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A IMPORTÂNCIA DAS VANTAGENS LOCACIONAIS E DOS SERVIÇOS PRODUTIVOS NAS INDÚSTRIAS AUTOMOTIVAS ASIÁTICAS NO ESTADO DE SÃO PAULO: O CASO DE PIRACICABA, INDAIATUBA E SUMARÉ

The importance of local advantages and productive services in asian automotive industries in São Paulo state: the case of Piracicaba, Indaiatuba and Sumaré

RESUMO

A atividade industrial, especialmente no setor automotivo, a partir da década de 1970, passou a demandar cada vez mais serviços produtivos desde atividades mais simples, tais como: segurança, limpeza, alimentação, por exemplo, até serviços mais sofisticados (marketing, design, informática, dentre outros). Tais serviços envolvem uma gama de atividades que podem ser intensivas em capitais, tecnologias e mão de obra altamente especializada. A implantação da Hyundai em Piracicaba, em 2012; da Toyota em Indaiatuba em 1998 e da Honda em Sumaré em 1997, revela a importância do interior do estado de São Paulo na atração de indústrias asiáticas. O presente artigo tem por objetivo analisar a importância das vantagens locacionais e dos serviços produtivos nas indústrias asiáticas nos municípios mencionados que constituem o recorte espacial dessa investigação científica. Além da introdução e das considerações finais, serão abordados os aspectos conceituais e as tipologias dos serviços para a atividade industrial; a importância das vantagens locacionais para as indústrias automotivas asiáticas no estado de São Paulo e a relevância dos serviços produtivos e de outros fatores locacionais para as indústrias automotivas pesquisadas.

Palavras-chaves:
Vantagens Locacionais; Serviços Produtivos; Indústrias Automotivas Asiáticas

ABSTRACT

The industrial activity, mainly at automotive sector, after the 1970s, started to demand, increasingly, productive services since simple activities, such as: safety, cleanliness, food, for instance, until sophisticated services (marketing, design, computer, among others). This kind of service involves a group of activities that may be intensive in capital, technology and highly skilled labour. The implantation of Hyundai in Piracicaba city, in 2012; Toyota in Indaiatuba city, in 1998 and Honda in Sumaré city, in 1997, reveals the importance of countryside of São Paulo state in attraction of Asian industries. The present paper has the objective to analyse the importance of local advantages and productive services at Asian industries in mentioned cities that represent the spatial area of this research. Besides the introduction and final considerations, this paper will deal the conceptual aspects and the typology of services to industrial activity; the importance of local advantages to Asian automotive industries in São Paulo state and the relevance of productive services and other locational factors to automotive industries researched.

Keywords:
Local Advantages; Productive Services; Asian Automotive Industries

INTRODUÇÃO

A desintegração vertical de uma indústria ocorre quando as diferentes etapas da produção não se efetivam no mesmo local. Essa tendência tornou-se muito comum, o que explica a multiplicação de pequenas e médias empresas prestadoras de serviços, sejam eles sofisticados ou não.

Essa reestruturação produtiva pode ser feita, também, por meio de relações interindustriais (linkages), manifestando-se em fluxos materiais e imateriais. As linkages consistem nas conexões de insumo-produto entre as indústrias oriundas da externalização de etapas produtivas, por meio de processos de subcontratação de outras fábricas e/ou de trabalhadores, expandindo a produção.

A implantação de filiais em outros continentes pode ser considerada uma estratégia de aumento da produtividade. As empresas direcionam seus investimentos em países periféricos ou emergentes, como o Brasil, uma vez que oferecem mão de obra e matérias-primas relativamente baratas e, acima de tudo, mercado em potencial para as multinacionais. Tais países passam a funcionar como verdadeiras “plataformas de produção/exportação”, evidenciando o uso do território pelo grande capital.

Nos últimos anos, as economias mais avançadas passaram por inúmeras mudanças entre as quais se destacam: a internacionalização das atividades econômicas, a reorganização das multinacionais; a crescente interdependência entre bens e serviços; a inovação tecnológica; o aumento da procura da força de trabalho altamente qualificada, ao mesmo tempo que desaparecem empregos rotineiros devido às mudanças tecnológicas e crescem os serviços desqualificados; o incremento da volatilidade e da complexidade dos sistemas de consumo; a mudança no papel do Estado; a valorização das qualificações dos serviços; a inovação social associada aos novos valores, atitudes e comportamentos; o surgimento de novos tipos de consumo; a valorização das questões culturais. Acredita-se que os serviços tiveram um papel determinante nessas mudanças (ALVES, 2005ALVES, T. Geografia dos Serviços. Estudos para o planejamento Regional e Urbano, Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa, nº 65, 2005.).

As mudanças trazidas pelas novas tecnologias no bojo do paradigma da “especialização flexível” (robôs, automação flexível, telecomunicações, informática, etc.) têm ocasionado profundas e rápidas transformações no sistema produtivo e organizacional das indústrias e das empresas, principalmente no que tange ao conteúdo de conhecimento; informação; serviços produtivos especializados (sofisticados); Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I); Ciência e Tecnologia (C&T) e aprendizagem, agregados ao processo de produção e aos produtos (MENDES, 2007MENDES, A. A. Quando o espaço determina a indústria: o exemplo do condomínio empresarial Atibaia. Tese de Livre-Docência. UNESP, Rio Claro, 2007.).

De acordo com o autor citado, a própria empresa mudou seu modelo organizacional para adaptar-se às condições de imprevisibilidade do mercado, da competição, da concorrência e, principalmente, das novas exigências espaciais. As firmas e as fábricas passaram a adotar novas estratégias, que parecem apresentar as seguintes tendências: organização em torno do processo, não da tarefa; gerenciamento em equipe; preocupação com a satisfação dos clientes; maximização dos contatos com fornecedores; maior contratação de serviços produtivos; informação e treinamento de funcionários em todos os níveis. Para operar na economia global, as indústrias tiveram que se tornar, principalmente, mais “flexíveis”. Trata-se, assim, de flexibilidade locacional, tecnológica, da mão de obra, entre outras.

