RESUMO
O Brasil promulgou uma série de políticas para realocar e espalhar a população e os recursos produtivos para outras áreas do país além do litoral tradicional. No entanto, São Paulo continua a concentrar o maior contingente populacional do Brasil e a representar o maior aumento populacional. Este artigo analisa os processos que levaram a essa condição e as alternativas possíveis.
PALAVRAS-CHAVE: Economia regional; concentração populacional; clusters
ABSTRACT
Brazil has enacted a series of policies to reallocate and spread the population and productive resources to other areas of the country than the traditional coastline. However, São Paulo continues to concentrate the largest contingent of population of Brazil and to represent the biggest populational increase. This paper analyses the processes that led to this condition and possible alternatives.
KEYWORDS: Regional economy; population concentration; clusters
I. INTRODUÇÃO
O Brasil costuma ser visto como um país imenso, com enorme potencial de crescimento em suas várias regiões. Nas últimas décadas se tem feito um esforço agressivo para ocupar essas regiões: relocação da capital federal, massivo programa rodoviário, grandes projetos de colonização e políticas de incentivos fiscais regionalizadas. Como resultado, a fronteira agrícola se expandiu com alguma interiorização da população e da economia. O mais importante, porém, é que, apesar desses esforços, as atividades econômicas tenderam a se concentrar crescentemente na região dominada pela Área Metropolitana (AM) de São Paulo durante a maior parte deste século. Além disso, esta AM participou com l7,2% do crescimento total da população brasileira durante a década de 70.
Este padrão de concentração tem evidentemente causado preocupação crescente. É fundamental saber se tende a continuar ou se mostra sinais de inversão. Este trabalho objetiva avaliar os processos de concentração e desconcentração, focalizando a trajetória da dominância de São Paulo, dentro de uma visão histórica. Como a região econômica controlada pela cidade de São Paulo alcançou sua ascendência? Como esta afetou a concentração demográfica? Como o nível de dominação e concentração evoluiu nos últimos anos? Quais as perspectivas para o futuro?
A experiência de São Paulo dentro do contexto brasileiro é relevante para a questão mais geral da interação entre mudanças na atividade econômica, desenvolvimento regional e crescimento urbano, bem como para a questão mais abrangente dos limites à concentração.
O artigo começa com uma breve revisão das principais tendências históricas na atividade econômica que modelaram a configuração da população brasileira sobre o espaço até 1930. Isto serve como referência para análise mais detalhada das mudanças no último meio século e, particularmente, nas duas últimas décadas. Dedica-se atenção especial à análise das mudanças inter-regionais da atividade econômica, sobretudo no que toca à área de São Paulo, bem como das mudanças na distribuição da população e do crescimento urbano.
II. RETROSPECTIVA HISTÓRICA: DA DISPERSÃO ESPACIAL À CONCENTRAÇÃO EM SÃO PAULO
A) Ciclos de exportadores e mudanças na localização
A história econômica e demográfica do Brasil é marcada pela descontinuidade espacial e temporal, induzida por alterações nas potencialidades produtivas de matérias-primas e de alimentos, que viabilizavam a inserção do país no mercado internacional. Disto decorria que a produção de diferentes bens seguia ciclos de expansão, atrofia e regressão.1
O dinamismo relativo dos vários ciclos exportadores dependeu das condições de produção, das mudanças no mercado internacional e das vantagens comparativas do Brasil nos diferentes setores do comércio internacional. A articulação entre as várias regiões que produziam diferentes mercadorias ou minérios era frágil, já que cada região estava conectada diretamente com o mercado internacional. Por outro lado, dada a natureza das relações de produção, onde predominava o trabalho escravo ou quase servil, que prevaleceram em grande parte de sua história, não se constitui um mercado interno. Assim, o estímulo básico para a comunicação e articulação não se desenvolveu.
Portanto, durante a maior parte de sua história, o Brasil não formou um espaço econômico unificado ou mesmo minimamente integrado. Ao contrário, os vários ciclos exportadores ocorridos produziram um mosaico econômico altamente descentralizado. Consequentemente, seria inapropriado falar de uma divisão inter-regional do trabalho, ou de uma rede urbana, até meados do século XIX; simplesmente não havia trocas significativas, complementaridade ou subordinação entre as regiões até então.
