Resumo
Este artigo pretende demonstrar que Williams evoca a necessidade de reconsideração da análise e da crítica cultural marxista, para que a análise da cultura possa, em certa medida, contribuir para essa renovação pela qual a teoria marxista passava no pós-Segunda Guerra Mundial. Sua definição de base e superestrutura distancia-se de qualquer tipo de entendimento que não implique processualidade ou que seja assentado em qualquer formulação abstrata. Portanto, o conceito de materialismo cultural adquire importância central no interior do sistema analítico de Williams, pois coloca em perspectiva a uniformidade constitutiva da economia capitalista. Por mais abstratos que possam parecer os produtos culturais, eles constituem a dinâmica de produção e de circulação das obras e ideias, favorecidas pelas instituições e por determinada estrutura que visa sua reprodução simbólica e material.
Palavras-chave:
Crítica cultural; Materialismo cultural; Marxismo e cultura; Nova esquerda inglesa
Abstract
This paper demonstrates how Williams’ reconsideration of cultural analysis and criticism from a Marxist perspective was an essential contribution to the renewal of Marxist theory in the post-World War II period. His definition of base and superstructure inherently includes the idea of processualism and distances itself from any abstract formulation. Hence, the concept of cultural materialism is a key point in Williams’ analytical system, as it puts into perspective the constitutive uniformity of the capitalist economy. As abstract as cultural products may seem, they constitute the production and circulation dynamics of works and ideas, favored by institutions and a certain structure aiming at their symbolic and material reproduction.
Keywords:
Cultural criticism; Cultural materialism; Marxism and culture; British New Left
O ITINERÁRIO DE UM CONCEITO DE CULTURA
Raymond Williams (1921-1988) dispensa apresentações no campo das ciências sociais, especialmente entre estudiosas e estudiosos da sociologia da cultura. Isso ocorre em virtude de dois fatores que julgamos essenciais: primeiro, sua obra teórica dialoga diretamente com a sistematização dos debates em torno dos temas da cultura no século XX e apresenta, com autores como Norbert Elias, Pierre Bourdieu, Stuart Hall, Edward Said, Lucien Goldmann, Fredric Jameson, Paul Gilroy etc., novas metodologias destinadas à análise dos fenômenos artísticos e culturais no centro e na periferia do capitalismo; segundo, porque parte considerável de sua fortuna crítica está em interlocução direta com a teoria social marxista, condensada sobretudo na crítica que fez às interpretações deterministas e economicistas elaboradas no cerne da II Internacional. Fica evidente o esforço de Raymond Williams ao reposicionar os escritos de Georg Lukács, sobretudo os textos de juventude como A alma e as formas, Teoria do romance e, por fim, História e consciência de classe, com objetivo de recuperar a tradição e linhagem dos estudos dialéticos no interior da teoria social marxista, perdida para os teóricos do marxismo soviético ou do “socialismo científico”, mas também de atualizar os termos do debate, os conceitos e as categorias caras à intelectualidade marxista que produzem dentro e fora dos partidos comunistas nacionais europeus. Além de Lukács, estão no horizonte de Williams os escritos de Antonio Gramsci e de autores da teoria crítica, com os quais dialoga não apenas com intenção de reproduzir seus respectivos esquemas analíticos, mas neles investigar a reverberação das tensões e das contradições dos processos históricos que atravessaram a produção teórica e política desses intelectuais hoje reunidos sob a denominação de “marxistas ocidentais”.
Por conseguinte, para compreendermos o sistema analítico elaborado por Williams no decorrer de seus ensaios é necessário levar em consideração que a cultura, ao contrário do que se supõe, não é um dado objetivo, um fato observável na sua objetividade. Logo, não é conceito que se fecha em si mesmo a partir de premissas condensadas no horizonte do cientista social. Antes de qualquer coisa, a cultura deve ser entendida como um problema, o que implica concebê-la não como uma categoria abstrata subordinada a um sistema analítico que pressupõe sua conceituação, pelo contrário, segundo Williams, é necessário supor a cultura (e o entendimento que fazemos dela) como parte de um processo de mudança que recompõe os significados, mas também os significantes de um dado objeto cultural. Noutras palavras: tomar a cultura como objeto de análise exige-nos considerar as definições dela presumidas, mas também as estruturas sócio-históricas (e seus agentes sociais) que engendraram essas mesmas definições. Daí a passagem de uma cultura “idealista” para uma cultura “materialista”. Mas, segundo Williams,
Embora se deva observar que a explicação da cultura materialista habitualmente fica reservada a atividades ‘primárias’, deixando a ‘cultura’ para uma versão do ‘espírito formador’, agora, naturalmente, em bases diferentes, e não primária, mas secundária. Contudo, a importância de cada uma dessas posições, em contraposição a outras formas de pensamento, é que leva, necessariamente, ao estudo intensivo das relações entre as atividades ‘culturais’ e as demais formas da vida social. Cada uma dessas posições implica um método amplo: na cultura idealista, ilustração e elucidação do ‘espírito formador’, como nas histórias nacionais de estilos de arte e tipo de trabalho intelectual que manifestam, relativamente a outras instituições e atividades, os interesses e valores essenciais de um povo; na cultura materialista, investigação desde o caráter conhecido ou verificável de uma ordem social geral até formas específicas assumidas por suas manifestações culturais (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 12).
Inicialmente, ele retoma uma discussão cara à teoria antropológica que circulava pelo ambiente acadêmico europeu nos anos 1960. Isto é, pensar a diferenciação entre cultura e civilização implicou diferentes abordagens em torno da ideia (genérica) de cultura. Fosse ela um processo social fundamental que sugestiona “modos de vida” específicos e distintos, ou uma teoria geral “das artes e da vida intelectual”, em suas relações com a sociedade material e simbolicamente elitizadas. Por certo, não se pode ignorar as contribuições que Norbert Elias oferece ao discutir as mesmas categorias em O processo civilizador, a saber, a binômica compreensão que resultou na distinção entre cultura, como expressão das virtudes da esfera íntima e privada, como a família, a vida pessoal, a religião, a espiritualidade, e civilização, como expressão objetivada da externalidade dos indivíduos, como constituição societária ou a sociedade na sua concepção abstrata sempre relacionada às ideias de progresso, modernidade, democracia etc. O que se constata é que foi a partir do uso recorrente dessa noção de cultura - como sinônimo do processo geral de desenvolvimento íntimo - que o conceito se metamorfoseou e passou a incidir sobre as análises feitas sobre o desenvolvimento da cultura como uma classificação geral das artes, da religião e das instituições que, por sua vez, passaram a considerar legítima a dissociação entre significados e significantes produzida por determinada “cultura”. Ou como descreve o crítico galês, “cultura, ou mais especificamente ‘arte’ e ‘literatura’ (em si mesmas dotadas de uma generalização e uma abstração novas) eram consideradas como o registro mais profundo, o impulso mais profundo, e o recurso mais profundo do espírito humano” (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.: 21). Aqui está, pois, o ponto de partida para se pensar a cultura como um problema ordinário, visto que o objeto primordial de sua análise que transcorre desde 1958, com a publicação de Culture and society, até 1983, quando publicou Writing in society, é a abordagem do fenômeno cultural como parte de uma estrutura social, com seus sentidos e valores.
