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Crianças como cuidadoras: revisão integrativa

Resumos

OBJETIVO: realizar uma revisão bibliográfica integrativa do tema "Crianças como Cuidadoras". Trata-se de tema emergente na prestação de cuidados de saúde que, contudo, se mantém pouco visível na literatura. METODOLOGIA: baseou-se numa pesquisa sobre nove bases de dados de artigos científicos, utilizando-se como descritores: child, young, caregivers, lay carer and nursing role, bem como os correspondentes em português. Foram analisados 21 artigos. RESULTADOS: foram organizados em seis categorias: fatores que motivam a criança a assumir o papel de cuidadora; caraterísticas dessas crianças; tarefas desempenhadas; tempo passado a cuidar; consequências da prestação de cuidados e papel do enfermeiro em relação a essas crianças e suas famílias. CONCLUSÃO: as crianças como cuidadoras são um foco de atenção relevante para a prática de enfermagem, representando esse tema uma oportunidade de investigação nos países de língua portuguesa, já que não foi encontrado qualquer artigo em português sobre o mesmo. Além disso, com este primeiro estudo em língua portuguesa, inicia-se um trabalho de criação bibliográfica que permita a sensibilização para o tema e a identificação das respostas a dar às famílias envolvidas, de acordo com as suas necessidades.

Crianças; Adolescentes; Cuidadores; Cuidados de Enfermagem


OBJECTIVE: to undertake an integrative literature review on the issue of "Children as carers". This is an emerging topic in the provision of health care, but nevertheless has a low profile in the literature. METHODOLOGY: this study was based in a survey of nine databases of scientific articles, using as descriptor: child, young, caregivers, lay carer and nursing role, as well as the corresponding terms in Portuguese. 21 articles were analyzed. RESULTS: these were organized into six categories - factors which motivate the child to take on the role of caregiver; these children's characteristics; tasks performed; time spent in caring; consequences of providing care and the role of the nurse in partnership with these children and their families. CONCLUSION: the children as carers are a focus of attention relevant to nursing practice, this issue representing an opportunity for investigation in Portuguese-speaking countries, as no article was found on the subject in Portuguese. In addition, with this first study in Portuguese, a work of the creation of a bibliography is begun, allowing an awareness of the issue and the identification of ways to respond to the families involved, in line with their needs.

Child; Adolescent; Caregivers; Nursing Care


OBJETIVO: realizar una revisión bibliográfica integrativa del tema "Niños como Cuidadores". Se Trata de un tema emergente en la prestación de atenciones de salud, que sin embargo se mantiene poco visible en la literatura. METODOLOGÍA: se basó en una investigación sobre nueve bases de datos de artículos científicos, utilizándose como descriptores: child, young, caregivers, lay carer y nursing role, así como los correspondientes en portugués. Fueron analizados 21 artículos. RESULTADOS: fueron organizados en seis categorías - factores que motivan el niño a asumir el papel de cuidador; características de esos niños; tareas desempeñadas; tiempo pasado a cuidar; consecuencias de la prestación de atenciones y papel del enfermero junto de esos niños y sus familias. CONCLUSIÓN: los niños como cuidadores son un foco de atención relevante para la práctica de enfermería, representando ese tema una oportunidad de averiguación en los países de idioma portugués, ya que no fue encontrado cualquier artículo en portugués sobre el mismo. Además, con éste primer estudio en idioma portugués, se inicia un trabajo de creación bibliográfica que permita la sensibilización para el tema y la identificación de las respuestas a dar a las familias envueltas, de acuerdo con sus necesidades.

Niños; Adolescentes; Cuidadores; Atención de Enfermería


ARTIGO DE REVISÃO

Crianças como cuidadoras: revisão integrativa

Ana Sofia Filipe MaroteI; Carla Andreia PintoII; Marlene da Rocha VieiraIII; Maria do Céu Aguiar Barbiéri-FigueiredoIV; Pedro Miguel Nunes PedrosaV

IEnfermeira, Four Seasons Health Care, Derry, Irlanda

IIEnfermeira, Hospital Gérontologique et Medico Social de Plaisir Grignon, França

IIIEnfermeira, Securilabor - Centro de Segurança Medico Laboral, Portugal

IVPhD, Professor, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

VEnfermeiro, Hospital da Santa Maria, Portugal

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: realizar uma revisão bibliográfica integrativa do tema "Crianças como Cuidadoras". Trata-se de tema emergente na prestação de cuidados de saúde que, contudo, se mantém pouco visível na literatura.