O café tornou-se o maior produto de exportação do Brasil em meados do século XIX, implicando grande expansão da produção e ao mesmo tempo a geração de considerável demanda por mão-de-obra. Esse período coincidiu também com a eliminação da escravidão. O deslocamento gradual da produção cafeeira das áreas onde predominavam trabalho escravo e outras formas de trabalho não-assalariado - Rio de Janeiro, Minas Gerais e Vale do Paraíba Paulista - em direção ao planalto paulista, marcou profunda alteração na história econômica do Brasil. Esta alteração, ocorrida no final do século XIX, coincidiu com a ação governamental visando à expansão da imigração europeia. Ocorreu então a introdução do trabalho assalariado, a mercantilização da produção de alimentos e a implementação de uma rede de serviços complementares tais como o transporte ferroviário, máquinas de processamento de café, serviços urbanos etc. O efeito líquido destas várias mudanças foi a promoção de São Paulo para a posição de região mais desenvolvida do país que, como consequência, passou a atrair ambas as correntes migratórias, interna e internacional.2
O processo de concentração econômica e demográfica, no estado e na cidade de São Paulo, começou no século XIX com base na produção de café, continuando no século XX com vários ramos da agricultura, incluindo a produção de alimentos para a população local e urbana, bem como de matérias-primas para uma crescente indústria. Esse dinamismo e uma agricultura de mercado geraram excedentes que foram utilizados para financiar a implantação e diversificação industrial e um conjunto de atividades complementares (bancos, ferrovia, comércio). A introdução de relações capitalistas de produção, simultaneamente com transformações internas e externas, facilitou a expansão da produção industrial para um mercado interno crescente. Quando a Primeira Guerra provocou a redução das importações, o processo de concentração industrial em São Paulo foi consolidado em função das vantagens relativas da região e de sua capacidade para responder ao rápido crescimento de demanda. Além da necessidade de substituir importações, gerou-se uma demanda por novos produtos industriais, facilitando e implicando a diversificação industrial. Fortes fluxos migratórios (estimados em 1,57 milhão de pessoas entre 1900 e 1930, 82% dos quais eram imigrantes estrangeiros) estimularam a expansão adicional dessa indústria.3
b) Tendências iniciais de crescimento urbano
Cada um dos diferentes ciclos exportadores beneficiou a ocupação demográfica de uma nova região e a criação de novas cidades. De modo geral, porém, o crescimento urbano foi restrito até o século XX. O modelo urbano prevalecente, transplantado de Portugal para o Brasil, era de cidades agrocomerciais e marítimas. A natureza da orientação para fora da economia brasileira e sua dominação pelos proprietários de terra - coincidia com a preocupação de defesa - levaram à criação de núcleos agrocomerciais na costa.4 Foi preciso mais de dois séculos de ocupação até que o ciclo minerador forçasse o deslocamento de contingentes populacionais significativos em direção ao interior. Por outro lado, a transferência da capital federal de Salvador para o Rio de Janeiro - de forma a controlar os fluxos de ouro de Minas Gerais e Goiás, em meados do século XVIII - provocou o rápido crescimento da cidade do Rio de Janeiro. A crescente centralização administrativa naquela cidade e suas facilidades portuárias reforçaram sua proeminência econômica e demográfica por dois séculos. Somente nas últimas décadas do século XIX é que se observou considerável mobilidade populacional: além da migração internacional intensiva, destinada em grande parte ao estado de São Paulo, forte migração inter-regional e intra-regional, também para ele dirigida. Grande parte desta acabou se estabelecendo em áreas urbanas. Merrick e Graham notam que uma das ironias da política subsidiada de imigração, orientada para incrementar o trabalho agrícola, foi que contribuiu significativamente para o inchaço urbano. Eles estimaram que, em 1872, Rio de Janeiro era mais que oito vezes o tamanho de São Paulo e que esta era, à época, somente a oitava cidade no país. Em 1900, entretanto, São Paulo já era a segunda maior cidade e seu tamanho aumentara para um terço do Rio de Janeiro.5
Dados detalhados sobre o tamanho das localidades urbanas só são disponíveis após 1940, mas informações sobre o tamanho das municipalidades - que, no caso das mais populosas, reflete suas populações urbanas - estão disponíveis para períodos anteriores. Esses dados mostram que, em 1872, menos de 8% da população brasileira vivia em municípios de mais de 20 000 habitantes, à exceção de São Paulo, todas as cidades eram localizadas na costa. Somente três municípios tinham mais de 100 000 habitantes (Rio de Janeiro, Salvador e Recife). São Paulo, entretanto, teve o crescimento mais rápido, aumentando de 65 000 habitantes em 1890 para 240 000 em 1900. A única cidade que teve taxas de crescimento comparáveis no período foi Belém, em função do surto da borracha.6
III. INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO DEPOIS DE 1930
A) Reforço da concentração industrial no estado de São Paulo
A maior alteração no padrão de acumulação brasileira após 1930 ocorreu com o deslocamento do foco da acumulação do setor agroexportador para o urbano-industrial e, simultaneamente, o deslocamento da produção, anteriormente voltada para o mercado externo, para o mercado interno. Embora a depressão tenha devastado a economia baseada na cafeicultura centrada em São Paulo, o eixo Rio de Janeiro-São Paulo havia acumulado vantagens comparativas, bem como capital humano e físico, que lhe permitiu consolidar sua dominação crescente sobre a economia brasileira.
A quebra abrupta dos laços internacionais forneceu o estímulo para a industrialização por substituição de importações, que deu novo significado ao mercado interno.’ 7 A disponibilidade de capital e as vantagens comparativas ainda existentes para o eixo Rio-São Paulo, em termos de tamanho do mercado local, acesso a mão-de-obra, bem como suas inter-relações com o interior e outros mercados regionais, ampliaram sua capacidade para aproveitar-se da nova situação. A incipiente industrialização até então tinha se voltado para mercados locais ou regionais e apresentava tênues articulações com o mercado internacional. Dentro de pouco tempo, entretanto, Rio de Janeiro e São Paulo começaram a expandir seus mercados. O tamanho da cidade do Rio de Janeiro, suas facilidades portuárias e sua vinculação com a estrutura do poder federal deram a ela vantagens sobre a maioria dos outros centros regionais. Entretanto, o dinamismo do mercado regional do estado e da cidade de São Paulo, a modernização das suas relações de produção, a integração intersetorial, a produção de excedentes e as economias de aglomeração, que serviram para sustentar sua estrutura agrícola, levaram sua produção industrial a uma posição dominante. Por outro lado, os efeitos da crise foram reduzidos em São Paulo pela decisão governamental de comprar os excedentes cafeeiros e, ao mesmo tempo, de sustentar o nível da atividade econômica de seus produtos. Fortalecido pela extensão de sua rede ferroviária e, mais tarde, pelo sistema rodoviário, São Paulo estabeleceu as bases para a integração do mercado nacional e, consequentemente, para a divisão inter-regional do trabalho no Brasil.8
A interação do mercado nacional determinou a natureza das relações centro-periferia entre o eixo Rio-São Paulo e o restante do Brasil. Como Cano e Oliveira9 mostraram, as regiões periféricas foram crescentemente obrigadas a adequar suas estruturas produtivas de forma complementar com o eixo dominante à medida que São Paulo ampliava sua importância e assim intensificava a divisão inter-regional do trabalho no Brasil. Desde então, a concentração industrial e demográfica se intensificou em São Paulo até aproximadamente 1970, em detrimento da maioria dos outros estados e regiões (conforme tabelas 1 e 2), especialmente do Rio de Janeiro.