O ENCONTRO COM O MARXISMO
Sabe-se da aproximação um tanto tardia de Williams com o marxismo. Noutras palavras: apesar da origem proletária da família, da formação do pai no trabalhismo inglês e sua perspectiva socialista, sua análise da cultura a partir de uma inflexão histórico-materialista deu-se em meados da década 19501 1 Sobre sua situação como estudante em Cambridge, no fim da década de 1930, Williams afirmou que, ao participar do chamado Clube Socialista, “os pontos de referência centrais eram Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico e Anti-Dühring, de Engels. Esses livros eram considerados, de certa forma, os textos definidores, sobretudo o primeiro. Marx era muito menos discutido, embora nos fosse recomendado a ler O Capital, e comprei uma cópia. Estudei o livro durante aquele ano, mas com dificuldades usuais do primeiro capítulo. Só muito mais tarde conheci Marx para além do autor de O Capital. Tenho razões para crer que essa foi uma introdução bastante normal ao marxismo” (Williams, 2013: 25). . É certo, pois, que inicialmente o ambiente acadêmico em Cambridge (antes de ser convocado como soldado piloto de tanque na Segunda Guerra Mundial) o conduziu a uma cultura socialista mais ampla, complementada com leitura e estudos de autores endossados pelo partido comunista. Participou do Clube Socialista e filiou-se ao Partido Comunista da Grã-Bretanha enquanto esteve em Cambridge como estudante de literatura. Portanto, essas aproximações iniciais com uma perspectiva política do trabalho intelectual somadas à militância socialista, sobretudo operária, informaram certos aspectos fundamentais de suas análises posteriores sobre o que ele denominou de “materialismo cultural”.
Na base dessas reflexões está o fato de que o marxismo informou uma geração de intelectuais e criou condições para um debate amplo sobre o papel dos partidos comunistas na onda contrária ao internacionalismo burocrático soviético. Isto é, Williams e sua geração de intelectuais e teóricos marxistas assumiram a responsabilidade de formular a crítica ao chamado “marxismo vulgar” que predominava entre os círculos comunistas do entreguerras. Essa crítica passava necessariamente pela recomposição de certos conceitos-chave da tradição marxista desde os tempos da II Internacional (1889-1916).
Nas palavras de Franco Andreucci
o marxismo no seu conjunto, descontadas algumas raras exceções que confirmavam a regra, se havia empobrecido e se tornara, exatamente, ‘marxismo da Segunda Internacional’, um marxismo ‘vulgar’, grosseiramente mecanicista, evolucionista, distanciado da filosofia, mera explicação da necessidade das leis do desenvolvimento histórico, frequentemente traduzido em termos de cientificismo positivista (Andreucci, 1982Andreucci, Franco. (1982). A difusão e a vulgarização do marxismo. In: Hobsbawm, Eric (org.). História do marxismo II: o marxismo na época da Segunda Internacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 15-74.: 21-22).
Foi esse marxismo enrijecido operacionalizado pelas leituras economicistas da literatura de Marx e Engels que, de certa forma, continuou a vicejar entre os partidos comunistas nacionais, mesmo após a Revolução de 1917 e a experiência marxista-leninista. Assim, é possível situar e, sobretudo, compreender os contrapontos de Rosa Luxemburgo, Georg Lukács, Karl Korsch, Antonio Gramsci ou Walter Benjamin num processo que durante os anos 1920 e 1930 se ampliou, no sentido de “renovação” do marxismo e reabilitação do pressuposto dialético das análises materialistas da sociedade e de sua cultura correspondente.2 2 Com relação a essa “renovação”, Lukács reafirma essa posição no segundo prefácio de 1967 de História e consciência de classe. Segundo ele, “para o retorno revolucionário ao marxismo, era um dever óbvio, portanto, renovar a tradição hegeliana do marxismo. História e Consciência de Classe significou talvez a tentativa mais radical daquela época de tornar novamente atual o aspecto revolucionário do marxismo por meio da renovação e do desenvolvimento da dialética hegeliana e de seu método. Essa empresa tornou-se ainda mais atual, pois, na mesma época, penetraram na filosofia burguesa certas correntes que procuravam renovar Hegel” (Lukács, 2003: 21-22).
Diferentemente da visão de mundo burguesa, para esses teóricos, civilização e cultura compõem uma única totalidade social na perspectiva do marxismo renovado. Mais que isso: as designações atribuídas, por exemplo, à esfera das artes correspondem também aos modos de vida cuja origem não diz respeito necessariamente a um modo de vida da “alta sociedade”, mas referenda na mesma intensidade o modo de vida operário e das classes populares, ampliando significativamente o conceito de cultura. Portanto, esse marxismo que se redesenhou no entreguerras trouxe à tona outros elementos então obscurecidos pelas tradições ortodoxas para pensar a produção do conhecimento e da própria racionalidade inerente ao desenvolvimento da sociedade europeia.
No que concerne à abordagem realizada por Williams sobre esses aspectos, a partir do fim da década de 1950, nota-se que ele seguiu com o mesmo intento de superar a dicotomia natureza/sociedade ou cultura/civilização e da mesma maneira que sua geração anterior, investiu na hipótese de uma totalidade social identificável nas dinâmicas e práticas culturais - realizando também a crítica ao determinismo próprio da geração de Kautsky, Plekhanov e Bernstein. Segundo Williams
as possibilidades totais do conceito de cultura como um processo social constitutivo, que cria ‘modos de vida’ específicos e diferentes, que poderiam ter sido aprofundados de forma notável pela ênfase no processo social material, foram por longo tempo irrealizadas, e com frequência substituídas na prática por um universalismo abstrato unilinear (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.: 25).
