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TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS E PERCEPÇÃO DE RISCO NO TRABALHO DE ENFERMAGEM EM UNIDADES HOSPITALARES COVID-19

RESUMO

Objetivo:

analisar as associações entre a suspeita de Transtornos Mentais Comuns e a percepção de risco no trabalho da enfermagem em unidades hospitalares Covid-19 e conhecer os elementos imbricados nestas relações, na perspectiva dos trabalhadores.

Método:

estudo de métodos mistos paralelo-convergente, realizado com 327 trabalhadores da enfermagem de unidades Covid-19 de sete hospitais do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Os dados quantitativos foram coletados por meio de um questionário sociodemográfico, laboral e de percepção de riscos, somado ao Self-Reporting Questionnaire e submetidos a analise estatística inferencial. Os dados qualitativos foram produzidos por meio de entrevistas semiestruturadas e tratados à luz da análise temática de conteúdo.

Resultados:

76,4% referiram que a atuação na Covid-19 aumentou consideravelmente ou muito os riscos no seu trabalho. No que tange à intensidade de exposição dos riscos, trabalhadores se consideram muito expostos ao risco de infecção por Covid-19 (51,4%); risco de levar a contaminação para sua família (45,9%); risco de que alguém da família desenvolva a forma grave da Covid-19 (46,5%); risco de sofrer danos psicológicos (47,7%); risco de sofrer alterações do sono (45,9); do padrão alimentar (40,7); e de se isolar de amigos e familiares (48%). Todas estas variáveis se mostraram associadas a suspeita de Transtornos Mentais Comuns. Qualitativamente, evidenciou-se que o medo era o sentimento balizador da intersecção entre a percepção de risco e o adoecimento mental.

Conclusão:

a suspeita de Transtornos Mentais Comuns associou-se à percepção de múltiplos riscos, sendo que o medo foi o principal elemento imbricado nessa relação.

DESCRITORES:
Covid-19; Enfermagem; Riscos ocupacionais; Saúde do trabalhador; Saúde mental

ABSTRACT

Objective:

to analyze the associations between suspected Common Mental Disorders and risk perception in Nursing work at Covid-19 hospital units and to understand the elements intertwined in these relationships, from the workers' perspective.

Method:

a parallel-convergent mixed-methods study, carried out with 327 Nursing workers from Covid-19 units in seven hospitals from the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The quantitative data were collected through a sociodemographic, work-related and risk perception questionnaire, added to the Self-Reporting Questionnaire and subjected to inferential statistical analysis. The qualitative data were produced through semi-structured interviews and treated in the light of thematic content analysis.

Results:

in all, 76.4% of the participants reported that their performance during the Covid-19 pandemic considerably or greatly increased the risks in their job. Regarding the risk exposure intensity, the workers consider themselves very exposed to the following risks: Covid-19 infection (51.4%); contaminating their family (45.9%); a family member developing a severe form of Covid-19 (46.5%); suffering psychological harms (47.7%); experiencing sleep (45.9%) or dietary pattern (40.7%) disorders; and isolating themselves from friends and family (48%). All of these variables were associated with suspected Common Mental Disorders. Qualitatively, it was evident that fear was the feeling signaling the intersection between risk perception and mental illness.

Conclusion:

suspected Common Mental Disorders were associated with the perception of multiple risks, with fear as the main element intertwined in this relationship.

DESCRIPTORS:
Covid-19; Nursing; Occupational risks; Workers' health; Mental health

RESUMEN

Objetivo:

analizar las asociaciones entre sospecha de Trastornos Mentales Comunes y percepción del riesgo en el trabajo de Enfermería en unidades hospitalarias exclusivas para COVID-19 y conocer los elementos entrelazados en estas relaciones, desde la perspectiva de los trabajadores.

Método:

estudio de métodos mixtos paralelo-convergente, realizado con 327 trabajadores da Enfermería de unidades exclusivas para COVID-19 de siete hospitales del estado de Rio Grande do Sul, Brasil. Los datos cuantitativos se recolectaron por medio de un cuestionario sociodemográfico, laboral y de percepción de riesgos, además de utilizarse el Self-Reporting Questionnaire, y se los sometió a análisis estadístico inferencial. Los datos cualitativos se produjeron por medio de entrevistas semiestructuradas y se los procesó sobre la base de análisis temático de contenido.

Resultados:

el 76,4% indicó que desempeñarse en la atención a pacientes con Covid-19 aumentó considerablemente o en demasía los riesgos en el trabajo. Con respecto a la intensidad de exposición a los riesgos, los trabajadores consideran estar muy expuestos a los siguientes riesgos: infección por Covid-19 (51,4%); contaminar a su familia (45,9%); que algún familiar desarrolle la forma grave da Covid-19 (46,5%); padecer perjuicios psicológicos (47,7%); sufrir alteraciones en el sueño (45,9) o en los hábitos alimenticios (40,7); u aislarse de familiares y amigos (48%). Todas estas variables demostraron estar asociadas a la sospecha de Trastornos Mentales Comunes. Cualitativamente, se evidenció que el sentimiento que señalizó la intersección entre percepción de riesgo y padecimiento mental fue el miedo.

Conclusión:

la sospecha de Trastornos Mentales Comunes se asoció a la percepción de múltiples riesgos, donde el miedo fue el principal elemento entrelazado en esa relación.

DESCRIPTORES:
Covid-19; Enfermería; Riesgos ocupacionales; Salud de los trabajadores; Salud mental