b) Expansão da fronteira e urbanização
A crise cafeeira da década de 30, bem como as mudanças no padrão de acumulação, que se orientou para o mercado interno e para a industrialização, provocaram, simultaneamente, a migração para as cidades e a expansão da fronteira. Durante seus estágios iniciais, o movimento fronteiriço dirigiu-se de São Paulo para as terras próximas do Paraná e, mais tarde, no Mato Grosso do Sul e partes de Minas Gerais e Goiás, constituindo-se, assim, numa extensão geográfica da agricultura paulista. Posteriormente, a fronteira alcançou dinamismo próprio, à medida que o valor das terras previamente ocupadas aumentou e que a infraestrutura foi sendo gradualmente construída. Essa incorporação progressiva de novas áreas agrícolas levou a uma redução da predominância de São Paulo na produção do setor.
Com respeito à migração rural-urbana, tem sido mostrado que a redução da migração internacional depois de 1930 foi amplamente substituída pelos movimentos intrarregionais e inter-regionais oriundos do Nordeste e de Minas Gerais em direção a São Paulo, particularmente em direção a sua área urbana.10 Em 1940, o Brasil possuía cinquenta centros urbanos de 20 000 habitantes ou mais, dos quais dezesseis estavam localizados no estado de São Paulo. De todas as cidades brasileiras, a grande maioria estava na costa ou à curta distância dela. Novamente a maior exceção estava no estado de São Paulo, onde várias cidades - incluindo a cidade de São Paulo - estavam no interior. A Segunda Guerra Mundial acelerou a demanda interna por produtos industriais devido às novas dificuldades de importação, bem como a demanda externa por matérias-primas. A capacidade industrial existente foi expandida e utilizada ao máximo, provocando aumentos de salários e atraindo novas migrações para as áreas industriais.
A aceleração do crescimento demográfico, provocado pelo rápido declínio da mortalidade, sem significativa redução na fertilidade, ajudou a alimentar ambos os movimentos: migração rural-urbana e de fronteira. Estima-se que aproximadamente 3 milhões de pessoas saíram das áreas rurais para as cidades durante a década de 40 e 7 milhões durante a década de 50. Rio de Janeiro e São Paulo foram as cidades mais afetadas por esse movimento. Entretanto, os estados de fronteira (Paraná e Centro-Oeste), absorveram aproximadamente 1,5 milhão de habitantes em suas áreas rurais.11
A década de 50 foi marcada por um ritmo de crescimento urbano particularmente intenso.12 Parte desta explosão urbana é novamente atribuível ao crescimento demográfico, mas sua maior causa foi uma profunda transformação social e econômica. Depois da Segunda Guerra Mundial, o Brasil reestruturou sua economia; o setor de comunicações e transportes foi modernizado e empreendeu-se a implementação de infraestrutura básica. O lançamento de vários grandes empreendimentos teve fortes consequências espaciais durante a era Kubitschek, no final dos anos 50, incluindo incentivos para a ampliação do parque industrial, a transferência da capital federal para Brasília, a introdução de uma massivo programa rodoviário e a ocupação de novas regiões de fronteira.
O modelo de modernização conservadora, implantado pelo regime militar depois de 1964, estendeu e atualizou essas reformas com a ampliação das empresas estatais e a captação de recursos internacionais, enquanto controlava os movimentos populares e sindicais. As vantagens locacionais acumuladas em torno da cidade de São Paulo, baseadas nas economias externas, no tamanho e poder do mercado, bem como no talento da classe empresarial, além do volume de recursos e força política, serviu para promover a concentração industrial nessa região durante o início do período militar. As melhorias no setor de transportes e comunicações também contribuíram para a penetração dos seus produtos industriais no mercado nacional. O declínio relativo da região do Rio de Janeiro que, em retrospecto, pode ser percebido já na virada do século, tornou-se mais pronunciado nesta época. As desvantagens econômicas da região do Rio - provindas da fraqueza de suas relações intersetoriais com o interior, do atraso de sua agricultura (terras pobres, relações pré-capitalistas de produção e incapacidade de produzir excedentes), da debilidade de sua burguesia industrial, bem como da inexistência de recursos minerais - contrastaram fortemente com o dinamismo de São Paulo. Assim, a transferência da capital para Brasília, no início da década de 60, só serviu para revelar e acentuar as desvantagens fundamentais do Rio de Janeiro.
