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A PERSISTÊNCIA DA VISÃO: PAULO EMÍLIO SALLES GOMES E O MODERNISMO (1964-1977)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas. O artigo origina-se em uma tese de doutorado (2022). A pesquisa contou com o financiamento da Coordenação de Pessoal de Nível Superior – Capes, Processo número 88882.333235/2019-01.

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar determinadas formas de prolongamento do Modernismo em São Paulo. Mais especificamente, trata-se de observar a manifestação desse movimento na trajetória do crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes entre os anos 1960 e 1970. Situado numa posição singular ante o Modernismo, o crítico articulou, ao longo de sua trajetória, diversas maneiras de lidar com o movimento. Por um lado, é possível aferir o prolongamento do tema nas formulações do crítico sobre a figura de Oswald de Andrade, de quem foi próximo desde os anos 1930. Por outro lado, uma reflexão mais abrangente sobre o Modernismo se cristaliza no início dos anos 1970, num documento em que Paulo Emílio reflete sobre a Semana de 22. Por meio dessas duas perspectivas, espera-se refletir sobre o sentido da atualização do Modernismo no contexto turbulento que se seguiu ao Golpe de 1964.

Palavras-chave
Paulo Emílio; Modernismo; herança; Semana de Arte Moderna; Oswald de Andrade

Abstract

This article aims to analyze certain forms of extension of the Modernist movement in São Paulo. More specifically, this work seeks to observe the manifestation of Modernism in the trajectory of the film critic Paulo Emílio Salles Gomes between the 1960s and 1970s. Situated in a unique position vis-à-vis Modernism, the critic articulated, throughout his trajectory, several ways of dealing with the movement. On the one hand, it is possible to assess the extension of the theme in the critic’s formulations about the figure of the writer Oswald de Andrade, with whom he was close since the 1930s. On the other hand, a more comprehensive reflection on Modernism is crystallized in the early 1970s, in a document in which Paulo Emílio reflects on the Week of Modern Art of 1922. Through these two perspectives, we hope to reflect on the meaning of Modernism’s updating in the turbulent context that followed the 1964 Coup.

Keywords
Paulo Emílio; Modernism; heritage; Week of Modern Art; Oswald de Andrade

“mas ninguém conhecia Oswald.”

Glauber Rocha, Revolução do Cinema Novo

Introdução

O capítulo mais recente dos balanços da Semana de Arte Moderna parece ter alimentado o desencontro entre duas perspectivas que não são, em si, excludentes. Afinal, por ocasião do centenário da Semana de 22, houve pouco trânsito entre o reconhecimento do episódio paulista como um acontecimento gerador ou provocador e a demarcação do descompasso entre a universalidade dos valores enunciados e o ponto de vista de sua enunciação. Nas atuais circunstâncias, o debate pende para a última posição.

É o caso, então, de sublinhar que este trabalho se atém a um desdobramento paulista do Modernismo: observar a configuração do assunto em documentos produzidos pelo crítico Paulo Emílio Salles Gomes entre os anos 1960 e 1970. Esse intelectual nutriu relações diretas – por vezes assíduas – com veteranos de 1922, situando-se na franja mais visível do que se pode chamar de “longo Modernismo” (NAPOLITANO, 2014NAPOLITANO, Marcos. Arte e política no Brasil: história e historiografia. In: EGG, André; FREITAS, Artur; KAMINSKI, Rosane (org.). Arte e política no Brasil: modernidades. São Paulo: Perspectiva, 2014, p. XV-XLVI., p. XXII-XXIX). Um herdeiro, portanto, desde que se entenda por aí uma modalidade específica da sucessão geracional3 3 Este trabalho dialoga com a abordagem de Pierre Bourdieu (2007) do processo de transmissão de capital cultural, social e econômico. A herança modernista de Paulo Emílio não é indiferente à posição de sua família. Remeto nesse sentido ao alentado estudo de José Inacio de Melo Souza (2002) e ao estudo, mais afim ao tema desta investigação, de Heloisa Pontes (1998). . Dito isso, um dos objetivos deste ensaio é refletir, a partir de um estudo de caso, sobre o fenômeno mais amplo da persistência do Modernismo em São Paulo.

Numa primeira aproximação, pode-se notar que a herança é aludida, em momento-chave da afirmação intelectual de Paulo Emílio, nas obras coletivas Testamento de uma geração (1944) e Plataforma da nova geração (1945). E os termos da participação do crítico paulista no segundo volume convergem com a percepção mais ampla de uma transição em curso (MOTA, 2014MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974): pontos de partida para uma revisão histórica. São Paulo: Editora 34, 2014 [1977]., p. 156-164), que viria a ser registrada no campo literário com a alcunha “Geração de 45”. Ao mesmo tempo, a vizinhança semântica entre a “herança” e o “testamento”, referido no título da primeira publicação, sugere que a passagem à “nova geração” não seria indiferente ao patrimônio dos veteranos.

Todavia, a construção intergeracional da perpetuação do Modernismo em São Paulo não ocorreu sem tensões, uma vez que os termos do inventário foram parcialmente desqualificados por seus beneficiários4 4 E mesmo por alguns veteranos, como Mário de Andrade, que desvalorizava a essa altura a herança modernista (MOTA, 2014, p. 143-148). . Quanto a Paulo Emílio, sua intervenção na Plataforma da nova geração reservava um lugar nada desprezível à crítica dos “boêmios de 22” (SALLES GOMES, 1986SALLES GOMES, Paulo Emílio. Paulo Emilio: um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986., p. 82-95). Tal posição foi analisada em seus matizes por Heloisa Pontes, que coligiu as variações da postura dele e de outros críticos reunidos na revista Clima, ante figuras como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Sérgio Milliet (PONTES, 1998PONTES, Heloisa. Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-68). São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 52-95).

A herança de Paulo Emílio se situa num terreno específico, ambíguo, que se prefigurou em sua entrada precoce na vida cultural paulistana. Pois o moço que se lançou à arena pública dos debates culturais e políticos no turbulento ano de 1935 o fez sob o signo do escândalo. Enfant terrible, em suma, mas não um deserdado – de modo que a busca por uma calibragem entre irreverência e seriedade constitui um dos lances fundamentais da formação da escrita e da performance pública de Paulo Emílio (MENDES, 2013MENDES, Adilson. Trajetória de Paulo Emilio. Cotia: Ateliê Editorial, 2013., p. 137-174).

Até este ponto, sigo o comentário de estudiosos que se dedicaram a compreender a situação do crítico no contexto paulista dos anos 1930 e 1940. No entanto, a construção social de seu “destino” não se encerrou por aí, fato que se manifesta na renegociação dos termos da herança modernista ocorrida décadas mais tarde. Fundamental num período de afirmação geracional, o Modernismo seria resgatado como uma espécie de garantia diante da crise vivida pelo crítico nos anos 1960 e 1970, em paralelo a modificações profundas nas formas utilizadas em suas intervenções públicas (PINTO, 2008PINTO, Pedro Plaza. Paulo Emilio e a emergência do Cinema Novo: débito, prudência e desajuste no diálogo com Glauber Rocha e David Neves. Tese de doutorado, Meios e Processos Audiovisuais, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008., p. 107-144). A herança modernista, portanto, é historicamente determinada, e essa determinação é variável no tempo. Ora, no período focalizado por este estudo, os Golpes de 1964 e de 1968 parecem estar ligados a uma série de indagações lançadas à experiência modernista e, em particular, à figura de Oswald de Andrade.

Como procurarei demonstrar, a persistência do Modernismo promove, na escrita de Paulo Emílio, um encontro de temporalidades por meio do espelhamento entre a experiência modernista e o momento de sua evocação. Assim, por um lado, a lembrança revela a atualização dos termos da herança diante do ocaso de um determinado projeto moderno para o país5 5 Refiro-me ao deslocamento amplo do sentido da modernização registrado a partir do Golpe de 1964 (NOVAIS; MELLO, 1998, p. 605-618). Em âmbito individual, as consequências desse deslocamento foram sentidas na modificação dos termos de oferta de (e de exclusão na) inserção no espaço público entre os anos 1960 e 1970. O caso das universidades é emblemático, a propósito do encadeamento entre o movimento geral e sua determinação individual (MOTTA, 2014). . Mais que isso, o balanço do Modernismo parece apontar para a atualidade de suas contradições num momento em que se evidenciava, paradoxalmente, seu esgarçamento6 6 Essa modificação parece convergir com a perspectiva mais sombria então assumida por outro herdeiro, Mário Pedrosa, nos anos 1970 (ALAMBERT, 2020, p. 16-29). O esgotamento da arte moderna é um fenômeno que diz respeito a fatores que atravessam, mas não esgotam, o capítulo brasileiro (ANDERSON, 1986). . Por outro lado, a evocação do passado forneceu uma espécie de recuo para a avaliação do presente, servindo de parâmetro para a ação, pois o horizonte limitado de opções disponíveis para Paulo Emílio nos anos 1960 e 1970 foi também ponderado à luz de sua reflexão sobre o Modernismo.

Na documentação do crítico, essa reflexão se acumulou em dois sentidos, que justificam a divisão dos itens a seguir. Em primeiro lugar, este artigo analisa as formas do retorno a Oswald de Andrade, de caráter fortemente autorreflexivo. Num segundo momento, passo à análise de um estudo sobre a Semana de 22, em que Paulo Emílio delineou opções de aferição do presente a partir do binômio “golpe” e “revolução”. Creio que essas duas abordagens do Modernismo configuram uma “persistência da visão”, num movimento que ganha autonomia em relação ao assunto visado e configura um objeto historiográfico situado num espaço próprio.

Parte I: Oswald, febre terçã

Pode-se dizer que Oswald de Andrade constitui um marcador na trajetória de Paulo Emílio, uma vez que a presença oscilante do escritor na documentação do crítico ajuda a compreender a dinâmica de sua autoconstrução intelectual. Essa relação não se presta a uma descrição linear, não apenas devido ao movimento ambíguo da interação dos dois intelectuais – temperada por momentos de altercação –, mas também pelo movimento próprio da posteridade simbólica do escritor nas encruzilhadas do crítico.

Na primeira metade dos anos 1940, Oswald de Andrade foi uma peça central na estratégia de afirmação dos intelectuais ligados à revista Clima, que, em linhas gerais, sublinhavam o caráter diletante dos veteranos de 1922 (PONTES, 1998PONTES, Heloisa. Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-68). São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 74-89). É visível, no entanto, o decréscimo nas referências a Oswald na documentação de Paulo Emílio nos anos seguintes. Seria preciso esperar até 1964 para encontrar um comentário mais amplo – o artigo “Um discípulo de Oswald em 1935” (SALLES GOMES, 1981SALLES GOMES, Paulo Emílio. Crítica de cinema no Suplemento Literário. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981. v. 2., v. 2, p. 440-446), que marca um ponto de inflexão na postura de Paulo Emílio em relação ao escritor modernista.

O texto possui algo de extemporâneo, já que é a única colaboração do crítico para o Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo no ano de 1964 em outubro – num momento em que Paulo Emílio havia praticamente encerrado sua participação no periódico7 7 O crítico ainda publicou dois artigos no fim de 1965. . Some-se a isso o fato de se tratar de um dos poucos textos públicos de Paulo Emílio não dedicado ao cinema. Aliás, esse tema é mencionado no artigo justamente pela negativa, como um assunto pelo qual o crítico não nutria qualquer interesse em 1935. Por fim, a motivação do texto também é singular na relação de Paulo Emílio com o Suplemento, uma vez que se trata de uma rara encomenda de Décio de Almeida Prado, responsável pela publicação; a edição procurava fazer um balanço da obra de Oswald de Andrade, por ocasião dos dez anos de seu falecimento8 8 Foram publicados também textos de Haroldo de Campos, Geraldo Ferraz, Sérgio Milliet, João Marschner, Flávio de Carvalho, Décio Pignatari e Benedito Nunes. .