METODOLOGIA: baseou-se numa pesquisa sobre nove bases de dados de artigos científicos, utilizando-se como descritores: child, young, caregivers, lay carer and nursing role, bem como os correspondentes em português. Foram analisados 21 artigos.

RESULTADOS: foram organizados em seis categorias: fatores que motivam a criança a assumir o papel de cuidadora; caraterísticas dessas crianças; tarefas desempenhadas; tempo passado a cuidar; consequências da prestação de cuidados e papel do enfermeiro em relação a essas crianças e suas famílias.

CONCLUSÃO: as crianças como cuidadoras são um foco de atenção relevante para a prática de enfermagem, representando esse tema uma oportunidade de investigação nos países de língua portuguesa, já que não foi encontrado qualquer artigo em português sobre o mesmo. Além disso, com este primeiro estudo em língua portuguesa, inicia-se um trabalho de criação bibliográfica que permita a sensibilização para o tema e a identificação das respostas a dar às famílias envolvidas, de acordo com as suas necessidades.

Descritores: Crianças; Adolescentes; Cuidadores; Cuidados de Enfermagem.

Introdução

O conceito de crianças cuidadoras é recente e pode ser definido como crianças e adolescentes até 18 anos, que prestam cuidados de forma significativa e regular, nas atividades de vida diária, para familiares ou outros que vivem na mesma casa e que necessitam de ajuda, em virtude de doença crônica ou prolongada, física ou mental, dependência associada à idade ou outras condições. Essas crianças assumem determinada responsabilidade que, pelo menos nas sociedades ocidentais, normalmente não se destina às mesmas(1-4). Esse tipo de cuidados pode incluir um ou mais dos seguintes componentes: cuidados pessoais, cuidados de saúde, gestão do domicílio, supervisão, condutas referentes à alta do ambiente hospitalar e suporte emocional. As crianças podem prestar cuidados direta ou indiretamente e o fato de assumirem as responsabilidades de saúde de um adulto, por si só, já engloba o âmbito do cuidar(3-5). Torna-se importante referir que o assumir desse papel está intimamente relacionado ao contexto demográfico e sociocultural das populações(5-6).

Tradicionalmente, as crianças e jovens são educados a participar nas tarefas domésticas(1). Há quinze anos, o Reino Unido foi pioneiro no reconhecimento legal da existência de crianças cuidadoras. Atualmente, para além do Reino Unido, a Austrália e os Estados Unidos da América (EUA) seguem os seus passos(2).

O conhecimento sobre crianças cuidadoras é extremamente limitado. No Reino Unido, em 2001, identificaram-se 175.000 crianças cuidadoras, representando 2,1% do total de crianças(2,7). Já na Austrália, em 2003, foram identificadas 169.900 crianças cuidadoras, 3,6% do total das crianças e, para o ano 2005, estimou-se que nos EUA existiam 1,3 a 1,4 milhões de crianças cuidadoras de oito a dezoito anos de idade, sendo 3,2% do total da população(6).

Esta pesquisa objetivou realizar revisão integrativa de estudos relativos a crianças como cuidadoras e identificar o papel desempenhado pelos enfermeiros em relação a elas.

A revisão integrativa da literatura apresenta-se como método de pesquisa que permite a incorporação das evidências na prática clínica, tendo como finalidade reunir e sintetizar os resultados de múltiplas pesquisas sobre um determinado tema, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento sobre o tema investigado. Dessa forma, para construção desta revisão integrativa, percorreram-se algumas etapas, como a constituição de objetivos, determinação de critérios de inclusão e exclusão de artigos, clarificação das informações a destacar dos artigos selecionados e analisados, análise dos resultados, apresentação e discussão dos resultados e, por fim, apresentação das conclusões obtidas nesta revisão(8).

