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Resistência à punção de sapatas de concreto armado: avaliação de normas de projeto

Resumo

A punção é um possível modo de ruptura para sapatas esbeltas e pode levar uma estrutura à ruína através do colapso progressivo. Apesar das sapatas apresentarem características geométricas diferenciadas, seu dimensionamento à punção é feito com base em métodos empíricos similares aos usados para ligações laje-pilar. Este artigo utiliza resultados experimentais de 216 ensaios para avaliar o desempenho das recomendações apresentadas pelas normas ACI 318 (2014), ABNT NBR 6118 (2014) e Eurocode 2 (2010) para a estimativa da resistência à punção de sapatas de concreto armado. Foi observada grande dispersão entre os resultados teóricos e experimentais, ficando evidente que o tipo de sistema de ensaio afeta a resistência à punção de sapatas. O método mais complexo proposto pelo Eurocode 2 resultou em uma melhor correlação com os resultados experimentais.

Palavras-chave:
punção; sapatas; concreto armado

Abstract

Punching is a possible failure mode for slender footings and it may lead a structure to ruin through progressive collapse. Although footing present different geometric characteristics, their punching shear design is based on the empirical methods used for flat slabs. This paper uses experimental results from 216 tests to evaluate the performance of design code recommendations presented by ACI 318 (2014), ABNT NBR 6118 (2014) and Eurocode 2 (2010) to estimate the punching shear resistance of reinforced concrete footings. Great dispersion between theoretical and experimental results was observed, being evident that the test system affects the punching shear capacity of footings. The more complex method proposed by Eurocode 2 resulted in a better correlation with experimental results.

Keywords:
punching shear; footings; reinforced concrete

1. Introdução

A escolha do tipo de fundação é uma etapa fundamental do processo de concepção de uma estrutura e falhas nesta fase podem conduzir tanto a um desempenho inadequado em serviço, quanto representar riscos à segurança da edificação. Os elementos de fundação são usualmente classificados de duas formas: fundações diretas ou superficiais; e fundações indiretas ou profundas. As sapatas são fundações superficiais que transferem as cargas da estrutura para o solo através da sua base.

Sapatas flexíveis estão sujeitas à ruptura por punção, que segundo BROMS [1[1] BROMS, C. E., Shear Reinforcement for Deflection Ductility of Flat Plates, ACI Structural Journal, V. 87, No. 6, Nov.-Dec. 1990, pp. 696-705.] é caracterizada por uma fissura semelhante à de cisalhamento que se estende das extremidades do pilar até a face da base da sapata, porém com a forma de um tronco de cone. A resistência à punção de sapatas de concreto armado pode ser influenciada por diferentes parâmetros, como a resistência à compressão do concreto, a taxa de armadura de flexão, a geometria, espessura e esbeltes da sapata. A Figura 1 ilustra uma aplicação de sapatas de concreto armado com grandes dimensões como fundação para grandes torres eólicas no Reino Unido.

Figura 1
Exemplos do uso de sapatas como fundação em grandes estruturas

Nos casos em que estes elementos possuem altura variável, normas como o EUROCODE 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.], recomendam que a resistência à punção seja verificada em planos de ruptura com diferentes inclinações, conforme ilustrado na Figura 2, respeitando-se o limite para o ângulo do plano de ruptura de θ ≥ arctan (½). Segundo HEGGER et al. [3[3] HEGGER, J., SHERIF, A.G., RICKER, M.: Experimental Investigations on Punching Behavior of Reinforced Concrete Footings. ACI Structural Journal/July-August 2006, p. 604-613.] e [4[4] HEGGER, J., RICKER, M., SHERIFF, A. G., Punching strength of reinforced concrete footings. ACI Structural Journal, September- October 2009, p. 706-716.], no caso de sapatas, o ângulo do plano de ruptura também é influenciado pela relação a/d, devido principalmente ao efeito arco, tendendo a ser de 45º para os casos onde a relação a/d ≤ 1,25 e menor que 35º para os casos onde a/d ≥ 2. O dimensionamento à punção de sapatas é feito com base em métodos empíricos apresentados por normas para projeto de estruturas de concreto. Estes métodos foram desenvolvidos tendo como base as evidências experimentais disponíveis, que em sua maioria referem-se à ensaios representativos de ligações laje-pilar.