MATERIALISMO CULTURAL E SEUS CONCEITOS ADJACENTES
Quando Williams interpela a cultura entendida como mero resultado da produção reflexiva de seu contexto histórico, passa a refutar também as análises mais comumente aceitas sobre a relação entre base e superestrutura na teoria cultural. Em um de seus ensaios, talvez o de maior repercussão dentro e fora dos círculos de teóricos marxistas, o crítico galês aponta para o seguinte aspecto: “na transição de Marx ao marxismo e no desenvolvimento do marxismo mais difundido, a proposição da base determinante e da superestrutura determinada tem sido comumente considerada a chave para uma análise cultural marxista. […] determinar é de grande complexidade linguística e teórica” (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 43-44). Corroborando as teses da crítica ao marxismo “vulgar”, Williams requisita, com a mesma força crítica, a necessidade de reconsideração da análise e da crítica culturais marxistas ou, ainda, que a análise da cultura possa, em certa medida, contribuir para essa renovação pela qual a teoria marxista passava no pós-Segunda Guerra Mundial. Continua Williams:
A noção mais simples de uma superestrutura, que ainda está longe de ser totalmente abandonada, foi a de “reflexo”, a imitação ou reprodução da realidade da base na superestrutura de uma forma mais ou menos direta. Evidentemente, opções positivistas de reflexo e de reprodução apoiaram diretamente essa visão. […] Na verdade, eu diria que a base é o conceito mais importante a ser estudado se quisermos compreender as realidades do processo cultural. Em muitos usos da proposição da base e da superestrutura, como uma questão de hábito verbal, “a base” passou a ser virtualmente considerada como um objeto ou, em casos menos toscos, de maneiras essencialmente uniformes e usualmente estáticas. […] No entanto, devemos dizer que quando falamos de “base”, estamos falando de um processo, e não de um estado. E não podemos atribuir a esse processo algumas propriedades fixas a serem posteriormente traduzidas aos processos variáveis da superestrutura (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 45-47).
Logo, sua definição de base distancia-se de qualquer tipo de entendimento que não implique processualidade ou que requisite algum sentido abstrato. Para Williams, base é a relação real e concreta dos indivíduos com sua própria condição social. São as relações reais de produção - e suas contradições inerentes - que correspondem a uma fase do desenvolvimento das forças produtivas materiais. É a partir desse aspecto que o materialismo cultural assume importância no interior do sistema analítico de Williams, pois se coloca num movimento a contrapelo daquele entendimento uniforme que abstratamente nominava a materialidade constitutiva como “economia capitalista”. O movimento contrário e significativo da análise do crítico galês, na verdade, restabelece o princípio relacional (dialético) entre multiplicidade e unidade da análise materialista da cultura. É aqui que Williams reforça sua ideia de cultura, considerada todo um modo de vida - concepção reiterada desde a publicação de Cultura e sociedade, em 1958 -, pois os modos de vida, as artes e a vida intelectual, além do sistema de significados e valores, só faz sentido teoricamente se uma noção de cultura ampliada estiver atrelada às dinâmicas sociais do próprio capitalismo. Por mais abstratos que possam ser os produtos culturais, eles constituem a dinâmica de produção e de circulação das obras e ideias, favorecidas pelas instituições e por determinada estrutura que visa sua reprodução simbólica e material.
Mas isso não significa afirmar que, absolutamente, não há determinação de alguns fatores sobre outros, sobretudo no que concerne aos elementos identificados na base sobre a realidade superestrutural. Entretanto, a concepção de “determinação” empregada por Williams escapa a essa relação enrijecida das leituras realizadas a partir de Marx e Engels, mencionadas anteriormente. Segundo o crítico:
o argumento [da determinação] tem sido especialmente importante no marxismo, que com frequência insistiu numa determinação econômica absoluta, juntamente com os fatores políticos, sociais e culturais dependentes - as leis da história e a lei da base (a estrutura econômica da sociedade) e a superestrutura (o restante da vida social) (Williams, 2003Williams, Raymond. (2003). La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión.: 106).
Por isso, Williams compreende a determinação como instrumento para fixar limites e exercer pressões (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 149), considerando, por exemplo, as tensões internas de determinado grupo imerso nas relações sociais mais amplas. Trata-se, pois, de uma relação dialética entre os limites impostos pela realidade social (ou pelas classes dominantes) e as pressões exercidas por diversas práticas sociais para modificar tal realidade, no curso do próprio processo histórico.
De certa forma, é o conceito de hegemonia que permite a análise do processo de determinação, que possibilita elaborar ou descrever a síntese da produção e reprodução da cultura. Segundo Maria Elisa Cevasco, “essa descrição possibilita ver como se dá a determinação em uma sociedade de classes combinando os aspectos de uma totalidade de práticas sociais” (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 149). Noutros termos, para Williams a hegemonia é a melhor maneira de analisar a totalidade social sem posicionar secundariamente a cultura e sua dimensão de classe.
É interessante notar como a definição de hegemonia proposta por Williams aproxima-se muito da noção gramsciana, bem como das relações culturais daí resultantes, pois segundo o crítico, a hegemonia
[…] é todo um conjunto de práticas e expectativas sobre a totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso mundo. É um sistema vivido de significados e valores - constituídos e constituintes - que, ao serem experimentados como práticas, parecem confirmar-se reciprocamente. Constitui assim um senso da realidade para a maioria das pessoas na sociedade, um senso de realidade absoluta, porque experimentada, e além da qual é muito difícil para a maioria dos membros da sociedade movimentar-se, na maioria das áreas de sua vida. Em outras palavras, é no sentido mais forte uma “cultura”, mas uma cultura que tem também de ser considerada como o domínio e subordinação vividos de determinadas classes (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.: 113).