A desintegração da produção abre espaço para relações intersetoriais fortemente sinérgicas com fornecedores (parcerias) e clientes, criando condições estruturais adequadas para o incremento da competitividade de todos os agentes envolvidos. Além disso, processos de terceirização podem propiciar que a cadeia produtiva caminhe em direção à especialização, possibilitando significativas reduções de custos de produção e incremento da qualidade em todos os seus elos (MENDES, 2007MENDES, A. A. Quando o espaço determina a indústria: o exemplo do condomínio empresarial Atibaia. Tese de Livre-Docência. UNESP, Rio Claro, 2007.).

Segundo o autor mencionado, se em um primeiro momento, as indústrias eram completas, realizando praticamente todas as etapas do processo produtivo, posteriormente, com os avanços tecnológicos, ocorreram a desintegração da produção e a disjunção espacial do sistema produtivo. Atualmente, com o surgimento de novas formas espaciais (condomínios industriais, por exemplo), o espaço torna-se cada vez mais integrado.

Conforme Alves (2005ALVES, T. Geografia dos Serviços. Estudos para o planejamento Regional e Urbano, Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa, nº 65, 2005.), o processo de crescimento e diversificação dos serviços resulta da ação de um conjunto de fatores que, em um contexto de mudança estrutural do sistema capitalista, ajudam a superar as contradições do modelo fordista e as crises econômicas. O impacto da remodelação estrutural do sistema capitalista sobre as pessoas, as instituições, as atividades e os lugares gerou uma nova e complexa divisão territorial do trabalho responsável pelas mudanças nos serviços. Os fatores fundamentais para os serviços são: as inovações tecnológicas, a internacionalização da produção, a crescente estandardização da produção, o alargamento dos mercados, a consolidação das multinacionais, a integração interregional e internacional dos mercados financeiros e a mobilização da reserva de força de trabalho em nível mundial.

Muitas fábricas contratam serviços considerados comuns ou banais, tais como: limpeza, segurança, alimentação, etc. Essa estratégia é considerada como terceirização, ou seja, os empresários designam atividades mais simples, que não comprometam a produtividade e a competitividade de uma unidade produtiva para uma outra empresa prestadora de serviços.

Além dos serviços citados, existem outros considerados sofisticados, quais sejam: logística, apoio jurídico, telecomunicação, marketing, design, dentre outros. Esses serviços são realizados por outras empresas, sendo intensivos em capitais, tecnologia e mão de obra qualificada. Os referidos serviços, contribuem, sobremaneira, com o processo produtivo e a maximização das vendas dos produtos, ou seja, os serviços sofisticados podem ser considerados uma vantagem competitiva.

Assim sendo, a existência de serviços especializados ou não juntamente com outras vantagens locacionais tem contribuído para o entendimento da instalação de indústrias automotivas asiáticas em cidades médias localizadas no estado de São Paulo. A compreensão dessa dinâmica locacional passa pela análise dos clássicos e dos novos fatores de localização, com destaque para um setor de serviços imprescindível para o desenvolvimento fabril.

No que concerne aos procedimentos metodológicos, a primeira etapa da pesquisa consistiu no levantamento e análise da bibliografia sobre serviços, terceirização e dinâmica locacional das indústrias no estado de São Paulo, principalmente. Posteriormente, foram realizados trabalhos de campo junto às Secretarias de Desenvolvimento Econômico das Prefeituras dos municípios selecionados. Tais levantamentos realizados foram fundamentais para o entendimento das vantagens locacionais das indústrias automotivas: Honda em Sumaré (SP); Toyota em Indaiatuba (SP) e a Hyundai em Piracicaba (SP), bem como dos serviços produtivos existentes. A aplicação de questionário, com o fito de avaliar os serviços produtivos e as vantagens locacionais dos municípios por parte das indústrias pesquisadas constituirão uma outra parte da pesquisa que se encontra em andamento.

Além da introdução e das considerações finais, o presente artigo encontra-se estruturado em 3 partes. Na primeira parte, são discutidos os aspectos conceituais e as tipologias dos serviços para a atividade industrial. A importância das vantagens locacionais no estado de São Paulo é tratada na segunda parte e, na terceira, discute-se a relevância dos serviços produtivos e de outros aspectos locacionais para as indústrias automotivas pesquisadas.

A IMPORTÂNCIA DOS SERVIÇOS PRODUTIVOS

O processo de reestruturação do sistema produtivo e organizacional na atividade industrial tem gerado fábricas menores, mais flexíveis em termos de organização da produção e atentas à evolução das tendências de mercado, inovando e diversificando os bens produzidos. Com essa nova organização, a produção industrial passou a ser mais descentralizada e “enxuta”. As unidades fabris passaram a concentrar-se nas tarefas que possuem mais vantagens competitivas, tais como a concepção e desenvolvimento de novos produtos, garantindo, dessa forma, a diferenciação em relação aos concorrentes e externalizando as tarefas menos estratégicas (PIRES, 2002PIRES, I. Inovação e competitividade do tecido econômico português: o papel dos serviços prestados às empresas in Geoinova, 5, Lisboa, p. 11-50, 2002.).

Dessa forma, as indústrias passaram a contratar serviços de empresas muito especializadas de modo a obterem saberes altamente qualificados, como por exemplo: assessorias técnicas, serviços financeiros, informática, design, marketing, publicidade, etc. A expansão dos serviços de apoio à produção resultou desse duplo processo: externalização de serviços pelas empresas e a criação de novos serviços em virtude de novas necessidades de consumo de serviços especializados (GALLOUJ, 2002GALLOUJ, F. Innovation in the Service Economy. Cheltenham: Edward Elgar, 2002.).

As indústrias geralmente demandam dois tipos de serviços: os altamente qualificados, tais como: robótica, assessoria jurídica, informática, entre outros, em virtude de novas necessidades de consumo e os de baixa qualificação, ou seja, aqueles que necessitam de mão de obra menos especializada, quais sejam: limpeza, segurança, alimentação, etc.

A importância dos serviços revelou-se com a crise dos anos de 1920 e 1930 do século XX. Fischer (1935FISCHER, A. G. B. The clash of progress and security. London: MacMillan, 1935.) ao observar a evolução da estrutura do emprego nos países considerados desenvolvidos relacionou as transformações ocorridas, notadamente os serviços, com o progresso econômico.