A versão manuscrita do artigo contém um elemento que não aparece no texto publicado: a indicação, rasurada, “Quando eu tinha 18, 25 e 38 anos” (APESG-CB PI 0595.01). Portanto, se o artigo publicado se atém às circunstâncias de 1935, o autor havia originalmente aventado uma estrutura temporal mais ampla para dar conta de sua relação com o escritor. E as idades mencionadas não parecem ocasionais. Com 25 anos de idade, isto é, em 1941, Paulo Emílio participaria das escaramuças entre os críticos “climáticos” e Oswald de Andrade. Poucos anos depois, Oswald praticamente encarnaria a dura avaliação do Modernismo por Paulo Emílio em sua colaboração na Plataforma da nova geração (SALLES GOMES 1986SALLES GOMES, Paulo Emílio. Paulo Emilio: um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986., p. 82-95).

Os 38 anos de Paulo Emílio referem-se a 1954, ano do falecimento de Oswald. O momento foi marcado por um conjunto de circunstâncias decisivas para o crítico, que retornava, após quase dez anos na Europa, a um país tensionado politicamente pelos acontecimentos que culminaram no suicídio de Getúlio Vargas, meses antes da morte de Oswald9 9 Na Europa, Paulo Emílio recebera novas de Oswald, principalmente por meio de Antonio Candido de Mello e Souza. Em carta dessa época, Candido ironiza a “cavação” de uma “antropofagia rediviva” por parte do escritor a propósito de um concurso para a Universidade de São Paulo (APESG-CB CP 0726). Na mesma carta, Candido cita a relação “culinária” de Oswald com a dialética. . O momento não deixou muitos rastros da relação de Paulo Emílio com o escritor, mas reaparece na reflexão posterior. Em debate acerca da Companhia Cinematográfica Vera Cruz realizado nos anos 1970 (APESG-CB PI 0625), Paulo Emílio evoca a atuação de Oswald nos anos 1950, considerando seus comentários sobre a produtora paulista em Telefonema, coluna que manteve por muitos anos no jornal carioca Correio da Manhã (APESG-CB PI 0625, p. 17)10 10 Entre os últimos esboços para Telefonema, encontram-se textos sobre o Festival de Cinema do Brasil, realizado em São Paulo em 1954 (ANDRADE, 2007, p. 658-661). Paulo Emílio – um dos organizadores do evento – é citado em mais de uma ocasião. . A essa altura, Paulo Emílio relaciona com certo sarcasmo o interesse do cronista pelo cinema com seu desejo de reconquistar uma posição social na burguesia paulista.

Mas o escopo do artigo efetivamente publicado no Suplemento Literário em 1964 recai sobre o ano de 1935. De certa forma, a hesitação expressa no trecho rasurado e a opção pela restrição temporal estão em linha com uma inversão presente na estrutura do artigo, em que Oswald estabelece uma relação de tipo genitiva (“de Oswald”) com o “discípulo”, sendo este o efetivo sujeito do título e objeto do artigo. Tal perspectiva preside à reavaliação de seu outro artigo, “O moleque Ricardo e a Aliança Nacional Libertadora” (SALLES GOMES, 1986SALLES GOMES, Paulo Emílio. Paulo Emilio: um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986., p. 35-37), que teria desencadeado a ira de Oswald em 1935, externalizada no “bilhetinho” publicado em resposta (ANDRADE, 1986ANDRADE, Oswald de. Bilhetinho a Paulo Emílio. In: SALLES GOMES, Paulo Emílio. Paulo Emilio: um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986 [1935], p. 37-40.). Em suma, em 1964 Paulo Emílio passa em revista não tanto a posição de Oswald, mas sobretudo a de seu discípulo, isto é, a dele próprio.

O desencontro abordado no artigo desloca o mote da inconsistência política ou estética de Oswald de Andrade11 11 Já referida na carta de Antonio Candido a Paulo Emílio (cf. nota 7). A inconsistência foi a tônica da crítica de Candido ao primeiro volume de Marco zero (1943), nos artigos depois reunidos com o título “Estouro e libertação” (CANDIDO, 2017a, p. 11-27). As reservas ante a ligeireza política do livro ficam entrevistas em carta sem data de Candido a Paulo Emílio, em que comenta a busca de publicidade do escritor em torno do romance (APESG-CB CP 0722). , pois o foco da inconsistência, agora, seria posto sobre o próprio narrador, que evidencia em 1964 a fragilidade de sua crítica à peça O homem e o cavalo, no artigo de 1935. Nessa ocasião, mais alinhado à perspectiva que predominava no PCB12 12 A afirmação, como já demonstrou José Inacio de Melo Souza (2002, p. 17-45), carece de matizes, pois embora não fosse visto com a mesma desconfiança de Oswald, Paulo Emílio não era alinhado à orientação geral do partido, ao qual não se filiou. Adilson Mendes (2013, p. 137-148) analisou as medidas tomadas por Paulo Emílio em Movimento que discrepam das orientações do PCB. , Paulo Emílio fez um elogio à produção de José Lins do Rego e de Jorge Amado, contrapondo esses autores à peça de Oswald, acusada de conter traços burgueses em seu manejo do erotismo13 13 Curiosamente, Jorge Amado escreveria um texto elogioso à peça (AMADO, 2005), no qual insiste, na senda aberta pelo próprio Oswald em seu prefácio a Serafim Ponte Grande (ANDRADE, 1989, p. 9-11), no rompimento com uma posição burguesa. . Décadas depois, o crítico avaliaria sua intervenção como superficial, a ponto de confundir uma referência decisiva: a certa altura, a figura de Serguei Eisenstein aparece no texto (ANDRADE, 2005ANDRADE, Oswald de. Panorama do fascismo/O homem e o cavalo/A morta. São Paulo: Globo, 2005., p. 104-105); em seu lugar, no entanto, Paulo Emílio leu, em 1935, uma referência a Albert Einstein, índice – afirmaria em 1964 – de sua posição superficial14 14 Parece ter passado despercebido a Paulo Emílio que a cena referida faz uma menção explícita à célebre sequência da desnatadeira em A linha geral (1929, dir. Grigori Aleksandrov e Serguei Eisenstein). O filme chegou a ser analisado pelo crítico em artigo de 1958 que faz referência precisamente ao caráter erótico dessa passagem (SALLES GOMES, 2015, p. 159-164). .

Talvez seja impreciso atribuir essa reavaliação, tão simplesmente, à passagem do tempo, pois em junho de 1936, preso, Paulo Emílio solicitou à mãe o envio de O homem e o cavalo, entre outras peças, para auxiliá-lo no trabalho de escrita e produção de um espetáculo no chamado Teatro Popular do Presídio Maria Zélia (APESG-CB CA 0052). Não se tratava ainda da produção da peça Destinos, escrita pouco depois, mas de um projeto de adaptação de obras já existentes15 15 Em outra carta, Paulo Emílio acusa o recebimento de O homem e o cavalo (APESG-CB CA 0055). . A título de hipótese, a inclusão da obra de Oswald de Andrade entre as peças solicitadas para uso num “teatro popular” pode sugerir um interesse sustentado ou mesmo uma reflexão a propósito da crítica feita meses antes16 16 As demais peças de Oswald de Andrade – A morta e O rei da vela – ainda não haviam sido publicadas, o que só ocorreu em 1937. . De resto, se em 1964 Paulo Emílio reconheceria que as críticas a Oswald proporcionaram certo reforço da ligação afetiva que o unia ao escritor, esse fato já podia ser observado no início dos anos 1940 no escopo da revista Clima (PONTES, 1998PONTES, Heloisa. Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-68). São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 74-79).

De todo modo, Oswald de Andrade funciona como elemento qualificador na trajetória descrita pelo artigo de 1964 – em acordo com sua função sintática de genitivo no título do texto. No início do artigo, antes mesmo de entrar em contato com o escritor, Paulo Emílio caracteriza assim a dispersão de seus interesses por volta de 1935:

Lá pelos dezoito anos tudo, com exceção do cinema e de qualquer ciência exata, me interessava tão vivamente quanto confusa e superficialmente: política, literatura, psicanálise, teatro, arquitetura, sociologia, pintura. O critério era um só. Tudo que me parecesse moderno tinha valor

(SALLES GOMES, 1981SALLES GOMES, Paulo Emílio. Crítica de cinema no Suplemento Literário. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981. v. 2., v. 2, p. 440)17 17 As ciências exatas e o cinema aparecem como áreas de exclusão, o que prepara não apenas a conversão ao segundo – que está fora do texto, mas que fornece o contexto de sua leitura –, mas também a ignorância em relação ao primeiro, marcada na confusão entre Eisenstein e Einstein. .

Pouco depois Paulo Emílio personaliza essa dispersão: “Em 1935, pois, aderia a tudo que me parecia moderno: comunismo, aprismo, Flávio de Carvalho, Mário de Andrade, Lasar Segall, Gilberto Freyre, Anita Malfatti, André Dreyfus, Lênin, Stálin e Trotsky, Meyerhold e Renato Vianna” (SALLES GOMES, 1981SALLES GOMES, Paulo Emílio. Crítica de cinema no Suplemento Literário. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981. v. 2., v. 2, p. 440).

A listagem reproduz boa parte dos assuntos abordados no único número da revista Movimento, editada por Paulo Emílio e Décio de Almeida Prado e para a qual o primeiro contribuiu com uma boa parte dos artigos (TELLES, 2012TELLES, Lúcia. Movimento em construção. Correspondência entre Paulo Emílio Sales Gomes e Décio de Almeida Prado, de junho a agosto de 1935. Dissertação de mestrado, Literatura Brasileira, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.). A revista gerou um pequeno escândalo por conter um poema “operário” (escrito sob pseudônimo por Paulo Emílio) com alusões escatológicas, o que motivou sua recusa pelo Conservatório Dramático e Musical, cujo bibliotecário foi desafiado para um duelo a tapas pelo autor. É significativo que esse tenha sido o primeiro elemento de vínculo com Oswald de Andrade, ao lado da intermediação do filho do escritor, Nonê de Andrade18 18 Paulo Emílio recebeu então um bilhete de solidariedade de Oswald de Andrade (APESG-CB CP 0053). . O encontro entre aprendiz e mestre, portanto, associa-se ao escândalo.

Cabe a Oswald de Andrade qualificar essa dispersão inicial, o que não supõe um encontro com um conjunto de referências mais coeso, mas uma abertura ainda mais ampla. Pois o escritor modernista seria responsável pelo contato de seu aprendiz com elementos que estavam fora de seu horizonte político – os integralistas ligados a Roland Corbisier, com quem debate no Centro de São Paulo19 19 O debate encontrou um rendimento ficcional na publicação do segundo volume do Marco Zero (ANDRADE, 2008). O livro consta na biblioteca de Paulo Emílio, com dedicatória do autor. – e cultural – Abelardo Pinto, o palhaço Piolin. Aliás, a referência a Piolin estabelece, em 1964, o mote para a diferenciação de si no grupo da revista Clima, que vetou a publicação do artigo de Paulo Emílio sobre o artista.

Oswald de Andrade foi responsável ainda pelos primeiros contatos de Paulo Emílio no Rio de Janeiro, ampliando sua esfera de atuação, num movimento que anos depois ganharia ambição nacional, como evidenciado no escopo pretendido por seu texto em Plataforma da nova geração. O contraste da amplitude alcançada no trato com o escritor modernista com o fechamento da narrativa, precipitado pela prisão de Paulo Emílio no final de 1935, é marcante no artigo de 196420 20 Importante registrar outra marca do vínculo de Paulo Emílio com Oswald de Andrade, mesmo no momento em que se davam as tensões mais agudas: na biblioteca do crítico constam duas edições autografadas do escritor. A primeira delas, já citada, é o segundo volume de Marco Zero. Consta ainda uma edição de 1945 dos Poemas reunidos, com a seguinte dedicatória de Oswald de Andrade: “Com coração do Oswald”, sendo a palavra “coração” substituída por um desenho. .