INTRODUÇÃO

A Coronavirus Disease (Covid-19), doença causada pelo vírus Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (Sars-CoV-2), surgiu na China em 2019 e, desde então, tem produzido inúmeras repercussões em diferentes espaços da sociedade. Tem afetado a saúde dos trabalhadores, em especial na área da enfermagem, uma vez que estes profissionais atuam na chamada linha de frente, ou seja, prestando assistência direta aos indivíduos acometidos, em todos os níveis de atenção1Miranda FMA, Santana L de L, Pizzolato AC, Saquis LMM. Condições de trabalho e o impacto na saúde dos profissionais de enfermagem frente a Covid-19. Cogitare Enferm [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];25:e72702. Available from: https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.72702
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No Brasil, até outubro de 2023, foram contabilizados 65.029 casos de Covid-19 e 872 óbitos entre trabalhadores de enfermagem2Observatório da Enfermagem. Profissionais infectados com Covid-19 informado pelo serviço de saúde [Internet]. Rio de Janeiro, RJ(BR): Conselho Federal de Enfermagem; 2022 [cited 2023 Dec 12]. Available from: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/
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. No entanto, acredita-se que os dados podem estar subestimados, devido às dificuldades na identificação e notificação destes agravos1Miranda FMA, Santana L de L, Pizzolato AC, Saquis LMM. Condições de trabalho e o impacto na saúde dos profissionais de enfermagem frente a Covid-19. Cogitare Enferm [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];25:e72702. Available from: https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.72702
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O cenário pandêmico expôs os profissionais da enfermagem, sobretudo os que atuam em ambiente hospitalar, a um cotidiano de múltiplos riscos ocupacionais, de natureza física e psicossocial3Soares e Silva J, Carvalho ARB, Leite HDCS, Oliveira EMN. Reflexiones sobre los riesgos ocupacionales en trabajadores de salud en tiempos pandémicos por COVID-19. Rev Cuban Enfermería [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];36(2):e3738. Available from: https://revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/3738
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. Somado a isso, acentuou fragilidades históricas dos processos de trabalho. Cargas de trabalho excessivas, escassez de profissionais, subdimensionamento das equipes, acúmulo de funções e baixa remuneração foram fatores que interferiram na saúde física e mental dos trabalhadores1Miranda FMA, Santana L de L, Pizzolato AC, Saquis LMM. Condições de trabalho e o impacto na saúde dos profissionais de enfermagem frente a Covid-19. Cogitare Enferm [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];25:e72702. Available from: https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.72702
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,4Pousa PCP, Lucca SR. Psychosocial factors in nursing work and occupational risks: A systematic review. Rev Bras Enferm [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];74 Suppl 3:e20200198. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0198
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Este conjunto de elementos os tornou vulneráveis ao sofrimento psíquico e, consequentemente, mais propensos ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos5Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];36(4):e00063520. Available from: https://doi.org/10.1590/0102-311X00063520
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. Estudo chinês realizado com enfermeiros e profissionais da saúde que atuavam na linha de frente demonstrou o desenvolvimento de adoecimento mental, evidenciado por transtorno de estresse pós-traumático, depressão, transtornos de ansiedade e distúrbios do sono6Lai J, Ma S, Wang Y, Cai Z, Hu J, Wei N, et al. Factors associated with mental health outcomes among health care workers exposed to Coronavirus Disease 2019. JAMA Netw Open [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];3(3):e203976. Available from: https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.3976
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Outro estudo desenvolvido no Japão apontou que entre 20% e 30% dos enfermeiros envolvidos com pacientes com Covid-19 apresentaram importante sofrimento mental. Além disso, foi possível observar relação entre o número de pacientes com Covid-19, a saúde mental e a intenção de demissão dos trabalhadores, pois na medida em que o número de pacientes aumentava, os transtornos de ansiedade e a intenção de demissão também aumentaram7Ohue T, Togo E, Ohue Y, Mitoku K. Mental health of nurses involved with COVID-19 patients in Japan, intention to resign, and influencing factors. Medicine [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];100(31):e26828. Available from: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000026828
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No que tange à saúde mental da equipe da enfermagem, destacam-se os Transtornos Mentais Comuns (TMCs). Os TMCs incluem um grupo de sintomas como humor depressivo, ansiedade, insônia, fadiga, irritabilidade, déficits de memória e de concentração8Ubalde-Lopez M, Arends I, Almansa J, Delclos GL, Gimeno D, Bültmann U. Beyond return to work: The effect of multimorbidity on work functioning trajectories after sick leave due to common mental disorders. J Occup Rehabil [Internet]. 2017 [cited 2023 Dec 12];27(2):210-7. Available from: https://doi.org/10.1007/s10926-016-9647-0
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-9Cavalheiri JC, Pascotto CR, Tonini NS, Vieira AP, Ferreto LED, Follador FAC. Sleep quality and common mental disorder in the hospital Nursing team. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];29:e3444. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.4280.3444
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. Evidências científicas têm mostrado a prevalência de TMCs em trabalhadores da enfermagem no contexto hospitalar e também em unidades Covid-19, mostrando que os fatores associados, muitas vezes, incluem elementos adstritos ao trabalho9Cavalheiri JC, Pascotto CR, Tonini NS, Vieira AP, Ferreto LED, Follador FAC. Sleep quality and common mental disorder in the hospital Nursing team. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];29:e3444. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.4280.3444
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-11Centenaro APFC, Andrade A, Franco GP, Cardoso LS, Spagnolo LML, Silva RM. Common mental disorders and associated factors in nursing workers in COVID-19 units. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2022 [cited 2023 Dec 12];56:e20220059. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2022-0059en
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No Brasil, ao longo do período pandêmico, foram produzidos diferentes estudos com enfoque na saúde mental dos trabalhadores da enfermagem da linha de frente. Estudo realizado na Irlanda identificou sintomas de estresse pós-traumático em 45,1% da amostra de 390 trabalhadores e 38,7% de humor deprimido12Brady C, Fenton C, Loughran O, Hayes B, Hennessy M, Higgins A, et al. Nursing home staff mental health during the Covid-19 pandemic in the Republic of Ireland. Int J Geriatr Psychiatry [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];37(1):1-10. Available from: https://doi.org/10.1002/gps.5648
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Outro estudo indicou que 68% apresentavam algum nível de depressão, ansiedade, insônia e angústia, sendo que os trabalhadores da enfermagem de unidades Covid-19 e de lares de idosos apresentaram maior impacto na sua saúde mental13Martin-Rodriguez LS, Escalda-Hernandez P, Soto-Ruiz N, Ferraz-Torres M, Rodriguez-Matesanz I, Garcia-Vivar C. Mental health of Spanish nurses working during the COVID-19 pandemic: A cross-sectional study. Int Nurs Rev [Internet]. 2022 [cited 2023 Dec 12];69(4):538-45. Available from: https://doi.org/10.1111/inr.12764
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. No entanto, até o momento não se conhece a publicação de evidências que mostrem a associação entre o adoecimento mental e a percepção de riscos, sobretudo por meio da integração de evidências quali-quantitativas.

É importante dar voz à Enfermagem, pois assim como em outras epidemias, tem se mantido na linha de frente do cuidado à população14Casales-Hernández MG, Jiménez-Sánchez J, Dixon PA, Rodríguez-López JI, Squires A. Experience of the u-nursing latam team in the research entitled “nurses working during the covid-19 pandemic (entradup)”. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2023 [cited 2023 Dec 12];32:e2023E002. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2023-E002en
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. Acredita-se que analisar a interface entre a percepção de riscos ocupacionais e o adoecimento mental dos trabalhadores de enfermagem fortalece o conhecimento científico em torno das intersecções entre saúde e trabalho, fortalecendo as discussões acerca da determinação social do adoecimento, sendo o trabalho um elemento relevante entre esses determinantes.