A partir dos anos 1930, os Serviços passaram a ser considerados nas análises econômicas, primeiramente sob uma denominação genérica de “Terciário”. Fisher (1935FISCHER, A. G. B. The clash of progress and security. London: MacMillan, 1935.) foi quem propôs uma classificação das atividades econômicas em primárias, secundárias e terciárias. Para o autor citado, a característica do terciário é produzir bens imateriais.

De acordo com o referido autor, ainda na década de 1930, baseado no modelo das etapas da produção (primário e secundário), classificou essas atividades que faziam a inter-relação entre produção e consumo como terciárias, com o objetivo de caracterizar uma etapa que viria após a fase industrial de produção, seguindo a lógica produção-distribuição-consumo.

Segundo Santos (2005SANTOS, M. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2005.), as atividades terciárias precedem a produção material propriamente dita e sem as quais ela não poderia realizar-se eficazmente. Destacando a complexidade que envolve o setor terciário e a definição desse tipo de atividade, o autor citado propôs a seguinte classificação: terciário primitivo, composto por atividades vinculadas ao setor primário - como alguns trabalhos rurais - que permanecem nas cidades; terciário evoluído, que incluiria as atividades intermediárias e os serviços indispensáveis ao processo produtivo; terciário excepcional, resultante de uma evolução tanto econômica quanto científica; e terciário superior (quaternário), formado pelas atividades de complexa direção de negócios públicos e privados e, sobretudo, pelas atividades criativas.

Clark (1940CLARK, D. The conditions of economic progress. London: MacMillan, 1940.) utilizou a expressão “Serviços”, porque a considerava muito mais adequada para expressar a grande variedade de atividades nela incluídas. A substituição da expressão “terciário” por “serviços” foi defendida pelo autor, pois essa nova nomenclatura anunciava uma crescente diversificação.

Greenfield (1966GREENFIELD, H. Manpower and the growth of producer services. New York: Columbia University Press, 1966.) foi pioneiro ao analisar o papel dos serviços nas mudanças econômicas, revelando a importância dos serviços de apoio à produção e o impacto dos serviços no desempenho de outras atividades e na promoção do desenvolvimento econômico.

Durante os anos de 1970, no Reino Unido, Daniels (1975DANIELS, A. Service industries. A geographical appraisal. London: Methuen, 1975.) desenvolveu investigações que serão pioneiras nesse tipo de abordagem. O mencionado autor aponta várias razões das empresas demandarem serviços externos, tais como:

  • A necessidade de se obter outputs a custos mais baixos;

  • A busca por serviços de melhor qualidade;

  • Contratar serviços que realizem tarefas que exigem pouca qualificação;

  • Externalizar serviços temporários em tempos de incerteza e inseguranças no mercado;

  • Transferir para as empresas terceirizadas problemas trabalhistas.

As pesquisas sobre localização dos escritórios nas áreas urbanas e a reestruturação industrial no norte da Inglaterra demonstraram que estavam ocorrendo mudanças significativas no emprego, quer dos trabalhadores dos serviços de controle dentro das empresas, quer dos fornecedores de serviços externos.

Na França, os primeiros trabalhos sobre as implicações do crescimento dos serviços na diferenciação territorial surgiram, inicialmente, com Lipietz (1978LIPIETZ, A. La dimension régionale du development. Paris: Cahiers du CEPREMAP, 1978.).

Nos Estados Unidos, Porat (1977PORAT, M. Information economy-definition and measurement, office of telecoms. Washington: DC, 1977.) analisou as mudanças no mercado de trabalho e o papel estratégico da produção de serviços na promoção do desenvolvimento regional.

No Brasil são escassos os trabalhos relacionados à Geografia dos Serviços. Esse setor, embora apresentando acelerado crescimento em nosso país e profundas mutações na estrutura econômica brasileira, tem sido, paradoxalmente, o menos pesquisado.

Segundo Faria (1994FARIA, A. Terceirização: um desafio para o movimento sindical. In: MARTINS, H. S.; RAMALHO, J. R. Terceirização: diversidade e negociação no mundo do trabalho. São Paulo: Hucitec/Cedi-Nets, 1994.), há 2 modalidades de terceirização no Brasil. A primeira integra uma estratégia relacional e objetiva alcançar tanto elementos de produtividade quanto condições de competitividades, impondo tecnologias gerenciais de qualidade. Refere-se, portanto, a busca de suprimentos (outsourcing), utilizando partnership (parceria) em todo fluxo produtivo, nas relações para frente, com o mercado e para trás, com os fornecedores e também com os empregados. A segunda consiste em apenas reduzir custos, contratando empresas que terceirizam serviços, tais como: limpeza, segurança, alimentação, entre outros.

A atividade industrial ao se modernizar e implementar profundas reestruturações produtivas e organizacionais vem, sistematicamente, liberando mão de obra e gerando, por conseguinte, desemprego, precarização do trabalho e exclusão social. O empresário industrial ao externalizar as atividades que não são foco principal de sua atividade produtiva por meio da subcontratação e da terceirização, transfere para tais empresas responsabilidades e problemas que constantemente ocorrem no “chão da fábrica”, tais como: greves e problemas trabalhistas.

A terceirização é uma forma de “empurrar o risco de quebra para terceiros”. Em tempos de crise ou recessão no setor industrial observa-se um aumento nos serviços produtivos (VICENTE, 2000VICENTE, M. M. Dilemas da Terceirização. In: SANTOS, M. Cidadania e Globalização. São Paulo: Saraiva/AGB, 2000.).

Assim sendo, de acordo com o referido autor, a terceirização é uma consequência do processo de modernização implantado em diversos lugares. As empresas ao ficarem livres de certos encargos e custos, transferem os problemas que antes eram internos para as empresas prestadoras de serviços que concorrem entre si no mercado, aumentando, assim, o número de trabalhadores qualificados que se submetem, muitas vezes, a salários inferiores.

Sempre que for mais rentável e viável terceirizar, isso acontecerá na indústria por vários motivos (econômicos e políticos, principalmente), em nome de uma “produção mais enxuta”.

Entretanto, é preciso entender que tais terceirizações fazem parte da lógica do modo de produção capitalista na sua fase contemporânea que, ao eliminar da fábrica serviços realizados por um grande contingente de mão de obra, aumenta o “exército de reserva” existente. Dessa forma, o grande capital terá no mercado, ao contratar os serviços disponíveis, muitas vezes, temporariamente, uma mão de obra abundante e barata. Porém, vale ressaltar, a existência de serviços sofisticados que exigem mão de obra qualificada, em muitos casos, não disponível no local onde a fábrica encontra-se instalada.

