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Agathotopia: liberdade, igualdade e eficiência

Agathotopy: freedom, equality and efficiency

RESUMO

O artigo fala sobre as viagens feitas em 1988 pelo economista laureado com o Nobel James Edward Meade à ilha de Utopia, um lugar perfeito para se participar. Depois de muito esforço, ele conseguiu encontrar a ilha Nowhere. No entanto, a caminho de casa, ele encontrou a ilha de Agathotopia, um bom lugar para as pessoas que não reivindicavam a perfeição para participar. Depois de estudar os arranjos sociais da Agathotopia, Meade voltou ao seu país convencido de que esses arranjos eram os melhores. atingir os objetivos de Liberdade, Igualdade e Eficiência. Na Agathotopia, existe muita flexibilidade de preços e salários, muita interação e parceria entre capital e trabalho e um dividendo social ou uma renda mínima garantida para todos os cidadãos. Meade propõe o dividendo social desde 1935, depois de interagir com muitos outros economistas que contribuem para a idéia de uma renda mínima garantida ou de diferentes formas de imposto de renda negativo. A proposta está sendo discutida no Congresso Nacional Brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE:
Renda mínima; distribuição de renda; desigualdade

ABSTRACT

The article tells about the travel made in 1988 by the Nobel laureate economist James Edward Meade to the island of Utopia, a Perfect Place to live in. After much effort, he could find the island Nowhere. However, on his way home, he found the island of Agathotopia, a Good Place for people who made no claim for perfection to live in. After studying the social arrangements of Agathotopia, Meade returned to his country convinced that those arrangements were the best to attain the objectives of Liberty, Equality and Efficiency. In Agathotopia there is much flexibility of prices and wages, a great deal of interaction and partnership between capital and labor and a social dividend or a guaranteed minimum income for all citizens. Meade has been proposing the social dividend since 1935, after interacting with many other economists who have contributing to the idea of a guaranteed minimum income or different forms of a negative income tax. The proposal is now being discussed by the Brazilian National Congress.

KEYWORDS:
Universal basic income; income distribution; inequality

Existe, primeiro, a exigência absoluta, inescapável, de que toda pessoa numa sociedade boa e decente deveria ter uma fonte básica de renda. E se isso não for viável pelo sistema de mercado, como assim é hoje chamado, então é preciso que o Estado providencie. Não vamos nos esquecer de que nada limita mais fortemente a liberdade do cidadão do que a total ausência de dinheiro.

John Kenneth Galbraith, na Conferência Anual do Journal of Law and Society, Cardiff, 6 de janeiro de 1994.

Após ter convivido com John Maynard Keynes, Joan Robinson e tantos membros dos círculos intelectuais de Cambridge e Oxford, e ter assistido a todas as transformações importantes deste século, James Edward Meade, laureado com o Prêmio Nobel de Economia de 1977, resolveu fazer uma viagem com o propósito de visitar a ilha de Utopia, que, segundo lhe contaram, constituía-se num Lugar Perfeito para viver. Após muito navegar, não conseguiu encontrar aquela ilha em Lugar Algum. No caminho de volta, entretanto, teve a oportunidade de conhecer uma ilha denominada Agathotopia. Seus habitantes lhe afirmaram que os arranjos sociais ali existentes não eram perfeitos, mas que se tratava de um Bom Lugar para se viver.

Após estudar suas instituições, Meade chegou à conclusão de que aqueles arranjos sociais eram os melhores que alguém poderia ter a esperança de alcançar neste mundo perverso. Resolveu voltar para casa com a firme determinação de recomendar os arranjos institucionais de Agathotopia para o seu próprio país, a Grã-Bretanha. Conforme expôs em Meade (1989)MEADE, J. Agathotopia: the economics of partnership. The David Hume Institute, Aberdeen University Press, 1989. , enquanto os utopianos têm a tarefa de produzir instituições perfeitas para seres humanos perfeitos, os agathotopianos apenas têm tentado produzir boas instituições para seres humanos imperfeitos.