Essas discussões, no contexto do trabalho de enfermagem em unidades hospitalares Covid-19, poderão subsidiar o planejamento de ações que possam mitigar os danos à saúde mental destes indivíduos que compuseram a linha de frente. Além disso, poderão fortalecer sua visibilidade, contribuindo para a busca de melhores condições de trabalho para a categoria.

Considerando estes aspectos, elaborou-se as seguintes questões de pesquisa: há associações entre a suspeita de TMCs e a percepção de risco no trabalho de enfermagem em unidades hospitalares Covid-19? Quais são os elementos imbricados nestas relações, na perspectiva dos trabalhadores? Portanto, o estudo teve como objetivo analisar as associações entre a suspeita de TMCs e a percepção de risco no trabalho de enfermagem em unidades hospitalares Covid-19 e conhecer os elementos imbricados nestas relações, na perpectiva dos trabalhadores.

MÉTODO

Estudo multicêntrico, de métodos mistos paralelo-convergente (QUAN+QUAL), no qual uma abordagem transversal correlacional e uma qualitativa descritiva obtiveram o mesmo peso, com o objetivo de triangular os resultados e comparar os achados, buscando semelhanças, contrastes e complementariedades15Creswell JW, Clark VLP. Designing and conducting mixed methods research. 3rd ed. Thousand Oaks, CA(US): Sage Publications; 2018.. Foram adotadas as recomendações do Mixed Methods Appraisal Tool (MMAT) para qualidade e transparência metodológica16Oliveira JLC, Magalhães AMM, Mastuda LM, Santos JLG, Souta RQ, Riboldi CO, et al. Mixed MethodsAppraisal Tool: Strengthening the methodological rigor of mixed methods research studies in nursing. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];30:e20200603. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0603
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O cenário de pesquisa foi composto por sete instituições hospitalares de médio e grande porte localizadas em regiões distintas do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Duas eram instituições públicas e as demais, filantrópicas. Para a escolha das instituições foi considerada a sua condição de referência no Plano de Contingência Estadual para o enfrentamento da Covid-19 em suas respectivas Mesorregiões. Portanto, foram incluídos hospitais das Mesorregiões Metropolitana, Centro-Oriental, Campanha Meridional, Centro-Ocidental, Sudeste e Noroeste (esta incluiu dois hospitais, lotados em cidades distintas).

Foram incluídas as unidades classificadas como Covid-19: uma unidade de triagem respiratória; cinco setores de urgência e emergência; quatro unidades de internação clínica; e quatro unidades de terapia intensiva (UTI’s). Estas unidades foram eleitas por serem, em seus respectivos hospitais, os principais setores de absorção de demanda da Covid-19.

O estudo foi realizado entre setembro de 2020 e julho de 2021. A população de estudo esteve composta por 470 trabalhadores da enfermagem, ou seja, enfermeiros e técnicos de enfermagem (auxiliares não estavam presentes nas instituições incluídas). Como critérios de elegibilidade, elencou-se fazer parte do quadro de funcionários permanentes das instituições e atuar em pelo menos uma das unidades acima citadas. Excluíram-se trabalhadores em férias ou em afastamento funcional durante o período de coleta de dados. Neste estudo, optou-se por trabalhar com toda a população elegível, no sentido de obtenção da maior taxa de resposta possível.

Para a etapa quantitativa, foi utilizado um instrumento autoaplicável, construído na plataforma digital Google Forms (ferramenta do G Suite®). Ao acessar a plataforma, o participante encontrava inicialmente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo que a concordância com os termos expostos possibilitava o acesso ao questionário.

O questionário continha variáveis sociodemográficas e de saúde que foram construídas pela equipe de pesquisa: sexo; idade; estado civil; raça; carga horária semanal; vínculo trabalhista; cargo/função; unidade em que estava lotado; turno de trabalho; tempo de profissão; se possuía doenças prévias; se pertencia ao grupo de risco para Covid-19. Também foram incluídas variáveis de percepção de aumento de riscos por atuar na linha de frente no enfrentamento à Covid-19 e de avaliação da intensidade de exposição a riscos como: risco de infecção por Covid-19, risco de desenvolver a forma grave da Covid-19, risco de levar a contaminação para sua família, risco de que alguém da família desenvolva a forma grave da Covid-19, risco de sofrer danos físicos, risco de sofrer danos psicológicos, risco de sofrer alterações do sono, risco de sofrer alteração do padrão alimentar e risco de isolar-se de familiares e amigos.

Para o rastreamento de adoecimento mental, foi incluído o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), instrumento desenvolvido com apoio da Organização Mundial da Saúde, validado, traduzido e adaptado para o contexto brasileiro. O SRQ-20 possibilita o rastreamento de TMCs (também denominados transtornos psíquicos menores, que são quadros de adoecimento mental não psicóticos). É composto por 20 questões direcionadas a sintomas sentidos nos últimos 30 dias, como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas. As respostas são dicotomizadas em “sim” e “não” e os resultados podem sugerir suspeita de TMCs, por meio da identificação de sintomas17Santos KOB, Araújo TM, Pinho OS, Silva ACC. Avaliação de um instrumento de mensuração de morbidade psíquica: Estudo de validação do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Rev Baiana Saúde Púb [Internet]. 2010 [cited 2023 Dec 12];34(3):544-60. Available from: https://doi.org/10.22278/2318-2660.2010.v34.n3.a54
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Os contatos dos participantes (número de telefone e e-mail) foram repassados pelas instituições hospitalares após aprovação do comitê de ética. A coleta quantitativa seguiu o protocolo de envio do questionário para estes contatos e para os contatos das referências/chefias de enfermagem das unidades Covid-19. Essas pessoas divulgaram e mobilizaram as equipes para a participação na pesquisa.

Uma das instituições solicitou que a coleta fosse presencial. Nesse caso, os questionários foram entregues individualmente aos participantes no local de trabalho, acondicionados em um envelope com o TCLE em duas vias. A retirada era feita no local de trabalho mediante agenda com cada trabalhador.

A população elegível foi composta por 470 trabalhadores (cujos nomes e contatos de e-mail e/ou telefone foram repassados pelas instituições). Ao longo da fase quantitativa, houve 111 recusas e 32 perdas atribuídas a questionários incompletos. Portanto, participaram desta etapa 327 trabalhadores de enfermagem, totalizando cerca de 70% da população elegível (taxa total de resposta).