Conforme Alves (2005ALVES, T. Geografia dos Serviços. Estudos para o planejamento Regional e Urbano, Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa, nº 65, 2005.), na década de 1980, verificou-se o crescimento muito rápido das empresas ligadas aos serviços de apoio à produção: contabilidade, informática, finanças, marketing, investigação e desenvolvimento e em muitos outros domínios. Dessa forma, os serviços e a indústria, desempenham, atualmente, um papel fundamental no desenvolvimento econômico e territorial

O setor de serviços de apoio à produção acompanha o processo de industrialização. O desenvolvimento dos serviços deve ser entendido como uma parte importante das mudanças estruturais em curso nas economias desenvolvidas e nas emergentes. Os serviços fornecem saberes especializados à sociedade. No passado, a interdependência dos serviços foi frequentemente confundida com dependência. Atualmente, reconhece-se que os serviços são vitais para a eficiência da produção.

De acordo com Daniels (1975DANIELS, A. Service industries. A geographical appraisal. London: Methuen, 1975.), os fatores fundamentais de desenvolvimento dos serviços são: as inovações tecnológicas, a internacionalização da produção, a crescente estandardização da produção, o alargamento dos mercados, a consolidação das empresas multinacionais, a integração inter-regional e internacional dos mercados financeiros e a mobilização da reserva de força de trabalho a nível mundial. Além desses aspectos, deve-se considerar o papel do Estado e o desenvolvimento da produção informal de serviços.

Com base no que foi exposto, os serviços, ao que tudo indica, não podem mais serem negligenciados no desenvolvimento industrial. Assim sendo, cabe abordar os conceitos, as classificações dos diferentes serviços demandados e o papel cada vez mais relevante que os mesmos vêm desempenhando na atual divisão do trabalho e da produção.

Conforme Alves (2005ALVES, T. Geografia dos Serviços. Estudos para o planejamento Regional e Urbano, Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa, nº 65, 2005.), os serviços como atividade (industry services) correspondem a todas as empresas e instituições e às pessoas ao seu serviço que produzem bens imateriais e intangíveis, por exemplo, a educação, a saúde, os serviços financeiros, os serviços pessoais como os cafés, restaurantes e hotéis, recreio e lazer, serviços de distribuição, as comunicações ou os transportes, e um conjunto de serviços de apoio à atividade empresarial, como consultorias de administração, comercialização, investigação e desenvolvimento, publicidade e serviços informáticos, entre outros. Os serviços como produtos (product services) são, em geral, o resultado das atividades de serviços, mas não têm de ser necessariamente produzidos por estas. Por exemplo, os serviços de assistência e de manutenção de máquinas e equipamentos.

Os serviços como profissões (occupation services) surgem em todas as atividades. É o caso dos gestores, dos trabalhadores administrativos, dos contadores ou dos condutores que podem exercer suas atividades em qualquer ramo da economia.

Os serviços como funções (function services) correspondem ao trabalho fora da economia formal, como, por exemplo, o trabalho familiar não remunerado e o trabalho voluntário.

No plano espacial, a evolução da localização das atividades de serviços pode ser analisada em diferentes escalas: global, nacional, regional e local. Contudo, é necessário salientar que nas atividades industriais mais intensivas em capital e tecnologia existem serviços extremamente especializados, mormente aqueles relacionados à PD&I, que são executados nas sedes das grandes empresas. Tais serviços estratégicos passam a desempenhar funções cada vez mais relevantes na divisão global do trabalho e, por conseguinte, nos circuitos espaciais e círculos de cooperação transterritoriais. Como os serviços surgem muito frequentemente associados às cidades, torna-se necessário analisar as dimensões espaciais dos serviços, suas relações com a atividade industrial e sua rede produtiva (network).

As lógicas da localização dos serviços têm aspectos semelhantes às outras atividades econômicas (minimizar os custos e maximizar os lucros), mas distinguem-se devido ao caráter imaterial dos serviços, pelo papel estratégico da informação, pela natureza do serviço e pelo fato de existirem serviços cujo funcionamento vai além do econômico.

Considerando especificamente os serviços de apoio à produção (atividades financeiras, seguros, consultorias técnicas, serviços jurídicos, PD&I, serviços imobiliários, serviços de informática, entre outros), tais serviços são, entre todos os tipos de serviços, os mais dinâmicos, revelando taxas elevadas de crescimento, quer no emprego, quer no valor gerado.

No que tange aos serviços prestados às indústrias de gêneros considerados tradicionais (de confecções, têxteis, de produtos alimentares, entre outros) de médio ou pequeno porte, observa-se que são aqueles menos intensivos em capital e informação e, portanto, mais banais e encontrados localmente. O mesmo não ocorre com as indústrias de grande porte, mais intensivas em capital e tecnologia que exigem serviços mais especializados, não encontrados, muitas vezes, no local onde estão instaladas, como é caso das indústrias automotivas.

Para Alves (2005ALVES, T. Geografia dos Serviços. Estudos para o planejamento Regional e Urbano, Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa, nº 65, 2005.), o impacto das relações entre bens e serviços na evolução da estrutura do sistema econômico não se prende apenas com questões de concorrência ou de substituição, mas, ainda, com questões de complementariedade. Sem os serviços, muitos dos bens materiais não poderiam ser produzidos.

Dessa maneira, ocorrem importantes sinergias técnicas e funcionais entre a atividade industrial e o setor de serviços.

As reestruturações produtivas e organizacionais sempre ocorrem de maneira pioneira na indústria automotiva, por ser um dos ramos industriais mais intensivos em capital, tecnologia e inovação. No Brasil, as montadoras se reestruturaram ao longo da década de 1990, por meio de flexibilizações produtivas tais como: terceirização; implementação de programas de qualidade e desenvolvimento de relações cliente-fornecedor, dentre outras.

Apesar da crise econômica brasileira, verificam-se que importantes investimentos vêm sendo realizados por indústrias automotivas no estado de São Paulo, principalmente em cidades médias como Piracicaba, Sumaré e Indaiatuba, recorte espacial da pesquisa realizada.