Em resumo, a hegemonia só pode ser percebida como processo complexo, nunca como sistema ou estrutura. O mesmo vale para a compreensão dos elementos sociais que constituem sua ideia de base na sua mais ampla heterogeneidade. Elementos que só podem ser objetivamente identificados se consideradas as formações culturais que organizam e são organizadas por esses agentes/instituições, os quais permitem dar realce da unidade na diversidade e vice-versa. Ou nas palavras de Williams,
[…] nenhum relato sobre uma formação pode ser feito sem atentar para as diferenças individuais em seu interior. Pode-se observar que formações dos tipos mais modernos ocorrem, tipicamente, em pontos de transição e intersecção no interior de uma história social complexa, mas os indivíduos que ao mesmo tempo constroem as formações e por elas são construídos têm uma série bastante complexa de posições, interesses e influências diferentes, alguns dos quais são resolvidos pelas formações (ainda que, por vezes, temporariamente) e outros que permanecem como diferenças internas, como tensões e, muitas vezes, como fundamentos para as divergências e rupturas subsequentes e para tentativas posteriores de novas formações. […] É, pois, aprendendo a estudar a natureza e a diversidade das formações culturais que poderemos caminhar na direção de uma compreensão mais adequada dos processos culturais mais imediatos da produção cultural (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 85).
Após esse detalhamento preliminar, poderíamos indagar com Williams: “quais são então as implicações dessa análise geral para a análise de obras de arte específicas? Essa é a questão à qual a maioria das discussões da teoria da cultura parece estar dirigida: a descoberta de um método, talvez mesmo uma metodologia, por meio da qual obras de arte específicas possam ser entendidas e descritas” (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 63). Ora, depreende-se que o esforço do crítico está justamente em compor algumas balizas que, ao mesmo tempo, façam frente às noções comumente aceitas de cultura como reflexo histórico (do reflexo da base na superestrutura) e estabeleçam um novo ordenamento dos sujeitos e das práticas culturais, dentro e fora das instituições e das formações culturais. Portanto, a relação entre a produção cultural e sua recepção é ativa e está sujeita a diferentes formas de organização social. Por ser compreendido como um processo, Williams postula que não se deve atomizar o objeto artístico ou dada produção cultural das relações sociais nas quais foram instituídos seu significado e valor. Antes disso, para se compreender em detalhes o processo de criação, é necessário determinar os vínculos materiais (concretos) da prática do artista ou intelectual com as estruturas que permitem a circulação da obra e, por fim, engendrar significantes e significados no seu ato de recepção. Se não há nada situado fora do processo histórico, não há razão para que a dimensão cultural escape a essa determinação - na acepção do conceito apresentado anteriormente. Afinal, uma obra apenas ganha sentido quando essa processualidade histórica é considerada em conjunto com todos os componentes materiais que, pelas mediações sociais, formam aquilo que chamamos de cultura. Noutras palavras: na análise da produção cultural não dispomos de mecanismos internos ou inerentes que fundam a obra ou o objeto artístico, mas práticas sociais que organizam a ação dos sujeitos para uma intencionalidade sugerida pela determinação que, por sua vez, está sujeita às “influências” de uma cultura dominante, residual ou emergente.
Por cultura residual, podemos compreender aquelas experiências,significados e valores colocados em movimento como resíduos no interior da cultura dominante, oriundos de formações sociais anteriores, que se originaram no passado e que persistem, mesmo com a mudança da estrutura social. Williams utiliza alguns valores religiosos - não das religiões em si - para demonstrar a permanência de certos componentes seculares em representações culturais modernas. O crítico também revela como agentes da cultura dominante fazem concessões a aspectos residuais de uma formação social anterior com objetivo de manter certa hegemonia e, desse modo, controlar a produção social de sentido, sobretudo destinadas àqueles que, apesar de constarem a mudança, ainda preservam consigo elementos de formação social precedente. Segundo Williams,
Só podemos entender essa relação se fizermos distinções que, normalmente, exigem análises bastante precisas entre o residual incorporado e o residual não incorporado, e entre o emergente incorporado e o emergente não incorporado. […] Nossa tarefa mais difícil, teoricamente, é encontrar uma explicação não metafísica e não subjetivista para a prática cultural emergente. Além disso, parte de nossa resposta a essa questão incide sobre o processo de persistência de práticas residuais (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 58-59).
Como suscitado na citação, a cultura emergente é um tipo de configuração oposta à residual, na medida em que nela são articulados novos significados, valores, práticas, sentidos e experiências que emergem da forma mais rotineira possível. Mas vale frisar que ambas se relacionam no interior da análise materialista da cultura, pois juntas servem de ferramenta para identificar estrutural e materialmente a mudança social antes só identificável no plano das representações simbólicas. A ideia de Williams, sugerida com o uso das categorias de residual e emergente, é capturar a mobilidade naquilo que aparentemente se mostra inerte ou que se apresenta de modo estático em respeito a uma análise tradicional e não dialética. Ao aplicar as categorias de residualidade e emergência, Williams empreende esforço para capturar a mudança da transição e a transição da mudança tal qual a experiência fotográfica de Eadweard Muybridge (1830-1904) e seus “cavalos em movimento”3 3 Sobre os experimentos fotográficos em questão, consultar Muybridge (1985). . Uma vez que a cultura emergente não se fundamenta num estatuto ou num marco divisor, ela só pode ser compreendida como descrição do próprio movimento da realidade social concreta.
PRODUÇÃO CULTURAL E ESTRUTURA DE SENTIMENTO
Outro conceito de extrema importância surge na construção dessa abordagem dialética da cultura de Williams, tendo por base suas dimensões materiais e sua processualidade histórica. Trata-se da “estrutura de sentimento” e sua aplicação nas pesquisas em ciências humanas. Na definição sintética proposta por Maria Elisa Cevasco, a “estrutura de sentimento é uma determinação em processo”, ou seja, ela reposiciona o conceito de determinação sócio-histórica não como sinônimo de imobilismo analítico, mas como expressão de uma tensão entre elementos residuais e emergentes, objetos da análise cultural. Noutras palavras, a
[…] estrutura de sentimento é fundamental para um analista da cultura interessado não só em formas estruturadas e consagradas, mas especialmente na emergência do novo, do que pode articular mudança na cultura e na sociedade, no significado e no referente. […] Logo, a estrutura de sentimento é então uma resposta a mudanças determinadas na organização social, é a articulação do emergente, do que escapa à força acachapante da hegemonia, que certamente trabalha sobre o emergente nos processos de incorporação, através dos quais transforma muitas de suas articulações para manter a centralidade da dominação (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 157-158).