Figura 2
Ruptura por punção em sapatas de concreto armado em armaduras de cisalhamento

Este artigo apresenta uma avaliação do desempenho das recomendações apresentadas pelas normas ACI 318 [5[5] ACI Committee 318, Building Code Requirements for Structural Concrete, American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan, 2014.], EUROCODE 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.] e ABNT NBR 6118 [6[6] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de Estruturas de Concreto. Rio de Janeiro, 2014.], para a previsão da resistência à punção de sapatas de concreto armado sem armaduras de cisalhamento, através da análise de um banco de dados com resultados de 216 ensaios. O critério de COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.] é utilizado para avaliar a confiabilidade destas recomendações normativas. A composição deste banco de dados foi feita seguindo uma metodologia de coleta buscando permitir a avaliação de diferentes parâmetros na resistência à punção de sapatas de concreto armado. São considerados nestas análises a resistência à compressão do concreto (fc), a altura útil da sapata (d), a taxa de armadura de flexão (⍴), e as razões entre o perímetro do pilar e o vão de cisalhamento em relação à altura útil da sapata (u0/d e a/d). Trata-se de uma discussão relevante que se insere dentro de um contexto internacional, com contribuições recentes, como as de SIMÕES et al. [8[8] SIMÕES J. T., FARIA D. M. V., FERNÁNDEZ RUIZ M., MUTTONI A., Strength of reinforced concrete footings without transverse reinforcement according to limit analysis. Engineering structures, 2016, Vol: 112, pp. 146 - 161.] e [9[9] SIMÕES J. T., BUJNAK J., FERNÁNDEZ RUIZ M., MUTTONI A., Punching shear tests on compact footings with uniform soil pressure. Structural Concrete, 2016.] e KUERES et al. [10[10] KUERES D., RICKER M., HÄUSLER F., HEGGER J., Durchstanztragverhalten von Einzelfundamenten mit einer neuartigen Durchstanzbewehrung. Beton und Stahlbetonbau, 2016, Vol: 111, pp. 355 - 365.].

2. Desenvolvimento histórico do estudo da punção em sapatas

As sapatas caracterizam-se por transferir as cargas de forma direta ao solo através de sua base, e nestes casos a distribuição das tensões depende do tipo do solo sob o qual elas estão assentes. Segundo MACGREGOR e WIGHT [11[11] MACGREGOR, J. G.; WIGHT, J. K., Reinforced concrete mechanics and design. Pearson, 6th ed., 2011, 1177 p.], uma sapata de concreto armado apoiada sobre um solo arenoso terá uma distribuição de tensões semelhante ao ilustrado na Figura 3a. Neste caso, a areia perto das extremidades da sapata tende a deslocar lateralmente quando a sapata é carregada, provocando uma diminuição das tensões no solo nesta região. Já no caso de sapatas sob uma base argilosa, a distribuição da tensão é semelhante ao apresentado na Figura 3b. É possível perceber que à medida que a sapata é carregada, o solo deforma em forma de taça, aliviando as pressões na região central de sua base. Para fins de dimensionamento estrutural, é comum assumir que as tensões do solo se distribuem de forma constante na base.

Figura 3
Distribuição de tensões como uma função do tipo do solo. a) solo arenoso; b) solo argiloso ( MACGREGOR e WIGHT [11[11] MACGREGOR, J. G.; WIGHT, J. K., Reinforced concrete mechanics and design. Pearson, 6th ed., 2011, 1177 p.])

HEGGER et al. [3[3] HEGGER, J., SHERIF, A.G., RICKER, M.: Experimental Investigations on Punching Behavior of Reinforced Concrete Footings. ACI Structural Journal/July-August 2006, p. 604-613.] afirmam que no caso de sapatas a relação a/d influencia significativamente a resistência à punção. Segundo estes autores, a influência deste parâmetro é maior do que a de outros usualmente considerados em projeto, como a resistência à compressão do concreto (f c) e a taxa de armadura de flexão (⍴), uma vez que nestes casos a inclinação do plano de ruptura está diretamente ligada a esta relação. A norma EUROCODE 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.] é a única que recomenda a consideração deste parâmetro para a estimativa de resistência à punção de sapatas de concreto armado. A Figura 4 ilustra a variação do vão de cisalhamento crítico (a crit) à punção para sapatas de concreto armado segundo o Eurocode em função da altura útil da sapata.