A etapa qualitativa incluiu a realização de entrevistas semiestruturadas individuais, também de forma híbrida (presencial e online), com uma amostra de cinco trabalhadores de enfermagem de cada instituição hospitalar (35 ao total), selecionados por meio de um sorteio aleatório simples. O contingente de cinco depoentes por instituição teve como objetivo fortalecer a representatividade das diferentes instituições nos achados.

Ao realizar os sorteios, doze trabalhadores não responderam aos pesquisadores, mesmo quando contatados por três vezes. Além disso, houve cinco recusas, cujos principais motivos referidos foram o excesso de trabalho e de pesquisas. Nesses casos (ausência de resposta ou recusas), eram realizados novos sorteios até que se atingissem cinco participantes por instituição.

Ao entrevistar o 35º depoente, o material foi submetido à pré-análise de profundidade e pertinência do conteúdo obtido. A pré-análise das 35 entrevistas mostrou saturação teórica dos dados, elemento que subsidiou a interrupção da coleta de dados.

A primeira entrevista foi considerada piloto para ajustes do roteiro semiestruturado. Como não foram necessárias mudanças no roteiro, ela foi incluída no banco de dados.

Em cinco instituições hospitalares, as entrevistas foram realizadas presencialmente, no horário de trabalho, mediante agenda com os trabalhadores. Foram conduzidas por pesquisadores com doutorado em enfermagem e experiência em coleta de dados, auxiliados por duas mestrandas em enfermagem, previamente treinadas. Os encontros foram conduzidos em ambientes arejados, seguros e privativos, com todas as medidas de precaução necessárias.

O roteiro semiestruturado incluía os seguintes tópicos: percepção em relação aos riscos no trabalho; percepção em relação à interface entre os riscos e a saúde mental. Duas instituições solicitaram a realização das entrevistas de forma online. Para isso, foi utilizada a plataforma digital Google Meet (ferramenta do G Suite®). Nenhum participante teve dificuldade de acesso e uso da plataforma. O roteiro online foi o mesmo aplicado de forma presencial.

As entrevistas tiveram duração aproximada de 22,5 minutos. Foram gravadas com anuência de todos os participantes e transcritas na íntegra. As transcrições compuseram o corpus qualitativo do estudo.

Na etapa de análise, os dados quantitativos foram codificados e tabulados em planilha Excel, sendo importados posteriormente para o software estatístico SPSS, versão 20.0. Para a descrição da amostra foram utilizadas frequências absolutas e relativas.

O SRQ-20 foi analisado contabilizando-se o número de respostas afirmativas individuais. O escore varia de 0, indicando baixa probabilidade de TMCs a 20, que indica alta probabilidade. O ponto de corte utilizado foi de 6 respostas afirmativas para o sexo masculino e 8 para o sexo feminino18Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ-20) in primary care in the city of Sao Paulo. Br J Psychiatry [Internet]. 1986 [cited 2023 Dec 12];148(1):23-6. Available from: https://doi.org/10.1192/bjp.148.1.23
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. Posteriormente foram testadas as associações entre a suspeita de TMCs (variáveis dependentes) e as variáveis de aumento de percepção de riscos e de intensidade dos riscos (variáveis independentes) utilizando-se do teste do Qui-quadrado de Pearson. Adotou-se o nível de significância estatística de 5%.

Já os dados qualitativos foram submetidos à análise temática de conteúdo19Bardin L. Análise de conteúdo. 4th ed. Lisboa, (PT): Edições 70; 2016., que se desenvolve em três etapas. A primeira etapa, pré-análise, iniciou com a leitura flutuante para seleção de material pertinente ao objetivo do estudo. A segunda etapa, exploração do material, incluiu a decomposição e codificação dos depoimentos em unidades de registro, com auxílio do software NVivo. Os dados foram organizados em uma categoria única que compilou inferências acerca das percepções de riscos e interfaces com a saúde mental.

A última etapa, tratamento dos dados e interpretação, incluiu a teorização a partir da triangulação com os resultados da etapa quantitativa. Esses resultados foram aproximados e comparados, estabelecendo-se relações de complementariedade que possibilitaram o alcance do objetivo do estudo. Esta etapa foi finalizada com a triangulação/mixagem com os dados quantitativos. Isso foi facilitado pela construção de matrizes de exibição conjunta (joint-displays), representações visuais que ilustram a triangulação/mixagem nos desenhos de métodos mistos20Johnson RE, Grove AL, Clarke A. Pillar integration process: A joint display technique to integrate data in mixed methods research. J Mix Methods Res [Internet]. 2017 [cited 2023 Dec 12];13(3):301-20. Available from: https://doi.org/10.1177/1558689817743108
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Na apresentação destes dados, os depoentes foram identificados pela letra T (que inicia a palavra “trabalhador”), seguida de um número cardinal aleatório. A numeração das entrevistas foi aleatorizada no banco de dados, para diminuir vieses de análises, ou seja, para mesclar os depoentes de diferentes unidades e instituições.

Há também a identificação da unidade de lotação: Urgência/Emergência ou Unidades de Triagem Respiratória Covid-19 (Emerg. Covid-19); Unidades de Internação Covid-19 (Intern. Covid-19); Unidade de Terapia Intensiva Covid-19 (UTI Covid-19); e mais de um setor Covid-19 (Setores Covid-19).

Ao longo de todas as etapas foram observados os preceitos éticos estabelecidos pelas Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto obteve aprovação de um comitê de ética em pesquisa local.

RESULTADOS

Todos os trabalhadores que atenderam aos critérios de elegibilidade foram convidados, obtendo-se uma taxa de resposta de 70%. Houve predomínio pessoas que se identificaram como mulheres (n=278, 85%) com idade até 40 anos (n=200, 69,7%), brancos (n=260, 79,5%), casados ou em união estável (n=175, 53,5%). Em relação ao cargo, prevaleceram técnicos em enfermagem (n=250, 76,5%), vinculados ao regime de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) (n=212, 64,8%) e com carga horária semanal de até 40h (n=200, 61,1%). Na amostra estudada, 23,3% (n=76) referiram possuir algum quadro de adoecimento prévio (ou seja, anterior à COVID-19). A caracterização sociodemográfica, laboral e de saúde está detalhada na Tabela 1:

Tabela 1 -
Caracterização sociodemográfica, laboral e de saúde dos trabalhadores de enfermagem de unidades hospitalares COVID-19. Rio Grande do Sul, RS, Brasil, 2020-2021. (n=327)

Destaca-se que, dentre estes participantes, as doenças prévias mais referidas foram: cardiovasculares (19,7%, n=15), musculoesqueléticas (11,8%, n=9), endócrinas (10,5%, n=8) e psíquicas (10,5%, n=8). Dentre os participantes, 7,9% (n=26) referiram pertencer a algum grupo de risco para a Covid-19.