Considerando o que analisamos até aqui, é possível dizer que a relação de Paulo Emílio com Oswald de Andrade oscila em torno de dois parâmetros. Por um lado, o escritor modernista representa um modelo intelectual a ser superado, dado seu caráter indisciplinado, diletante e sua vocação meramente destrutiva. Por outro, o caráter desviante de Oswald em relação ao horizonte relativamente estreito do jovem Paulo Emílio parece exercer uma atração que volta e meia prevalece nas observações do crítico sobre o escritor.

E Mário e Oswald

Há outras oscilações. Ao entrevistar Gilda de Mello e Souza no início dos anos 1990, Carlos Augusto Calil evocaria sua impressão a respeito da relação entre Paulo Emílio e Mário de Andrade (MIS 00031PSG00013AD). Segundo Calil, parecia haver certa implicância do crítico em relação ao escritor, que sempre teria evitado se cercar de intelectuais de grande expressão. A reação de Gilda relativiza o valor da inteligência no estabelecimento de relações, discorda da leitura de Paulo Emílio – confirmando assim seu teor – e chama a atenção para a semelhança da personalidade de Mário de Andrade e de Paulo Emílio, temperada pela semelhança deste com Oswald. No fim, a diferença fica marcada pela personalidade tímida, de gabinete, de Mário de Andrade21 21 Lygia Fagundes Telles (2010, p. 17-23), companheira de Paulo Emílio, possui uma crônica de seu próprio encontro com Mário de Andrade que converge com a impressão do caráter reservado do escritor. .

A relação de Paulo Emílio com Mário de Andrade é marcada por uma dinâmica oscilante, análoga àquela verificada no caso de Oswald. Aproximação e distanciamento, por vezes conjugados num mesmo momento, parecem caracterizar sua relação com figuras importantes do Modernismo22 22 O caso de Paulo Emílio parece miniaturizar a flutuação mais ampla da apropriação da Semana de 22 (ALAMBERT, 2020, p. 11-29). . No caso de Mário, é de se notar que ele está praticamente ausente no relato a posteriori de Paulo Emílio sobre 1935 – talvez devido a seu distanciamento em relação a Oswald. Seja como for, ele foi uma figura relevante na construção da revista Clima, com a qual colaborou com um artigo de grande importância para sua própria trajetória, a “Elegia de abril”23 23 Também consta um livro de Mário de Andrade com dedicatória a Paulo Emílio, a edição de 1941 de suas Poesias. A dedicatória é mais protocolar que as de Oswald. Data também dessa época uma poesia de Mário sobre o crítico (ANDRADE, 2013, p. 508). . Em que pese a relativa formalidade das relações entre Paulo Emílio e Mário, é evidente que a obra do escritor modernista permaneceria como referência central para a trajetória do crítico24 24 No entanto, Paulo Emílio não trata das reflexões de Mário de Andrade sobre o cinema, o que é um indício da limitada circulação das reflexões do modernista sobre o tema (XAVIER, 2017, p. 162-175). .

Paulo Emílio preparou inclusive uma adaptação cinematográfica do romance Amar, verbo intransitivo (1927), entre 1968 e 1969, material que teve um papel importante na reorientação da escrita do crítico em finais dos anos 1960 (VIGNERON, 2021VIGNERON, Victor Santos. Do dois ao três, ou A reprodução da burrice paulista. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 80, p. 68-87, 2021.). E a figura de Mário de Andrade, agora tornado, de forma reflexa, uma personagem, é um elemento decisivo nesse processo. É de se notar que o desenvolvimento do enredo entre Oswald e Raul Morais (isto é, Mário de Andrade) não passa pelo problema da opção por um dos modelos. Há uma tensão clara, é verdade, expressa no momento em que Oswald critica frontalmente o projeto de Raul Morais, mas é uma tensão construtiva, que aponta para uma depuração do romance em produção, passível de ser acolhida pelo escritor “futurista”25 25 A designação de Mário como poeta “futurista” no roteiro talvez ecoe a primeira leitura de Oswald sobre Paulicéia desvairada. Seu comentário, “O meu poeta futurista”, seria recebido com restrições por seu colega. .

O entrecruzamento não excludente desses parâmetros é índice de uma oscilação permanente entre eles, posição que não é estranha ao comentário de Antonio Candido, poucos anos depois, sobre a existência de uma dialética entre Mário e Oswald de Andrade (CANDIDO, 1974CANDIDO, Antonio. Sobre o trabalho teórico. In: TRANS/FORM/AÇÃO, Marília, n. 1, p. 9-23, 1974.); instado a responder em entrevista sobre a oposição entre esses autores, Candido prefere mencionar a abertura deles a um horizonte de oscilação produtiva, que marcaria uma atitude intelectual mais rica a ser incorporada por seus sucessores.

No espelho de Antonio Candido

Na mesma entrevista, Candido acrescenta uma referência algo inesperada a Paulo Emílio. Ele menciona que a mitologia em torno da figura de Oswald de Andrade, que configuraria uma das camadas interpretativas do autor, já teria sido analisada anteriormente por seu colega. A referência, evidentemente, é ao artigo de 1964, o único escrito que Paulo Emílio publicou sobre o tema26 26 A julgar pela surpresa de Candido, anos mais tarde, com a publicação de Três mulheres de três PPPês (MIS 00031PSG00028AD), é pouco provável que ele tivesse acesso ao roteiro “Amar, verbo intransitivo”. . Curiosa observação, uma vez que a mitologia em torno do escritor modernista fora mencionada, ainda nos anos 1940, no início do ensaio “Estouro e libertação” (CANDIDO, 2017aCANDIDO, Antonio. Brigada ligeira. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2017a [1945]., p. 11-27). Abordar as mitologias alimentadas pelo escritor seria um passo prévio, afirmava na ocasião, à análise de sua obra. Mas a referência de Candido a Paulo Emílio talvez testemunhe algo diverso, o espelhamento de sua própria relação intelectual e afetiva com o escritor modernista.

Ambos os críticos alimentaram uma atitude de polêmica e de desconfiança em relação a Oswald no início de suas trajetórias intelectuais. E ocorre algo semelhante no que toca ao olhar reflexivo para essa atitude, pois o artigo publicado por Paulo Emílio em 1964 possui uma contraparte na produção de Candido. Em 1970, pouco antes da entrevista citada há pouco, o crítico literário escreve a “Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade” (CANDIDO, 2013CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2013 [1970]., p. 35-63), texto em que passaria em revista sua própria posição – e a de seu grupo – a respeito do escritor modernista, de forma algo semelhante ao que fizera Paulo Emílio anos antes.

O caso de Candido é, no entanto, mais complexo. Na véspera do falecimento de Oswald, o crítico escrevera o “Prefácio inútil” ao primeiro volume de suas memórias, Um homem sem profissão (CANDIDO, 2002bCANDIDO, Antonio. Prefácio inútil. In: ANDRADE, Oswald de. Um homem sem profissão. Memórias e confissões. Sob as ordens de mamãe. São Paulo: Globo, 2002b [1954], p. 11-16.). Na ocasião, já aparecia o tema – atribuído depois a Paulo Emílio – da mitologização como elemento próprio da trajetória de Oswald de Andrade, dada a tênue distinção entre vida e romance, atualizada na publicação das memórias, em que as pessoas se tornam personagens27 27 Candido nota que as personagens da produção ficcional se tornam solidárias às pessoas. Aproximação involuntária com a presença dos dois escritores modernistas no roteiro de Paulo Emílio. . No bojo desse processo, o próprio Oswald torna-se sua grande personagem. Nesse momento, contudo, a insistência no caráter assistemático e “impressionista” do escritor ainda dá o tom de uma crítica que coloca o método de trabalho de Oswald fora da norma acadêmica, o que encontra eco, como vimos, nas cartas contemporâneas de Candido a Paulo Emílio.

Com a “Digressão sentimental”, em 1970, Oswald é abordado de uma forma diversa, pois aí Candido se coloca como personagem na relação com o escritor, passando em revista não apenas a si, mas o grupo da revista Clima, inclusive Paulo Emílio. O movimento desse texto não passou despercebido por Rudá de Andrade, que enviou a Candido uma carta de agradecimento (ANDRADE, 2013ANDRADE, Rudá de. Carta de Rudá de Andrade. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2013 [1970], p. 65-68.), dando conta da angústia de Oswald em seus últimos anos, em face de um triunfo da modernização no campo cultural, que prescindia de sua presença28 28 O processo de reflexão de Candido sobre a obra de Oswald passa ainda pelo artigo “Oswáld, Oswaldo, Ôswald” (CANDIDO, 2002a), cujo mote inicial é, mais uma vez, o comentário de Paulo Emílio sobre a transformação do escritor em mito. . Filho do escritor, Rudá foi uma figura-chave da Cinemateca Brasileira desde seu retorno ao Brasil em 1954, trabalhando ao lado de Paulo Emílio.

Há outra observação de Candido, na entrevista de 1974, que diz respeito a um tema impossível de ser previsto no momento em que Paulo Emílio escrevia sobre o crítico, dez anos antes. Ao tratar da oscilação entre Mário e Oswald de Andrade, Candido toma como exemplo o caso recente do Tropicalismo, que pende para o segundo. Do artigo de Paulo Emílio à entrevista de Candido, é grande a mudança de recepção do escritor29 29 E, no entanto, 1964 constitui um marco: em dezembro desse ano apareceu uma edição da revista Invenção, editada pelo grupo concretista paulista, dedicada a Oswald de Andrade. . É conhecido o caminho de sua nova voga no fim dos anos 1960, em função da apropriação do escritor por frações da intelectualidade brasileira – a nova abordagem de Candido, como vimos, mas também os intelectuais ligados ao Concretismo, para ficar apenas em exemplos paulistas –, além de sua presença dramatúrgica através da montagem de O rei da vela, em 1967, pelo Teatro Oficina. Ao mencionar o Tropicalismo, Candido refere-se à convergência relativa entre a reflexão do Oficina com outros campos da produção cultural, como as artes plásticas, a canção e o cinema (NAPOLITANO, 2017NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985). São Paulo: Intermeios; Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, 2017., p. 140-149).

A virada tropicalista parece ter sido sentida por Paulo Emílio, embora o crítico não trate diretamente do tema. É possível observar uma alusão a essa passagem no material associado à arguição na banca de doutorado de Décio Pignatari em 1973 (APESG-CB PI 0343). No começo de sua arguição, Paulo Emílio menciona o roteiro produzido pelo candidato, referência provável ao filme Dez jingles para Oswald de Andrade (1971, dir. Rolf de Luna Fonseca)DEZ jingles para Oswald de Andrade. Dir. Rolf de Luna Fonseca, Brasil, 1971.. A aproximação com Pignatari – em que pese as diferenças então marcadas na ironia do arguidor em relação a Charles Peirce – não deixa de indicar uma atenção de Paulo Emílio à flutuação na apropriação do escritor modernista nesse momento30 30 Paulo Emílio assistiu à montagem de O rei da vela pelo Teatro Oficina, referida em entrevista de 1972 (SALLES GOMES, 2014, p. 172-181). No mesmo ano, Paulo Emílio emprestaria sua voz aos textos de Oswald de Andrade no filme Acaba de chegar ao Brasil o bello poeta francez Blaise Cendrars (1972, dir. Carlos Augusto Calil). .