James Meade ( 1993MEADE, J. Liberty, equality and efficiency. Apologia pro Agathotopia Mea, Londres, Macmillan Press , 1993. ) mostra que as instituições e os instrumentos de política econômica de Agathotopia podem fazer frente aos conflitos inevitáveis que normalmente surgem quando se procura atingir três objetivos econômicos importantes: a Liberdade, no sentido de se garantir para cada cidadão a livre escolha do emprego e da forma de satisfazer suas necessidades; a Igualdade, ou seja, o evitar-se qualquer contraste intolerável entre a pobreza e as grandes riquezas; e a Eficiência, ou o melhor uso de recursos disponíveis de modo a produzir o maior padrão de vida tecnicamente possível.

Assim, para se assegurar simultaneamente a estabilidade de preços, o pleno emprego, maior equidade e a erradicação da miséria, James Meade propõe, baseado na experiência de Agathotopia, que se introduzam instituições que promovam a maior flexibilidade de preços e salários, incluindo a formação de sociedades de participação entre o capital e o trabalho e a introdução de um dividendo social ou de uma renda garantida para cada cidadão.

Nascido em 1907, conhecedor das rupturas causadas pelas transformações abruptas, James Meade recomenda que os passos dados para construir as instituições agathotopianas sejam graduais. Assim, as sociedades de participação entre o capital e o trabalho podem ser desenvolvidas paulatinamente no nível da empresa. As reformas que envolvem tributação sobre a renda e as transferências de riqueza podem ser introduzidas passo a passo, para encorajar a maior expansão e democratização da propriedade. O dividendo social pode ser iniciado em escala bastante moderada, financiado, por exemplo, pela abolição dos abatimentos do Imposto de Renda, pela redução de outros tipos de benefícios sociais menos eficientes e por alguns aumentos moderados das alíquotas de Imposto de Renda sobre a parte obtida além do dividendo social.

Meade vem propondo a introdução de um dividendo social ou de uma renda mínima desde 1935 (Meade, 1935MEADE, J. “Outline of an economic policy for a labour government”, 1935. ), posteriormente às contribuições na mesma direção de E. Mabel & Dennis Milner (1918MABEL, E. & MILNER, D. Scheme for a State Bonus. Kent, Simpkin, Marshall & Co., 1918. ), Bertrand Russel (1918) e Cole (1929COLE, G. D. H. The Next Ten Years in British Social and Economic Policy. Londres, Macmillan Press, 1929. ). Como assinalou Philippe Van Parijs, em seu artigo na Folha de S. Paulo, em 6/10/1994, a proposição de uma renda mínima como um direito à cidadania foi fundamentada pelo ideólogo da Revolução Americana, Thomas Paine (1796). Seria como que a expressão do direito que todos temos em relação à riqueza comum da terra: “Todo indivíduo nasce no mundo com um legítimo direito a uma certa forma de propriedade, ou sua equivalente”.

Ainda antes, Thomas More (1516)MORE, T. Utopia, editado em 1980 pela Editora Universidade de Brasília. Escrito em 1516. justificou a necessidade de uma renda mínima no diálogo entre o cardeal-arcebispo e o viajante português Rafael sobre a pena de morte, em que este argumentava que “seria preferível assegurar a subsistência de cada um, de maneira que ninguém se encontrasse na necessidade de roubar para ser, em seguida, executado”. Baseado nessa argumentação, um amigo de More, Juan Luis Vives, fez a primeira proposta de provisão pública de renda mínima para a cidade flamenga de Bruges, a qual foi parcialmente implementada (Vives, 1526VIVES, J. L. “De Subventione Pauperum”, 1526. ).