INDÚSTRIAS AUTOMOTIVAS ASIÁTICAS E AS VANTAGENS LOCACIONAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Até 1970, foi vantajoso para muitas empresas (nacionais e estrangeiras) definir a localização de suas fábricas junto à Core Region nacional estabelecidas, ou seja, a Região Sudeste, mormente a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e poder desfrutar das economias externas a ela vinculadas (GEIGER; DAVIDOVICH, 1974GEIGER, P. P.; DAVIDOVICH, F. R. Reflexões sobre a evolução da estrutura espacial do Brasil sob o efeito da industrialização. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, v. 36, nº 3, 1974.).

No interior da Core Region as preferências locacionais foram dirigidas para as metrópoles, Rio de Janeiro e, especialmente, São Paulo, concentrando entre 1970 e 1975 cerca de 55% dos estabelecimentos industriais e 60% do emprego industrial de todo o estado de São Paulo (AZZONI, 1985AZZONI, C. R. Onde produzir? Aplicação da teoria da localização no Brasil. São Paulo: IPE/USP, 1985.).

Segundo Mendes (1991MENDES, A. A. Implantação Industrial em Sumaré: origens, agentes e efeitos: contribuição ao estudo da interiorização da indústria no estado de São Paulo. 1991. 172f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1991.), as forças aglomerativas desempenharam um papel fundamental na concentração da atividade industrial em São Paulo, atraindo indústrias nacionais e internacionais e levando a uma divisão territorial do trabalho. Essa divisão reforça o uso corporativo do território pelas grandes empresas.

A partir de meados da década de 1970, começa a ocorrer uma desconcentração relativa das indústrias localizadas na Região Metropolitana de São Paulo, tanto em direção ao interior paulista como para outros estados da federação, os quais aumentaram sua participação relativa no produto industrial nacional.

A RMSP passou a apresentar, após 1970, “deseconomias de aglomeração”, levando muitas indústrias a deixarem a referida região metropolitana. O alto custo da mão de obra, os problemas com o escoamento das mercadorias, e o elevado gasto com instalações serviram para inibir novos investimentos nas metrópoles e determinar a transferência para áreas mais viáveis e atraentes.

No interior do estado de São Paulo é a região do entorno metropolitano (formada pelos municípios situados em um raio de aproximadamente 200 km, a partir da Região Metropolitana de São Paulo) que, historicamente, tem apresentado a maior concentração industrial. O entorno metropolitano, na verdade, nada mais é do que o conjunto formado pelos municípios mais industrializados das regiões administrativas de Campinas, Sorocaba e, Vale do Paraíba e Litoral Norte (MENDES, 1991MENDES, A. A. Implantação Industrial em Sumaré: origens, agentes e efeitos: contribuição ao estudo da interiorização da indústria no estado de São Paulo. 1991. 172f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1991.).

Conforme Negri (1988NEGRI, B. A interiorização do desenvolvimento econômico no estado de São Paulo 1920-1980. São Paulo, SP: Coleção Economia Paulista, v. 1, n. 2, SEADE, 1988.), no Governo Estadual Paulista de Franco Montoro (1983 a 1987), a maior contribuição desse governo ao processo de interiorização da indústria foi a preocupação em investir no sistema viário estadual:

  • Recuperação da malha viária do estado;

  • Duplicação de rodovias e implantação de terceiras faixas em pontos de estrangulamento;

  • Implantação de mais de 4.000 km de estradas vicinais pavimentadas, beneficiando área produtoras de alimentos e de matéria-prima para a agroindústria;

  • Investimento na rede ferroviária completando a variante Helvetica-Guianã e o ramal ferroviário Juquiá-Cajati;

  • Início da modernização da Ferrovia Campinas-Santos, eixo do corredor Uberaba-MG-Santos-SP, permitindo o transporte de carga do interior para a Baixada Santista sem passar pela RMSP;

  • Viabilização de mais de 400 km de navegação da Hidrovia Tietê-Paraná.

Esses investimentos permitiram consolidar, ainda mais, a rede viária do interior, importante instrumento de concentração de indústrias junto às principais vias de ligação Metrópole-Interior.

Ressalta-se, que as políticas estaduais e federais de implantação de infraestruturas, beneficiaram, especialmente, as grandes empresas. Assim sendo, as multinacionais passaram a moldar os territórios conforme os seus interesses e coube ao Estado, por meio dos incentivos fiscais, principalmente, facilitar a instalação, sobretudo, das multinacionais.

Para Negri (1988NEGRI, B. A interiorização do desenvolvimento econômico no estado de São Paulo 1920-1980. São Paulo, SP: Coleção Economia Paulista, v. 1, n. 2, SEADE, 1988.), tais eixos de desenvolvimento aproximaram as distâncias entre a metrópole e o interior, diminuindo os custos de transporte e alargando o horizonte de localização industrial.

Deve-se salientar, outrossim, a existência de uma extensa rede de fibra ótica que também acompanha todos os referidos eixos de desconcentração industrial mencionados, visando facilitar a comunicação (LENCIONI, 2007LENCIONI, S. Condições gerais de produção: um conceito a ser recuperado para a compreensão das desigualdades de desenvolvimento regional. In: Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad Barcelona: v. 11, n. 245, 2007.).

Segundo a autora mencionada, a indústria no estado de São Paulo passa a se instalar na cidade-região, na metrópole dispersa ou expandida que é, por excelência, um espaço de fluxos intensos devido à dimensão e complexidade de redes materiais e imateriais que a constitui.

De acordo com Selingardi-Sampaio (2009SELINGARDI-SAMPAIO, S. Indústria e território em São Paulo: a estruturação do multicomplexo territorial industrial paulista: 1950-2005. Campinas: Alínea, 2009.), o Multicomplexo Territorial Industrial Paulista (MCTIP) é o território primaz da organização industrial paulista e nacional, um espaço socioeconômico cujos fixos industriais foram historicamente construídos pela ação articulada e/ou interativa de atores atuantes em todas as escalas geográficas, da local à global, por meio de processos diversos, entre os quais a industrialização detém importância essencial, principalmente, na Região Metropolitana de São Paulo e nas Regiões Administrativas de Campinas e Sorocaba.