Formulação da questão

Esta revisão visou responder às seguintes questões: como se caracterizam as crianças cuidadoras e qual o papel do enfermeiro perante as necessidades manifestadas pelas mesmas em cuidados de enfermagem?

Método

Método de localização e seleção dos estudos

Foi feita uma revisão da literatura em dois momentos de recolha de informação – num primeiro momento, de fevereiro a maio de 2010 e num segundo momento, de outubro a dezembro do mesmo ano. Nesse último momento, recorreu-se a uma nova pesquisa para o aperfeiçoamento e atualização da informação já encontrada.

Realizou-se a pesquisa eletrônica nas seguintes bases de dados: portal b-on; Medline (EBSCO); CINAHL (EBSCO); Medic Latina (EBSCO); Psychology & Behavioral Sciences Collection (EBSCO); Academic Search (EBSCO); Cochrane database of systematic reviews (EBSCO); SciELO e Adolec. Esta pesquisa estendeu-se a diferentes tipos de artigos científicos, dando preferência aos artigos publicados em um período igual ou inferior a 10 anos. No entanto, não se pôde descurar alguns artigos encontrados com mais de 10 anos de publicação, uma vez que esses foram a base dos novos artigos encontrados, tendo informação relevante relativamente ao tema em estudo.

A pesquisa de literatura sobre essa temática em língua portuguesa não devolveu qualquer resultado. A pesquisa foi então realizada com os descritores em inglês, Child; young; caregivers; lay carer and nursing role, tal como se pode visualizar na Figura 1, sendo considerados para análise todos os artigos que continham essas palavras-chave em um ou mais dos seus campos.


Para evitar áreas de silêncio, recorreu-se a uma pesquisa inversa. Esse é um método de seleção de documentos a partir da bibliografia dos estudos primários, onde se procuraram artigos utilizados por esses mesmos estudos, remetendo-se, então, para uma pesquisa de literatura que não se encontra disponível a partir de bases de dados científicos(8).

Na seleção das publicações, foram incluídos os estudos que, pela análise dos resumos, correspondiam aos seguintes critérios de inclusão: estudar crianças de até 18 anos que prestavam ou prestam cuidados, estudar adultos que foram crianças prestadoras de cuidados, estudar a interligação entre a prestação de cuidados por crianças e a saúde. No entanto, foram encontrados alguns estudos que, correspondendo a todos os critérios de inclusão, identificavam os 19 anos como limite de idade das crianças cuidadoras. Perante esses artigos, foi feita a sua análise, sendo que foram utilizados apenas os resultados e conclusões desses estudos que se aplicam a crianças até 18 anos.

Sempre que o título e o resumo dos estudos não foram esclarecedores, procedeu-se à leitura do artigo na íntegra, para não se correr o risco de deixar estudos importantes fora da revisão.

Após a seleção dos estudos a analisar e tendo adotado os critérios de inclusão, passou-se à fase do processo de revisão, em que o total de 21 documentos localizados foi submetido a avaliação crítica.

Procedimentos para coleta de dados e avaliação crítica dos estudos

Na análise da qualidade dos estudos primários foram consideradas a data e a estrutura de publicação, no que se refere a objetivos de estudo, metodologia, resultados e conclusões, obtidas em cada um daqueles. Para isso, foi criada uma planilha, no programa Microsoft Excel 2007, sendo que a extração das informações e seu registro na planilha foram realizados por dois avaliadores independentes.

A decisão sobre a pertinência dos documentos selecionados para a análise dependeu, ainda, da clareza e consistência científica com que, no conteúdo de cada texto, foram descritos os dados referentes à metodologia, aos participantes e aos resultados.

Resultados

A Figura 2 permite uma leitura comparativa entre as informações recolhidas em cada uma das fontes, que foram consideradas pertinentes e incluídas no estudo, apresentadas por ordem cronológica.


Como forma de organizar o vasto conteúdo apresentado nos artigos incluídos no estudo, recorreu-se à sua organização por meio de análise crítica e qualitativa, sistematizando-se esse conteúdo nos temas que emergiram de sua leitura integrada e que são apresentados, a seguir.