Enquanto isso, a concentração da população no estado de São Paulo e em suas cidades continuou acelerada, assim como a concentração das atividades econômicas nos setores industrial e terciário. Por volta de 1960, mais de 7 milhões de habitantes viviam em 41 cidades de mais de 20 000 habitantes dentro do estado de São Paulo, o que correspondia a 28% das cidades e 31% da população do país. Embora a parcela relativa de todas as cidades localizadas no estado de São Paulo tenha declinado ligeiramente nos anos subsequentes, sua proporção no total da população urbana cresceu até 1970. Então, a área metropolitana de São Paulo ultrapassou o Rio de Janeiro como a maior cidade brasileira e já continha 21% da população urbana do país.
IV. DESCONCENTRAÇÃO DEPOIS DE 1970
A) Desconcentração econômica: causas e indicadores
A desconcentração da produção agrícola, a partir de São Paulo, havia começado na década de 40. Mas a maior queda ocorreu na década de 50, quando sua participação no valor da produção agrícola caiu de 340/o para 240/o. Tais mudanças estão em consonância com a expansão da fronteira agrícola previamente discutida e com o fato de que a incorporação das novas áreas agrícolas tem sido a forma predominante de aumento da produção nesse setor (tabela 3). Embora os dados mostrem incremento contínuo da produção dentro do estado de São Paulo e este tenha alcançado alguns dos mais altos níveis de produtividade no país, sua parcela na produção nacional foi se reduzindo, justamente em virtude da constante expansão na área cultivada em outras regiões.
Entretanto, é interessante observar que, a partir do final da década de 60, começou a ocorrer também a desconcentração industrial de São Paulo. De fato, dados recentemente publicados sobre as contas nacionais regionalizadas para 1970 e 1980 fornecem clara demonstração do processo de desconcentração.13 Esses dados indicam que; pela primeira vez, a participação relativa de São Paulo no PIB nacional sofreu uma queda (de 41,1% para 38,2% entre 1970/1980). A mudança de direção implícita nesses dados é talvez mais significativa que o tamanho da perda relativa (2,9%), particularmente pelo fato de que sua causa foi, sobretudo, a redução de São Paulo no setor industrial (tabela 4).14*
A parcela perdida por São Paulo foi, evidentemente, absorvida por outras regiões. A região Norte aumentou sua participação no PIB de 2,0% em 1970 para 2,9% em 1980; o maior ganho aí foi na indústria, que aumentou de 1% para 2,9% do total nacional, devido à instalação de um centro industrial em Manaus e de projetos isolados no estado do Pará. A região Nordeste manteve sua participação relativa, basicamente em função da expansão industrial da Bahia. A região Sul mostrou um incremento de sua participação na produção industrial de 12,0% para 16,3% no período, ao mesmo tempo que experimentou redução de sua participação na produção agrícola. A região Centro-Oeste aumentou sua modesta participação em todos os setores. O estado do Rio de Janeiro continuou em seu permanente declínio, enquanto o Espírito Santo e Minas Gerais aumentaram ligeiramente suas participações respectivas.
Os elementos centrais a serem analisados são as regiões que induziram a tendência de desconcentração de São Paulo durante a década de 70 e o seu significado global. Em primeiro lugar, a noção de que a desconcentração teria ocorrido contra o interesse, ou em detrimento da classe empresarial paulista, deve ser descartada. Ao contrário, a desconcentração refletiu a lógica e o interesse das firmas do estado, de vez que foi induzido, em grande parte pelas necessidades de expansão das empresas paulistas sobre uma parcela crescente do espaço nacional. O fenômeno é análogo ao movimento mundial do capital produtivo através do interesse das multinacionais. Assim, o impacto das políticas de descentralização e desconcentração, ou das políticas de desenvolvimento regional, não deve ser exagerado. Ainda que algumas políticas públicas possam ter ajudado a acentuar o processo de desconcentração, a maioria das mudanças ocorreu principalmente em resposta às necessidades específicas do processo de acumulação a um dado estágio de maturidade.
Em segundo lugar, seria errado buscar causa única ou decisiva da desconcentração. Ela resultou de um conjunto de fatores diferentes, a um dado momento histórico. Alguns dos fatores que, em momentos diferentes e com diferentes impactos, têm ajudado a promover a desconcentração para fora da região de São Paulo podem ser apontados. O ufanismo que prevaleceu no país à época do “milagre econômico”, no final dos anos 60, certamente criou um clima favorável à expansão e à busca ou “conquista” de novos mercados, por meio da integração das regiões anteriormente isoladas ou vazias. A necessidade de criar mercados e de incorporar a fronteira de recursos naturais - que explica parcialmente o deslocamento da produção agrícola e mineral - forneceu o estímulo para a concorrência intercapitalista, em termos de expansão do mercado, da apropriação e controle de recursos e da criação de barreiras à entrada.
Esses fatores têm aspectos espaciais diferenciados e ao mesmo tempo promovem a integração. Efeitos interindustriais foram ampliados pelas mudanças tecnológicas e o fortalecimento das relações intersetoriais. O lançamento de novo pacote de projetos industriais - a partir do final da década de 60, à medida que as plantas existentes alcançavam suas escalas técnicas ou atingiam plena capacidade - também favoreceu o deslocamento espacial.
Em outro nível, considerações de natureza geopolítica forçaram a ocupação do espaço vazio, bem como a construção da nova capital em Brasília, a criação da Zona Franca de Manaus e a construção de infraestrutura visando à descentralização de atividades econômicas. Novas ampliações na rede de comunicações e, particularmente de transporte, favoreceram o acesso às novas regiões. A pressão demográfica nas áreas de ocupação antiga aumentou o fluxo migratório e, portanto, a integração. Uma avalancha de incentivos fiscais para o desenvolvimento regional e setorial - incluindo um programa maciço de crédito subsidiado à agricultura - aumentou o valor das terras em todo o território nacional e tentou promover uma descentralização generalizada de atividades econômicas durante a década de 70.