O que se deduz dessa abordagem, permitindo uma nova compreensão do binômio razão versus sensibilidade - tão cara a uma noção burguesa de cultura versus civilização -, é que não se pressupõe a contraposição entre sentimento e pensamento. Numa recomposição estrutural dos elementos que constituem sua materialidade, o pensamento é considerado tal como sentido e o sentimento tal como pensado, isto é, tal conceito (estrutura de sentimento) abarca “a consciência prática de um tipo presente, numa continuidade viva e inter-relacionada” (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.: 134). Além disso, sem perder de vista elementos da experiência social e material, a ideia de estrutura de sentimento pode se relacionar a formas e convenções da poesia, por exemplo, as quais tanto são inseparáveis do processo material social vivido como podem estar ligadas às mutações de uma classe social, que, por sua vez, estão entrelaçadas a mudanças mais amplas da sociedade.
Dessa forma, Raymond Williams busca reconciliar os significados de cultura como atividade criativa e todo um modo de vida concreto que a sustenta materialmente. Um esforço do crítico destinado a ampliar a capacidade de compreensão da produção cultural e seus instrumentos sociais, por sua vez, ilumina uma modificação contínua em que os agentes sociais transformam e são transformados, ou seja, tanto são produtores da sociedade como, em uma relação dialética, são produzidos por ela.
Williams (2011bWilliams, Raymond. (2011b). Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis: Vozes.: 20-21) salienta que quem se dedica ao estudo da linguagem, por exemplo, adentra um universo em que palavras e sequências de palavras usadas por certos indivíduos demonstram a busca de atribuição de sentido à sua experiência e, dessa forma, são elementos-chave para se abordar desenvolvimentos gerais do significado na linguagem, sendo tais desenvolvimentos sempre mais do que pessoais. Em Cultura e sociedade, não por acaso, Williams (2011bWilliams, Raymond. (2011b). Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis: Vozes.) recorre algumas vezes às contribuições de poetas, flagrando de um ângulo/testemunho privilegiado autores como Lord Byron, Wordsworth, Coleridge e Southey. Suas produções permitem ao crítico literário apreender uma grande experiência, a partir da qual a própria poesia era feita, correlata às “primeiras apreensões da significância da Revolução Industrial, que todos sentiram e nenhum deles evitou” (Williams, 2011bWilliams, Raymond. (2011b). Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis: Vozes.: 56). Nesse sentido, a linguagem, a um só tempo forma e conteúdo, inclui, por vezes de maneira involuntária, as relações reais do escritor e de outros, assim como a tensão entre essas relações e as relações conscientes (Williams, 2014Williams, Raymond. (2014). A produção social da escrita. São Paulo: Editora Unesp .: 100). Nenhuma arte, por mais que tenha características bastante específicas como prática, a exemplo da poesia, pode ser separada do processo social geral.
Com efeito, e retomando o argumento de Cevasco (2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.), o projeto intelectual de Raymond Williams é “descrever, através da análise da produção cultural, a unidade qualitativa do processo social. A análise é da cultura, por que [sic] é também lá que a existência está concretizada em ‘forma’, e é preciso reclamar essa concretude contra os que insistem em mistificá-la” (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 181). Assim, dessa perspectiva,
o valor de uma obra de arte individual reside na integração particular da experiência que a sua forma plasma. Essa integração é uma seleção e uma resposta ao modo de vida coletivo sem o qual a arte não pode ser compreendida e nem mesmo chegar a existir, uma vez que seu material e seu significado vêm deste coletivo (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 48).
Ficam evidentes, então, a busca daquela prática que foi alienada em um objeto e a recuperação das condições materiais e estruturais que foram alienadas dessa prática. Retomando o fio condutor de sua análise, Williams (1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.; 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .) assevera que o residual pode ser definido como as experiências, os significados e os valores que não podem ser verificados ou expressos objetivamente nos termos da cultura dominante, mas que são vividos e praticados como resíduos de formações sociais anteriores; enquanto o emergente diz respeito a novos significados, práticas, sentidos, experiências e valores que são continuamente criados; e o dominante se refere a traços e características dominantes, sintetizados na chamada análise de época em expressões como cultura burguesa, por exemplo. É necessário observar “como se realiza essa relação temporal entre, por um lado, a cultura dominante e, por outro, a cultura residual ou a emergente” (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 57). Nesse processo, certa parte e certa versão de um elemento residual pode ser implementada pela cultura dominante efetiva, e é pela incorporação daquilo que é ativamente residual que o trabalho da tradição seletiva se faz evidente, consistindo a última no modo segundo o qual, a partir de toda uma área possível do passado e do presente, certas práticas e significados são escolhidos e enfatizados, enquanto outros são excluídos (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 54). É assim, partindo dessa premissa fundamental do materialismo cultural, que a estrutura de sentimento se objetiva como determinação em movimento.
Tal dinâmica evoca o que Williams (2003Williams, Raymond. (2003). La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión.: 60) denomina como tradição seletiva, pois a cultura tradicional de uma sociedade, como a que é convencionalmente descrita, jamais é mera reprodução passiva do seu passado, tendendo sempre a corresponder a seu sistema contemporâneo de interesses e valores, porque não se trata de uma massa absoluta de obras, mas de uma seleção, interpretação e (in)corporação contínuas. Como salienta Cevasco (2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.), toda tradição funciona “como um elemento formador do presente, apresentando uma versão do passado deliberadamente criada para estabelecer uma conexão com o presente e ratificar seus significados e valores” (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 73). Conforme destaca Williams (2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 54), o ponto-chave do processo de tradição seletiva é precisamente a seleção, fator a partir do qual opera a estrutura de sentimento, ou a determinação social em movimento. Como podemos ver por meio do exemplo apresentado pelo crítico:
O impulso do artista, como qualquer impulso comunicativo humano, está na importância sentida de sua experiência; mas sua atividade é o trabalho concreto de transmissão. […] A “descrição” de sua experiência é, em primeira instância, um assunto de máxima importância pessoal para qualquer ser humano, pois é uma reconstrução literal de si mesmo, uma mudança criativa de sua organização pessoal, para incorporar e controlar essa experiência. De fato, com frequência essa luta para nos refazer - para mudar nossa organização pessoal a fim de viver uma relação apropriada com nosso ambiente - é dolorosa. […] Para o indivíduo, desde sempre, a luta consiste em se comunicar com êxito mediante uma descrição adequada. […] consciência e realidade se interpenetram. Como o ser humano em geral, o artista se refaz por seu trabalho, que é uma reconstrução do meio e - na aprendizagem do trabalho - de si mesmo. […] O artista trabalha o material até ficar “bem”, mas quando o material está bem ele também está: a obra de arte é feita e o artista refeito, em um processo contínuo (Williams, 2003Williams, Raymond. (2003). La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión.: 39-40).