Tema 1 - Fatores que motivam a criança a assumir o papel de cuidadora

A quantidade de crianças que assumem o papel de cuidadoras está a aumentar. Nos países ocidentais, fatores como a elevada prevalência de famílias monoparentais, o aumento da esperança média de vida e a tendência de os adultos adquirirem doenças crônicas mais cedo, levam os investigadores a concluir que muitas vezes a criança assume o papel de cuidadora por ser o único elemento da família disponível(4), visto que muitas famílias demonstram ainda dificuldade em aceitar pessoas fora do contexto familiar para prestar cuidados(10).

A situação de cuidar por parte de crianças, graças à sua complexidade, só pode ser entendida se se tiverem conta os seguintes fatores: escassos recursos materiais e financeiros, a natureza e extensão da doença/deficiência, o conceito de família e valores familiares, as expectativas/crenças, a estrutura e dinâmica de relacionamento familiar, ausência de outra pessoa para assumir o papel de cuidador, afiliação étnica e cultural, a idade e o seu gênero, que inevitavelmente terão influência na prestação de cuidados(1-2,6,19).

Para além dos já referidos, outros fatores aumentam a probabilidade de as crianças prestarem cuidados, entre esses: famílias desagregadas, condições habitacionais precárias, mães adolescentes e famílias alargadas. Todos esses fatores sugerem que a corresidência ou proximidade é um fator comum para todas as crianças que prestam cuidados(16). As evidências são escassas sobre qual o fator com mais preponderância na assunção desse papel, embora vários estudos apontem a pobreza e baixo rendimento econômico com grande relevância(2,16).

Tema 2 - Caraterísticas dessas crianças

A literatura revista evidencia que as crianças cuidadoras têm em média 12 anos de idade, sendo a maioria do sexo feminino(5).

A aquisição do papel de cuidador pelas crianças, em contraste com os cuidadores adultos, está menos relacionada com padrões tradicionais, estando ligada a uma questão de necessidade de que esses prestem os cuidados em virtude da falta de outro membro da família que o possa prestar(2). Cerca de 12% das crianças cuidadoras prestam cuidados a mais que uma pessoa adulta e 21% não recebem qualquer suporte social e do sistema de saúde(6).

As crianças cuidadoras são difíceis de se identificar, diante do seu silêncio. Esse silêncio resulta muitas vezes do medo e estigma, medo, por exemplo, de, ao se relacionarem com os profissionais de saúde, poderem ser separadas dos seus familiares. É surpreendente a falta de suporte e ajuda às crianças cuidadoras por parte da família, amigos e vizinhos(9,15-16).

Realçam-se, ainda, os resultados obtidos que indicam quatro grandes áreas em que as crianças demonstram necessidades: informação (condições de saúde dos seus pais e serviços), suporte individual e aconselhamento, assistência prática (ensino e treino das tarefas a serem desempenhas pela crianças em relação à pessoa cuidada), contato social e recreação(2,12,14).

Parece evidente que as crianças cuidadoras, em todo o mundo, podem ter mais em comum do que aquilo que as separa nos aspectos geográfico, econômico, político, social e cultural. À parte da nacionalidade, as suas tarefas e responsabilidades são muito similares(6).

Tema 3 - Tarefas desempenhadas

Um dos principais aspetos da literatura encontrada foca-se nas atividades que uma criança cuidadora desempenha. Esse aspecto é fulcral para os profissionais das áreas social e de saúde, visto que só conhecendo a realidade dessas crianças poderão ajudá-las no desempenho do seu papel(2,9). Na generalidade, muitas das crianças cuidadoras têm o mesmo tipo de tarefas e responsabilidades que adultos cuidadores(6). Esses cuidados podem agrupar-se em seis subcategorias: apoio nas atividades de vida diária, apoio emocional, ajuda nos cuidados de saúde e administração de terapêutica, ajuda de tradução, ajuda de observação e proteção, bem como ajuda em caso de emergência(9,18).