Dentre os economistas que conviveram com James Meade e que também propuseram a introdução de uma renda mínima está Joan Robinson (1937ROBINSON, J. Introduction to the Theory of Full Employment. Londres, Macmillan Press , 1937. ), que sugeriu fosse paga a cada cidadão uma libra a cada sábado, pelo correio, o que poderia ser feito até por emissão de moeda, se necessário para estimular a procura agregada. A Senhora Juliet Rhys Williams (1942)WILLIANS, J. R. Something to look forward to. A suggestion for a new social Contract. London, Mac Donald & Co, 1942. recomendou que um pagamento na forma de dinheiro devesse ser feito a todo homem, mulher ou criança no país, podendo o pagamento às crianças ser menor do que aos adultos, de forma a substituir todo o esquema de seguridade social que então existia. Economistas que participaram intensamente do debate nos anos 40 sobre o socialismo de mercado também consideraram formas de garantir um mínimo de rendimento, como Oskar Lange (1936LANGE, O. “On the economic theory of socialism”, 1936. ) e Abba Lerner (1944LERNER, A. P. The Economics of Control: the Economics of Welfare. Nova York, Macmillan Press, 1944. ); este expõe a responsabilidade do governo: “Uma política consciente do governo para evitar os males da inflação e da deflação será por nós chamada de finança funcional” e terá por mandamento “o pagamento de um dividendo social que, para que se realize, precisa ser independente do trabalho feito por seus beneficiários”. Lerner explica que se os resultados almejados não forem obtidos por outras políticas, então impostos negativos podem ser introduzidos, o que significaria o governo dar dinheiro às pessoas.

Também participou desse debate Cole (1935COLE, G. D. H. (1935). Principies of Economic Planning, Londres, Macmillan Press , 1935. ), que advogava “ser necessário que toda pessoa tenha pelo menos uma renda mínima que possa ser destinada a comprar bens e serviços ... “. Assim, “as rendas serão distribuídas, parte como uma retribuição ao trabalho e parte como um pagamento direto do Estado a todos como dividendos sociais - um reconhecimento ao direito de cada cidadão de participar da herança comum do poder produtivo”. A evolução da ideia foi pesquisada por Walter Van Trier (1993)VAN TRIER, W. James Mead and his ‘social dividends’: an intriguing chapter in the history of an idea. Antuérpia, Universitaire Faculteiten St-Ignatius, 1993. , Philippe Van Parijs (1992)VAN PARIJS, P. Arguing for basic income, ethical foundations for a radical reform. London, Verso, 1992. , Daniel Patrick Moynihan (1973MOYNIHAN, D. P. The Politics of a Guaranteed Income. Nova York, Random House Inc., 1973. ) e Leslie Lenkowski (1986).

Há os que têm resistido à proposição de se assegurar uma renda mínima ou um imposto de renda negativo por ela ter sido defendida por economistas liberais - também laureados pelo Prêmio Nobel-, como Friedrick Von Hayek (1944)HAYEK, F. V. O Caminho da Servidão. Editado em 1977 pela Globo, Porto Alegre, (1ª ed., 1944). , George Stigler (1946STIGLER, G. “The economics of minimum wage legislation”. American Economic Review nº 36, jun., 1946. ) e Milton Friedman (1962FRIEDMAN, M. Capitalism and Freedom. Chicago, University of Chicago Press, 1962. ). Em artigos em O Estado de S. Paulo (22/3/1992) e na revista Exame (31/3/1993SILVEIRA, A. M. “Moeda e redistribuição de renda”. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, abr.-jun. 1975. ), Roberto de Oliveira Campos e Mário Henrique Simonsen, respectivamente, ressaltam que as mais ousadas propostas para a erradicação da miséria seriam provenientes desses economistas. A verdade é que essas proposições foram antes formuladas por aqueles que procuraram compatibilizar os anseios de maior liberdade, eficiência, igualdade e justiça, justamente os que muito interagiram com Meade.