Figura 4
Variação do acrit segundo o Eurocode 2 em função da espessura da sapata. Assumidos: c = 300 mm, ρ = 1%, fc = 25 MPa, u = c + 4d

Historicamente, o primeiro trabalho sobre punção foi publicado em 1913 por TALBOT [12[12] TALBOT, A. N., Reinforced Concrete Wall Footings and Column Footings. Engineering Experiment Station, University of Illinois, Urbana, Bulletin No. 67, Mar. 1913, 114p.], que fez uma larga série de ensaios em sapatas de concreto armado, simulando a interação entre a sapata e o solo através de molas de aço. Depois dele diversos pesquisadores contribuíram no estudo da punção em sapatas, tendo sido avaliados diferentes métodos de simulação da reação do solo. DIETERLE e STEINLE [13[13] DIETERLE, H., AND STEINLE, A., Blockfundamente für Stahlbetonfertigstützen. Deutscher Ausschuss für Stahlbeton, Heft 326, Berlin, 1981, 49 pp.] e DIETERLE e ROSTÁSY [14[14] DIETERLE, H., AND ROSTÁSY, F., Tragverhalten quadratischer Einzelfundamente aus Stahlbeton. Deutscher Ausschuss für Stahlbeton, Heft 387, Berlin, Germany, 1987, 134 pp.] usaram um sistema com vários cilindros hidráulicos acionados em conjunto para simular a aplicação de um carregamento uniformemente distribuído através da base da sapata, servindo de referência para trabalhos futuros como os de HALLGREN et al. [15[15] HALLGREN, M., KINNUNEN, S., NYLANDER, B. Punching shear tests on column footings. Nordic Concrete Research 21(1), 1998, p.1-24.], que ensaiaram sapatas com sistemas com carregamento uniformemente distribuído e também com sistemas com reação radialmente concentrada, similar ao procedimento usado para testar localmente ligações laje-pilar.

HEGGER et al. [3[3] HEGGER, J., SHERIF, A.G., RICKER, M.: Experimental Investigations on Punching Behavior of Reinforced Concrete Footings. ACI Structural Journal/July-August 2006, p. 604-613.] e [4[4] HEGGER, J., RICKER, M., SHERIFF, A. G., Punching strength of reinforced concrete footings. ACI Structural Journal, September- October 2009, p. 706-716.] usaram um sistema de ensaio com uma caixa de areia para simular o efeito do solo, tendo como uma das variáveis o grau de compactação da areia, que variou de fofa a compacta. Posteriormente, BONIĆ e FOLIĆ [16[16] BONIĆ, Z., FOLIĆ, R., Punching of column footings - comparison of experimental and calculation results. Gradevinar, V.65, No. 10, 2013, pp. 887-899.] também realizaram ensaios deste tipo, porém utilizando areia misturada com cascalho de rio. A Figura 5 mostra alguns dos diferentes sistemas usados para testar a resistência à punção de sapatas. É importante destacar que a variedade de sistemas de ensaio utilizada para formar à base de dados experimentais existente hoje para punção em sapatas pode se constituir numa variável capaz de influenciar na qualidade e confiabilidade destes resultados.

Figura 5
Diferentes sistemas de ensaio usados para avaliar a resistência à punção de sapatas

3. Métodos para estimar a resistência à punção

3.1 ACI 318

Segundo o ACI 318 [5[5] ACI Committee 318, Building Code Requirements for Structural Concrete, American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan, 2014.], a verificação da resistência à punção em sapatas deve ser feita através da verificação de tensões de cisalhamento em um perímetro de controle afastado d/2 das faces do pilar ou das extremidades da área carregada, conforme mostrado na Figura 6. Nestes casos, a tensão cisalhante (νu) deve ser menor que a tensão resistente (νc), conforme expresso a seguir.

Figura 6
Perímetro de controle segundo o ACI 318 [5[5] ACI Committee 318, Building Code Requirements for Structural Concrete, American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan, 2014.]