Ao longo destes eixos de desenvolvimento industrial, desse território usado ou corporativo que ocorreu a implantação de unidades produtivas de grandes corporações (de capitais nacionais e estrangeiros) em espaços preparados para receber tais capitais sob diferentes formas, inclusive, indústrias automotivas e parque automotivo por meio de políticas atrativas municipais.

A Hyundai Motor Brasil (HMB) Montadora de Automóveis Ltda foi inaugurada em Piracicaba no dia 9 de novembro de 2012. A fábrica sul-coreana trouxe consigo 8 de seus fornecedores internacionais:

  • Mobis Parts Brasil Comércio de Autopeças, Acessórios, Importação e Exportação Ltda;

  • Myong Shin Fabricante de Carroceria Automotiva Ltda;

  • Dymos Fabricação de Autopeças Brasil Ltda;

  • Faurecia Sistemas de Escapamentos do Brasil Ltda;

  • THN Fabricação de Autopeças Ltda;

  • Doowon Fabricante de Sistemas Automotivos do Brasil Ltda;

  • Haahl Fabricação de Sistema Interior Automotivo Brasil Ltda;

  • Hwashin Fabricante de Peças Automotivas do Brasil Ltda.

Esse conjunto de fábricas forma o Parque Automotivo de Piracicaba, configurado da seguinte forma: existe uma indústria principal (conhecida como indústria mãe ou doadora de ordens) representada pela Hyundai e, no entorno, 8 indústrias fornecedoras de insumos, chamadas de indústrias satélites ou correlatas.

Piracicaba foi escolhida para ser sede da HMB por oferecer mão de obra qualificada, infraestrutura considerável e fornecedores locais de elevada competência técnica. Além das indústrias satélites, a Hyundai conta com 20 fornecedores brasileiros. O Parque Automotivo de Piracicaba gera aproximadamente 5 mil empregos diretos, sendo 2 mil na indústria matriz e 3 mil nas indústrias satélites e, aproximadamente, 20 mil empregos indiretos (TAKAMI, 2013TAKAMI, S. T. Distritos industriais como condições gerais para a reprodução do capital em Piracicaba (SP). 2013. 178f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2013.).

Em 1989, os empresários da Toyota adquiriram um terreno (cerca de 1,5 milhão m2 às margens da Rodovia SP-75) na cidade de Indaiatuba e em 1995, o vice-presidente mundial da indústria automotiva japonesa, Akira Yokoi, confirmou a instalação de uma nova montadora, apesar de o anúncio oficial ter sido apenas em 1996. O diretor do Departamento de Relações Institucionais da Toyota do Brasil, em São Paulo, Odair Montanaro Gazzetta, informou que a empresa considerou vários fatores como determinantes na escolha de Indaiatuba, quais sejam: a conservação da malha viária, a oferta de mão de obra especializada na região, a isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) por 10 anos e o desconto de 60% na tarifa de água por um prazo de 15 anos. O investimento da Toyota foi de US$ 300 milhões (CORDEIRO, 1995CORDEIRO, F. Toyota confirma nova fábrica em Indaiatuba. Diário do Povo, Campinas, 09 mar. 1995. Caderno de Economia, p. capa.).

Segundo o referido autor, além da montadora nipônica, a Prefeitura investiu cerca de R$ 280 milhões em melhorias na rede de água e de esgoto para atender as exigências dos diretores da Toyota. O Prefeito Flávio Tonin, se comprometeu a fornecer, também, uma área de 270 mil m2 ao lado do terreno comprado pela Toyota. O terreno doado foi usado pela empresa para a construção de uma pista de testes.

No dia 18 de setembro de 1998, a Toyota do Brasil inaugurou em Indaiatuba, no interior do estado de São Paulo, a sua principal fábrica do país. Com cerca de 1.500.000 m², nesse estabelecimento é fabricado o modelo Corolla, o carro mais vendido do mundo (TOYOTA MOTOR CORPORATION, 2013TOYOTA MOTOR CORPORATION. Catálogo Anual. Tóquio, 2013.).

Em 3 de junho de 1996 começaram as obras da nova fábrica da Honda em Sumaré, com capacidade para produzir 15 mil automóveis por ano. A contratação de funcionários começou em janeiro de 1997 e em setembro do mesmo ano teve início a produção. Em 6 de outubro de 1997 foi inaugurada oficialmente a primeira fábrica de automóveis da Honda no Brasil. Cabe ressaltar, que o terreno foi comprado pela empresa em 1974 e possui uma área de 1.700.000 m2, sendo, 32.000 m2 de área construída (HONDA, 1997HONDA, S. Honda: 25 anos no Brasil. Coordenação Geral: Maia Mendonça. São Paulo, SP: DBA Artes Gráficas, 1997.).

Em 1997 a produção foi de apenas 20 unidades diárias do modelo Honda Civic e empregava 400 funcionários. Atualmente, a capacidade da indústria automotiva é de 620 carros/dia, divididos entre os modelos Civic, City e Fit. A fábrica conta com aproximadamente 3,5 mil trabalhadores e, além de atender o mercado nacional, exporta para os demais países da América do Sul (HONDA DO BRASIL, 2016HONDA DO BRASIL. Atuação no Brasil. Disponível em: < https://www.honda.com.br/sobre-a-honda/no-brasil/Paginas/honda-automoveis-do-brasil.aspx >. Acesso em: 04 abr. 2016.
https://www.honda.com.br/sobre-a-honda/n...
).

Dessa forma, destaca-se a importância das indústrias automotivas no interior do estado de São Paulo ou na chamada “metrópole expandida” ou, ainda, “cidade-região”, na qual fazem parte os municípios de Piracicaba, Indaiatuba e Sumaré.

ANÁLISE DAS VANTAGENS LOCACIONAIS E DOS SERVIÇOS PRODUTIVOS NAS INDÚSTRIAS AUTOMOTIVAS PESQUISADAS

Em Piracicaba, a Hyundai pode contar com vários serviços produtivos. No que tange à mão de obra qualificada, as políticas públicas merecem ser destacadas. Segundo Negri (2012NEGRI, B. Piracicaba: novos tempos, novos caminhos. Piracicaba, 2012.), em 2011, a Escola Técnica Estadual (ETEC) ampliou o número de salas de aula e modernizou seus laboratórios. A quantidade de alunos matriculados passou nessa época de 1.150 para 2.300. Além disso, foram construídas outra ETEC, uma Faculdade de Tecnologia do estado de São Paulo (FATEC) e um Instituto Federal (IF).