No que diz respeito à percepção quanto ao aumento dos riscos, 76,4% (n=250) referiram que a Covid-19 aumentou consideravelmente ou muito os riscos no seu trabalho. No que tange à intensidade de exposição dos riscos, na maior parte das variáveis, um número expressivo de trabalhadores se consideram muito expostos, com destaque para: risco de infecção por Covid-19 (51,4%); risco de levar a contaminação para sua família (45,9%); risco de que alguém da família desenvolva a forma grave da Covid-19 (46,5%); risco de sofrer danos psicológicos (47,7%); risco de sofrer alterações do sono (45,9); do padrão alimentar (40,7); e de se isolar de amigos e familiares (48%). Na Tabela 2 estão apresentados os resultados das associações entre a variável TMCs e as variáveis “percepção sobre aumento de riscos” e “intensidade dos riscos”. Observa-se significância estatística em todas as associações entre TMCs e as variáveis de percepção e intensidade de riscos, sugerindo que os trabalhadores com suspeita de TMCs percebem os riscos de maneira mais intensa.

Tabela 2 -
Suspeita de Transtornos Mentais Comuns e sua associação com percepção sobre aumento de riscos e intensidade dos riscos por estar atuando em unidades Covid-19. Rio Grande do Sul, RS, Brasil, 2020-2021. (n=327)

O processo de integração destes achados com os dados qualitativos está ilustrado na Figura 1, que mostra a joint-display representativa da triangulação/mixagem QUAN+QUAL:

Figura 1 -
Joint-display representativa da triangulação/mixagem QUAN+QUAL. Rio Grande do Sul, RS, Brasil, 2020-2021.

Os achados qualitativos, por sua vez, contribuíram para iluminar os elementos imbricados nas relações entre o adoecimento mental e a percepção de risco. Nas entrevistas, os participantes ponderaram que, mesmo atentos a todos os cuidados, ainda se sentiam vulneráveis ao risco de contaminação:

[...] trabalhando aqui na unidade [Covid-19] eu tento me cuidar ao máximo usando os EPIs. Só que é algo que a gente não tem o controle. Eu posso sair para pegar o carro, a moto, cumprimentar um colega, tocar, abrir uma maçaneta, enfim. Conversar um minuto com uma pessoa que possa estar contaminada [...] (T25-Intern. Covid-19). [...] por mais cuidados que a gente tenha, a gente nunca sabe. Algumas pessoas dizem que contraíram [Covid-19] sem sair de casa. A gente não sabe como a doença vai parar dentro de casa. Mesmo tomando vários cuidados [...] (T4-Emerg. Covid-19).

Os dados qualitativos foram ao encontro das associações estatisticamente significativas, confirmando que a percepção de riscos possuía interface com a saúde mental. A análise de conteúdo sugeriu que o medo foi o sentimento que estabeleceu essa interface. Os depoentes evidenciaram, primeiramente, medo ante o risco de infecção pelo SARS-CoV-2 e, sobretudo, ante o risco de se tornarem pacientes críticos/graves: [...] eu tenho muito medo de daqui a pouco estar aqui. Contrair o coronavírus e ser um dos pacientes intubados. [...] (T1-Emerg. Covid-19). [...] Eu já vi vários casos de pessoas que têm comorbidades, jovens, irem para a UTI, com tubo. Muitos morreram. Eu fico pensando e fico com medo [...] (T12-Emerg. Covid-19).

[...] eu vejo essas pessoas [pacientes] e penso: “se eu for intubada, será que eu vou sair? Será que eu vou passar por isso?” [...] (T20-Emerg. Covid-19).

O medo também se fez evidente ao identificarem o risco de levar a contaminação para suas famílias, ou de que algum familiar desenvolvesse a forma grave da doença, sobretudo os familiares pertencentes aos grupos de risco para a Covid-19:

[...] tenho medo de contaminar um familiar. Contaminar a mãe, meus avós que são idosos. [...] Levar o vírus e daqui a pouco ver um familiar intubado aqui, nessa situação [...] (T1-Emerg. Covid-19). [...] medo de me contaminar e contaminar em casa. Medo das crianças serem vetores e levarem para a minha mãe, que é idosa, diabética, hipertensa, obesa. [...] A ansiedade me pegou [...] (T9-UTI Covid-19).

O risco de sofrer danos físicos e psicológicos também se mostrou evidente nos depoimentos, bem como os riscos de sofrer alterações do sono e do padrão alimentar. As falas reforçam as interfaces entre o medo, a percepção de risco, os impactos físicos e o adoecimento mental:

[...] é ansiedade, é alimentação, dor de cabeça, dor de estômago, gastrite... Parece que há um dragão aqui, um gole de água dá azia. Eu não tinha antes [da pandemia]. E isso tudo é uma questão do stress. [...] Daqui a pouco a gente está chegando no esgotamento, e aí é um pulo para uma depressão [...] (T9-UTI Covid-19). [...] passei muita fome na Covid-19 [...] eu começava às 18h30 [...] e só saía às 08h30. Eu passava todo esse tempo sem comer, porque eu fui vendo a contaminação entre os profissionais. [...] O refeitório é onde a gente fica sem máscara. Eu parei de me alimentar [...] eu tinha muita fome durante o dia [...] (T34-UTI Covid-19).

[...] teve bastante impacto [psicológico]. Eu perco o sono. Eu acordo achando que estou no hospital medicando, achando que esqueci um paciente. Depois que começou essa função, parece que eu estou ligada no 220. Eu saio daqui, [...] chego em casa e demoro para relaxar. Fiquei mais estressada, fiquei mais deprimida, fiquei muito preocupada [...] (T26-Intern. Covid-19).

Por fim, o risco de isolar-se dos familiares e amigos também esteve evidente na etapa qualitativa. Evidenciou-se que isto é reflexo do medo de transmitir a contaminação para seus familiares:

[...] eu recebo o mínimo de pessoas na minha casa. Não vou quase em lugar nenhum porque eu tenho medo. [...] Me excluí de muitas coisas com a minha família. [...] eu acabo me culpando, me preocupando e me policiando. Não vou [nos encontros familiares], me retiro. Acho que eu me isolo [...] (T9-UTI Covid-19). [...] eu era uma pessoa que chegava do serviço, tomava mate com a minha mãe, conversava, saía com as minhas sobrinhas. Tudo na minha vida girava em torno da minha família e do meu namorado. Passei a não ter mais contato porque eu tenho muito medo de contaminar as outras pessoas. [...] Isso me gerou muito medo, muita ansiedade, cada vez eu fiquei mais isolada [...] (T34-UTI Covid-19).