ν u < ϕ ν c (1)

ν u = V u 1 . d (2)

ν c = m i n { ( 1 + 2 β C ) . 1 6 . f c ( α s . d u 1 + 2 ) . 1 12 . f c 1 3 . f c (3)

Onde:

νu é a tensão cisalhante última atuando no perímetro de controle u 1;

νu é a tensão cisalhante resistente;

ϕ é um coeficiente de segurança, assumido nas verificações deste artigo como sendo igual a 1,0;

V é a força cortante na sapata;

u1 é o comprimento de um perímetro de controle afastado d/2 da face do pilar;

βc é a razão entre a maior e a menor dimensão do pilar;

fc é a resistência à compressão do concreto em MPa (f c≤ 69 MPa);

αs é uma constante que assume valor igual a 40 para o caso de pilares internos, 30 para pilar de borda e 20 para pilar de canto;

d é a altura útil da sapata.

3.2 Eurocode 2

O EUROCODE 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.] define que a tensão cisalhante em sapatas de concreto armado sem armaduras de cisalhamento e com carga concêntrica deve ser calculada segundo a Equação 4, sendo o perímetro de controle determinado conforme ilustrado na Figura 7.

Figura 7
Perímetro de controle segundo o Eurocode 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.] e ABNT NBR 6118 [6[6] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de Estruturas de Concreto. Rio de Janeiro, 2014.]

ν u = V r e d u 1 . d (4)

Onde:

Vred é a força cortante reduzida para considerar a interação solo-estrutura;

u1 é o comprimento do perímetro de controle afastado 2d das faces do pilar;

d é a altura útil da sapata.

No caso da punção em sapatas, esta norma permite que a reação do solo contida dentro da região do perímetro de controle seja considerada para a redução da força cortante na sapata. A força cortante reduzida V red pode ser calculada através da Equação 5. Já a resistência à punção de sapatas pode ser calculada pela Equação 6.

V r e d = V . ( 1 A c r i t A ) (5)

ν c = C R d , c . k . ( 100. ρ . f c ) 1 / 3 . 2 d a c r i t v m i n 2 d a c r i t (6)

v m i n = 0,035. k 3 / 2 . f c 1 / 2 (7)

Onde:

Acrit é área dentro do perímetro de controle, medido à uma distância a crit da face do pilar;

A é a área de contato com o solo da sapata;

CRd,c é uma constante determinada pelo anexo nacional de cada país, recomendada pelo Eurocode como sendo de 0,18;

k=1+200/d2,0, com d em mm;

ρ=ρx.ρy2,0 é a taxa de armadura de flexão tracionada da sapata, onde ⍴x e ⍴y são as taxas nas direções x e y , respectivamente. Nos cálculos, devem ser consideradas as barras dentro de uma região afastada 3d das faces do pilar;

fc é a resistência à compressão do concreto, que segundo o EUROCODE 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.], deve ser menor que 90 MPa, porém respeitando-se os limites estabelecidos pelos anexos de cada país;

acrit é a distância da face do pilar até o perímetro de controle considerado, determinado através de um processo interativo.

Esta norma recomenda ainda que a tensão cisalhante no perímetro do pilar (u 0) seja limitada à:

v m a x = 0,24. f c . ( 1 f c 250 ) (8)

3.3 ABNT NBR 6118

A ABNT NBR 6118 [6[6] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de Estruturas de Concreto. Rio de Janeiro, 2014.] define que a verificação da resistência à punção de sapatas deve ser feita considerando as mesmas recomendações usadas para o dimensionamento de ligações laje-pilar, conforme expressões apresentadas abaixo.

ν u = V u 1 . d (9)

ν c = 0,182. ( 1 + 200 d ) . ( 100. ρ . f c ) 1 / 3 (10)

ν m a x = 0,27. f c . ( 1 f c 250 ) (11)

Onde:

V é a força cortante na sapata;

u1 é o comprimento do perímetro de controle afastado 2d das faces do pilar, com geometria igual à recomendada pelo Eurocode;

d é a altura útil da sapata em mm.

ρ=ρx.ρy é a taxa de armadura de flexão tracionada, calculada de forma análoga ao apresentado para o Eurocode;

fc é a resistência à compressão do concreto. Em sua versão atual, a norma brasileira permite o dimensionamento de estruturas com concretos de resistência à compressão de até 90 MPa.

No caso da Equação 11, a norma brasileira permite que o νmax seja ampliado de 20% no caso de pilares internos quando os vão que chegam a esse pilar não diferem mais de 50% e não existem aberturas próximas ao pilar. Estas são regras para uso na verificação de ligações laje-pilar, mas que foram assumidas como sendo válidas para as sapatas neste artigo uma vez que elas foram submetidas a carregamento concêntrico.

