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Em tempo: uso indevido e excessivo de fórmulas de aminoácidos na alergia ao leite de vaca

Proctocolite alérgica e enterocolite têm sido tratadas por vários anos com sucesso com fórmulas extensamente hidrolisadas.11 Vandenplas Y, Deneyer M, Sacre L, Loeb H. Preliminary data on a field study with a new hypo-allergic formula. Eur J Pediatr. 1988;148:274-7. Em 1997, o nosso grupo e o grupo de Boissieu et al.22 de Boissieu D, Matarazzo P, Dupont C. Allergy to extensively hydrolyzed cow milk proteins in infants: identification and treatment with an amino acid-based formula. J Pediatr. 1997;131:744-7. de Paris relataram independentemente duas séries de pacientes com alergia induzida à proteína do leite de vaca que não responderam às fórmulas extensamente hidrolisadas, mas responderam terapeuticamente a uma formulação infantil à base de aminoácidos.33 Vanderhoof JA, Murray ND, Kaufman SS, Mack DR, Antonson DL, Corkins MR, et al. Intolerance to protein hydrolysate infant formulas: an underrecognized cause of gastrointestinal symptoms in infants. J Pediatr. 1997;131:741-4. Esses pacientes foram subsequentemente expostos a uma fórmula extensamente hidrolisada e, de fato, os seus sintomas retornaram, confirmando a intolerância ao produto extensivamente hidrolisado. Epítopos de ligação com IgE foram demonstrados no soro de leite e na caseína extensamente hidrolisados e são considerados os responsáveis por essas reações.44 Hoffman KM, Sampson HA. Serum specific-IgE antibodies to peptides detected in a casein hydrolysate formula. Pediatr Allergy Immunol. 1997;8:185-9.,55 Klemola T, Vanto T, Juntunen-Backman K, Kalimo K, Korpela R, Varjonen E. Allergy to soy formula and to extensively hydrolyzed whey formula in infants with cow's milk allergy: a prospective, randomized study with a follow-up to the age of 2 years. J Pediatr. 2002;140:219-24. Uma fórmula à base de aminoácidos foi usada com sucesso para tratar a esofagite eosinofílica e confirmou que essa doença é na verdade um processo alérgico passível de terapia dietética.66 Kelly KJ, Lazenby AJ, Rowe PC, Yardley JH, Perman JA, Sampson HA. Eosinophilic esophagitis attributed to gastroesophageal reflux: improvement with an amino acid-based formula. Gastroenterology. 1995;109:1503-12.

A porcentagem de crianças com alergia à proteína do leite de vaca que não toleram uma fórmula extensamente hidrolisada parece ser baixa. Tradicionalmente, a porcentagem parece ser de aproximadamente 5%, mas alguns têm postulado que esse percentual pode estar aumentando.77 Sicherer SH, Sampson HA. Food allergy: epidemiology, pathogenesis, diagnosis, and treatment. J Allergy Clin Immunol. 2014;133:291-307. Apesar da baixa incidência de intolerância à proteína extensamente hidrolisada, o uso de fórmulas de aminoácidos excedeu consideravelmente o previsto em muitos países, a despeito de um aumento significativo do custo da terapia. Promoções comerciais e políticas de reembolso do governo em algumas áreas podem ter sido parcialmente responsáveis por esse fenômeno. É também bastante evidente, no entanto, que muitos médicos não têm conhecimento da literatura que apoia o uso de fórmulas extensamente hidrolisadas e de aminoácidos.

Fórmulas de aminoácidos são às vezes usadas por médicos porque eles acreditam que a resposta clínica será mais rápida ou a taxa de recaída será significativamente menor, o que resultará em um maior grau de satisfação do paciente. Isso é especialmente verdadeiro quando o custo para o paciente não é um impedimento significativo. Não há estudos randomizados feitos para determinar a taxa de resposta a uma fórmula de aminoácidos versus uma fórmula de proteína extensamente hidrolisada em crianças alérgicas. A enterocolite grave é muitas vezes considerada uma indicação para o uso inicial de uma fórmula de aminoácidos e até mesmo recomendada em algumas diretrizes para o tratamento de bebês alérgicos.88 Caffarelli C, Baldi F, Bendandi B, Calzone L, Marani M, Pasquinelli P. Cow's milk protein allergy in children: a practical guide. Ital J Pediatr. 2010;36:5. No entanto, nenhum estudo jamais demonstrou maior eficácia de uma fórmula à base de aminoácidos nessa situação.

Produtos à base de aminoácidos são frequentemente usados em esofagite alérgica com base em um relato original que demonstra a eficácia nesses pacientes. Um estudo, no entanto, com o uso de um produto extensivamente hidrolisado em adultos demonstrou uma resposta sintomática positiva e forneceu uma opção econômica de terapia.99 Lucendo AJ, Arias A, Gonzalez-Cervera J, Mota-Huertas T, Yague-Compadre JL. Tolerance of a cow's milk-based hydrolyzed formula in patients with eosinophilic esophagitis triggered by milk. Allergy. 2013;68:1065-72. Nenhum desses estudos foi feito em crianças.