É possível perceber, portanto, a interface entre o adoecimento mental e a percepção de risco no cotidiano de enfermagem nas unidades COVID-19. A triangulação dos dados confirma que perceber de forma intensa esses riscos se intersecciona a aspectos da saúde mental, sendo que o medo é o elemento potencializador desta relação.

DISCUSSÃO

Os dados evidenciaram que 7,9% dos participantes se consideravam pertencentes a um grupo de risco para a Covid-19, embora 23,2% referiram possuir doenças, como as cardiovasculares e endócrinas. Estudo brasileiro realizado com 415 trabalhadores hospitalares da enfermagem durante a pandemia evidenciou que 26% destes se enquadravam em algum grupo de risco; as doenças mais predominantes foram as cardiovasculares, obesidade, diabetes e do trato respiratório21Püschel VAA, Fhon JRS, Nogueira LS, Poveda VB, Oliveira LB, Salvetti MG, et al. Factors associated with infection and hospitalization due to COVID-19 in Nursing professionals: A cross-sectional study. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2022 [cited 2023 Dec 12];30:e3524. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.5593.3524
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.

Parte expressiva da amostra estudada (76,4%) referiu que a Covid-19 aumentou consideravelmente ou muito os riscos no seu trabalho. Além disso, se consideravam muito expostos ao risco de infecção por Covid-19 (51,4%); risco de levar a contaminação para sua família (45,9%); risco de que alguém da família desenvolva a forma grave da Covid-19 (46,5%); risco de sofrer danos psicológicos (47,7%); risco de sofrer alterações do sono (45,9); do padrão alimentar (40,7); e de se isolar de amigos e familiares (48%). A triangulação com os dados qualitativos contribuiu para revelar que os profissionais da enfermagem se sentiam expostos e vulneráveis ao risco de contaminação em diferentes circunstâncias, ainda que mantivessem cuidados. Estes sentimentos se justificam, uma vez que tais trabalhadores estiveram ante o desafio de prestar assistência direta aos doentes da Covid-19, o que aumentou seus riscos laborais e exigiu intensas medidas de precaução22Chu E, Lee KM, Stotts R, Benjenk I, Ho G, Yamane D, et al. Hospital-based health care worker perceptions of personal risk related to COVID-19. J Am Board Fam Med [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];34:S103-12. Available from: https://doi.org/10.3122/jabfm.2021.S1.200343
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.

No entanto, também se tem evidências de que a percepção de riscos referentes à Covid-19 na população é interseccionada por diferentes elementos, incluindo a retenção de informação, familiaridade com a situação epidêmica e a proximidade interpessoal com o sofrimento no epicentro da crise sanitária23Chen Y, Feng J, Chen A, Lee JE, An L. Risk perception of COVID-19: A comparative analysis of China and South Korea. Int J Disaster Risk Reduct [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];61:102373. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ijdrr.2021.102373
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. Portanto, pode-se considerar que a potencialização do medo dentre profissionais da enfermagem também pode ser influenciada pela sua imersão cotidiana na realidade das unidades hospitalares Covid-19.

Foram evidenciadas interfaces entre a percepção de risco e o adoecimento mental. A suspeita de TMC apresentou associação estatisticamente significativa com o risco de infecção por Covid-19 (p=0,017) ou de desenvolver a forma grave da doença (p=0,018). Os dados qualitativos sugeriram medo de desenvolver a doença e se tornar um paciente crítico/grave.

Estudo brasileiro realizado com 415 trabalhadores hospitalares da enfermagem durante a pandemia encontrou que 184 (44,3%) participantes foram infectados pela Covid-19. Destes, 16 (8,7%) precisaram de internação para tratamento e quatro (2,2%) necessitaram de cuidados intensivos21Püschel VAA, Fhon JRS, Nogueira LS, Poveda VB, Oliveira LB, Salvetti MG, et al. Factors associated with infection and hospitalization due to COVID-19 in Nursing professionals: A cross-sectional study. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2022 [cited 2023 Dec 12];30:e3524. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.5593.3524
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. Outro estudo desenvolvido com trabalhadores de enfermagem de unidades hospitalares Covid-19 mostrou que estes reconheciam os casos de adoecimento e morte de colegas de profissão, o que potencializava suas vivências de medo por estar na linha de frente11Centenaro APFC, Andrade A, Franco GP, Cardoso LS, Spagnolo LML, Silva RM. Common mental disorders and associated factors in nursing workers in COVID-19 units. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2022 [cited 2023 Dec 12];56:e20220059. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2022-0059en
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. Esses dados vão ao encontro dos sentimentos dos participantes no que se refere às diversas situações de vulnerabilidade da enfermagem durante a pandemia.

O risco de contaminação e adoecimento por Covid-19 é descrito como um elemento potencializador do sofrimento mental dos trabalhadores da enfermagem, o que reflete os riscos psíquicos que se somam aos físicos. Sabe-se que este sentimento foi reforçado, em algumas instituições, pela precarização das condições de trabalho, sobretudo no que dizia respeito à disponibilidade e adequação dos EPIs, fragilidade na descrição dos protocolos e fluxos para o controle efetivo de infecções e prolongamento da jornada de trabalho24Souza NVDO, Carvalho EC, Soares SSS, Varella TCMML, Pereira SRM, Andrade KBS. Nursing work in the COVID-19 pandemic and repercussions for workers’ mental health. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];42(spe):e20200225. Available from: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200225
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.

Foi identificada associação entre TMCs e riscos de levar a contaminação para a família (p=0,018) ou de que alguém da família desenvolvesse a forma grave da doença (p<0,001). Os dados qualitativos desvelaram o medo do adoecimento de familiares que pertenciam ao grupo de risco para a Covid-19.

Estudo transversal realizado com enfermeiros hospitalares evidenciou associações entre o medo de levar o Sars-CoV-2 para familiares e amigos e aumento na prevalência de ansiedade, depressão e estresse25Sampaio F, Sequeira C, Teixeira L. Impact of COVID-19 outbreak on nurses' mental health: A prospective cohort study. Environ Res [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];194:110620. Available from: https://doi.org/10.1016/j.envres.2020.110620
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. Outro estudo, realizado com trabalhadores hospitalares durante a Covid-19, evidenciou a associação entre a prevalência de estresse e o medo de contaminação durante o trabalho e transmissão da contaminação para familiares e amigos22Chu E, Lee KM, Stotts R, Benjenk I, Ho G, Yamane D, et al. Hospital-based health care worker perceptions of personal risk related to COVID-19. J Am Board Fam Med [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];34:S103-12. Available from: https://doi.org/10.3122/jabfm.2021.S1.200343
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. Portanto, reforça-se a hipótese de que a percepção de risco também inclui a perspectiva de adoecimento dos entes queridos, o que contribui para o adoecimento mental.