Na dimensão – apoio nas atividades de vida diária – a criança cuidadora desempenha tarefas em áreas como: alimentação - disponibilizar as bebidas/alimentos; cortar os alimentos; preparar refeições; autocuidado/ higiene - dar banho; ajudar na higiene pessoal parcial; colocar a cadeira de rodas na ducha/banheira vazia; providenciar os utensílios de banho; vestir/despir - sapatos, meias, roupas; apertar e desapertar botões, assim como o cinto das calças na ida ao banheiro; mobilidade e movimento - levantar-se/sentar-se; transferir; subir as escadas; auxiliar na deambulação; remover todos os perigos de queda; empurrar a cadeira de rodas; deitar na cama; e, finalmente, eliminação - acompanhar ao banheiro; ajudar o pai/mãe a apoiar-se no sanitário; esvaziar o saco de urina; mudar as fraldas(2,7,10,12,18-19).

De todas as tarefas a cargo da criança, os cuidados de higiene pessoal foram referidos como os mais difíceis de lidar(10,12), sendo um tipo de cuidado em que um quinto (20%) das crianças participa(2).

Na vertente emocional, os cuidados podem ir desde o contato afetuoso, que compreende as ações de afagar, entreter até ao consolar, estar presente em momentos mais tristes e dar a mão(19). Nesse tipo de cuidados, cerca de 80% das crianças participam(2).

Para além das tarefas acima citadas que as crianças desempenham, pode-se verificar, independentemente da idade, que essas participam, ainda, na gestão dos cuidados de saúde, como gestão e administração de medicamentos, tratamento de feridas e ainda garantem a segurança dos dependentes(19). Cerca de 50% das crianças cuidadoras têm tarefas que envolvem cuidados gerais de enfermagem e administração de medicação(2).

A instrução, orientação e observação sobre comportamentos certos e errados, treino de linguagem, assim como o entretenimento e atividades de lazer, também, são cuidados que as crianças prestam à pessoa dependente(1-2,5,19).

Não há evidências sobre a distinção nessas tarefas para as crianças oriundas do meio rural ou do meio urbano(3).

Tema 4 - Tempo passado a cuidar

Muitas das crianças cuidadoras começam a cuidar desde muito cedo e podem continuar o papel de cuidadores por vários anos, muitas vezes para além da infância. Aproximadamente, uma em cada 10 crianças cuidadoras passa mais de 50 horas por semana na prestação de cuidados(1-2,6).

Das crianças cuidadoras, 83% passam até 19 horas por semana a cuidar do familiar, 9% entre 20 e 49 horas e 8% mais de 50 horas por semana(1-2,6).

A prevalência do cuidar, em 80% dos casos, dura até cinco anos, 17% entre 6 e 10 anos e 3% mais de 10 anos. Visto que a média de idade das crianças cuidadoras é de 12 anos, os dados dos recentes estudos apontam que o cuidar pode ser uma atividade duradoura e esse compromisso pode começar em idade precoce e continuar pela idade adulta(1-2,6).

Tema 5 - Consequências da prestação de cuidados

Os pais confiam na habilidade e na responsabilidade das crianças para prestar cuidados. Mesmo que a prestação de cuidados se tenha iniciado numa idade precoce, os pais asseguram que a prestação das crianças é boa, apesar de haver tarefas potencialmente embaraçosas, como os cuidados de higiene. Os pais que estão dependentes das crianças para lhes prestarem cuidados, apesar de estarem conscientes de que essas não deviam assumir esse papel, consideram-no importante, uma vez que é nelas que confiam, não só pelo fato de elas serem tão próximas para eles, como também, pelo fato de lhes fazerem companhia(7,10).

Os pais dessas crianças parecem estar desinformados dos problemas relacionados à prestação de cuidados por parte das crianças ou podem não querer admitir que haja problemas(10,15).

Os autores dos estudos analisados apresentam as seguintes vantagens para o fato de as crianças serem cuidadoras:

- desenvolve a inteligência, percepção, sentido de responsabilidade, maturidade e habilidades sociais e pessoais nas crianças(1,5-6,12,15,17);

- aproxima e reforça os laços afetivos da família(1,5-6,12,15,17);

- alivia medos relativos à ansiedade sobre o estado de condição do seu familiar(1,5-6,14-16);

- aumenta a capacidade de gestão dos cuidados(1,5-6,12,17);

- aumenta o sentimento de pertença das crianças(1,5-6,13,17).