O que teria acontecido com a desconcentração durante a década de 80? Os dados disponíveis das Contas Nacionais Regionalizadas ainda são de 1980, o que dificulta fornecer uma resposta mais definitiva para a questão. Mas é legítimo presumir que a severidade da crise econômica na primeira metade da década de 80 atenuou a tendência da redistribuição regional da produção no Brasil. Isto porque a desconcentração resulta preponderantemente da manipulação dos novos investimentos, e não da relocação das unidades produtivas existentes. Então, a escassez de recursos para investimentos acabou freando o processo de desconcentração no período recente.
No entanto, alguns elementos concretos relacionados com a situação mais recente podem ser apresentados. No setor agrícola, a década de 80 assistiu a várias transformações importantes, algumas devidas à continuação do processo de desconcentração e outras à crise econômica. Com respeito aos impactos da crise, é interessante observar que o Censo Agropecuário de 1985 mostrou aparente reversão na tendência previamente observada de concentração de terras, redução de emprego e forte êxodo rural.15 Pela primeira vez desde o início do recente processo de modernização, o número de estabelecimentos agrícolas mostrou um aumento significativo durante o período 1980-1985, sendo que o incremento maior se deu em nível de minifúndios. Enquanto isso, a taxa de incremento na área total e na área cultivada sofreu uma queda importante. Isto foi acompanhado por um decréscimo na taxa de incremento da incorporação tecnológica e da expansão da fronteira. A soma desses padrões parece refletir o impacto da crise sobre a disponibilidade de crédito subsidiado - que tinha previamente alimentado tanto a modernização como a especulação com a terra - bem como a contração do mercado. Assim, a crise parece ter reaberto espaços intersticiais para a produção de pequena escala de todos os tipos, especialmente os minifúndios de subsistência. É quase seguro que esses padrões retardaram a migração rural-urbana no início dos anos 80.
Em contraste, a última metade da década parece ter sido marcada pelo retorno do padrão dominante de modernização, caracterizado pela valorização das terras e pelo êxodo rural. No total, entretanto, pode-se esperar que as cifras do Censo de 90 apresentem menor nível de migração rural-urbana que a década anterior. Além do impacto da crise, pode ser lembrado que o tamanho absoluto da população rural é agora menor, devido à pesada emigração nas décadas anteriores. Por outro lado, as taxas de crescimento vegetativo têm declinado significativamente, tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. Não obstante, a redução da fecundidade não produz impacto imediato sobre a migração, dada a seletividade da migração por idade; entre quinze e vinte anos devem passar antes que o declínio da fecundidade afete significativamente o êxodo rural.
No que se refere à desconcentração da produção agrícola, os anos 80 presenciaram nova mudança no locus da produção de grãos em direção aos Cerrados do Centro-Oeste, bem como em áreas adjacentes do Nordeste e de Minas Gerais. Entre 1980 e 1986, por exemplo, a região Centro-Oeste aumentou sua participação na produção nacional de soja de 12% para 23% e de milho de 9% para 12%. É de se esperar que estas cifras tenham subido para 30% e 15%, respectivamente, em 1990. A expansão atual do Centro-Oeste representa, de fato, uma utilização mais intensiva de uma fronteira que já tinha sido ocupada vinte ou trinta anos antes.
No que se refere à desconcentração industrial, não existem informações censitárias a partir de 1980. O único dado disponível é o índice de produção física apurado pelo IBGE. Embora a metodologia de sua apuração pondere o volume físico em relação aos valores de produção, sua abrangência em termos de produtos é restrita, além de não se fazer atualização temporária da pauta de produtos.
Apesar dessas restrições, os dados (tabela 5) refletem a avaliação disponível sobre o desempenho industrial da década de 80. Houve uma queda absoluta de produção até 1985, só recuperada a partir de 1986. Por outro lado; os dados da tabela refletem também recuperação e crescimento diferencial por regiões, tendo o Rio de Janeiro e São Paulo os menores índices, o que confirmaria a tendência recente de perda de participação relativa destes estados. Entre 1980 e 1989, o índice da produção física para a indústria foi de 0,3% para o Rio de Janeiro, 4,6% para São Paulo e 10,9% para o Brasil como um todo. Esse tipo de informação tem causado considerável interesse na imprensa, que tende a ver nela uma grave crise para a indústria paulista.16 As mudanças regionais nos dados de produção são refletidas nos padrões de consumo; recente estudo mostrou que o estado de São Paulo sofreu uma redução de 5,38% na apropriação da renda nacional entre 1975 e 1985.17
Além dos vários fatores listados anteriormente, pesquisa de campo em firmas industriais, que recentemente estabeleceram subsidiárias no interior do próprio estado de São Paulo e no sul de Minas Gerais, revelou motivação adicional para a desconcentração.18 O primeiro incentivo é clássico: terras baratas fora da área metropolitana de São Paulo. Um segundo motivo foi a percepção pelos industriais de São Paulo de que os sindicatos de estado são mais bem organizados e mais ativos; como consequência, demandam e conseguem melhores salários. O terceiro motivo alegado foi o custo do controle de poluição que a CETESB impõe. Por fim, as deseconomias de urbanização decorrentes do excessivo crescimento urbano da Grande São Paulo levaram o próprio governo do estado a promover medidas visando à desconcentração industrial dentro do estado.19
Uma questão central a ser discutida é se a desconcentração econômica, em particular a industrial, constitui ou não uma perda de ascendência e controle do polo dominante ou se ela simplesmente representa uma extensão natural do raio e do perímetro da região dominante. Antes de responder a esta questão é necessário diferenciar as desvantagens financeiras de curto prazo para o estado da eventual perda de ascendência do polo dominante. Dada a estrutura tributária sobre a produção e a distribuição de bens, cobrada em nível estadual, bem como os efeitos multiplicadores que as atividades industriais têm sobre outras atividades, não há dúvida de que a desconcentração industrial para fora do estado implica para este perdas relativas de renda.