Os resultados do estudo evidenciaram associação entre a suspeita de TMCs e o risco de sofrer danos físicos ou psicológicos (p<0,001), risco de sofrer alterações do sono (p<0,001) ou do padrão alimentar (p<0,001). Na mixagem dos dados, evidenciaram-se as interfaces entre medo, riscos físicos, psicológicos e alterações do bem-estar (sono e alimentação).

Sabe-se que a Covid-19 impactou na saúde física, mental e psicossocial dos profissionais da enfermagem. Os danos relacionados ao trabalho se manifestavam, muitas vezes, na forma de sofrimento emocional, raiva, ansiedade, frustração, solidão e isolamento26Koren A, Alam MAU, Koneru S, DeVito A, Abdallah L, Liu B. Nursing perspectives on the impacts of COVID-19: Social media content analysis. JMIR Form Res [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];5(12):e31358. Available from: https://doi.org/10.2196/31358
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. A Organização Mundial da Saúde identificou que, no mundo inteiro, profissionais da enfermagem que atuaram na linha de frente enfrentaram cotidianamente o risco de contaminação pelo SARS-CoV-2 e de sofrer outros danos físicos e psíquicos. Estes riscos foram agravados pela sobrecarga, fadiga, desgaste, estigma e diversas formas de violência27World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) outbreak: Rights, roles and responsibilities of health workers, including key considerations for occupational safety and health [Internet]. Geneva, (CH): WHO; 2020 [cited 2023 Dec 12]. Available from: https://bit.ly/3xqKZfj
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.

Os riscos à qualidade do sono foram exemplos destes impactos. Há evidências na literatura científica de que trabalhadores da enfermagem experienciaram prejuízos à qualidade do sono, devido a aspectos psíquicos e emocionais9Cavalheiri JC, Pascotto CR, Tonini NS, Vieira AP, Ferreto LED, Follador FAC. Sleep quality and common mental disorder in the hospital Nursing team. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];29:e3444. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.4280.3444
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-10Sousa KH, Lopes DP, Tracera GM, Abreu AM, Portela LF, Zeitoune RC. Common mental disorders among nursing workers in a psychiatric hospital. Acta Paul Enferm [Internet]. 2019 [cited 2023 Dec 12];32(1):1-10. Available from: https://doi.org/10.1590/1982-0194201900002
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. Estudo transversal conduzido na China com uma equipe médica e de enfermagem que atuava em hospital designado para Covid-19 obteve evidências de que os distúrbios do sono possuíam associação estatisticamente significativa com a suspeita de TMCs na amostra estudada28Zhuo K, Gao C, Wang X, Zhang C, Wang Z. Stress and sleep: A survey based on wearable sleep trackers among medical and nursing staff in Wuhan during the COVID-19 pandemic. Gen Psychiatr [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];33(3):e100260. Available from: https://doi.org/10.1136/gpsych-2020-100260
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, o que fortalece a interface entre os prejuízos do sono e as vivências no trabalho.

O risco de desenvolver alterações do padrão alimentar, associado à suspeita de TMCs, parece seguir a mesma lógica, considerando que as alterações alimentares entre trabalhadores da enfermagem, muitas vezes, se mostram relacionadas a suas condições de trabalho29Gázquez Linares JJ, Molero Jurado MDM, Martos Martínez Á, Jiménez-Rodríguez D, Pérez-Fuentes MDC. The repercussions of perceived threat from COVID-19 on the mental health of actively employed nurses. Int J Ment Health Nurs [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];30(3):724-32. Available from: https://doi.org/10.1111/inm.12841
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. Estudo qualitativo realizado com profissionais de enfermagem da linha de frente evidenciou que os prejuízos à alimentação são resultado, muitas vezes, das medidas de precaução padrão, como uso de EPIs, além da sobrecarga e intensificação do ritmo laboral30Fernandez M, Lotta G, Passos H, Cavalcanti P, Corrêa MG. Working conditions and perceptions of nursing professionals who work to cope with covid-19 in Brazil. Saúde Soc [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];30(4):e201011. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-12902021201011
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.

No entanto, ressalta-se que este fenômeno também se mostra associado a aspectos de saúde mental. Sabe-se que, muitas vezes, transtornos do sono e alimentares coexistem no cotidiano dos profissionais que estão na linha de frente do combate à pandemia, pois se relacionam aos mesmos fatores estressores31Vitale JA, Perazzo P, Silingardi M, Biffi M, Banfi G, Negrini F. Is disruption of sleep quality a consequence of severe Covid-19 infection? A case-series examination. Chronobiol Int [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];37(7):1110-4. Available from: https://doi.org/10.1080/07420528.2020.1775241
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, o que vai ao encontro dos achados deste estudo, pois mostram a sinergia entre esses riscos com o adoecimento psíquico.

Por fim, os achados mostraram associação estatisticamente significativa entre a suspeita de TMCs e risco de isolar-se de amigos e familiares (p<0,001). Os achados qualitativos contribuíram ao revelar que o risco de isolamento existia como reflexo do medo de transmitir a doença.

Foi realizado um estudo transversal com estudantes de graduação e pós-graduação, bem como profissionais de nível superior de diferentes áreas em diversas regiões do Brasil durante a Covid-19. Os dados evidenciaram que o isolamento social se mostrou associado à depressão. Constatou-se também o uso de substâncias ilícitas, preocupações excessivas com a disseminação da doença, uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica e prejuízos nas relações interpessoais32Moura AAM, Bassoli IR, Silveira BV, Diehl A, Santos MA, Santos RA, et al. Is social isolation during the COVID-19 pandemic a risk factor for depression? Rev Bras Enferm[Internet]. 2022 [cited 2023 Dec 12];75 Suppl 1:e20210594. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0594
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. Frente a isso, pode-se pensar que, para além de serem trabalhadores da linha de frente, os profissionais de enfermagem foram afetados também na condição de cidadãos comuns durante as medidas de contingência sanitária.