Cabe ressaltar, também, que o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), no ano de 2011, foi ampliado e modernizado, o que permitiu criar novos cursos voltados ao setor automotivo. O resultado foi tão bem-sucedido que 3.200 jovens foram treinados, dentre os quais 1.600 foram contratados para trabalhar no Parque Automotivo (NEGRI, 2012NEGRI, B. Piracicaba: novos tempos, novos caminhos. Piracicaba, 2012.).

Merece salientar, que a Lei Municipal nº 6.336, de 15 de outubro de 2008, instituiu incentivos ao setor automotivo, tais como:

  • Doação de terreno;

  • Execução de infraestrutura (rede de água, esgoto e energia elétrica);

  • Isenção de Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) por 5 anos;

  • Isenção da taxa de licença para funcionamento em horário normal e especial por até 20 anos;

  • Isenção do IPTU por 20 anos;

  • Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) isento.

Esses incentivos são destinados aos fabricantes de veículos automotores, bem como aqueles que produzem apenas partes, peças e componentes desde que gerem empregos, formação de mão de obra qualificada e o desenvolvimento tecnológico industrial de Piracicaba.

Além desses incentivos, duas grandes obras de infraestruturas foram realizadas: a ampliação da subestação de energia elétrica de Santa Bárbara d’Oeste que fornece energia para as indústrias localizadas em Piracicaba e a construção de um anel viário para facilitar o escoamento da produção fabril (NEGRI, 2012NEGRI, B. Piracicaba: novos tempos, novos caminhos. Piracicaba, 2012.).

Historicamente, o município de Piracicaba foi explorado de diferentes formas. Inicialmente, o cultivo da cana-de-açúcar era a atividade econômica que mais se destacava, sendo importante até os dias atuais. Todavia, a cultura mencionada foi fundamental para alavancar o setor secundário, pois além do açúcar, passou-se a fabricar aguardente, etanol, ração animal, etc. Cabe salientar, que as oficinas de reparo de maquinários e utensílios agrícolas também contribuíram com o desenvolvimento industrial, com destaque para a Dedini que tornou-se uma holding, atuando em diversas áreas fabris, quais sejam: siderúrgica, metalúrgica, cerâmica, entre outras.

A proximidade com Região Metropolitana de São Paulo, oferta de mão de obra qualificada, sistema de transportes eficiente, universidades e centros de pesquisa foram fatores locacionais imprescindíveis para a implantação da Hyundai em Piracicaba, reforçando, portanto, as suas vantagens locacionais e a existência de serviços produtivos disponíveis para essa indústria automotiva (Figura 1).

Na década de 1970, Piracicaba atraiu diversas unidades produtivas nacionais e estrangeiras, sobretudo do gênero “metal-mecânica”, implantadas, principalmente, em distritos industriais.

O Parque Automotivo de Piracicaba, implantado em 2012, consiste em uma nova função que o espaço industrial vem assumindo, contemporaneamente, com funções distintas das atividades fabris tradicionais existentes até então, cujos processos só podem ser compreendidos considerando as estratégias que as empresas asiáticas vêm adotando em termos de busca de novas vantagens competitivas no estado de São Paulo, entre elas, a busca por serviços, cada vez mais especializados.

De acordo com o Plano Diretor de Indaiatuba (1999), desde a década de 1950 até meados dos anos 1970, o Município ofereceu incentivos à instalação de seu parque industrial por meio de doações de terrenos e isenções de impostos municipais. Em 1970, a Lei Municipal nº 1.112 regulamentou a concessão dos incentivos industriais.

A implantação do Distrito Industrial Recreio Campestre Joia de Indaiatuba, conforme a Lei Municipal nº 1.254, em 1973, ao longo da Rodovia SP-75, fez com que as novas unidades produtivas se distanciassem do centro urbano. Além do referido distrito industrial, há outros 5 distritos industriais e 1 área de expansão industrial (PLANO DIRETOR DE INDAIATUBA, 1999PLANO DIRETOR DE INDAIATUBA, 1999.).

A Lei Municipal nº 2.051 de 27 de junho de 1984, dispõe sobre concessão de incentivos fiscais às indústrias que se instalarem nos distritos industriais. As fábricas que se instalarem poderão gozar dos seguintes benefícios:

  • Isenção do IPTU pelo prazo de 10 anos;

  • Isenção da taxa de licença para construção do prédio;

  • Isenção da taxa de licença de localização, abertura e funcionamento da empresa, pelo prazo de 10 anos;

  • Isenção do ISSQN, incidente sobre as obras de construção civil do prédio industrial.

Para obter os incentivos fiscais, deve-se comprovar:

  • Emprego de no mínimo 30 pessoas na indústria;

  • Conclusão do prédio industrial de área construída não inferior a 1/5 da área do terreno;

  • Saída de mercadorias produzidas no Município para efeito do recolhimento do Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

Além dos incentivos mencionados, a Prefeitura do Município de Indaiatuba oferece, ainda, isenções especiais para indústrias do ramo automotivo. Esta forma de “operação dedicada”, em que o governo local modifica sua política de incentivos ou cria um novo programa de subsídios para atender aos interesses de uma única empresa, foi uma prática comum observada durante as “guerras fiscais” envolvendo as indústrias automotivas, na década de 1990 (PRADO; CAVALCANTI, 1998PRADO, S.; CAVALCANTI, C. E. G. Aspectos da Guerra Fiscal no Brasil. São Paulo: IPEA/FUNDAP, 1998.).

Obviamente, que essa infraestrutura logística chamou a atenção dos empresários, especialmente os relacionados ao setor secundário. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento do Município de Indaiatuba (2015), o início da industrialização iniciou-se em meados de 1920, com fábricas de transformação madeireira. Posteriormente, destacaram-se as unidades produtivas têxteis associadas ao cultivo de algodão, o que contribuiu para acelerar o desenvolvimento urbano. Em 1960, o gênero têxtil respondia por 58,2% do valor total da produção e ainda mantém certa importância na atualidade.