Sobre o cômico

A essa altura Paulo Emílio estava prestes a produzir um de seus mais conhecidos ensaios, “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, de 1973 (SALLES GOMES, 2016SALLES GOMES, Paulo Emílio. Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 186-205). Não é indiferente a esse texto o dado performático, marcado nas últimas linhas pela definição e pelo insulto implícito aos interlocutores (“aristocracia do nada”), situado num dos mais prematuros pontos de convergência com Oswald de Andrade, o deboche. É evidente que o insulto e a provocação não são atributos exclusivos de Oswald, como fica evidente na escolha de Mário de Andrade-Raul Morais como porta-voz do calão em “Amar, verbo intransitivo”, ao afirmar que São Paulo é “uma grande... BOSTA” (APESG-CB PI 0117.01). Há um conjunto mais amplo de referências nesse sentido, como a presença de Alfred Jarry nos escritos de Paulo Emílio. Vale lembrar que a peça Ubu rei é citada no roteiro “Em memória de Helena”, escrito por volta de 1967, quando a palavra “merdre” – mote da peça de Jarry – aparece inscrita num elevador de um prédio de classe média do Rio de Janeiro, para escândalo das moradoras (APESG-CB PI 0268.01, p. 27)31 31 A proximidade dos primeiros exercícios dramatúrgicos de Paulo Emílio com Jarry é mencionada a um interlocutor desconhecido numa carta sem data (APESG-CB CA 0319). .

Ainda assim, Oswald de Andrade desempenha um papel fundamental no exercício do deboche e no uso de palavrões. Gilda de Mello e Souza atribui essa função a Paulo Emílio no interior do grupo de Clima (MIS 00031PSG00013AD), ao passo que este atribui, em outra ocasião, um papel análogo a Oswald (APESG-CB PI 0266, p. 15). Vale notar a diferença cronológica, pois Paulo Emílio faz essa afirmação se referindo aos anos 1930, ao passo que Gilda se refere aos anos 1940, como se o jovem crítico tivesse, a essa altura, incorporado a modulação de Oswald. Paulo Emílio acusou efetivamente o choque, nos anos 1930, ao questionar a presença de uma linguagem e de uma temática escabrosa em O homem e o cavalo. Aliás, é curioso notar que, em sua resposta, Oswald tenha replicado que a obscenidade também comparece em Jorge Amado e em escritores soviéticos, como Feodor Gladkov e Ilya Ehrenburg, então benquistos por Paulo Emílio (ANDRADE, 1986ANDRADE, Oswald de. Bilhetinho a Paulo Emílio. In: SALLES GOMES, Paulo Emílio. Paulo Emilio: um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986 [1935], p. 37-40.)32 32 A querela teve lugar na época da publicação de Jubiabá (1935). Pouco depois, em 1937, o escritor baiano publicaria Capitães da areia, obra igualmente obscena para os padrões da época. .

A observação de Paulo Emílio sobre o impacto da obscenidade e dos palavrões de Oswald foi feita por ocasião da banca de doutorado de Flávio Aguiar, em 1973. Um ano antes, Paulo Emílio abordaria de forma mais sistemática o elemento cômico, em entrevista na qual evoca o escritor modernista (SALLES GOMES, 2014SALLES GOMES, Paulo Emílio. Encontros: Paulo Emílio Sales Gomes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2014., p. 172-181). Na verdade, o veio cômico possui uma longa trajetória no interior da escrita de Paulo Emílio. Como indicou Rafael Zanatto (2018, p. 205-224)ZANATTO, Rafael. Paulo Emílio e a cultura cinematográfica: crítica e história na formação do cinema brasileiro (1940-1977). Tese de doutorado, História, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2018., o gênero aparece em diversos materiais, já nos anos 1940 e 1950, compostos com o objetivo de apresentar a história do cinema ao público paulista. Diversos são os momentos em que o crítico apresenta reflexões sobre as principais referências do gênero, comentando seu cânone: Charles Chaplin, Mack Sennett, Harold Lloyd, Buster Keaton, os irmãos Marx, Max Linder etc.

Tais referências reaparecem na entrevista de 1972. Mas nesse momento a reflexão sobre a comicidade deixa de fazer parte de uma discussão específica sobre o gênero cinematográfico e se espraia por outros domínios. É de se lembrar que o início dos anos 1970 marca a reaproximação do crítico com a obra de Amácio Mazzaropi e o retorno do interesse longamente reprimido pelo palhaço Piolin. No caso de Mazzaropi, a aproximação se manifesta no artigo “Mazzaropi no Largo do Paiçandu” (SALLES GOMES, 2016SALLES GOMES, Paulo Emílio. Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 351-354), publicado em 1973 no Jornal da Tarde. Quanto a Piolin, vale lembrar que sua entrada no campo de interesses de Paulo Emílio foi mediada justamente por Oswald de Andrade, notório entusiasta do palhaço. Como vimos, o crítico menciona o fato no artigo de 1964, lembrando ainda a recusa do texto sobre Piolin por parte da revista Clima (SALLES GOMES, 1981SALLES GOMES, Paulo Emílio. Crítica de cinema no Suplemento Literário. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981. v. 2., v. 2, p. 442). Essa sanção do bom-tom terminou sendo ratificada pelo próprio Paulo Emílio, como parte dos recalques sofridos em sua produção na primeira metade dos anos 1940.

O retorno a Piolin, na passagem para os anos 1970, se dá com sistematicidade. No roteiro “Amar, verbo intransitivo”, há uma referência ao palhaço, quando as crianças comentam sua ida ao Circo Piolin (PI 0117.01). Mas aqui a menção é funcional à demarcação das circunstâncias históricas do enredo. O interesse se torna mais direto no início dos anos 1970. Em maio de 1971, Paulo Emílio organiza uma entrevista para o recém-criado Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP), realizada na casa de Piolin, contando com a presença de outros célebres palhaços, Arrelia (Waldemar Seyssel) e Chicharrão (José Carlos Queirolo) (MIS 00010CIR00001AD; 00010CIR00002AD)33 33 Arrelia seria mencionado no roteiro sem data “Possibilidade de um filme de longa-metragem em torno do cinema paulista de 1934 a 1949” (APESG-CB PI 0614). A menção sublinha a entrevista em potencial a respeito do filme perdido, por ele estrelado, Palhaço atormentado (1946, dir. Rafael Falco Filho). . Na ocasião, o crítico convidou alguns estudiosos do tema, como a diretora Suzana Amaral, que na época preparava o filme Sua majestade Piolin (1971)SUA majestade Piolin. Dir. Suzana Amaral, Brasil, 1971.. A entrevista se conecta com outros dois materiais: um rascunho preparatório para a conversa, que faz alusão à vivência do entrevistador junto ao palhaço (APESG-CB PI 0324), e um registro feito na ocasião ou logo após a entrevista, material conexo à tese subsidiária de doutorado de Paulo Emílio, embora o tema do circo não tenha sido aproveitado

(APESG-CB PI 0845).

Um dos últimos conjuntos documentais de Paulo Emílio também trata do assunto. Em seu trabalho no Departamento de Informação e Documentação Artísticas (Idart), o crítico abordou diversos temas de seu interesse, entre os quais se conta o circo, que aparece em notas para a orientação de pesquisa da equipe da instituição entre 1976 e 1977 (APESG-CB PI 0686). A dispersão do foco de interesse nesse momento permite ao estudioso a associação de pesquisas sobre temas complementares, que procuram lançar diferentes olhares para o tecido urbano da cidade de São Paulo. É o caso de um material de 1977 (APESG-CB PI 0693), em que se encaminha uma pesquisa sobre a arquitetura do circo ao lado de outros elementos da cidade, como o metrô (inaugurado em 1974) e o Elevado “Minhocão” (inaugurado em 1971). A relação torna-se mais explícita em documento sobre manifestações arquitetônicas de áreas diversas da cidade, como o circo e o Parque Anhembi (APESG-CB PI 0695). O tema do circo ainda é retomado num documento que passa em revista as atividades de pesquisa do Idart

(APESG-CB PI 0696).

Esse conjunto de materiais reforça a tese de Theodoro Rennó Assunção (2008ASSUNÇÃO, Teodoro. Relações oblíquas com a pornochanchada em ‘P III: duas vezes com Ela’ de Paulo Emílio Sales Gomes. In: Revista do Centro de Estudos Portugueses, Belo Horizonte, v. 28, n. 39, p. 177-203, 2008.; 2017)ASSUNÇÃO, Teodoro. O cômico popular em Três mulheres de três PPPês. In: ALMEIDA, Thiago; XAVIER, Nayara (org.). Paulo Emílio: legado crítico. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo; Cinemateca Brasileira, 2017, p. 233-256. segundo a qual há um nexo estrutural entre a interação de Paulo Emílio com certa tradição cômica brasileira e a escrita de Três mulheres de três PPPês, de 1973. Acrescentamos que o início dos anos 1970 é central nessa passagem, que não é indiferente a uma nova abordagem de Oswald de Andrade, de Mazzaropi e do circo. Emerge assim um núcleo de reflexões mais estruturado sobre a cultura popular, ainda que tal interesse seja atravessado por certa hierarquização entre cultura popular “tradicional” e cultura de massa, hierarquia comum na intelectualidade brasileira (NAPOLITANO, 2020NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2020., p. 112-114). Seja como for, é bastante simplista caracterizar a relação de Paulo Emílio com a comédia em geral e com a chanchada em particular como de franca hostilidade (RAMOS, 2005RAMOS, Alcides. Historiografia do cinema brasileiro diante das fronteiras entre o trágico e o cômico: redescobrindo a ‘>chanchada’. In: Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, Uberlândia, v. 2, n. 4, n.p., 2005.). É o caso de indicar, antes, que a chanchada e a tradição cômica brasileira possuem um papel cambiante na trajetória de Paulo Emílio, o que não deixa de dialogar com a refuncionalização do gênero no contexto teatral de finais dos anos 1960, onde, aliás, reencontramos Oswald de Andrade, através da montagem de O rei da vela (DOURADO, 2013DOURADO, Ana Karícia. Chanchada: performance do insólito e paradoxo do comediante. Tese (doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 153-200).

A entrevista de 1972, portanto, sistematiza um conjunto mais amplo de reflexões sobre o universo cômico. Não surpreende, pois, que o crítico estabeleça aí um vínculo entre o circo e a indústria cinematográfica nessa ocasião34 34 Em 1959, o crítico já enfatizara a relação entre circo e cinema ao citar a importância do prestidigitador Harry Houdini na trajetória de Georges Méliès (SALLES GOMES, 2015, p. 63-69). , articulação possibilitada pelo caráter sumário do roteiro nos primeiros tempos do cinema, mantido em parte até Chaplin35 35 Em 1965, Paulo Emílio comenta a participação de Chaplin numa trupe de pantomimas (SALLES GOMES, 2015, p. 39-48). O circo também foi relacionado à formação de Eisenstein em 1958 (SALLES GOMES, 2015, p. 147-152). . Observa ainda que o improviso retornaria ao cinema moderno, em filmes de Rossellini, Godard, Glauber Rocha e João Batista de Andrade36 36 Difícil precisar a qual dos filmes de Glauber Rocha ele se refere. Quanto a João Batista de Andrade, trata-se provavelmente de Gamal – o delírio do sexo (1969). Já se notou que a produção documental de Andrade também é marcada pelo improviso (BERNARDET, 2003, p. 64-69). . Mas, em geral, o cinema foi sedimentando tipos que aos poucos foram substituindo aqueles que se escolhiam nas ruas, estruturando-se em torno da precisão.