No que se refere à questão da perda relativa de importância de São Paulo, parece que houve tanto uma extensão do perímetro do polo dominante para fora do estado, quanto uma certa desconcentração para localidades distantes desse perímetro. Dos dois tipos, não parece haver muita dúvida de que a extensão do perímetro tem sido mais frequente e mais importante. Essa forma de desconcentração, que amplia o perímetro do polo dominante, é produzida pela soma de decisões empresariais individuais - para ter acesso a matérias-primas, mão-de-obra, espaço ou para tirar proveito de condições políticas mais favoráveis ou outros fatores - e acaba, na realidade, reforçando o polo dominante.
A maior parte da desconcentração para áreas ou localidades mais longínquas é estimulada por ações governamentais, com o intuito de criar e proteger zonas industriais em regiões menos desenvolvidas. É o caso da Zona Franca de Manaus e do polo industrial no Nordeste, que deveriam redundar numa perda relativa na ascendência do polo dominante. Isto não ocorre porque a maioria das “novas” indústrias criadas fora desse polo são subsidiárias de firmas cujas matrizes aproveitam-se dos incentivos fiscais para ter acesso a novos mercados, força de trabalho e materiais. Nessa ótica, ambas as formas de desconcentração constituem uma expansão do polo dominante centrado em São Paulo que serve para reforçar sua hegemonia.
Num outro plano, é importante observar que a desconcentração a partir de São Paulo, particularmente quando resultante de decisões empresariais, não tem levado à descentralização dos controles financeiro e administrativo. Ao contrário, vem ocorrendo intensificação da centralização das decisões econômicas com a desconcentração industrial na medida em que o controle do capital financeiro está progressivamente centralizado na área metropolitana de São Paulo. Em síntese, o processo principal que vem ocorrendo no Brasil poderia talvez ser mais bem descrito como desconcentração centralizada.
a) Desconcentração e crescimento urbano
Quais os impactos da desconcentração agrícola de São Paulo (iniciada na década de 40) e da desconcentração industrial (iniciada na década de 60) sobre a distribuição espacial da população, particularmente no que se refere à concentração urbana?
Quanto à expansão da fronteira agrícola, a partir da década de 40, ajudou, sem dúvida, o rápido crescimento urbano nas regiões anteriormente vazias. A multiplicação de localidades de 20 000 habitantes ou mais de cinquenta para 393, entre 1940 e 1980, pode ser atribuída à expansão da fronteira (tabela 6), apesar de a atividade agrícola não criar grandes metrópoles; além disso, não parece que a concentração urbana em São Paulo tenha sido reduzida por causa da expansão agrícola em si. De fato, as taxas de crescimento da área metropolitana de São Paulo e das cidades nesse estado foram mais altas que no restante do Brasil no período 1940-1970 (tabela 6).
O impacto da desconcentração industrial deve ser visto em dois níveis. Dada a primazia da área metropolitana de São Paulo no processo de industrialização e sua posição como o centro nevrálgico do polo dominante de São Paulo, a desconcentração pode ocorrer como um movimento em direção à periferia do polo dominante, ou em direção a novos polos em regiões mais distantes. Para os propósitos de análise do primeiro tipo de movimento, o estado de São Paulo pode ser tomado como uma proxy do perímetro da região dominante. Obviamente isto constitui uma simplificação, já que certas áreas dentro do estado de São Paulo estão fora do centro dinâmico, enquanto outras áreas fora do estado estão sendo rapidamente incorporadas em termos econômicos; entretanto, as fontes de dados atualmente disponíveis impõem a utilização deste procedimento.
A principal questão aqui é: como conciliar a desconcentração industrial de São Paulo com o fato de que a sua área metropolitana participou com 17% do crescimento populacional do país entre 1970 e 1980? Ou, como o estado de São Paulo aumentou sua participação na população nacional de 19 para 21% no período, a despeito de sua menor taxa de crescimento natural? A primeira resposta pode ser o fato de que há uma defasagem temporal entre as mudanças na distribuição espacial das atividades econômicas e o redirecionamento dos fluxos migratórios. Assim, a inércia de 50 anos de forte imigração explicaria uma continuação dos fluxos em direção ao estado e à área metropolitana durante os primeiros estágios da desconcentração. Outro ponto a ser ressaltado é que muito da desconcentração industrial ocorreu para áreas dentro do próprio estado de São Paulo.