A renda mínima ou o imposto de renda negativo são consistentes com aspirações profundas da humanidade, que, por isso mesmo, podem ser encontradas nos princípios de realização de justiça distributiva e política para o alcance do bem comum expressos quatro séculos antes de Cristo por Aristóteles, em Política, na Segunda Epístola de São Paulo aos CoríntiosSÃO PAULO. “Segunda Epístola aos Coríntios”, Bíblia Sagrada. , quando diz que para que haja igualdade, como está escrito, “o que colheu muito, não tenha demais, e o que colheu pouco, não tenha de menos”, ou nas previsões de Karl Marx sobre o comportamento mais civilizado dos seres humanos no futuro, em Crítica ao Programa de Gotha (1875MARX, K. Crítica ao Programa de Gotha. 1875. ), quando poderão inscrever sobre sua bandeira o lema “de cada um de acordo com a sua capacidade, a cada um de acordo com sua necessidade”.

Essas proposições foram ganhando respaldo de um espectro tão grande que, em 1968, Paul Samuelson, James Tobin, John Kenneth Galbraith e mais 1.200 economistas encaminharam um manifesto ao Congresso Norte-Americano solicitando que fosse adotado um sistema de suplementação e de garantia de renda. Tem razão, portanto, o deputado Antonio Delfim Netto (PPR-SP) quando, ao comentar comigo o Programa de Garantia de Renda Mínima, disse que “não há como ser contra o seu projeto, Eduardo, ele é uma antiga aspiração dos economistas”, recomendando-me que averiguasse o porquê das dificuldades de sua implementação em outros países. Em sendo tão positivo, fico pensando por que Campos, Simonsen e Delfim não o propuseram enquanto responsáveis pela condução da política econômica.

Em artigo publicado em 6/12/1994CAMPOS, R. “Renda mínima garantida ou os perigos da inocência”. Folha de S. Paulo , 6/12/1994. , na Folha de S. Paulo, Roberto Campos, depois de assinalar os aspectos positivos da renda mínima, coloca seu receio de que ela seria instituída por cima de todo o cipoal de programas ditos “sociais” vigentes e tão caracterizados por desvios. Propõe, por isso, que se adote uma renda mínima apenas para os idosos, como complemento à introdução de um sistema previdenciário privado. Ao Estado caberia prover um mínimo vital para todos os que ao fim de sua vida laboral não conseguissem pelo menos aquele patamar. Creio ser perfeitamente possível convencer a sociedade a substituir programas menos eficientes - obviamente garantindo-se os gastos em educação, saúde, saneamento - para se colocar no lugar a renda mínima, como está previsto no projeto de lei. Adiar sua adoção com base nos temores citados por Campos, como o despreparo do País, por exemplo, faz lembrar os que apresentavam argumentos para se adiar a abolição da escravatura. Exemplo disso são as palavras do Marquês de Olinda em seu voto por escrito na primeira sessão, de 2 de abril de 1867, do Conselho de Estado:

“Quando deve ter lugar a abolição? Minha resposta: quando for possível decretá-la para todos os escravos indistinctamente e para todos ao mesmo tempo. E quando será isto possível? Respondo: quando o número de escravos se achar tão reduzido em consequência das alforrias e do curso natural das mortes que se possa executar este acto sem maior abalo na agricultura e sem maior estremecimento dos senhores ... A não se seguir o plano que acabo de indicar, não vejo providência que não ponha o Estado em convulsão ... “ (Nabuco, 1897NABUCO, J. Um Estadista do Império. Editado em 1936 pela Cia. Editora Nacional, São Paulo, Tomo II, p. 26. Escrito em 1897. ).