Feitas essas considerações mais ligadas ao cinema de maneira geral, a entrevista se volta para a “impureza” do gênero cômico, enfatizando sua relação com o teatro. Além disso, o crítico observa uma mudança no padrão do humor, que se torna mais amargo com Chaplin, fato desdobrado em filmes contemporâneos como Dr. Fantástico (1964, dir. Stanley Kubrick)DR. Fantástico. Dir. Stanley Kubrick, Estados Unidos/Reino Unido, 1964. e MASH (1970, dir. Robert Altman)MASH. Dir. Robert Altman, Estados Unidos, 1970.. A partir dessas considerações sobre a natureza do humor nos filmes estadunidenses, a entrevista focaliza o problema no contexto subdesenvolvido. A essa altura, Paulo Emílio destaca a melancolia como expressão central dessa condição. Menciona a essa altura os filmes do comediante mexicano Cantinflas, passando depois à “falta de graça” do brasileiro37 37 Paulo Emílio mencionou Cantinflas num artigo sobre os festivais de cinema europeus de 1949 (SALLES GOMES, 1950). O comediante já havia sido citado em 1946, quando Paulo Emílio escreve a Décio de Almeida Prado (APESG-CB CA 0485) comentando a chegada do ator em Cannes e o desejo de ver seu filme Os três mosqueteiros (1942, dir. Miguel M. Delgado). . A ênfase aqui não está na lacuna diferencial, mas num humor muito particular, marcado pela melancolia associada à condição subdesenvolvida38 38 A melancolia também pode resultar do desenvolvimento, como se depreende do comentário de Paulo Emílio sobre o cômico moderno esmagado pelo progresso na personagem Monsieur Hulot, interpretada por Jacques Tati, particularmente no filme Meu tio (1958, dir. Jacques Tati) (SALLES GOMES, 1959a). O artigo lembra da trajetória de Tati no circo e no music hall. .

A partir daí, o crítico aborda a formação da chanchada, aproximando-a da trajetória descrita anteriormente, uma vez que ela portaria alguns traços estrangeiros, como a improvisação. Paulo Emílio passa então à análise de figuras de referência do gênero, como Zé Trindade, Genésio Arruda e Mazzaropi; critica a ideia de que a chanchada fez sucesso por sua má qualidade e sustenta que ela carrega um bom humor popular. Haveria, contudo, uma pobreza da tradição humorística brasileira, que se evidencia no predomínio do elemento trágico, exemplificado no livro e no filme Macunaíma (1969, dir. Joaquim Pedro de Andrade)MACUNAÍMA. Dir. Joaquim Pedro de Andrade, Brasil, 1969.. A essa altura, a entrevista retorna a Oswald de Andrade, cuja relação com o grotesco estaria na base de uma tendência humorística presente, mais tarde, em O Pasquim e nas canções de Juca Chaves. Daí o valor da montagem da peça O rei da vela – feito o reparo de que a montagem não teria transmitido a alegria cristalina do autor39 39 Ronald Golias é citado na entrevista como o único cômico nacional. Eco, talvez, da experiência de Paulo Emílio com a TV, uma vez que ele comenta, na arguição de Sônia Barros em 1974, que acompanha alguns programas televisivos vinculados à tradição popular, como o programa “Alegríssimo” (TV Tupi) e Moacyr Franco (APESG-CB PI 0779, p. 2). A menção a Ronald Golias talvez demarque uma valorização do humor popular em detrimento da experiência intelectualizada do Teatro Oficina. Roberto Schwarz (2008, p. 70-111), por esses anos, enfatizou o circuito social muito limitado dessa encenação. .

E, no entanto, Paulo Emílio registra em suas notas da entrevista de 1971 (APESG-CB PI 0845) um comentário de Piolin: Oswald tentara aprender suas graças, sem muito sucesso.

Parte II: Uma tese subsidiária

O manuscrito “Exposição sobre a participação das artes visuais na Semana de Arte Moderna de 1922” (APESG-CB PI 0840) é parte de um conjunto de materiais elaborados por Paulo Emílio em torno do Modernismo. Além do documento citado, o conjunto inclui os itens “Paim”, “K”, “Wilson Martins”, “Di” e “D. Olivia” (APESG-CB PI 0841, 0842, 0843, 0844 e 0845). A “Exposição” corresponde a um estágio mais avançado dessa reflexão, ao passo que os demais documentos formam um conjunto de notas preparatórias. “K”, por exemplo, é um fichamento de Klaxon e de outras revistas modernistas; “Di” registra uma visita a uma exposição de Di Cavalcanti no Museu de Arte Moderna de São Paulo40 40 Talvez a visita tenha sido antecipada por uma conversa direta. Em fotografia de abril de 1971, na casa de Guiomar Novaes, aparecem, ao lado de Paulo Emílio, Menotti Del Picchia e Di Cavalcanti (MIS 00135CMS002935FTa). Crítico e pintor se conheciam pessoalmente desde os anos 1930. . Outros materiais não têm a mesma homogeneidade formal e temática, caso de “D. Olivia”, composto pelo registro de uma entrevista com Carolina Penteado da Silva Teles a respeito de Olívia Guedes Penteado, seguido por notas sobre Tarsila do Amaral e sobre os palhaços Piolin, Chicharrão e Arrelia.

O aspecto formal do texto também diferencia a “Exposição” dos documentos preliminares. O emprego de tópicos e de uma linguagem mais próxima ao registro oral respondem ali a uma necessidade muito precisa: servir como base da apresentação de uma “matéria subsidiária ao doutorado”, como indicado no início do documento. Essa indicação permite estabelecer um primeiro parâmetro temporal, uma vez que o material se vincula à tese sobre o cineasta Humberto Mauro que Paulo Emílio defendeu em 1972. Seu doutoramento tardio respondia à pressão burocrática para a renovação dos contratos de docentes aberta pela Reforma Universitária de 1968 (MOTTA, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014., p. 65-109) e foi orientado por Gilda de Mello e Souza, outra figura ligada à revista Clima.

Embora nenhuma menção a datas circunstanciais apareça na “Exposição”, consta que a entrevista presente em “D. Olivia” ocorreu em maio de 1971 e que o registro “Di” data de novembro do mesmo ano41 41 O documento “S/ref: Qf. CTR/129/71” (APESG-CB PI 0582), relatório das atividades de Paulo Emílio na USP de outubro 1971, faz referência à “Entrevista para Semana de Arte Moderna”. . Há ainda uma entrevista de Paulo Emílio com o artista Antônio Paim Vieira, realizada no MIS-SP em maio de 1971, que está na origem do material intitulado “Paim” (MIS 00133MOD00007AD). Por fim, a referência feita na “Exposição” à pintura sérvia remete a uma viagem a Belgrado de maio de 1972, mês em que também teria sido escrita a “Motivação” da tese sobre Humberto Mauro (SALLES GOMES, 1974SALLES GOMES, Paulo Emílio. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1974., p. 1-4). Essas informações permitem restringir a elaboração do texto para os dois primeiros anos da década.

É o caso de notar, portanto, que se trata de um conjunto documental muito diverso do material analisado até aqui. Pois, enquanto a recapitulação feita anteriormente em torno de Oswald de Andrade passa por um artigo e uma entrevista publicados, o material associado à tese subsidiária de doutorado de Paulo Emílio compõe-se de notas de trabalho. Mesmo a “Exposição” tende – e talvez seja esse o sentido da resistência da banca de avaliação às ideias contidas no texto – ao esquematismo. Todavia, esse material tem uma característica única na documentação de Paulo Emílio, na medida em que constitui uma de suas raras elaborações sobre o movimento modernista. Ademais, o esquematismo tem o condão de explicitar o traço circunstancial das perspectivas de atuação do crítico no início dos anos 1970.

Esquema de ação cultural

Diferentemente da tese, modificada com vistas à publicação em 1974, não é possível encontrar uma versão da “Exposição” com um tratamento formal que sugira uma intenção análoga. Em entrevista concedida posteriormente (MIS 00257ATP00027AD), a propósito da trajetória de Lasar Segall, Paulo Emílio lembraria a apresentação da matéria subsidiária à banca composta por Gilda de Mello e Souza e Walter Zanini42 42 Paulo Emílio já havia se articulado com Zanini em algumas ocasiões, como no curso “Consciente e inconsciente na arte contemporânea” (FMACUSP 0029/025), realizado no Museu de Arte Contemporânea da USP em 1969. Na época da elaboração da “Exposição”, há tratativas para a participação de Paulo Emílio em outro evento do MAC-USP (FMACUSP 0001/009). . Segundo Paulo Emílio, a acolhida da tese não foi positiva, embora não seja possível encontrar registros feitos na ocasião pelos membros da banca43 43 Gilda não cita a tese sequer em seu depoimento sobre Paulo Emílio, nos anos 1990. . Todavia, a arguição de Gilda de Mello e Souza à tese sobre Mauro dá alguns parâmetros a esse respeito. Chama a atenção ali o uso da noção de “perícia” para se referir ao método do autor (MELLO E SOUZA, 2008MELLO E SOUZA, Gilda de. Exercícios de leitura. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2008 [1980]., p. 259-270), caracterizado assim por referência a um conceito que possui certa tradição nas artes plásticas, sendo vinculado explicitamente pela arguidora a Giovanni Morelli e Giovanni Cavalcaselle. E embora o conceito possua um percurso próprio no campo da História da Arte, Gilda particulariza a trajetória de Paulo Emílio ao vincular sua “paixão pelo concreto” à geração dos críticos da revista Clima.

Embora seja evidente a discrepância de desenvolvimento da “Exposição” e da tese sobre Mauro, é possível identificar certas tendências metodológicas comuns. A principal delas talvez seja a evocação de um tecido sociocultural, sugerido, em Humberto Mauro, pela longa descrição da formação da Zona da Mata Mineira, e, na “Exposição”, pela indicação da vinculação social das diversas personagens envolvidas na expansão da arte moderna no Brasil. Diante disso, a exploração de textos contemporâneos do autor pode ajudar a compreender o sentido dessa evocação de um tecido sociocultural na encruzilhada vivida por Paulo Emílio nessa época.

Já vimos que a publicação de Testamento de uma geração e de Plataforma da nova geração sugere uma sensação de mudança intelectual. Tal percepção, calcada na noção de “geração”, seria aceita pelos “moços” Paulo Emílio e Antonio Candido, ambos publicados na Plataforma44 44 Gilda de Mello e Souza também empregou a noção de “geração” na arguição de 1972. . A respeito destes e de outros críticos ligados à revista Clima, Heloisa Pontes notou que sua relação com figuras como Mário de Andrade, Sérgio Milliet e Oswald de Andrade seria central na formulação dessa ideia de “passagem geracional” (1998, p. 65-89)45 45 Ideia que seria negada, na ocasião, por Oswald de Andrade: “pois veio logo o grupo – grupo e não geração do sr. Antonio Candido, voando pesado como Santa Rita Durão, normativo e gravibundo como se descendesse de Bulhão Pato” (ANDRADE, 2004, p. 100). Anos mais tarde, no início da Formação da literatura brasileira, Antonio Candido fez restrições à noção de “geração” (CANDIDO, 2017c, p. 38). . Contudo, afora comentários feitos em torno de figuras determinadas do Modernismo, Paulo Emílio pouco abordou o movimento como um todo ao longo de sua trajetória46 46 Além da “Exposição”, o debate sobre a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, nos anos 1970, é seguido por outro material, que aborda a relação dos críticos de Clima com o Modernismo (APESG-CB PI 0625, p. 26-28). .

Esse aparente desinteresse pela história do Modernismo talvez seja o resultado de uma abordagem diversa do movimento que se manifesta no roteiro “Amar, verbo intransitivo”, na “Exposição” e na entrevista sobre Lasar Segall. Mais que o movimento artístico, o que parece interessar Paulo Emílio desde finais dos anos 1960 é o tecido sociocultural onde se insere a “inteligência”, mas também o que chama de “burrice paulista específica”. A articulação entre essas duas facetas da elite local é enunciada no roteiro “Possibilidade de um filme de longa-metragem em torno do cinema paulista de 1934 a 1949” (APESG-CB PI 0614). Assim como ocorre na “Exposição”, o autor procura descrever nesse roteiro a parca produção cinematográfica paulista da época por meio da caracterização e da evocação de uma teia de relações sociais, que vai da cantora Alzirinha Camargo ao próprio Paulo Emílio.

Por meio da evocação, hipóteses introduzidas bruscamente no texto da “Exposição” – o predomínio de mulheres no piano e na pintura no início do século XX – adquirem uma importância central no argumento – é no espaço masculino da literatura que a “revolução” moderna se faz sem maiores obstáculos. Para tanto, o autor recorre ao detalhe que lhe parece revelador, evocando por exemplo a trajetória da pianista Guiomar Novaes, também citada em “Amar, verbo intransitivo”. Ela constituiria um signo da ambiguidade entre moderno e acadêmico que limitaria uma perspectiva revolucionária em seu campo de atuação. E a contraparte desse esquema de ação cultural seria o golpe, via da instituição da pintura moderna no Brasil.