Mas, em outro nível, os dados das tabelas 6 e 7 indicam que a despeito do grande crescimento absoluto da população na área metropolitana e no estado de São Paulo, o crescimento urbano já se reduziu e mostrou sinais de desconcentração nos anos 70. Por exemplo, pode ser visto na tabela 6 que, no período de 1940-1970, as cidades no estado de São Paulo cresceram muito mais rapidamente que no restante do Brasil, com a área metropolitana de São Paulo tendo larga vantagem sobre outras cidades no próprio estado. Durante os anos 70, a diferença nas taxas de crescimento entre as cidades de São Paulo e as do restante do país foram reduzidas consideravelmente; além disso, a área metropolitana de São Paulo cresceu a uma taxa relativamente menor que as outras cidades do mesmo estado. Essas tendências são reveladas pelos dados da tabela 7, que indicam que o crescimento urbano no estado de São Paulo diminuiu ligeiramente; mais significativamente, a participação da área metropolitana de São Paulo declinou, tanto em termos nacionais quanto estaduais durante os anos 70.
Em resumo, os dados disponíveis sobre o processo de crescimento urbano também parecem indicar uma reversão na tendência de concentração durante os anos 70. A área metropolitana de São Paulo, a despeito do imenso incremento absoluto, cresceu a uma taxa menor que no passado e que outras cidades dentro do estado. Será extremamente esclarecedor verificar, através dos dados do Censo de 1990, se esta tendência persistiu nos anos mais recentes. À vista do processo descrito de desconcentração industrial - que tende a reduzir a demanda por trabalho no núcleo -, bem como do impacto da crise econômica recente sobre a retenção rural no início da década de 80, pode-se esperar que a migração para São Paulo e para sua área metropolitana teve uma tendência declinante na década de 80.
V. PERSPECTIVAS DE DESCONCENTRAÇÃO NO FUTURO
A análise anterior indica significante desconcentração industrial e urbana a partir da área metropolitana e do estado de São Paulo na década de 70. O ritmo desse processo reduziu-se na década de 80, devido à crise econômica e à redução geral dos investimentos, como demonstra o fraco desempenho industrial do período (tabela 5). Para o futuro, não se esperam grandes alterações macroespaciais, desde que a maior parte da alteração que ocorreu efetivamente constituiu uma expansão geográfica do polo dominante, em consonância com o interesse das empresas privadas.
Por outro lado, a realocação para regiões distantes do polo dominante ocorreu em resposta a pesados investimentos e incentivos governamentais, o que não deverá ser repetido. O alto custo social, reduzidos efeitos multiplicadores, fracas relações intersetoriais e incapacidade para absorver tecnologia, em experimentos tais como a Zona Franca de Manaus - que participou com grande parcela do crescimento do Norte - agem contra a repetição de tais tipos de experiência. O crescimento industrial do Nordeste foi fortemente influenciado pelo polo petroquímica da Bahia, estabelecido por razões políticas. A maioria dos projetos instalados na região Nordeste o foram por incentivos fiscais. Muitos deles tornaram-se enclaves industriais, que se beneficiaram dos incentivos e de matérias-primas locais, mas com o capital e o mercado de fora da região.20
Consequentemente, não pode ser esperada expansão industrial significativa naquela região. Similarmente, a região Leste, especialmente o entorno do Rio de Janeiro, provavelmente manterá seu histórico declínio, na medida em que oferece poucas vantagens locacionais.21
Por outro lado, as recentes transformações tecnológicas poderão, teoricamente, alterar os novos requerimentos locacionais. De fato, como consequência da crise do capitalismo mundial na década de 70, profundas mudanças na base técnica da produção foram registradas. Espera-se que tais mudanças poderão afetar os padrões locacionais, particularmente no que concerne à emergência de novos setores, como é o caso da eletrônica, informática, novos materiais, química e mecânica de precisão. Dada sua alta base técnica, imagina-se que seus requerimentos locacionais serão diferentes daqueles das indústrias tradicionais ou pesadas.
No caso das novas tecnologias, o desenvolvimento relativo das forças produtivas em uma dada região continua sendo um fator central. Do ponto de vista da produção, a base educacional, científica e cultural - representada pelas universidades e instituições de pesquisa - o ambiente tecnológico, a base produtiva existente, as características culturais e o nível geral de conhecimento e a disponibilidade de pessoal tecnicamente treinado são todos fatores que influenciam a atração relativa de diferentes locais. Do ponto de vista da demanda, além do nível e da magnitude da renda regional, os maiores determinantes incluem o estágio de desenvolvimento relativo das outras atividades ou setores (indústria, agricultura, serviços) que podem absorver os novos produtos gerados pela indústria dinâmica e, ao mesmo tempo, estimular sua futura expansão.
Nessa linha de raciocínio, é claro que o próprio estado de São Paulo ainda possui claras vantagens relativas que poderão promover a expansão industrial na região através das indústrias mais dinâmicas. Por outro lado, o desenvolvimento dos transportes poderão reduzir a fricção espacial, contribuindo para a expansão da área geográfica do polo dominante pela incorporação de partes dos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e mesmo do Centro-Oeste, Isso introduziria uma nova configuração espacial da região industrial dinâmica no Brasil.22 Na medida em que esta grande região se torne funcionalmente integrada, implicará uma redução das possibilidades de crescimento das regiões distantes. Consequentemente, as disparidades regionais seriam ampliadas, bem como a divisão inter-regional do trabalho, como consequência aumentando a subordinação de outras regiões ao polo dominante, que tem seu núcleo na área metropolitana de São Paulo. Será, difícil, então, reverter o atraso relativo que prevalece nos setores industriais do Nordeste e do Leste, ou ocupar a região relativamente vazia do Norte.
