados. O déficit operacional indica a existência de déficits menores que os calculados a partir da dívida com correção pela inflação (segunda coluna). A diferença se deve a dois fatores. Tabela A.1 Diferentes medidas do déficit em relação ao PIB Brasil, 1982-1986 (Porcentagem) Ano (1) Aumento da dívida total/PIB (2) Déficit corrigidopela inflaçãoª/PIB (3) FGVb/PIB (4) NFSPc/PIB (5) Déficit operacíonald/PIB 1982 25,9 8,4 3,7 15,8 6,6 1983 60,5 15,2 4,1 19,9 3,0 1984 60,7 4,6 4,7 23,3 2,7 1985 65,6 6, 1 n.d. 27,8 4,3 1986 21,2 n.d. n.d. 10,8 3,7 1987p 7,0 Fontes: Cardoso e Reis (1986) e Banco Central. acalculado a partir do aumento da dívida do setor público, Cardoso e Reis (1986); bcalculado pela Fundação Getúlio Vargas, na base de fluxos de caixa; exclui os programas administrados pelas autoridades monetárias; cNecessidade de Financiamento do Setor Público, calculada de acordo com a rnetçdoloqia do FMI (on accrual basis); exclui as autoridades monetárias; dsubtrai a correção monetária e cambial da NFSP; pprojeção. O Banco Central calcula o déficit operacional eliminando da Necessidade de Financiamento do Setor Público os pagamentos devidos à correção monetária e cambial. Essa forma de cálculo implica, em primeiro lugar, que o déficit operacional exclui os fundos e programas administrados pelas autoridades monetárias.7 Em segundo lugar, o procedimento escolhido para o cálculo do déficit operacional implica também que todas as vezes que a correção monetária é diferente da taxa de inflação, ganhos ou perdas de capitais não são tomados em consideração. Em anos como o de 1983, em que a desvalorização cambial excede a taxa de inflação significativamente, essas perdas são relevantes, principalmente quando se considera que parte da dívida interna tem cláusula de correção cambial. Essas perdas estão computadas na medida do déficit corrigido pela inflação, mas não aparecem no déficit operacional para o ano de 1983. Em 1986, o déficit operacional possivelmente superestima o déficit, já que houve ganhos de capital devido a desvalorizações cambiais menores do que a taxa de inflação. para uma explicação desse fato.
  • 2
    Dividam-se ambos os lados da equação (II.1) pelo índice de preços, P, e pela renda real, y. Multiplique-se e divida-se o lado direito da equação pela base monetária, M. Defina-se a velocidade de circulação da moeda, v=y/(M/P). Segue-se que a participação no produto do déficit financiado por expansão mone­tária, (G/P)/y=g, é igual à taxa de expansão da base monetária dividida pela velocidade:
    g = ' % M / M / v
    As hipóteses adicionais de que v=v(π) e de que (∆M/M)=(∆P/P)=π nos permitem obter (II.2).
  • 3
    A equação (III.1) é derivada no apêndice.
  • 4
    Supõe-se também que uma política de desvalorização cambial que reage à diferença entre as taxas de inflação interna e externa mantenha a taxa de câmbio real constante. Maxidesvalorizações podem ocorrer e são interpretadas como um aumento da taxa de câmbio real, levando a um aumento do superávit comercial e a um aumento da taxa de juros real de equilíbrio de pleno emprego.
  • 5
    A condição de estabilidade do modelo é que a curva π˙=0 tenha inclinação maior do que a curva µ=O. Para que esta condição se verifique é preciso que o valor absoluto de δi/δm>x/m2.
  • **
    Agradeço a Rudi Dornbusch seus comentários e sugestões.
  • 6
    Ver a coluna 2 da Tabela 1. Para a forma de cálculo dessa medida, ver Cardoso e Reis (1986Cardoso, Eliana e Eustáquio Reis, (1986) “Dívida, Déficit e Inflação”, Pesquisa e Planejamento Econômico, dez. 1986.), apêndice 1 APÊNDICE 1: O DÉFICIT ORÇAMENTÁRIO A Tabela 1 mostra a informação disponível sobre o déficit do setor público no Brasil. Em 1982, o déficit consolidado do setor público, corrigido de forma a se eliminar o elemento devido à inflação, excedeu 8% do PIB.6 Em dezembro daquele ano o Brasil assinou um acordo com o FMI, cuja missão calculou as Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) como 15,8% do PIB em 1982. No ano seguinte, apesar da política monetária contracionista, a inflação mais do que dobrou. O déficit do setor público excedeu os critérios impostos pelo FMI, em grande parte devido aos pagamentos crescentes de juros internos e externos, e em parte devido à desvalorização real que aumentou o custo doméstico do serviço da dívida externa. A informação disponível mostra a persistência de déficits elevados. O déficit operacional indica a existência de déficits menores que os calculados a partir da dívida com correção pela inflação (segunda coluna). A diferença se deve a dois fatores. Tabela A.1 Diferentes medidas do déficit em relação ao PIB Brasil, 1982-1986 (Porcentagem) Ano (1) Aumento da dívida total/PIB (2) Déficit corrigidopela inflaçãoª/PIB (3) FGVb/PIB (4) NFSPc/PIB (5) Déficit operacíonald/PIB 1982 25,9 8,4 3,7 15,8 6,6 1983 60,5 15,2 4,1 19,9 3,0 1984 60,7 4,6 4,7 23,3 2,7 1985 65,6 6, 1 n.d. 27,8 4,3 1986 21,2 n.d. n.d. 10,8 3,7 1987p 7,0 Fontes: Cardoso e Reis (1986) e Banco Central. acalculado a partir do aumento da dívida do setor público, Cardoso e Reis (1986); bcalculado pela Fundação Getúlio Vargas, na base de fluxos de caixa; exclui os programas administrados pelas autoridades monetárias; cNecessidade de Financiamento do Setor Público, calculada de acordo com a rnetçdoloqia do FMI (on accrual basis); exclui as autoridades monetárias; dsubtrai a correção monetária e cambial da NFSP; pprojeção. O Banco Central calcula o déficit operacional eliminando da Necessidade de Financiamento do Setor Público os pagamentos devidos à correção monetária e cambial. Essa forma de cálculo implica, em primeiro lugar, que o déficit operacional exclui os fundos e programas administrados pelas autoridades monetárias.7 Em segundo lugar, o procedimento escolhido para o cálculo do déficit operacional implica também que todas as vezes que a correção monetária é diferente da taxa de inflação, ganhos ou perdas de capitais não são tomados em consideração. Em anos como o de 1983, em que a desvalorização cambial excede a taxa de inflação significativamente, essas perdas são relevantes, principalmente quando se considera que parte da dívida interna tem cláusula de correção cambial. Essas perdas estão computadas na medida do déficit corrigido pela inflação, mas não aparecem no déficit operacional para o ano de 1983. Em 1986, o déficit operacional possivelmente superestima o déficit, já que houve ganhos de capital devido a desvalorizações cambiais menores do que a taxa de inflação. .
  • 7
    A partir de 1988, esse problema deixará de existir, uma vez que o orçamento fiscal passará a incluir essas contas.
  • 9
    JEL Classification: E31; E52.