O recém-eleito senador pelo PT - Partido dos Trabalhadores - do Distrito Federal, Lauro Campos (1991CAMPOS, L. (1991). “A crise de sobreacumulação e o imposto de renda negativo”. In Suplicy, 1992. ), diagnosticou o PGRM - Programa de Garantia de Renda Mínima - como sendo o instrumento capaz de superar a crise de sobre acumulação que tem dificultado o crescimento mais saudável da economia brasileira. Em reuniões de economistas e da direção do· PT, quando se preparava o Programa de Governo de Lula, a também recém-eleita deputada federal Maria da Conceição Tavares enfatizou a importância de se apoiar o PGRM. A ampla gama de economistas brasileiros que apoia o PGRM pode ser constatada em Suplicy (1992SUPLICY, E. M. “O Programa de Garantia de Renda Mínima”. Brasília, Senado Federal, 1992. ), que contém todo o debate havido durante a tramitação do projeto.

A contribuição de James Meade foi objeto de homenagem no V Congresso da Basic Income European Network - BIEN, realizado na Universidade de Londres, no Goldsmith College, de 8 a 10 de setembro último. Esse fórum tem debatido todas as experiências relevantes na direção de se assegurar a todo cidadão o direito inalienável, independentemente de sua idade, raça, credo, situação no mercado de trabalho ou matrimonial, a uma renda pequena, porém garantida e incondicional. Cerca de l00 economistas, cientistas sociais e políticos debateram a evolução e limitações dos mecanismos já vigentes no complexo sistema de seguridade social nos diversos países da Europa. Assim foram considerados os beneficias em dinheiro, pagos como um direito à cidadania, através de seus pais, a todos os nascidos, até completarem os seus estudos; a Renda Mínima de Inserção, introduzida na França e na Espanha, em 1988; o Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, uma forma de imposto de renda negativo que foi introduzido nos Estados Unidos em 1975, bastante ampliado a partir de 1994 pelo presidente Bill Clinton; e ainda o que está ocorrendo na Austrália, na Nova Zelândia, no Canadá. Comentou-se a experiência vigente no Alasca, desde o final dos anos 70, em que o Fundo do Petróleo, o qual recolhe royalties das empresas que o exploram, e que administra valioso patrimônio, distribui anualmente um dividendo a todos os aproximadamente 600 mil residentes naquele Estado. Em 1993, cada um deles recebeu cerca de US$ 1.000. Pela primeira vez, na BIEN, discutiu-se a reflexão havida no Brasil sobre o Programa de Garantia de Renda Mínima, desde que projeto nesse sentido foi aprovado, sem qualquer voto contrário, pelo Senado, em 1991.

Hoje, no Distrito Federal, estuda-se a implementação de uma das alternativas criadas desde que foi apresentado o PGRM. Trata-se da proposta do governador eleito, Cristovam Buarque, do PT, e do economista José Márcio Camargo (1991CAMARGO, J. M. (1991). “Pobreza e garantia de renda mínima”. Folha de S. Paulo, 26/12/1991, também publicado em Suplicy, 1992. ), que garante um salário-mínimo mensal a cada família carente, residente no Distrito Federal há pelo menos cinco anos, que tenha crianças de 7 a 14 anos frequentando escola. Na cidade de Campinas, o prefeito José Roberto Magalhães Teixeira conseguiu que fosse aprovado, em 30 de novembro de 1994, o projeto de lei do Executivo que institui o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima para famílias residentes na cidade há pelo menos dois anos, com filhos em situação de risco, ou seja, aquelas cuja renda mensal familiar é inferior a R$ 140,00, ou em que, tendo mais do que R$ 140 mensais, a renda mensal per capita seja inferior a R$ 35,00. O benefício monetário mensal será equivalente à diferença entre o conjunto de rendimentos da família e o valor resultante da multiplicação do número de membros da família-pai, mãe e filhos ou dependentes menores de 14 anos - por R$ 35,00.