Porém, apesar de toda a gratificação que possa ser vivida pelo simples ato de cuidar, há indícios de que ser cuidadora possa ter impacto negativo significativo nas atividades da própria criança e no seu meio, como:

- limitação das suas oportunidades e aspirações(1-2,6,12,17);

- limitação das oportunidades de lazer e contato social(1-2,6-7,12,15,17);

- falta de compreensão dos pares, e poucas amizades(1-2,6,12,15,17);

- estigma(1-2,6-7,12,17);

- sentimento de exclusão e isolamento(1-2,4-6,12,15,20);

- medo de separação da sua família(1-2,6,12,15,17);

- vivência da prestação de cuidados em silêncio e em segredo(1-2,6,12,15,17);

- dificuldades em elaborar as emoções(1-2,6,12,17);

- dificuldades na aprendizagem/rendimento escolar(1-2,4-7,12,17,20);

- problemas de saúde: stress, Burnout, cansaço(1-2,6,12,17);

- dificuldade na transição para a vida adulta(1-2,6,11,17);

- dificuldade em arranjar emprego(1-2,6,12,17);

- falta de reconhecimento e apoio(1-2,6-8,12,15,17).

Tema 6 - Papel do enfermeiro em relação a essas crianças e a suas famílias

O conhecimento dos profissionais de saúde sobre as crianças cuidadoras tem aumentado; no entanto, continua sem visibilidade, uma vez que as necessidades dessas crianças continuam a não ser identificadas e satisfeitas(7,14-15).

Tem-se verificado que apenas uma pequena parte das crianças cuidadoras tem solicitado acompanhamento nas instituições, mas, na prática, as poucas avaliações que são feitas, quando a criança solicita esse apoio, são muitas vezes superficiais e pouco focadas. Os profissionais de saúde também não têm exercido participação ativa direcionada às crianças cuidadoras. Essa negligência pode estar ligada às limitações de tempo, de recursos, à falta de conhecimento sobre a existência dessa realidade, bem como à subestimação ou menosprezo do seu papel como cuidadoras(3,7,11,15).

Na generalidade, muitas das crianças cuidadoras têm o mesmo tipo de tarefas e responsabilidades que os adultos cuidadores, tal como consequências no nível relacional, de saúde, bem-estar e educação. Perante isso, uma intervenção preventiva é igualmente necessária, pois se as crianças cuidadoras e as suas famílias tomarem a decisão de que a prestação de cuidados realizada pela criança é a única solução viável, devem ser proporcionados os serviços de apoio e os benefícios necessários que possam impedir consequências negativas, melhorar a qualidade dos cuidados, assim como a saúde do doente e cuidador(6-7).

De todos os estudos analisados, apenas cinco desses tinham como autores enfermeiros e tratavam das possibilidades de intervenção desse profissional em face das crianças cuidadoras. A primeira etapa de intervenção do enfermeiro perante essa realidade poderá ser a avaliação das necessidades(15,19). O enfermeiro deverá determinar os recursos e sistemas de apoio da pessoa dependente e da família, incluindo os familiares mais afastados, vizinhos e amigos. Ele terá que avaliar, também, a atitude do doente face aos cuidados prestados, tal como as reações do familiar face ao papel recém-adquirido de cuidador. Para além disso, deverá procurar saber se a pessoa dependente e a família possuem mecanismos adequados de coping, para enfrentarem a doença e se existe algum fator estressante no domicílio. Esse processo de planejamento deve abranger também a avaliação das necessidades da família em termos de ensino, aconselhamento e cuidados de enfermagem. A abordagem adequada deverá incluir a família inteira(2).

As intervenções direcionadas aos cuidadores deverão ser conduzidas de acordo com três vertentes principais: apoio psicológico, educação com formação prática e informação e sistemas sociais de apoio(2,7,12,14).