Trajetória (de classe) no subdesenvolvimento

O problema da pertinência (ou do esquematismo) da leitura Paulo Emílio sobre o Modernismo é atravessado pela circunstância de preparação desse material. Creio que esse cruzamento pode servir de ponte para a compreensão da perspectiva de atuação intelectual do crítico nesse momento, refletida no espelho modernista. Situação que toca diretamente no problema do subdesenvolvimento. De modo que a comparação feita na “Exposição” do Modernismo brasileiro com as obras de arte vistas por Paulo Emílio no Museu Nacional de Belgrado não é extemporânea. O crítico acabava de voltar de viagem à Iugoslávia e ao Irã, e a preparação da tese subsidiária delineava-se nas notas de trabalho. Embora breve, a comparação tem um peso decisivo na rejeição da primeira hipótese de trabalho, constatando-se o valor diminuto da Semana de 22 em face das tendências europeias contemporâneas.

Mais que a analogia, o parentesco das situações iugoslava e brasileira é estabelecido por meio do conceito de “subdesenvolvimento”. E ainda que o autor não faça um uso rigoroso, ao longo de sua obra, de expressões como “subdesenvolvimento”, “colonização” e “dependência”, é significativo que a expressão reapareça, em 1973, em “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento” (SALLES GOMES, 2016SALLES GOMES, Paulo Emílio. Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 186). O que interessa aqui é a afinidade temática entre esse artigo e a “Exposição”, pois “Trajetória no subdesenvolvimento” parte de uma digressão em que a situação do cinema brasileiro é apresentada por referência ao cinema desenvolvido (japonês) e subdesenvolvido (indiano e árabe).

A proximidade conceitual e formal entre textos produzidos num curto intervalo de tempo sugere uma mesma perspectiva: uma abordagem de classe e para uma classe. Embora o ensaio de 1973 procure traçar um panorama que diferencie “ocupantes” e “ocupados”, a abordagem panorâmica é abandonada no fim do texto, no momento em que Paulo Emílio volta-se à “aristocracia do nada”, que teria desertado dos filmes nacionais (SALLES GOMES, 2016SALLES GOMES, Paulo Emílio. Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 205). E a hipótese da alienação suplementar da elite local seria a tônica de outras intervenções realizadas pelo crítico nos anos seguintes, como a entrevista “Eu só gostava de cinema estrangeiro” (SALLES GOMES, 2014SALLES GOMES, Paulo Emílio. Encontros: Paulo Emílio Sales Gomes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2014., p. 78-105), o filme Tem coca cola no vatapá (1974, dir. Rogério Corrêa e Pedro Farkas)TEM coca cola no vatapá. Dir. Rogério Corrêa e Pedro Farkas, Brasil, 1974. e o artigo “Festejo muito pessoal” (SALLES GOMES, 2016SALLES GOMES, Paulo Emílio. Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 491-496)47 47 Brasil em tempo de cinema, dissertação de Jean Claude Bernardet orientada e prefaciada por Paulo Emílio, é calcada na análise dos compromissos de classe da produção dos anos 1960 (BERNARDET, 2007). Postura análoga apareceria em Burguesia e cinema, de Maria Rita Galvão (1981), pesquisa também orientada pelo crítico. .

Vale lembrar que, nesse momento, a literatura – ou a “metáfora literária”, como sugere Bernardet (2008, p. 117-133) – desempenhava um papel de regulador para a compreensão do fenômeno cinematográfico e da posição do intelectual brasileiro por parte de Paulo Emílio. O parâmetro literário se adensa na documentação do crítico na segunda metade da década de 1960, com a elaboração dos roteiros “Capitu”, “Em memória de Helena” e “Amar, verbo intransitivo”. De certa forma, a tendência é incorporada no desfecho “Exposição”, quando o Modernismo recebe um último olhar, sob a forma de inventário: “Só queria constatar, para concluir que nós nos encontramos muito mais à vontade dentro da língua que remeteu [?] da revolução literária do que dentro dos edifícios da nossa arquitetura moderna” (APESG-CB PI 0840).

O que se coloca como problema nesse material, em suma, são os limites da experiência intelectual das décadas de 1920 e 1930, numa abordagem do processo modernista diversa do modo laudatório que marcara as intervenções de Oswald de Andrade, como na conferência “O caminho percorrido”, de 1944 (ANDRADE, 2004ANDRADE, Oswald de. Ponta de lança. São Paulo: Globo, 2004 [1948]., p. 162-175). Para tanto, Paulo Emílio faz dois movimentos na “Exposição”. Primeiramente, ao longo do texto, indica as diferentes formas de institucionalização da modernização, a revolução literária e o golpe pictórico. Em segundo lugar, no desfecho, indica que os resultados desta última via, com referência ao caso análogo da arquitetura moderna, são questionáveis48 48 Em 1959, em artigo sobre o filme Ravina (1959, dir. Rubem Biáfora), Paulo Emílio comparava a personalidade de Oscar Niemeyer com a do diretor (SALLES GOMES, 1959b). Considerando as limitações apontadas no filme, pergunto-me se a comparação não supõe uma crítica ao arquiteto. . Note-se que o parâmetro positivo não é exatamente a revolução literária, mas a língua que ela legou, o que sugere uma definição mais ampla das consequências modernistas. Mas como seria possível definir o processo de modernização artística e social em Paulo Emílio?

O documento em relação ao qual gravitava a “Exposição”, a tese sobre Mauro, aborda a relação do cineasta com três focos de modernização. O mais comentado, devido ao papel estruturante que tem no estudo, manifesta-se na revista Cinearte. Seu “conservadorismo moderno” seria comparado, num documento da mesma época, intitulado “P/ Curitiba” (APESG-CB PI 0455), ao de críticos contemporâneos como Flávio Tambellini e Antonio Moniz Vianna. O interesse da vinculação entre essas duas pontas da modernização conservadora é sua comum contraposição ao “conservadorismo caipira” de Mauro, que deitaria raízes em sua sociedade.

A modernização da Zona da Mata Mineira seria o segundo polo de tensão no estudo de Mauro, seja por seu engajamento pessoal com o crescimento das companhias elétricas na região, seja pela desestabilização de sua sociedade, ao que não são indiferentes as novas formas de luta social (SALLES GOMES, 1974SALLES GOMES, Paulo Emílio. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1974., p. 59-64). Quanto ao terceiro foco, é interessante notar uma pequena indicação a respeito das relações ou, melhor, da ausência de relações entre o movimento modernista em Cataguases e o lançamento de filmes como Tesouro perdido (1927, dir. Humberto Mauro)TESOURO perdido. Dir. Humberto Mauro, Brasil, 1927. e Sangue mineiro (1929, dir. Humberto Mauro)SANGUE mineiro. Dir. Humberto Mauro, Brasil, 1929. (SALLES GOMES, 1974SALLES GOMES, Paulo Emílio. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1974., p. 168-178 e 424-429)49 49 Ismail Xavier (2017, p. 149-175) estudou de forma mais matizada esse divórcio, que não deixa de ser atravessado por aproximações, como sugerem as figuras de Mário de Andrade e Menotti Del Picchia. .

É de se notar que, no último caso, a relação entre literatura e cinema aparece como critério de aferição do processo moderno. E vale lembrar, a essa altura, o trânsito de elementos da comédia erótica na produção ficcional de Paulo Emílio em Três mulheres de três PPPês (ASSUNÇÃO, 2008ASSUNÇÃO, Teodoro. Relações oblíquas com a pornochanchada em ‘P III: duas vezes com Ela’ de Paulo Emílio Sales Gomes. In: Revista do Centro de Estudos Portugueses, Belo Horizonte, v. 28, n. 39, p. 177-203, 2008.; ASSUNÇÃO, 2017ASSUNÇÃO, Teodoro. O cômico popular em Três mulheres de três PPPês. In: ALMEIDA, Thiago; XAVIER, Nayara (org.). Paulo Emílio: legado crítico. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo; Cinemateca Brasileira, 2017, p. 233-256.). Esses e outros indícios reunidos até aqui permitem identificar, nessa produção mais demarcada em termos de classe inaugurada no fim dos anos 1960, a porosidade das relações entre o “alto” e o “baixo” na cultura da elite paulista. O que não deixa de se fazer presente no material preparatório da “Exposição”, quando da inserção de uma nota sobre os palhaços, em que se faz referência à vinculação dos mais conhecidos representantes da profissão com o Modernismo e com figuras da alta política nacional (APESG-CB PI 0845). Tal articulação daria conta de evocar a atmosfera de uma determinada fração de classe no subdesenvolvimento.

Conclusão: entre o golpe e a revolução

Se Oswald de Andrade e, em menor medida, Guilherme de Almeida50 50 No debate sobre a Vera Cruz (APESG-CB PI 0625), Paulo Emílio se refere ao lugar quase oficial ocupado por Guilherme de Almeida, que seria posteriormente ironizado no último texto ficcional de Paulo Emílio, Cemitério (SALLES GOMES, 2007a). A distância tomada em relação ao escritor remete aos anos 1940, quando a crítica de Clima saía paralelamente à escrita “mundana” do modernista sobre cinema. Décio de Almeida Prado se refere a essa distância em depoimento posterior, mencionando o “Hino à mulher paulista”, poema produzido pelo protagonista de Três mulheres de três PPPês, como paródia do poeta (MIS 00031PSG00004AD). serviriam como modelos de trajetórias intelectuais movendo-se no interior dessa atmosfera burguesa, Mário de Andrade aparece como principal alternativa intelectual em torno da qual é referenciado o próprio lugar de Paulo Emílio no roteiro “Amar, verbo intransitivo” (KINZO, 2014KINZO, Carla. Amar, verbo intransitivo: conjugações. Dissertação de Mestrado, Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.). Como se viu, a autocrítica feita pelo escritor nas décadas seguintes teve lugar no contexto da edição da revista Clima, momento em que o escritor pode ser considerado uma espécie de “consciência-limite” das relações dos intelectuais com o Estado e com suas próprias raízes sociais (MOTA, 2014MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974): pontos de partida para uma revisão histórica. São Paulo: Editora 34, 2014 [1977]., p. 143-148)51 51 Por seu turno, Cassiano Ricardo foi abordado por Paulo Emílio com referência a seus compromissos contraditórios com o Estado. Em “Possibilidade de um filme de longa-metragem em torno do cinema paulista de 1934 a 1949” (APESG-CB PI 0614), o crítico nota que o escritor, empregado no Departamento de Imprensa e Propaganda paulista, nada fez para evitar a incineração do filme O canto da raça (1941-1943, dir. José Medina), baseado em roteiro de sua autoria. .

A escolha por adaptar o romance Amar, verbo intransitivo se deu num momento de reorientação da atuação intelectual de Paulo Emílio. Há mesmo um elemento que aproxima esse roteiro com a “Exposição”, composta poucos anos depois: a explicitação de um olhar fincado na atualidade, expresso, na tese subsidiária, no comentário final sobre a arquitetura e a língua legados pelo Modernismo. De forma análoga, a personagem Raul Morais titubeia, mas chega a uma conclusão sobre o futuro de São Paulo num momento que coincide com o da redação do roteiro (“BOSTA”). A atualização do julgamento modernista sobre a realidade paulistana no contexto de acelerada metropolização, numa espécie de “recuo prospectivo”, supõe uma recuperação do Modernismo que procura superar os limites de uma história interna do movimento artístico e incidir sobre as atuais circunstâncias.