Na forma já aprovada pelo Senado, as pessoas de 25 anos ou mais cuja renda for menor que R$ 180,00 (em valores de dezembro de 1994) terão direito a um complemento de renda, na forma de um imposto de renda negativo, de 30% a 50% da diferença entre R$ 180,00 e a renda da pessoa. Essa formulação recebeu a contribuição de Antonio Maria da Silveira (1975SILVEIRA, A. M. “Moeda e redistribuição de renda”. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, abr.-jun. 1975. ), o primeiro economista a defender o imposto de renda negativo no Brasil. Uma alternativa que combina ambas as proposições seria a exigência de o beneficiário do PGRM que tiver crianças em idade escolar demonstrar que elas estão indo à escola. Já outra alternativa seria a que guarda relação com o Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, vigente nos Estados Unidos, um imposto de renda negativo que procura induzir mais fortemente a pessoa ao trabalho. Outra ainda seria a Renda Básica ou de Cidadania, um montante igual para todos, sem qualquer condicionante, conforme a sugestão de Luiz Guilherme Schymura de Oliveira (1994)SCHYMURA DE OLIVEIRA, L. G. “Programa de Renda Garantida Mínima”. Trabalho apresentado no XXII Encontro Nacional de Economia, Florianópolis. Dez. 1994. e na linha de proposição da BIEN. No IPEA, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, a equipe do economista André Urani está concluindo estudos sobre os efeitos quantitativos de cada uma dessas propostas.

Edmar Lisboa Bacha, então assessor especial de Política Econômica do Ministério da Fazenda, foi quem me chamou a atenção para a Agathotopia de James Meade. Bacha estava voltando de seminário na Inglaterra em homenagem ao grande economista - após ter sido designado para aquele posto pelo então ministro Fernando Henrique Cardoso. Ele havia proposto um Programa de Garantia de Renda Mínima, através de um imposto de renda negativo, como forma de atacar mais prontamente a pobreza e melhorar a distribuição da renda no Brasil, conforme expôs em Bacha & Unger (1978)BACHA, E. L. & UNGER, R. M. Um Projeto de Redemocracia para o Brasil, Participação, Salário e Voto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. .

Quando da primeira discussão da Medida Provisória que introduziu a URV - Unidade Real de Valor - com o Congresso Nacional, Bacha chegou a aceitar que se introduzisse o Programa de Garantia de Renda Mínima a partir de 1995, o que acabou não prevalecendo. Entretanto, no âmbito do Executivo, estudos sobre o projeto continuaram a ser realizados, reforçados por determinação que os ministros Beni Veras e Rubens Ricupero fizeram em abril último para que os ministérios com assento no Conselho de Segurança Alimentar estudassem sua viabilidade operacional. O ministro Ciro Gomes, em 30 de novembro de 1994, solicitou que esses estudos fossem concluídos de forma coordenada de maneira a prover a Câmara dos Deputados de informações necessárias para a votação do projeto, que tem o parecer favorável do deputado Germano Rigotto (PMDB-RS). Recomendações para que seja adotado no curto prazo foram feitas por Herbert de Souza, Secretário Executivo da Ação pela Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida, em carta aberta ao sociólogo Fernando Henrique, publicada pela Folha de S. Paulo, em 10/10/94, e pelo Conselho Nacional de Saúde. As centrais sindicais, por seu turno, como a CUT - Central Única dos Trabalhadores - e a CGT - Central Geral dos Trabalhadores -, resolveram colocar o PGRM na pauta de suas próximas discussões com o Governo Federal.

Em algumas de suas entrevistas durante a campanha, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que implementaria o PGRM. Quando de sua votação no Senado, como então líder do PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira -, votou favoravelmente, qualificando-o de “uma utopia realista, com os pés no chão”. O professor Albert Hirschman tem ressaltado que Fernando Henrique Cardoso tem “a paixão pelo possível”.

O PGRM, ao alcance de nossas mãos, poderá atacar muito mais eficazmente o problema social cada vez mais explosivo do que outros mecanismos até agora utilizados. O mais importante, como ressaltou o professor Celso Furtado, “é começar logo”. Depende apenas da determinação política do Congresso Nacional e do Executivo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1995
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