A partir de 1960, acelerou-se a industrialização, com a instalação de grandes fábricas mecânicas e metalúrgicas, as quais passaram a responder por 48,2% do valor total da produção em 1970, enquanto as têxteis declinaram, para 44%. Atualmente, existem aproximadamente 870 indústrias cadastradas, gerando em torno de 32.500 postos de trabalho. Além disso, há cerca de 7.200 empresas de prestação de serviços e 4.600 estabelecimentos comerciais cadastrados (SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO DE INDAIATUBA, 2015). Contando com essas economias de aglomeração, excelente localização no estado de São Paulo e incentivos municipais, Indaiatuba passa a se destacar, também, no ramo automotivo com a instalação da Toyota (Figura 1).

O processo de industrialização em Sumaré foi tão significativo após 1960, que acabou superando, em termos de pessoal ocupado e valor da produção, a de municípios vizinhos mais antigos e de forte tradição industrial, como Piracicaba e Limeira. Observa-se que nas décadas de 1960-1970 e 1970-1980, o crescimento do pessoal ocupado na indústria foi bastante acelerado, superando em muito aquele ocorrido nos demais municípios da região que, por sinal, durante a década de 1970, foi a que mais cresceu quanto ao Valor da Transformação Industrial (VTI), em todo o estado de São Paulo (MENDES, 1991MENDES, A. A. Implantação Industrial em Sumaré: origens, agentes e efeitos: contribuição ao estudo da interiorização da indústria no estado de São Paulo. 1991. 172f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1991.).

Vale mencionar, que os incentivos fiscais contribuíram decisivamente com a industrialização de Sumaré, após a década de 1970, por meio da Lei Municipal Ordinária nº 1.177 de 17 de abril de 1973: Isenção, pelo prazo de 10 anos, impostos municipais às empresas industriais e/ou comerciais que vierem a se instalar no município, desde que localizadas às margens das estradas ou rodovias estaduais ou municipais e não tenham recebido doação do terreno (Figura 1).

Figura 1
Municípios Pesquisados e Principais Rodovias

A Lei Municipal nº 5.273, de outubro de 2011, autorizou o Poder Executivo a conceder isenções ou reduções no pagamento dos impostos e taxas municipais às empresas que desenvolvam processo produtivo industrial, de tecnologia de ponta, informática, comunicação, telecomunicações, telemarketing, bem como, às de organização de pesquisa científica e tecnológica, e de prestação de serviços na área de transporte de cargas e logística, hotelaria, ensino superior, shopping centers, hipermercados, supermercados, agronegócios e hospitalares que vierem a se instalar ou a se expandir no Município.

Assim sendo, a entrada dos capitais externos (nacionais e internacionais) desenvolveu a industrialização em Sumaré, transformando, em um curto período, um município dominado por uma economia de base local e um espaço procurado e utilizado pelo grande capital. Cabe mencionar, que o setor de serviços foi, dessa forma, alavancado pelo desenvolvimento industrial sumareense.

A Honda, instalada em Sumaré em 1997HONDA, S. Honda: 25 anos no Brasil. Coordenação Geral: Maia Mendonça. São Paulo, SP: DBA Artes Gráficas, 1997., passou contar, dessa forma, com uma série de serviços produtivos que extrapolam a escala local, estabelecendo diversas sinergias e networks. No Brasil, a Honda é composta por 6 grandes unidades: em São Paulo são desenvolvidas as atividades comerciais, serviços, consórcios, suprimentos e administração; em São Bernardo do Campo-SP realiza-se o controle de qualidade; em Paulínia-SP está localizado o centro logístico; em Sumaré-SP localiza-se a indústria automotiva e o depósito de peças; em Indaiatuba-SP está o centro educacional de trânsito; em Manaus-AM, a indústria de motocicletas e outros produtos; em Rio Preto da Eva-AM, está a pista de testes e em Itirapina-SP, a segunda fábrica de automóveis que está em construção (HONDA DO BRASIL, 2016HONDA DO BRASIL. Atuação no Brasil. Disponível em: < https://www.honda.com.br/sobre-a-honda/no-brasil/Paginas/honda-automoveis-do-brasil.aspx >. Acesso em: 04 abr. 2016.
https://www.honda.com.br/sobre-a-honda/n...
). Observa-se, assim, a estratégia industrial empregada pela Honda que consegue mesmo com unidades produtivas espalhadas pelo interior do estado de São Paulo desfrutar das vantagens locacionais existentes na chamada metrópole expandida ou cidade-região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no que foi exposto, fica evidenciado o papel que os municípios pesquisados desempenham na atual divisão territorial do trabalho e/ou da produção das indústrias automotivas asiáticas. Tais indústrias tem encontrado na cidade-região uma série de vantagens locacionais, quais sejam: localização estratégica, importantes rodovias, mão de obra qualificada e fácil escoamento da produção, dentre outras.

Obviamente, tais economias e vantagens só são possíveis devido a possibilidade de encontrar nesse novo endereço das indústrias no interior do estado de São Paulo, linkages, networks, sinergias, conexões interindustriais e de serviços materiais e imateriais disponíveis.

Observa-se, ademais, que os serviços produtivos que, durante muito tempo, foram considerados pouco relevantes nos estudos da atividade industrial têm ocupado, atualmente, uma função cada vez maior nas atividades fabris, especialmente, nas indústrias automotivas.

Cabe salientar, que esse território usado no estado de São Paulo pelas indústrias automotivas asiáticas revelam uma nova configuração espacial envolvendo municípios que não possuíam, até então, nenhuma tradição com o ramo automotivo. Tal fenômeno só pode ser compreendido quando se consideram, também, as políticas atrativas municipais.

Os municípios pesquisados têm atendido os interesses e as estratégias do grande capital, disponibilizando uma série de incentivos para que as indústrias automotivas asiáticas possam, efetivamente, se instalarem, minimizando os seus custos e maximizando os seus lucros.

Esperamos dessa forma, contribuir com alguns subsídios que permitam entender a dinâmica locacional recente das atividades industriais no estado de São Paulo, a importância das estratégias adotadas pelas indústrias automotivas asiáticas em vários municípios e a necessidade de acrescentar os serviços produtivos nas análises locacionais das indústrias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2016
  • Aceito
    14 Set 2017
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