O desfecho do roteiro não deixa de acrescentar, à hesitação de Raul Morais e ao horizonte de possibilidades dos anos 1920, o fechamento de fins dos anos 1960. Entre um período e outro, a década de 1930 parece desempenhar um papel central na reflexão de Paulo Emílio. Trata-se de um período que ocupa boa parte da “Exposição”, apesar de seu título sugerir uma circunscrição à Semana de 22. Ora, a autocrítica de Mário de Andrade nos anos 1940, endossada naquele momento por Paulo Emílio em Plataforma da nova geração, refere-se justamente a esse período (BARBATO JR., 2004BARBATO JR., Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2004.). E o uso do esquema golpe-revolução parece cumprir, na “Exposição”, a função de refletir sobre as diferentes maneiras de implementação do programa moderno ao longo dos anos 1930.

Mais que isso, tais alternativas articulariam as limitações (nas artes plásticas e na arquitetura, a falta de horizonte revolucionário), as trajetórias prévias (a preparação simbolista da revolução literária) e os resultados (o vezo autoritário da arquitetura moderna). Uma reflexão análoga sobre a “rotinização” do programa moderno apareceria anos mais tarde na conferência “A Revolução de 30 e a cultura”, de Antonio Candido, que não deixa de fazer uma notação irônica sobre a arquitetura: “O ‘estilo futurista’ não apenas se difundiria, mas receberia a consagração do mal gosto nas inumeráveis casas quadradas, brilhantes de mica, que se espalharam por todo o país” (CANDIDO, 2017bCANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2017b [1987]., p. 224)52 52 O catálogo “Vanguarda e nacionalismo na década de 20”, publicado em 1975 por Gilda de Mello e Souza (2008, 305-344), não deixa de dialogar com essas questões. .

Em suma, a exploração dos limites e das possibilidades do Modernismo é ancorada num ponto de vista interno, mas visa ao horizonte circunstancial de sua enunciação. Assim, a demarcação do lugar social dos intelectuais ganha ares autorreflexivos na medida em que Paulo Emílio vincula-se diretamente ao processo modernista (“um discípulo”, como diz o artigo de 1964), ampliado, estendido e enfim esgarçado. Daí a curiosa convergência da hipótese sobre a divisão de gênero na Semana de 22, com a configuração dos destinos intelectuais dos jovens organizadores da revista Clima – homens críticos, mulheres escritoras. Como saída final aos impasses gradativamente evidenciados, Paulo Emílio parece apostar numa estratégia de personalização que parte de um registro autobiográfico – “Um discípulo de Oswald de Andrade em 1935” – e se encerra uma década depois com o uso da primeira pessoa no texto de ficção inacabado Cemitério (SALLES GOMES, 2007SALLES GOMES, Paulo Emílio. Cemitério, mais a peça teatral Destinos. São Paulo: Cosac Naify, 2007.a).