APÊNDICE 1: O DÉFICIT ORÇAMENTÁRIO

A Tabela 1 mostra a informação disponível sobre o déficit do setor público no Brasil. Em 1982, o déficit consolidado do setor público, corrigido de forma a se eliminar o elemento devido à inflação, excedeu 8% do PIB.6 6 Ver a coluna 2 da Tabela 1. Para a forma de cálculo dessa medida, ver Cardoso e Reis (1986), apêndice 1. Em dezembro daquele ano o Brasil assinou um acordo com o FMI, cuja missão calculou as Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP) como 15,8% do PIB em 1982. No ano seguinte, apesar da política monetária contracionista, a inflação mais do que dobrou. O déficit do setor público excedeu os critérios impostos pelo FMI, em grande parte devido aos pagamentos crescentes de juros internos e externos, e em parte devido à desvalorização real que aumentou o custo doméstico do serviço da dívida externa.

A informação disponível mostra a persistência de déficits elevados. O déficit operacional indica a existência de déficits menores que os calculados a partir da dívida com correção pela inflação (segunda coluna). A diferença se deve a dois fatores.

Tabela A.1
Diferentes medidas do déficit em relação ao PIB Brasil, 1982-1986 (Porcentagem)

O Banco Central calcula o déficit operacional eliminando da Necessidade de Financiamento do Setor Público os pagamentos devidos à correção monetária e cambial. Essa forma de cálculo implica, em primeiro lugar, que o déficit operacional exclui os fundos e programas administrados pelas autoridades monetárias.7 7 A partir de 1988, esse problema deixará de existir, uma vez que o orçamento fiscal passará a incluir essas contas. Em segundo lugar, o procedimento escolhido para o cálculo do déficit operacional implica também que todas as vezes que a correção monetária é diferente da taxa de inflação, ganhos ou perdas de capitais não são tomados em consideração. Em anos como o de 1983, em que a desvalorização cambial excede a taxa de inflação significativamente, essas perdas são relevantes, principalmente quando se considera que parte da dívida interna tem cláusula de correção cambial. Essas perdas estão computadas na medida do déficit corrigido pela inflação, mas não aparecem no déficit operacional para o ano de 1983. Em 1986, o déficit operacional possivelmente superestima o déficit, já que houve ganhos de capital devido a desvalorizações cambiais menores do que a taxa de inflação.

APÊNDICE 2: FINANCIAMENTO INFLACIONÁRIO NA ECONOMIA ABERTA

A restrição orçamentária do governo estabelece que o déficit do setor público em cruzados correntes, DF, deve ser financiado seja através de empréstimos externos, e ∆DE, seja através de empréstimos domésticos, ∆DI, seja através de emissão monetária, ∆CD:

D F + i * e D E = e D E + D I + C D (A.1)

onde:

  • i*=taxa de juros internacional

  • e=taxa de câmbio

  • DE=dívida externa do setor público

A expansão da base monetária, ∆M, é determinada pelos aumentos das reservas cambiais, e ∆R, e pela criação de crédito doméstico, ∆CD:

M = e R + C D (A.2)

Substituindo (A.2) em (A.1), obtemos:

D F + e R - D I + D E = M (A.3)

Deflacionando (A.3) pelo índice de preços obtemos:

X = M / P (A.4)

onde x=DF+eR-DI-eDE/P

Dividimos e multiplicamos o lado direito da equação (A.4) por M. Definimos a base monetária real como m=M/P e a taxa de expansão da base monetária real como µ=∆M/M-π. Assim podemos reescrever (A.4) como:

µ = x / m - π (III.1)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1988
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