Porém, é importante resgatar também a atuação na linha de frente como aspecto relacionado a este fenômeno. A enfermagem representou força de trabalho essencial durante a pandemia Covid-19 e esteve no epicentro do cuidado aos doentes. No entanto, a necessidade de proteger seus próprios familiares e amigos fez com que os profissionais buscassem se afastar de suas relações afetivas, o que promoveu isolamento e solidão durante o período1Miranda FMA, Santana L de L, Pizzolato AC, Saquis LMM. Condições de trabalho e o impacto na saúde dos profissionais de enfermagem frente a Covid-19. Cogitare Enferm [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];25:e72702. Available from: https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.72702
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,33Souza AA, Moura JCBP, Silva LMS, Silva MRF, Guedes MVC. Worker's health: The thinking of nursing in the face of the covid-19 pandemic. Nursing (São Paulo) [Internet]. 2022 [cited 2023 Dec 12];25(291):8254-65. Available from: https://doi.org/10.36489/nursing.2022v25i291p8254-8265
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. Sabe-se também que, muitas vezes, as condições familiares, financeiras e sociais não permitiram esse distanciamento1Miranda FMA, Santana L de L, Pizzolato AC, Saquis LMM. Condições de trabalho e o impacto na saúde dos profissionais de enfermagem frente a Covid-19. Cogitare Enferm [Internet]. 2020 [cited 2023 Dec 12];25:e72702. Available from: https://doi.org/10.5380/ce.v25i0.72702
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, o que potencializou o medo dos profissionais relacionado à transmissão da doença entre seus entes.

Ao analisar e discutir os achados deste estudo corrobora-se com a percepção de que a análise da saúde dos trabalhadores da enfermagem que atuaram no enfrentamento da Covid-19 coloca em tela suas múltiplas vulnerabilidades. No enfrentamento da Covid-19, trabalhadores se desafiaram a prestar cuidado perante um cenário desconhecido e repleto de riscos34Yasin JCM, Barlem ELD, Ruivo ÉDG, Andrade GB, Silveira RS, Bremer LCF. Ethical issues experienced by nurses during COVID-19: Relationship with moral distress. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2023 [cited 2023 Dec 12];32:e20230072. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2023-0072en
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. Discutir os medos, anseios e inseguranças dos profissionais fortalece a importância da política de atenção à saúde dos trabalhadores, que pode ser efetivada mediante medidas de prevenção e controle de contaminação no ambiente de trabalho. A isso deve-se somar a promoção de estruturas hospitalares adequadas e de ações de promoção à saúde mental no trabalho33Souza AA, Moura JCBP, Silva LMS, Silva MRF, Guedes MVC. Worker's health: The thinking of nursing in the face of the covid-19 pandemic. Nursing (São Paulo) [Internet]. 2022 [cited 2023 Dec 12];25(291):8254-65. Available from: https://doi.org/10.36489/nursing.2022v25i291p8254-8265
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.

Concorda-se que desconstruir estigmas em torno da saúde e do adoecimento mental da enfermagem pode retirar os indivíduos de uma situação de impotência e os instrumentalizar em direção à busca de apoio35Shah M, Roggenkamp M, Ferrer L, Burger V, Brassil KJ. Mental Health and COVID-19: The psychological implications of a pandemic for nurses. Clin J Oncol Nurs [Internet]. 2021 [cited 2023 Dec 12];25(1):69-75. Available from: https://doi.org/10.1188/21.CJON.69-75
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. Portanto, os achados deste estudo poderão ser úteis para a formulação de ações institucionais e de extensão universitária voltadas à promoção de saúde mental e prevenção de doenças relacionadas ao trabalho. Estas ações, com base neste estudo, poderão resgatar os medos suscitados durante a pandemia relacionados à saúde mental dos trabalhadores, tendo como foco a construção de estratégias coletivas de enfrentamento capazes de fortalecer a categoria. Assim, as angústias vivenciadas nesse período poderão ser ressignificadas para que os indivíduos possam, em um próximo momento, fazer a transição para o período pós-pandêmico sem a herança dos prejuízos psíquicos da experiência na linha de frente.

Algumas limitações deste estudo devem ser destacadas. Os dados foram coletados ao longo de aproximadamente um ano, entre 2020 e 2021. Esse período foi atravessado por diferentes fases da pandemia. Portanto, alguns achados podem ser reflexo do momento específico em que foram coletados. Além disso, deve-se destacar que a realização das entrevistas no local de trabalho (portanto, no contexto das pressões do ambiente laboral) e com uso intenso de EPIs pode ter, em alguns momentos, desafiado a interlocução entre participantes e pesquisadores. Por fim, é importante sinalizar que a interpretação dos dados deve ser realizada com cautela, pois a amostra não é probabilística, não sendo possível a generabilização dos dados.

CONCLUSÃO

Neste estudo, 76,4% dos trabalhadores da enfermagem de unidades hospitalares Covid-19 referiram que a atuação na linha de frente aumentou consideravelmente ou muito os riscos no seu trabalho. Além disso, parte importante dos participantes se sentiam muito expostos a riscos de infecção pessoal, de suas famílias, de sofrer danos físicos, psicológicos e de isolamento. Qualitativamente, percebeu-se que os participantes se sentiam expostos e vulneráveis ao risco de contaminação, ainda que mantivessem cuidados. Portanto, pode-se inferir que o trabalho era percebido como uma experiência de risco.

Todas as variáveis de percepção de risco investigadas neste estudo se mostraram associadas à suspeita de TMCs. A triangulação/mixagem dos dados QUAN+QUAL mostrou que o medo foi o sentimento balizador da interseção entre percepção de risco e adoecimento mental. Ao término deste estudo, pode-se concluir que a suspeita de TMCs associou-se à percepção de múltiplos riscos, sendo que o medo foi o principal elemento imbricado nessa relação.

Sugere-se a realização de novos estudos que investiguem a saúde mental destes profissionais no período pós-pandêmico. Nos próximos anos, será importante compreender como a pandemia terá transformado as relações entre subjetividade e trabalho. A compreensão destes elementos será importante para as novas abordagens em Saúde do Trabalhador.

AGRADECIMENTO

Às sete instituições hospitalares que viabilizaram as coletas de dados junto a suas equipes. Aos trabalhadores de enfermagem que contribuíram com seus dados e seus relatos do cotidiano na linha de frente, mesmo que em situações adversas, por acreditaram na importância da pesquisa e da ciência.

REFERENCES

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído do estudo multicêntrico - Saúde mental e percepção de riscos e danos de profissionais de enfermagem de hospitais de referência do Rio Grande do Sul no enfrentamento da pandemia COVID-19: estudo de métodos mistos, coordenado pela Universidade Federal de Santa Maria, campus Palmeira das Missões. nos anos de 2020 e 2021
  • FINANCIAMENTO

    Projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) por meio do Edital Emergencial 06/2020 - Ciência e Tecnologia no Combate à COVID-19.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, parecer n. 4.206.065/2020, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 34292720.0.1001.5346.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Manuela Beatriz Velho, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2023
  • Aceito
    16 Nov 2023
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