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas. O artigo origina-se em uma tese de doutorado (2022). A pesquisa contou com o financiamento da Coordenação de Pessoal de Nível Superior – Capes, Processo número 88882.333235/2019-01.
  • 3
    Este trabalho dialoga com a abordagem de Pierre Bourdieu (2007)BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Trad. Daniela Kern e Guilherme Teixeira. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007 [1979]. do processo de transmissão de capital cultural, social e econômico. A herança modernista de Paulo Emílio não é indiferente à posição de sua família. Remeto nesse sentido ao alentado estudo de José Inacio de Melo Souza (2002)SOUZA, José Inacio de Melo. Paulo Emilio no Paraíso. Rio de Janeiro: Record, 2002. e ao estudo, mais afim ao tema desta investigação, de Heloisa Pontes (1998)PONTES, Heloisa. Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-68). São Paulo: Companhia das Letras, 1998..
  • 4
    E mesmo por alguns veteranos, como Mário de Andrade, que desvalorizava a essa altura a herança modernista (MOTA, 2014MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974): pontos de partida para uma revisão histórica. São Paulo: Editora 34, 2014 [1977]., p. 143-148).
  • 5
    Refiro-me ao deslocamento amplo do sentido da modernização registrado a partir do Golpe de 1964 (NOVAIS; MELLO, 1998MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: NOVAIS Fernando A.; SCHWARCZ, Lilia (org.). História da vida privada no Brasil 4: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 559-658., p. 605-618). Em âmbito individual, as consequências desse deslocamento foram sentidas na modificação dos termos de oferta de (e de exclusão na) inserção no espaço público entre os anos 1960 e 1970. O caso das universidades é emblemático, a propósito do encadeamento entre o movimento geral e sua determinação individual (MOTTA, 2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.).
  • 6
    Essa modificação parece convergir com a perspectiva mais sombria então assumida por outro herdeiro, Mário Pedrosa, nos anos 1970 (ALAMBERT, 2020ALAMBERT, Francisco. História, arte e cultura: ensaios. São Paulo: Intermeios; Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, 2020., p. 16-29). O esgotamento da arte moderna é um fenômeno que diz respeito a fatores que atravessam, mas não esgotam, o capítulo brasileiro (ANDERSON, 1986ANDERSON, Perry. Modernidade e revolução. In: Novos estudos CEBRAP, São Paulo, n. 14, 1986 [1984], p. 2-15. Trad. Maria Lúcia Montes.).
  • 7
    O crítico ainda publicou dois artigos no fim de 1965.
  • 8
    Foram publicados também textos de Haroldo de Campos, Geraldo Ferraz, Sérgio Milliet, João Marschner, Flávio de Carvalho, Décio Pignatari e Benedito Nunes.
  • 9
    Na Europa, Paulo Emílio recebera novas de Oswald, principalmente por meio de Antonio Candido de Mello e Souza. Em carta dessa época, Candido ironiza a “cavação” de uma “antropofagia rediviva” por parte do escritor a propósito de um concurso para a Universidade de São Paulo (APESG-CB CP 0726). Na mesma carta, Candido cita a relação “culinária” de Oswald com a dialética.
  • 10
    Entre os últimos esboços para Telefonema, encontram-se textos sobre o Festival de Cinema do Brasil, realizado em São Paulo em 1954 (ANDRADE, 2007ANDRADE, Oswald de. Telefonema. São Paulo: Globo, 2007 [1996]., p. 658-661). Paulo Emílio – um dos organizadores do evento – é citado em mais de uma ocasião.
  • 11
    Já referida na carta de Antonio Candido a Paulo Emílio (cf. nota 7). A inconsistência foi a tônica da crítica de Candido ao primeiro volume de Marco zero (1943), nos artigos depois reunidos com o título “Estouro e libertação” (CANDIDO, 2017aCANDIDO, Antonio. Brigada ligeira. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2017a [1945]., p. 11-27). As reservas ante a ligeireza política do livro ficam entrevistas em carta sem data de Candido a Paulo Emílio, em que comenta a busca de publicidade do escritor em torno do romance (APESG-CB CP 0722).
  • 12
    A afirmação, como já demonstrou José Inacio de Melo Souza (2002, p. 17-45)SOUZA, José Inacio de Melo. Paulo Emilio no Paraíso. Rio de Janeiro: Record, 2002., carece de matizes, pois embora não fosse visto com a mesma desconfiança de Oswald, Paulo Emílio não era alinhado à orientação geral do partido, ao qual não se filiou. Adilson Mendes (2013, p. 137-148) MENDES, Adilson. Trajetória de Paulo Emilio. Cotia: Ateliê Editorial, 2013.analisou as medidas tomadas por Paulo Emílio em Movimento que discrepam das orientações do PCB.
  • 13
    Curiosamente, Jorge Amado escreveria um texto elogioso à peça (AMADO, 2005AMADO, Jorge. O homem e o cavalo. In: ANDRADE, Oswald de. Panorama do fascismo/O homem e o cavalo/A morta. São Paulo: Globo, 2005 [1934], p. 15-17.), no qual insiste, na senda aberta pelo próprio Oswald em seu prefácio a Serafim Ponte Grande (ANDRADE, 1989ANDRADE, Oswald de. Serafim Ponte Grande. São Paulo: Global, 1989 [1933]., p. 9-11), no rompimento com uma posição burguesa.
  • 14
    Parece ter passado despercebido a Paulo Emílio que a cena referida faz uma menção explícita à célebre sequência da desnatadeira em A linha geral (1929, dir. Grigori Aleksandrov e Serguei Eisenstein)LINHA geral, A. Dir. Grigori Aleksandrov e Serguei Eisenstein, União Soviética, 1929.. O filme chegou a ser analisado pelo crítico em artigo de 1958 que faz referência precisamente ao caráter erótico dessa passagem (SALLES GOMES, 2015SALLES GOMES, Paulo Emílio. O cinema no século. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 159-164).
  • 15
    Em outra carta, Paulo Emílio acusa o recebimento de O homem e o cavalo (APESG-CB CA 0055).
  • 16
    As demais peças de Oswald de Andrade – A morta e O rei da vela – ainda não haviam sido publicadas, o que só ocorreu em 1937.
  • 17
    As ciências exatas e o cinema aparecem como áreas de exclusão, o que prepara não apenas a conversão ao segundo – que está fora do texto, mas que fornece o contexto de sua leitura –, mas também a ignorância em relação ao primeiro, marcada na confusão entre Eisenstein e Einstein.
  • 18
    Paulo Emílio recebeu então um bilhete de solidariedade de Oswald de Andrade (APESG-CB CP 0053).
  • 19
    O debate encontrou um rendimento ficcional na publicação do segundo volume do Marco Zero (ANDRADE, 2008ANDRADE, Oswald de. Marco Zero II: Chão. São Paulo: Globo, 2008 [1945].). O livro consta na biblioteca de Paulo Emílio, com dedicatória do autor.
  • 20
    Importante registrar outra marca do vínculo de Paulo Emílio com Oswald de Andrade, mesmo no momento em que se davam as tensões mais agudas: na biblioteca do crítico constam duas edições autografadas do escritor. A primeira delas, já citada, é o segundo volume de Marco Zero. Consta ainda uma edição de 1945 dos Poemas reunidos, com a seguinte dedicatória de Oswald de Andrade: “Com coração do Oswald”, sendo a palavra “coração” substituída por um desenho.
  • 21
    Lygia Fagundes Telles (2010, p. 17-23)TELLES, Lygia Fagundes. Durante aquele estranho chá: memória e ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 2015 [2002]., companheira de Paulo Emílio, possui uma crônica de seu próprio encontro com Mário de Andrade que converge com a impressão do caráter reservado do escritor.
  • 22
    O caso de Paulo Emílio parece miniaturizar a flutuação mais ampla da apropriação da Semana de 22 (ALAMBERT, 2020ALAMBERT, Francisco. História, arte e cultura: ensaios. São Paulo: Intermeios; Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, 2020., p. 11-29).
  • 23
    Também consta um livro de Mário de Andrade com dedicatória a Paulo Emílio, a edição de 1941 de suas Poesias. A dedicatória é mais protocolar que as de Oswald. Data também dessa época uma poesia de Mário sobre o crítico (ANDRADE, 2013ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013., p. 508).
  • 24
    No entanto, Paulo Emílio não trata das reflexões de Mário de Andrade sobre o cinema, o que é um indício da limitada circulação das reflexões do modernista sobre o tema (XAVIER, 2017XAVIER, Ismail. Sétima arte: um culto moderno: o idealismo estético e o cinema. São Paulo: Edições Sesc, 2017 [1978]., p. 162-175).
  • 25
    A designação de Mário como poeta “futurista” no roteiro talvez ecoe a primeira leitura de Oswald sobre Paulicéia desvairada. Seu comentário, “O meu poeta futurista”, seria recebido com restrições por seu colega.
  • 26
    A julgar pela surpresa de Candido, anos mais tarde, com a publicação de Três mulheres de três PPPês (MIS 00031PSG00028AD), é pouco provável que ele tivesse acesso ao roteiro “Amar, verbo intransitivo”.
  • 27
    Candido nota que as personagens da produção ficcional se tornam solidárias às pessoas. Aproximação involuntária com a presença dos dois escritores modernistas no roteiro de Paulo Emílio.
  • 28
    O processo de reflexão de Candido sobre a obra de Oswald passa ainda pelo artigo “Oswáld, Oswaldo, Ôswald” (CANDIDO, 2002aCANDIDO, Antonio. Oswáld, Oswaldo, Ôswald. In: ANDRADE, Oswald de. Um homem sem profissão. Memórias e confissões. Sob as ordens de mamãe. São Paulo: Globo, 2002ª [1990], p. 17-22.), cujo mote inicial é, mais uma vez, o comentário de Paulo Emílio sobre a transformação do escritor em mito.
  • 29
    E, no entanto, 1964 constitui um marco: em dezembro desse ano apareceu uma edição da revista Invenção, editada pelo grupo concretista paulista, dedicada a Oswald de Andrade.
  • 30
    Paulo Emílio assistiu à montagem de O rei da vela pelo Teatro Oficina, referida em entrevista de 1972 (SALLES GOMES, 2014SALLES GOMES, Paulo Emílio. Encontros: Paulo Emílio Sales Gomes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2014., p. 172-181). No mesmo ano, Paulo Emílio emprestaria sua voz aos textos de Oswald de Andrade no filme Acaba de chegar ao Brasil o bello poeta francez Blaise Cendrars (1972, dir. Carlos Augusto Calil)ACABA de chegar ao Brasil o bello poeta francez Blaise Cendrars. Dir. Carlos Augusto Calil, Brasil, 1972..
  • 31
    A proximidade dos primeiros exercícios dramatúrgicos de Paulo Emílio com Jarry é mencionada a um interlocutor desconhecido numa carta sem data (APESG-CB CA 0319).
  • 32
    A querela teve lugar na época da publicação de Jubiabá (1935). Pouco depois, em 1937, o escritor baiano publicaria Capitães da areia, obra igualmente obscena para os padrões da época.
  • 33
    Arrelia seria mencionado no roteiro sem data “Possibilidade de um filme de longa-metragem em torno do cinema paulista de 1934 a 1949” (APESG-CB PI 0614). A menção sublinha a entrevista em potencial a respeito do filme perdido, por ele estrelado, Palhaço atormentado (1946, dir. Rafael Falco Filho)PALHAÇO atormentado. Dir. Rafael Falco Filho, Brasil, 1946..
  • 34
    Em 1959, o crítico já enfatizara a relação entre circo e cinema ao citar a importância do prestidigitador Harry Houdini na trajetória de Georges Méliès (SALLES GOMES, 2015SALLES GOMES, Paulo Emílio. O cinema no século. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 63-69).
  • 35
    Em 1965, Paulo Emílio comenta a participação de Chaplin numa trupe de pantomimas (SALLES GOMES, 2015SALLES GOMES, Paulo Emílio. O cinema no século. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 39-48). O circo também foi relacionado à formação de Eisenstein em 1958 (SALLES GOMES, 2015SALLES GOMES, Paulo Emílio. O cinema no século. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 147-152).
  • 36
    Difícil precisar a qual dos filmes de Glauber Rocha ele se refere. Quanto a João Batista de Andrade, trata-se provavelmente de Gamal – o delírio do sexo (1969)GAMAL – o delírio do sexo. Dir. João Batista de Andrade, Brasil, 1969.. Já se notou que a produção documental de Andrade também é marcada pelo improviso (BERNARDET, 2003BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 [1985]., p. 64-69).
  • 37
    Paulo Emílio mencionou Cantinflas num artigo sobre os festivais de cinema europeus de 1949 (SALLES GOMES, 1950SALLES GOMES, Paulo Emílio. Os festivais de cinema de 1949: México – cinema alemão – e austríaco – filmes enviados pelos pequenos produtores (conclusão). In: O Estado de S. Paulo, 22/07/1950, p. 4.). O comediante já havia sido citado em 1946, quando Paulo Emílio escreve a Décio de Almeida Prado (APESG-CB CA 0485) comentando a chegada do ator em Cannes e o desejo de ver seu filme Os três mosqueteiros (1942, dir. Miguel M. Delgado)TRÊS mosqueteiros, Os. Dir. Miguel M. Delgado, México, 1942..
  • 38
    A melancolia também pode resultar do desenvolvimento, como se depreende do comentário de Paulo Emílio sobre o cômico moderno esmagado pelo progresso na personagem Monsieur Hulot, interpretada por Jacques Tati, particularmente no filme Meu tio (1958, dir. Jacques Tati)MEU tio. Dir. Jacques Tati, França/Itália, 1958. (SALLES GOMES, 1959aSALLES GOMES, Paulo Emílio. Jacques Tati e seu último filme: Mon oncle. In: Visão, 12/06/1959a, p. 70-71.). O artigo lembra da trajetória de Tati no circo e no music hall.
  • 39
    Ronald Golias é citado na entrevista como o único cômico nacional. Eco, talvez, da experiência de Paulo Emílio com a TV, uma vez que ele comenta, na arguição de Sônia Barros em 1974, que acompanha alguns programas televisivos vinculados à tradição popular, como o programa “Alegríssimo” (TV Tupi) e Moacyr Franco (APESG-CB PI 0779, p. 2). A menção a Ronald Golias talvez demarque uma valorização do humor popular em detrimento da experiência intelectualizada do Teatro Oficina. Roberto Schwarz (2008, p. 70-111)SCHWARZ, Roberto. O pai de família e outros estudos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 [1978]., por esses anos, enfatizou o circuito social muito limitado dessa encenação.
  • 40
    Talvez a visita tenha sido antecipada por uma conversa direta. Em fotografia de abril de 1971, na casa de Guiomar Novaes, aparecem, ao lado de Paulo Emílio, Menotti Del Picchia e Di Cavalcanti (MIS 00135CMS002935FTa). Crítico e pintor se conheciam pessoalmente desde os anos 1930.
  • 41
    O documento “S/ref: Qf. CTR/129/71” (APESG-CB PI 0582), relatório das atividades de Paulo Emílio na USP de outubro 1971, faz referência à “Entrevista para Semana de Arte Moderna”.
  • 42
    Paulo Emílio já havia se articulado com Zanini em algumas ocasiões, como no curso “Consciente e inconsciente na arte contemporânea” (FMACUSP 0029/025), realizado no Museu de Arte Contemporânea da USP em 1969. Na época da elaboração da “Exposição”, há tratativas para a participação de Paulo Emílio em outro evento do MAC-USP (FMACUSP 0001/009).
  • 43
    Gilda não cita a tese sequer em seu depoimento sobre Paulo Emílio, nos anos 1990.
  • 44
    Gilda de Mello e Souza também empregou a noção de “geração” na arguição de 1972.
  • 45
    Ideia que seria negada, na ocasião, por Oswald de Andrade: “pois veio logo o grupo – grupo e não geração do sr. Antonio Candido, voando pesado como Santa Rita Durão, normativo e gravibundo como se descendesse de Bulhão Pato” (ANDRADE, 2004ANDRADE, Oswald de. Ponta de lança. São Paulo: Globo, 2004 [1948]., p. 100). Anos mais tarde, no início da Formação da literatura brasileira, Antonio Candido fez restrições à noção de “geração” (CANDIDO, 2017cCANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1750-1880). Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Fapesp, 2017c [1959]., p. 38).
  • 46
    Além da “Exposição”, o debate sobre a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, nos anos 1970, é seguido por outro material, que aborda a relação dos críticos de Clima com o Modernismo (APESG-CB PI 0625, p. 26-28).
  • 47
    Brasil em tempo de cinema, dissertação de Jean Claude Bernardet orientada e prefaciada por Paulo Emílio, é calcada na análise dos compromissos de classe da produção dos anos 1960 (BERNARDET, 2007BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o cinema brasileiro de 1958 a 1966. São Paulo: Companhia das Letras, 2007 [1967].). Postura análoga apareceria em Burguesia e cinema, de Maria Rita Galvão (1981)GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Embrafilme, 1981., pesquisa também orientada pelo crítico.
  • 48
    Em 1959, em artigo sobre o filme Ravina (1959, dir. Rubem Biáfora)RAVINA. Dir. Rubem Biáfora, Brasil, 1959., Paulo Emílio comparava a personalidade de Oscar Niemeyer com a do diretor (SALLES GOMES, 1959bSALLES GOMES, Paulo Emílio. Canto do cisne da produtora, Ravina apresenta boas qualidades. In: Visão, 27/03/1959b, p. 66-67.). Considerando as limitações apontadas no filme, pergunto-me se a comparação não supõe uma crítica ao arquiteto.
  • 49
    Ismail Xavier (2017, p. 149-175)XAVIER, Ismail. Sétima arte: um culto moderno: o idealismo estético e o cinema. São Paulo: Edições Sesc, 2017 [1978]. estudou de forma mais matizada esse divórcio, que não deixa de ser atravessado por aproximações, como sugerem as figuras de Mário de Andrade e Menotti Del Picchia.
  • 50
    No debate sobre a Vera Cruz (APESG-CB PI 0625), Paulo Emílio se refere ao lugar quase oficial ocupado por Guilherme de Almeida, que seria posteriormente ironizado no último texto ficcional de Paulo Emílio, Cemitério (SALLES GOMES, 2007SALLES GOMES, Paulo Emílio. Cemitério, mais a peça teatral Destinos. São Paulo: Cosac Naify, 2007.a). A distância tomada em relação ao escritor remete aos anos 1940, quando a crítica de Clima saía paralelamente à escrita “mundana” do modernista sobre cinema. Décio de Almeida Prado se refere a essa distância em depoimento posterior, mencionando o “Hino à mulher paulista”, poema produzido pelo protagonista de Três mulheres de três PPPês, como paródia do poeta (MIS 00031PSG00004AD).
  • 51
    Por seu turno, Cassiano Ricardo foi abordado por Paulo Emílio com referência a seus compromissos contraditórios com o Estado. Em “Possibilidade de um filme de longa-metragem em torno do cinema paulista de 1934 a 1949” (APESG-CB PI 0614), o crítico nota que o escritor, empregado no Departamento de Imprensa e Propaganda paulista, nada fez para evitar a incineração do filme O canto da raça (1941-1943, dir. José Medina)CANTO da raça, O. Dir. José Medina, Brasil, 1941-1943., baseado em roteiro de sua autoria.
  • 52
    O catálogo “Vanguarda e nacionalismo na década de 20”, publicado em 1975 por Gilda de Mello e Souza (2008, 305-344)MELLO E SOUZA, Gilda de. Exercícios de leitura. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2008 [1980]., não deixa de dialogar com essas questões.

Fontes documentais

Cinemateca Brasileira, Arquivo Paulo Emílio Salles Gomes APESG-CB CA 0052 APESG-CB PI 0595 APESG-CB CA 0055 APESG-CB PI 0614 APESG-CB CA 0319 APESG-CB PI 0625 APESG-CB CA 0485 APESG-CB PI 0686 APESG-CB CP 0053 APESG-CB PI 0693 APESG-CB CP 0722 APESG-CB PI 0695 APESG-CB CP 0726 APESG-CB PI 0696 APESG-CB PI 0117.01 APESG-CB PI 0779 APESG-CB PI 0266 APESG-CB PI 0840 APESG-CB PI 0268.01 APESG-CB PI 0841 APESG-CB PI 0324 APESG-CB PI 0842 APESG-CB PI 0343 APESG-CB PI 0843 APESG-CB PI 0455 APESG-CB PI 0844 APESG-CB PI 0582 APESG-CB PI 0845 Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo FMACUSP 0001/009   FMACUSP 0029/025   Museu da Imagem e do Som de São Paulo MIS 00010CIR00001AD MIS 00031PSG00004AD MIS 00010CIR00002AD MIS 00133MOD00007AD MIS 00031PSG00013AD MIS 00135CMS002935FTa MIS 00031PSG00028AD MIS 00257ATP00027AD

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Editores Responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2023
  • Aceito
    19 Out 2023
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