Discussão

Na presente revisão, prevaleceu o número de estudos realizados por autores do Reino Unido, perfazendo um total de 16 estudos, sendo um deles sobre a realidade da África. Paralelamente, foram também identificados dois estudos realizados nos EUA, dois na Austrália e três na Alemanha. Da análise desses estudos resultou a compilação de informações relativas à caracterização das crianças cuidadoras: percepção tanto dos tipos de cuidados prestados como a quem eles se dirigiam, as necessidades que essas crianças sentiam perante a prestação de cuidados, as consequências que advêm desses cuidados e o papel do enfermeiro. Acrescentando mais detalhes a tudo isso, os estudos realizados nos EUA descreveram claramente as vantagens e desvantagens do cuidar, estudando quais as tarefas que as crianças gostam e não gostam de realizar. Já da Austrália, as contribuições vieram acrescentar o estudo das patologias dos membros cuidados e, por fim, os estudos realizados na Alemanha tentam perceber quais os fatores que levam as crianças a não pedir ajuda externa e assumir essa responsabilidade.

Tendo por base os estudos analisados, verificou-se que na maioria dos países onde esses foram realizados prevê-se que o número de pessoas que necessitarão de cuidados de saúde, nomeadamente da prestação de cuidados no domicílio, será superior à população ativa, devido à baixa natalidade e aumento do envelhecimento da população. Acresce o fato de que, cada vez mais, aumenta o número de famílias monoparentais e famílias nucleares em que o adoecer de um dos membros condicione a que o outro se encarregue de sustentar a casa. Se a esse fato se aliar o desenvolvimento de patologias crônicas cada vez mais precocemente, ou seja, entre 40 e 50 anos, grande parte dos filhos dessas pessoas tem probabilidade de vivenciar o papel de crianças cuidadoras(2,19). Contrariamente aos dados demográficos da maioria dos países estudados, na África, verifica-se aumento da natalidade aliada a um incremento das doenças crônicas, nomeadamente o HIV, que tem como consequência a morte e invalidez precoce da população desses países, levando ao aumento da vulnerabilidade dos adultos e dando surgimento à necessidade de que as crianças sejam os seus cuidadores(5).

Em todas essas situações, as crianças assumem o papel de cuidadoras; no entanto, tendo em conta a literatura atual, pode-se verificar que a forma como ocorre a reestruturação dos papéis familiares tem sido descurada, razão pela qual esse tema deverá ser cada vez mais investigado em enfermagem(5,10).

Dada a caraterização das crianças cuidadoras, essas comportam uma grande pressão psicológica pelo assumir, muitas vezes, "forçado" o papel de cuidador. Assim, é imprescindível que os profissionais de saúde estejam atentos, pois essas crianças estão mais vulneráveis e podem vir a assumir os mesmos comportamentos de risco dos seus familiares(10).

Tendo em conta que a aquisição do papel de cuidador conduz à adição de mais um papel aos papéis normativos do indivíduo, quando as expetativas comportamentais se alteram significativamente, isso implica que o cuidador tenha de reorganizar a sua rotina diária(21). Essa reorganização pode ser confundida com a inversão de papéis, processo pelo qual as crianças são vistas, por vezes, como pais, pelos seus pais(18). O próprio termo cuidadores jovens é muitas vezes visto como uma advertência para os pais doentes, pois lança-os para uma posição de dependência ou incapacidade(7,15).

A aquisição do papel de cuidador é um tipo específico de transição de papéis na família, que ocorre em resposta a alterações na saúde, no papel desempenhado nos relacionamentos, nas expectativas ou nas competências, que causam diminuição no autocuidado do elemento da família afetado, necessitando de cuidado acrescido por parte dos outros. Sendo assim, essa construção é definida como uma relação dinâmica entre a pessoa que o desempenha, a pessoa que precisa de cuidados e a comunidade(21).