Fica evidente a relação estabelecida pelo autor sobre a indissociabilidade da produção cultural e do processo de criação artística, visto que ambas estão envolvidas por uma estrutura de sentimento que, por sua vez, reposiciona num movimento dialético os elementos residuais e emergentes mobilizados por essa mesma estrutura social que contém esse movimento, essas práticas.
GRUPOS, MOVIMENTOS E FORMAÇÕES CULTURAIS
A discussão que muitas vezes se apresenta para o pesquisador ou para a pesquisadora da área das ciências humanas e sociais é como instrumentalizar esse conjunto de ferramentas metodológicas para analisar determinada produção cultural, artística, seus agentes e promotores. Em geral, a questão suscitada inicialmente é como operar uma análise que, de certo modo, recupere uma noção de totalidade histórica evocada pelo crítico desde 1958, mas que não considere secundárias práticas específicas no interior de pequenos grupos, movimentos e formações culturais. Conforme argumenta Williams (2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 202), um pequeno grupo, um movimento ou um círculo podem parecer muito marginais, pequenos ou efêmeros para exigir uma análise social ou histórica mais ampla. Entretanto, sua relevância como um fato cultural e social de caráter geral deve ser levada em consideração, uma vez que suas respectivas organizações internas podem revelar mais sobre a sociedade em que estão imersos do que propriamente sobre as relações burocráticas que os mantêm organizados, seja como grupo, movimento ou formação.
Neste momento, vale recuperar a abordagem proporcionada por Williams para as formações culturais específicas, pois, como dito, a relevância dos pequenos círculos como um fato cultural e social de caráter geral é considerável, seja no que eles fizeram, seja no que seus modos de realizar revelam sobre as sociedades com as quais eles mantêm relações incertas. Segundo Williams (2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 202), nos casos desses grupos, é preciso perguntar se algumas das suas ideias e atividades partilhadas foram elementos da sua amizade, colaborando para a sua formação e distinção como grupo, assim como identificar elementos que demonstrem a maneira como estabeleceram relações que, eventualmente, apontem para condicionantes sociais e culturais mais amplos. Esse é o “ponto central da análise social e cultural de qualquer tipo: investigar não apenas as ideias e atividades manifestas, mas também as posições e ideias que estão implícitas e mesmo tomadas como certas” (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 203).
Dito isso, ao analisar o círculo de Bloomsbury - um dos agrupamentos responsáveis por inserir o modernismo nas artes inglesas, que reuniu intelectuais como a escritora Virginia Woolf (1882-1941), o economista John Maynard Keynes (1883-1946), o filósofo e crítico de arte Clive Bell (1881-1964), o romancista E. M. Forster (1879-1970), entre outros -, Williams (2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .) frisa que
[…] os conceitos pelos quais esses grupos são reconhecidos pertencem, essencialmente, às definições e perspectivas dos próprios grupos, de modo que qualquer análise que prossiga daí tenderá a ser interna e circular. É assim, por exemplo, com o conceito de […] “cultura de minoria”, em que Clive Bell, do Círculo de Bloomsbury, F. R. Leavis, da Scrutiny, confiaram de suas diversas maneiras. A questão não é interrogar sobre a inteligência ou a erudição desses grupos que se autodefinem. Trata-se de relacioná-los, em suas formas específicas, com as condições mais amplas que os conceitos […] implicam e obscurecem. Isso significa colocar questões sobre a formação social de tais grupos dentro de um contexto deliberado de uma história muito mais ampla, envolvendo relações de classe social e de educação bastante gerais (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 204, grifo nosso).
Com efeito, o fundamental é investigar a significação cultural desses grupos para além da sua apresentação como um “grupo de amigos”, sem negligenciar os elementos de amizade, mas também sem assumir as restrições proporcionadas por tais termos, o que pode resultar numa evasão da significância geral do grupo. É necessário recuperar os termos com que seus integrantes se identificavam e queriam ser apresentados e analisá-los a partir de seus significados sociais mais amplos. Analogamente, é preciso perceber como os valores que ligam os integrantes do círculo não são codificados institucionalmente, estando entrelaçados tanto a um corpo de práticas como à estrutura de sentimentos desse agrupamento (Williams, 2011aWilliams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .: 202). Nas palavras de Maria Elisa Cevasco,
O artista pode até perceber como única a experiência para a qual encontra uma forma, mas a história da cultura demonstra que se trata de uma resposta social a mudanças objetivas. O mais usual é que na história da cultura essas respostas supostamente únicas sejam depois reunidas como característica de um grupo ou “formação”, outro termo recorrente nas análises de Williams. Mas é também bastante comum que estes grupos só sejam formados em retrospecto: enquanto estão lidando com as novas formas e convenções, os artistas e pensadores podem muito bem achar que se trata de uma resposta individual e única, mas trata-se de fato de uma forma comum de ver, já que é comunicável e inteligível para outros membros da mesma comunidade […] (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 153, grifo nosso).
Isso posto, também é necessário avançar na percepção de que certas formações culturais não por acaso ocorrem num ciclo de sensível transição no interior de uma história social complexa. Em circunstâncias como essas entra em cena o artista. Ele, como pontua Cevasco, relembrando algumas sugestões de Williams (2003Williams, Raymond. (2003). La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión.), apesar de compartilhar a imaginação criativa que todos temos, tem um diferencial: o de utilizar uma habilidade aprendida e especializada para encontrar e organizar novas descrições da experiência e transmiti-las (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 53). No caso específico do círculo de Bloomsbury, é necessário frisar que o círculo tinha a destreza descrita por Cevasco, que não era característica das frações de origem de seus membros como um todo, o que conferia a eles a habilidade para organizar novas descrições da experiência. Além disso, a investigação sobre o círculo de Bloomsbury permitiu ao crítico galês argumentar que essa formação cultural específica, considerada precursora e expressão de uma ruptura profunda, na realidade pode ser compreendida como continuísta e, com maior profundidade, já revelava que o processo de modernização britânico seria conservador.