4. Banco de dados

4.1 Metodologia de coleta de dados

Foram encontrados um total de 335 ensaios em sapatas de concreto armado na literatura. Estes resultados foram coletados e filtrados em função dos seguintes parâmetros: resistência do concreto; geometria e espessura da sapata; uso de armaduras de cisalhamento. A Tabela 1 apresenta os critérios utilizados para filtrar os ensaios utilizados para a composição da base de dados.

Tabela 1
Resumo do processo de filtragem e formação do banco de dados

As normas atuais especificam que a resistência característica mínima à compressão do concreto para uso em estruturas e fundações é de 20 MPa, mas no passado, valores bem mais baixos foram utilizados. Nestas análises, foi estabelecido que seriam descartados resultados de ensaios em sapatas com f c < 15 MPa. Em relação à geometria das sapatas, foram descartadas todas as peças que não tivessem base circular ou quadrada, pois a relação a/d seria diferente nas direções x e y. Quanto à altura útil, foi considerado que qualquer ensaio em sapata com altura útil menor do que 100 mm não é representativo das características reais destes elementos estruturais. Também foram descartados todos os ensaios em sapatas com armaduras de cisalhamento e duas das sapatas testadas por BONIĆ e FOLIĆ [16[16] BONIĆ, Z., FOLIĆ, R., Punching of column footings - comparison of experimental and calculation results. Gradevinar, V.65, No. 10, 2013, pp. 887-899.], cujos resultados ficaram muito distantes das previsões teóricas de todas as normas, embora os espécimes tivessem características físicas similares as dos demais.

Após a coleta e filtragem dos dados, restaram um total de 216 sapatas, que formaram um banco de dados para a análise dos métodos normativos, conforme indicado na Tabela 2. Buscando avaliar a confiabilidade e o desempenho destas normas, foi aplicado um sistema ponderado de classificação com base em penalidades, apresentado por COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.], chamado de “Demerit Points Classification” (DPC), que leva em consideração aspectos de segurança, precisão e economia. A Tabela 3 apresenta a escala de demérito proposta por Collins, onde uma penalidade é atribuída a cada intervalo da razão V u / V teo, e a penalidade total define o desempenho de cada norma. Quanto maior o valor da soma total, pior é considerado o processo normativo.

Tabela 2
Resumo das características das sapatas do banco de dados

Tabela 3
Escala de Demérito, segundo o critério de COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.]

5. Resultados

As Figura 8, 9 e 10 apresentam uma comparação entre os resultados experimentais do banco de dados com os teóricos obtidos segundo o ACI 318 [5[5] ACI Committee 318, Building Code Requirements for Structural Concrete, American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan, 2014.], EUROCODE 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.] e ABN NBR 6118 [6[6] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de Estruturas de Concreto. Rio de Janeiro, 2014.], tendo-se como variáveis os seguintes parâmetros: resistência à compressão do concreto; taxa de armadura de flexão da sapata; altura útil da sapata; e a relação u0/d . Para todas as normas é possível observar uma forte dispersão entre os resultados experimentais e as estimativas teóricas em função dos parâmetros avaliados. No caso do ACI, é importante destacar que os resultados indicam que o uso de suas recomendações pode levar a estimativas de resistência à punção contra a segurança para o caso de sapatas espessas, uma vez que suas equações não apresentam nenhum termo que considere o efeito de escala (size effect).

Figura 8
Comparação dos resultados experimentais com as recomendações do ACI 318 [5[5] ACI Committee 318, Building Code Requirements for Structural Concrete, American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan, 2014.]

Figura 9
Comparação dos resultados experimentais com as recomendações da NBR 6118 [6[6] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de Estruturas de Concreto. Rio de Janeiro, 2014.]

Figura 10
Comparação dos resultados experimentais com as recomendações do Eurocode 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.]

A Figura 11 mostra a influência da relação a/d nas estimativas de resistência à punção de sapatas segundo o EUROCODE 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.]. A linha tracejada em vermelho marca a faixa de resultados abaixo de 0,85·V u/V teo, que são resultados considerados contra a segurança por COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.]. Já a linha pontilhada em azul destaca os resultados acima de 1,30·V u/V teo, assumidos por COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.] como conservadores. De uma forma geral, percebe-se que o parâmetro a/d afeta a resistência à punção de sapatas. Ainda assim, o método interativo proposto pelo Eurocode mostrou-se disperso.