O papel fundamental que a enfermagem tem na sociedade traduz-se em perceber como é que o ser humano lida com os processos de transição e como é que o ambiente que o rodeia afeta os seus mecanismos de coping, para lidar com essas situações. A contribuição da enfermagem passa por ajudar o cliente (pessoa ou família) a maximizar as suas potencialidades ou a restaurar os seus níveis de bem-estar, saúde, conforto e autorrealização(22-24). Assim sendo, os enfermeiros, que estão mais próximos dessa realidade, podem identificar quem são as crianças cuidadoras, o que fazem, o seu estilo de vida e as suas necessidades tanto no cuidar como nas rotinas diárias. É então importante que os enfermeiros percebam a relação doente/criança cuidadora, assim como as suas responsabilidades(7,10,13,19).

Dessa forma, os enfermeiros são, dentre os profissionais de saúde, aqueles que possuem melhor capacidade para identificar e capacitar as crianças cuidadoras(2). O enfermeiro pode ajudar o familiar dependente, dotando os membros da família de novos conhecimentos e técnicas, percebendo de que forma os mesmos estão motivados a ajudar o familiar dependente e como estão se adaptando às alterações verificadas nas suas expectativas, em termos de funções familiares. É importante preparar os cuidadores e explorar a dinâmica da família, de modo que essa responsabilidade possa ser compartilhada e que cada um dos elementos da família carregue parte dos cuidados(25). Considera-se ainda relevante que os enfermeiros devem intervir na gestão e articulação das redes sociais de apoio, para suprir necessidades identificadas.

As necessidades das crianças como cuidadoras não têm sido analisadas; pelo contrário, as necessidades do familiar doente têm sido mais estudadas do que as crianças. Dado que os que recebem os cuidados referem que as crianças são melhores cuidadoras que propriamente os profissionais que eram pagos, torna-se ainda mais importante intervir em relação às crianças cuidadoras, capacitando-as para agirem sobre os eventuais problemas da prestação de cuidados. Uma vez capacitadas e devidamente informadas não irão subestimar as dificuldades que terão na prestação de cuidados, nas 24h do dia, pelo que os níveis de stress e sobrecarga do cuidador serão menores(9,22).

A operacionalização das intervenções relacionadas com o apoio psicológico diz respeito à modelação das cognições do cuidador, através da descoberta de novas maneiras de pensar, novas estratégias de coping como, por exemplo, grupos de ajuda, dentre outras(26-27). Não obstante, os próprios profissionais devem estar preparados para trabalhar com essas crianças(2,21).

A inclusão das crianças cuidadoras nas discussões dos cuidados é um dos aspectos a se ter em conta nessa realidade; no entanto, os profissionais de saúde não têm envolvido as crianças nas suas discussões ou conversas sobre tais cuidados(21).

Perante a revisão da literatura efetuada, verificou-se que a população se encontra mais envelhecida, e que a decisão de ter filhos é mais tardia, tornando-se previsível o fato de que cada vez mais serão as crianças a ajudar os pais, ou outros familiares próximos, assumindo, assim, o papel de cuidadores. A identificação dessa realidade e a intervenção de forma precoce, por parte dos profissionais de enfermagem, podem ajudar essas crianças a sentirem-se mais seguras e, logo, mais apoiadas.

Conclusão

Esta pesquisa permitiu verificar-se que, ao contrário de outros países como, por exemplo, Reino Unido, Austrália, Alemanha e Canadá, em países de lingua portugesa ainda não há produção de estudos sobre crianças cuidadoras.

Ao mesmo tempo, da elaboração deste estudo pôde-se aferir que esse tema tem sido pouco desenvolvido pela comunidade científica de enfermagem, tornando-se por isso cada vez mais importante o seu estudo e aprofundamento, na perspectiva dos cuidados de enfermagem à criança cuidadora e à sua família. É crucial que novos estudos empíricos se realizem, tendo em análise os já existentes noutros países, no sentido de clarificar qual a realidade e qual o papel do enfermeiro perante essa realidade, particularmente no nosso contexto de cuidados.

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  • Corresponding Author:

    Carla Andreia Pinto
    Hospital Gerontológico e Médico-Social de Plaisir-Grignon
    2 Rue de la Gare nº: 201
    78370, Plaisir, França
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Set 2011
    • Aceito
      08 Nov 2012
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