O INTELECTUAL E O ARTISTA COMO PRODUTORES SOCIAIS DE CULTURA
Por fim, um último aspecto se torna fundamental nessa abordagem da teoria e da metodologia empregada por Williams no seu esforço de sistematização do materialismo cultural e das suas formas sociais. Trata-se do tema dos intelectuais e dos artistas que, a rigor, constituem o alicerce das análises do crítico, visto que é na figura de intelectuais e artistas que confluem boa parte dos conceitos abordados neste artigo. O tema dos intelectuais na obra de Williams estrutura-se, sobretudo, a partir de três aspectos: (i) da sua atividade em relação à organização social da cultura; (ii) dos grupos culturais; (iii) das práticas culturais, na forma em que aparecem no seu conceito de “estrutura de sentimento”. Esses aspectos foram deliberadamente desmembrados pelos autores no decorrer da análise com propósito de apresentá-los da forma mais didática possível, entretanto, é necessário lembrar que eles devem sempre ser apreendidos articuladamente, não representando conceitos atomizados sem relação entre si.
Ao partir de uma noção de cultura, como “sistema de significações realizado”, o autor sustenta que o estudo dos processos culturais deve estar atento ao caráter ativo de sua realização, ou seja, é preciso operar com um sentido de cultura que permita o estudo das práticas significativas que produzem, reproduzem e relacionam as diversas instituições, formações, práticas e obras que lhe são pertinentes (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 206-208). Nesse roteiro teórico, o autor se depara com o problema de uma abordagem empírica que marca os estudos sobre a organização social da cultura: a questão do status social e da formação social dos intelectuais (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 212-213).
O crítico amplia os termos de referência sociológica, permitindo-nos abordar essa figura social como um tipo de produtor cultural marcado, como os demais, por uma dupla especialização: como determinado tipo de trabalho cultural e como relações específicas dentro de um sistema social organizado (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 216). Se na caracterização da função dos intelectuais nos deparamos com certo “manuseio especializado de ideias”, na perspectiva de Williams - que deve muito à leitura do exercício da “função intelectual” de Gramsci - encontramos a noção de inteligência envolvida em todas as relações sociais de produção:
[…] porque “ideias” e “conceitos” - as preocupações especializadas dos “intelectuais” no sentido moderno - são tanto produzidos quanto reproduzidos dentro da estrutura social e cultural global, por vezes diretamente como ideias e conceitos, mas também, de modo mais amplo, na forma de instituições modeladoras, relações sociais expressas, ocasiões religiosas e culturais, modalidades de trabalho e desempenho: na verdade, no sistema de significações como um todo e no sistema que ele exprime (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 215).
Isso significa afirmar que a particularidade dessa modalidade de produção cultural deve ser compreendida no interior das relações de subordinação e dominação que marcam os sistemas sociais organizados, enfatizando - no caso das sociedades contemporâneas - tanto o grau de distância relativa ou autonomia relativa quanto os tipos de integração desses produtores com os processos mais gerais de produção e reprodução social (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 216-219).
Aqui se pode reafirmar a necessidade premente de compreender as representações que os intelectuais constroem a respeito de si mesmos (Said, 2005Said, Edward. (2005). Representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo: Companhia das Letras.: 26), sobretudo no que concerne à estruturação de uma sociologia dos intelectuais, porque a tarefa de entender o que é e quem é o intelectual implica necessariamente a investigação dessa autorrepresentação (Passiani, 2018Passiani, Enio. (2018). Figuras do intelectual: gênese e devir. Sociologias, 20/47, p. 16-47.: 36).
Cumpre frisar que a reflexão levada a cabo pelo crítico sobre esse tema toca em outro ponto importante de sua teoria da cultura, o das formações culturais, conforme anteriormente mencionado. Isto é, o problema da análise dos intelectuais passa pela necessidade de manejarmos “não só as instituições gerais e suas relações típicas, mas também as formas de organização e de auto-organização que parecem muito mais próximas da produção cultural” (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 57), colocada em movimento por artistas e intelectuais no seu processo social de produção. Ou nas palavras do próprio crítico,
[…] se deduzirmos vinculações culturais significativas apenas do estudo das instituições, correremos o risco de deixar escapar alguns casos importantes em que a organização cultural não tiver sido, em qualquer de seus sentidos comuns, institucional. De modo particular, poderemos deixar escapar o fenômeno muito surpreendente do “movimento” cultural, que tem sido tão importante no período moderno (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 35).
Ao partir dessa premissa, verifica-se que é na análise das relações internas de cada formação singular e das relações externas que ela estabelece com a ordem geral que se torna possível uma compreensão das relações sociais da produção cultural enquanto prática e processualidade (Williams, 2000Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra . : 85), porque a disposição intelectual e do artista remete necessariamente à dimensão social de sua atividade e da capacidade (autonomia) de sua intervenção. Como observou Gérard Leclerc: “o intelectual isolado não existe. Ser um intelectual é pertencer conscientemente e de alguma maneira à coletividade dos pares: é ler os jornais, é estar a par dos debates, é fazer ouvir sua voz no ‘pequeno mundo’ dos intelectuais.” (Leclerc, 2004Leclerc, Gérard. (2004). Sociologia dos intelectuais. São Leopoldo: Unisinos.: 73).
Por fim, o último aspecto relevante presente na análise de Williams sobre a atividade social de intelectuais e artistas é o seu conceito de estrutura de sentimento, que se apresenta como ferramenta metodológica de interpretação da atividade intelectual e artística. Isso porque, como vimos anteriormente, se a estrutura de sentimento é a determinação em movimento, o que realmente importa na observação da circulação de intelectuais e artistas é a descrição da “relação dinâmica entre experiência, consciência e linguagem, como formalizada e formante na arte, nas instituições e tradições” (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 151). Essa relação dinâmica, por sua vez, é apreendida na forma de tensão entre passado e presente na experiência histórica da produção cultural e o que do passado sobrevive no presente (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.: 130-131). Noutras palavras,
O termo é difícil, mas “sentimento” é escolhido para ressaltar uma distinção dos conceitos mais formais de “visão de mundo” ou “ideologia”. Não que tenhamos apenas de ultrapassar crenças mantidas de maneira formal e sistemática, embora tenhamos sempre de levá-las em conta, mas que estamos interessados em significados e valores tal como são vividos e sentidos ativamente, e as relações entre eles e as crenças formais ou sistemáticas são, na prática, variáveis (inclusive historicamente variáveis) (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.: 134).