Existe outra razão para não usar fórmulas de aminoácidos em todos os bebês alérgicos que não seja o custo? Recentemente, dados sugerem que alguns dos peptídeos presentes em fórmulas extensamente hidrolisadas, especialmente aquelas à base de caseína, podem facilitar a indução de tolerância.1010 Heine RG. Preventing atopy and allergic disease. Nestle Nutr Inst Workshop Ser. 2014;78:141-53.,1111 Visser JT, Bos NA, Harthoorn LF, Stellaard F, Beijer-Liefers S, Rozing J, et al. Potential mechanisms explaining why hydrolyzed casein-based diets outclass single amino acid-based diets in the prevention of autoimmune diabetes in diabetes-prone BB rats. Diabetes Metab Res Rev. 2012;28:505-13. Fragmentos específicos de peptídeos já identificados podem desempenhar um papel nesse processo e essa hipótese foi preliminarmente verificada em estudos com animais.1111 Visser JT, Bos NA, Harthoorn LF, Stellaard F, Beijer-Liefers S, Rozing J, et al. Potential mechanisms explaining why hydrolyzed casein-based diets outclass single amino acid-based diets in the prevention of autoimmune diabetes in diabetes-prone BB rats. Diabetes Metab Res Rev. 2012;28:505-13. O desenvolvimento precoce da tolerância à proteína do leite de vaca é, obviamente, um desfecho muito desejado no tratamento da doença alérgica. Parece também que o Lactobacillus GG (LGG), um organismo probiótico bastante estudado (Lactobacillus rhamnosus ATC 51033), pode aumentar significativamente esse processo.1212 Berni CR, Di CM, Pezzella V, Cosenza L, Granata V, Terrin G, et al. The potential therapeutic efficacy of Lactobacillus GG in children with food allergies. Pharmaceuticals (Basel). 2012;5:655-64. É possível que outros organismos também possam ter a mesma ação, mas é necessário maior investigação antes que tais afirmações possam ser feitas com confiança. No entanto, a indução de tolerância é um objetivo-chave no tratamento da alergia e tudo o que puder ser feito para facilitar esse processo é certamente importante. A indução de tolerância oral também pode ser possível por meio de dessensibilização, como demonstrado por dados preliminares.1313 Luyt D, Bravin K, Luyt J. Implementing specific oral tolerance induction to milk into routine clinical practice: experience from first 50 patients. J Asthma Allergy. 2014:1-9.

Outra questão que deve ser abordada é o uso de estratégias para prevenir ou reduzir a probabilidade de desenvolvimento de alergia à proteína em populações de risco. Fórmulas à base de caseína extensamente hidrolisadas desempenham essa função e, embora não sejam igualmente eficazes, fórmulas à base de soro de leite parcialmente hidrolisado podem ter o mesmo papel. No entanto, existem dados conflitantes a respeito de hidrolisados parciais.1414 Silva D, Geromi M, Halken S, Host A, Panesar SS, Muraro A, et al. Primary prevention of food allergy in children and adults: systematic review. Allergy. 2014;6:581-9. Curiosamente, fórmulas à base de soro de leite extensivamente hidrolisado não parecem ser efetivas.1515 von BA, Filipiak-Pittroff B, Kramer U, Hoffmann B, Link E, Beckmann C, et al. Allergies in high-risk schoolchildren after early intervention with cow's milk protein hydrolysates: 10-year results from the German Infant Nutritional Intervention (GINI) study. J Allergy Clin Immunol. 2013;131:1565-1573. Finalmente, a amamentação é uma forma excelente e com ótimo custo-benefício para reduzir o risco de alergia à proteína do leite de vaca em populações de alto risco e deve ser a primeira opção, caso disponível. O probiótico LGG também parece ser útil nessa situação.1616 Cosenza L, Nocerino R, di Scala C, di Constanzo M, Amoroso A, Leone L, et al. Bugs for atopy: the Lactobacillus rhamnosus GG strategy for food allergy prevention and treatment in children. Benef Microbes. 2015;6:225-32. São necessários mais estudos para determinar a idade ideal para a introdução de proteínas na dieta para evitar alergia, uma vez que alguns estudos populacionais têm sugerido que a introdução precoce pode ser o ideal.1717 Paparo L, di Constanzo M, di Scala C, Cosenza L, Leone L, Nocerino R, et al. The influence of early life nutrition on epigenetic regulatory mechanisms of the immune system. Nutrients. 2014;6:4706-19.

Alergias alimentares e, especialmente alergia à proteína do leite de vaca, juntamente com outras alergias e doenças autoimunes, estão se tornando os problemas de saúde mais comuns e mais significativos.1818 Katz Y, Goldberg MR, Rajuan N, Cohen A, Leshno M. The prevalence and natural course of food protein-induced enterocolitis syndrome to cow's milk: a large-scale, prospective population-based study. J Allergy Clin Immunol. 2011;127:647-53. As intervenções discutidas aqui e outras modalidades para tratar de forma efetiva e prevenir alergias alimentares se tornarão cada vez mais importantes com o passar do tempo.

  • Financiamento
    O estudo não recebeu financiamento.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2015
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