Figura 11
Avaliação da influência da relação a/d nas estimativas de resistência do Eurocode 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.]

Ainda analisando a Figura 11, é importante destacar que a maioria dos ensaios realizados utilizando sistemas de ensaio com forças concentradas nas extremidades das sapatas, em um arranjo similar ao que é feito para testes de ligações laje-pilar, apresentou estimativas de resistência para o Eurocode contra a segurança. Já os ensaios feitos com sistemas com molas e em caixa de areia, que representam melhor a situação real, apresentaram em sua maioria previsões de resistência conservadoras usando-se o Eurocode. A Figura 12 apresenta gráficos de dispersão geral das normas, podendo-se perceber que o Eurocode 2 foi ligeiramente menos disperso e conservador, em comparação com ACI 318 e NBR 6118. O mesmo fica evidente analisando a Figura 13.

Figura 12
Comparação entre os resultados experimentais e os teóricos

Figura 13
Avaliação da precisão dos resultados teóricos e experimentais

A Tabela 4 e a Figura 14 apresentam um resumo da classificação dos resultados normativos segundo o critério de COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.]. Segundo este critério, a norma que teve melhor desempenho foi o Eurocode 2, que teve o maior número de resultados classificados na faixa de segurança apropriada. No entanto, é importante destacar que ela apresentou alguns resultados nas faixas de baixa segurança e perigosa, sendo a maioria referente à ensaios em sapatas feitos com sistema de cargas concentradas nas extremidades. Tanto o ACI 318 quanto a NBR 6118, que apresentam metodologias de cálculo teórico mais simples que o Eurocode, apresentaram resultados um pouco mais dispersos e mais conservadoras, o que levou a maior penalização, piorando seu desempenho segundo o critério de Collins.

Tabela 4
Classificação segundo o critério de COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.]

Figura 14
Frequência e classificação dos resultados segundo o critério de COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.]

6. Conclusões

Este artigo apresenta uma revisão das evidências experimentais disponíveis sobre a resistência à punção de sapatas de concreto armado sem armaduras de cisalhamento, que são elementos de fundações muito utilizados em pequenas e em grandes estruturas. A revisão minuciosa destes resultados permitiu a montagem de um banco de dados, que foi utilizado para avaliar o desempenho das normas ACI 318 [5[5] ACI Committee 318, Building Code Requirements for Structural Concrete, American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan, 2014.], EUROCODE 2 [2[2] Eurocode 2, Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, CEN, EN 1992-1-1, Brussels, Belgium, 2010, 225 pp.] e ABNT NBR 6118 [6[6] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118 - Projeto de Estruturas de Concreto. Rio de Janeiro, 2014.]. As análises realizadas e apresentadas permitem concluir que:

  1. Os resultados mostram que o tipo de sistema de ensaio usado para simular, no laboratório, o comportamento real de sapatas, influencia na resistência última à punção.

  2. O Eurocode 2, que apresenta um método interativo de cálculo mais complexo que os apresentados pelo ACI e NBR, mostrou-se ligeiramente menos disperso que as demais normas, tendo um melhor desempenho segundo o critério de COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.].

  3. O ACI 318 mostrou uma forte tendência de apresentar estimativas de resistência à punção contra a segurança para os casos de sapatas espessas, mostrando-se conservador para as situações gerais.

  4. A ABNT NBR 6118 foi a norma que apresentou o pior desempenho segundo o critério de COLLINS [7[7] COLLINS, M.P., Evaluation of shear design procedures for concrete structures. A Report prepared for the CSA technical committee on reinforced concrete design, 2001.] devido ao número exagerado de resultados conservadores.

7. Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer pelo apoio a esta e a outras pesquisas à: Universidade Federal do Pará (UFPA); ao Núcleo de Desenvolvimento Amazônico em Engenharia (NDAE); ao Núcleo de Modelagem Estrutural Aplicada (NUMEA); ao Campus de Tucuruí; à Eletronorte; e às Agências de fomento CNPq, CAPES e FAPESPA.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2017
  • Aceito
    28 Jul 2017
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