De acordo com Cevasco, o recurso ao conceito de estrutura de sentimento postula a necessidade de “descrever a presença de elementos comuns em várias obras de arte do mesmo período histórico que não podem ser descritos apenas formalmente, ou parafraseados como afirmativas sobre o mundo: a estrutura de sentimento é a articulação de uma resposta a mudanças determinadas na organização social” (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 153). Ainda que artistas e intelectuais vivam a experiência da produção ou mesmo racionalizem essa experiência por intermédio da elaboração de um romance ou de uma montagem teatral, é somente numa fase ulterior que os elementos constituintes dessa estrutura de sentimento serão passíveis de identificação e exame (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.: 134). Nas palavras do autor:
Metodologicamente, portanto, uma “estrutura de sentimento” é uma hipótese cultural, derivada na prática de tentativas de compreender esses elementos e suas ligações, numa geração ou período, e que deve sempre retornar, interativamente, a essa evidência. É inicialmente menos simples do que as hipóteses mais formalmente estruturadas do social, mas é mais adequada à gama prática da evidência cultural: historicamente certa, mas ainda mais (e é o que tem maior importância) em nosso atual processo cultural. A hipótese tem relevância especial para a arte e literatura, onde o verdadeiro conteúdo social está num número significativo de casos desse tipo presente e afetivo, que não podem ser reduzidos sem perda a sistemas de crença, instituições, ou relações gerais explícitas, embora possa incluir todas essas como vividas e experimentadas, com ou sem tensão, como também inclui elementos sistemáticos reconhecíveis em outros pontos. […] A ideia de uma estrutura de sentimento pode estar especificamente relacionada com a evidência de formas e convenções - figuras semânticas - que, na arte e literatura, estão com frequência entre os primeiros indícios de que essa nova estrutura está se formando (Williams, 1979Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.: 135, grifo nosso).
Nessa elaboração hipotética e a posteriori, há uma tentativa do crítico em “descrever como as práticas sociais e hábitos mentais [de intelectuais e artistas] se coordenam com as formas de produção e de organização socioeconômica que as estruturam em termos do sentido que consignamos à experiência do vivido” (Cevasco, 2001Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.: 97).
Conjugados, esses três elementos fornecem instrumentos a quem pretende tomar os intelectuais/artistas como tema de análise, bem como a forma como Williams os representa no interior do seu sistema analítico. Como procuramos demonstrar, tais elementos apontam para uma compreensão ampliada dos limites e das dificuldades da inserção desses profissionais numa estrutura social de produção da cultura, logo, contrapondo-se a conceituações abstratas e possibilitando a recomposição da figura do intelectual e do artista num processo dinâmico que transforma e é transformado num sistema de significações realizado. Com esse procedimento, pode-se compreender a processualidade de grupos de intelectuais e artistas como resultado dinâmico das interações dos indivíduos no interior da formação social, não mais de forma atomizada, mas nas especificidades de sua atividade cultural e na forma como colaboram ativamente para produção e reprodução cultural no âmbito de uma ordem social historicamente determinada.
Ainda, pode-se ajustar as lentes para pensar o aspecto coletivo e social de seu estatuto, examinando suas produções e intervenções no plano da experiência social e histórica vivida, e objetivada nos elementos que condicionam suas práticas significativas. Considerando essas práticas significativas a partir da tensão entre representação e autorrepresentação nelas inscrita, a análise cultural dos grupos de intelectuais e artistas pode colaborar para a evidenciação do significado histórico e sociológico de sua atividade.
REFERÊNCIAS
- Andreucci, Franco. (1982). A difusão e a vulgarização do marxismo. In: Hobsbawm, Eric (org.). História do marxismo II: o marxismo na época da Segunda Internacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 15-74.
- Cevasco, Maria Elisa. (2001). Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.
- Leclerc, Gérard. (2004). Sociologia dos intelectuais. São Leopoldo: Unisinos.
- Lukács, Georg. (2003). História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes.
- Muybridge, Eadweard. (1985). Horses and other animals in motion. New York: Dover Publications.
- Passiani, Enio. (2018). Figuras do intelectual: gênese e devir. Sociologias, 20/47, p. 16-47.
- Said, Edward. (2005). Representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo: Companhia das Letras.
- Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp.
- Williams, Raymond. (2014). A produção social da escrita. São Paulo: Editora Unesp .
- Williams, Raymond. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra .
- Williams, Raymond. (2011a). Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp .
- Williams, Raymond. (2011b). Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis: Vozes.
- Williams, Raymond. (2003). La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión.
- Williams, Raymond. (1979). Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
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1
Sobre sua situação como estudante em Cambridge, no fim da década de 1930, Williams afirmou que, ao participar do chamado Clube Socialista, “os pontos de referência centrais eram Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico e Anti-Dühring, de Engels. Esses livros eram considerados, de certa forma, os textos definidores, sobretudo o primeiro. Marx era muito menos discutido, embora nos fosse recomendado a ler O Capital, e comprei uma cópia. Estudei o livro durante aquele ano, mas com dificuldades usuais do primeiro capítulo. Só muito mais tarde conheci Marx para além do autor de O Capital. Tenho razões para crer que essa foi uma introdução bastante normal ao marxismo” (Williams, 2013Williams, Raymond. (2013). A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp. : 25).
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2
Com relação a essa “renovação”, Lukács reafirma essa posição no segundo prefácio de 1967 de História e consciência de classe. Segundo ele, “para o retorno revolucionário ao marxismo, era um dever óbvio, portanto, renovar a tradição hegeliana do marxismo. História e Consciência de Classe significou talvez a tentativa mais radical daquela época de tornar novamente atual o aspecto revolucionário do marxismo por meio da renovação e do desenvolvimento da dialética hegeliana e de seu método. Essa empresa tornou-se ainda mais atual, pois, na mesma época, penetraram na filosofia burguesa certas correntes que procuravam renovar Hegel” (Lukács, 2003Lukács, Georg. (2003). História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes.: 21-22).
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3
Sobre os experimentos fotográficos em questão, consultar Muybridge (1985Muybridge, Eadweard. (1985). Horses and other animals in motion. New York: Dover Publications.).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
24 Out 2022 -
Aceito
28 Nov 2022