No setor agrícola, a perspectiva é diferente. A visão geral sobre o potencial da região amazônica no curto e médio prazos é desfavorável. A impossibilidade de resolver as enormes dificuldades tecnológicas de forma ampla, o fator distância e o correspondente custo de transporte, a deficiência de infraestrutura, a inexistência de um mercado de trabalho organizado, a constante agressão de doenças tropicais, além de outros fatores, apresentam formidáveis obstáculos para o estabelecimento produtivo pelo menos no curto e médio prazos.23
No que se refere às velhas regiões, principalmente o Nordeste e o Leste, estas mantêm baixo e estagnado nível de produção e produtividade. Uma parte significante da sua população continua vivendo em precárias condições materiais e sociais. Essas regiões são caracterizadas predominantemente por terras ruins, numa combinação de minifúndios e latifúndios, topografia acidentada, baixo nível tecnológico e fortes resistências culturais à mudança. A exceção seriam as áreas de irrigação do Vale do São Francisco, em rápido processo de crescimento e dotados de moderníssimo padrão tecnológico, mas incapaz de exercer efeito generalizado sobre a ampla região nordestina.
As maiores perspectivas para o desenvolvimento agrícola estão na região Central, que tem sido ocupada de forma acelerada na última década. A área inclui parte do Centro-Oeste, bem como partes dos estados de Minas Gerais, Bahia, Piauí e Maranhão. A disponibilidade relativa de terras baratas, a existência de adequada tecnologia e um mínimo de infraestrutura, bem como a proximidade relativa do mercado, indicam considerável potencialidade nas próximas etapas do desenvolvimento brasileiro.
Em síntese, os principais tipos de desconcentração que poderão ser esperados para o futuro são no sentido da área metropolitana de São Paulo em direção ao interior do próprio estado, para o sul do Brasil, para Minas Gerais e para o Centro-Oeste. Isso tenderá a intensificar o crescimento demográfico e a concentração em região mais ampla que no passado. O desenvolvimento do Centro-Oeste estará articulado com a continuação do dinamismo de sua fronteira agrícola e seus impactos sobre o desenvolvimento agroindustrial. A necessidade de atividades urbanas de suporte na região promoverá o crescimento urbano, mas não a concentração metropolitana. A expansão industrial para a região Sul, para Minas Gerais e para o interior do estado de São Paulo ocorrerá, como sugere Azzoni, ao longo das linhas de menor fricção, estabelecidos pelo desigual desenvolvimento dos transportes e comunicações.24 O mapa a seguir indica os prováveis eixos de desconcentração, de acordo com a percepção atual dos autores deste artigo.
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de sua história, a distribuição espacial da população brasileira foi moldada por uma sucessão de ondas de povoamento, promovidas pelos ciclos sucessivos de extração e agricultura. Durante grande parte deste século, entretanto, o poder econômico concentrou-se crescentemente em uma ampla área dominada pela cidade de São Paulo, devido à combinação de vantagens naturais e de condicionantes históricos. Nos anos recentes, a primazia econômica da região está aparentemente mudando pelo deslocamento dos novos investimentos industriais para fora da área metropolitana de São Paulo. A principal força por trás desse processo de desconcentração resulta das deseconomias de aglomeração, densidade demográfica, controle de poluição, problemas trabalhistas, entre outros, cujo resultado agregado está induzindo a decisão dos empresários para desconcentrar. Em nível menor, é produzido pelas políticas governamentais orientadas para o desenvolvimento de regiões distantes e mais pobres.
O significado da tendência de desconcentração das atividades econômicas, redistribuição espacial e descentralização do poder, entretanto, não deve ser superestimado. A desconcentração industrial constitui, em sua maior extensão, um alargamento do polo dominante e o fortalecimento do crescimento em torno de São Paulo. As firmas estão saindo por sua própria decisão, em uma extensão do polo dominante, mas permanecem fortemente articuladas e mantêm seus centros financeiros e administrativos no centro. Em síntese, a principal tendência parece ser a de uma gradual extensão da região dominante, que só serve para aumentar seu raio de poder.
No que se refere ao impacto das políticas regionais de desenvolvimento, parece haver limites claros além dos quais a fricção do espaço e as desvantagens históricas acumuladas podem ser suplantadas por pesados subsídios governamentais. A experiência brasileira de políticas de desconcentração industrial promovidas pelo governo é desestimulante. Muitas das novas indústrias descentralizadas, cujo exemplo mais notório é o parque industrial de Manaus, provavelmente não sobreviveriam sem a continuação dos subsídios diretos e indiretos.
Reflexões sobre tais experiências levantam uma questão básica: por que a indústria deveria ser desconcentrada? A resposta óbvia é: porque assim a população seria desconcentrada. Mas isto apenas leva a outra pergunta: por que a população deve ser desconcentrada? Aparentemente, a maioria das políticas regionais tem sido guiada por um conjunto implícito de valores que condenam a concentração espacial e aplaudem todas as fontes de desconcentração, sob o suposto de que a equidade territorial é equivalente à equidade interpessoal. A premissa que sustenta tal concepção deve ser examinada mais objetivamente. Há, é claro, limites para a concentração além dos quais os custos privados e sociais aumentam significativamente. Mas esses limites variam enormemente segundo os contextos históricos, nacionais e regionais. Não se pode presumir, a priori, que esses limites já foram atingidos.
Finalmente, a experiência de concentração e desconcentração no Brasil parece reforçar o princípio de que economias de mercado - mesmo as de natureza periférica - tendem a estabelecer seus próprios limites de concentração. Isto é, a desconcentração tende a ocorrer de forma mais ou menos espontânea, sempre que determinados limites são atingidos. Obviamente, a natureza e a força do estímulo para desconcentração variam com as circunstâncias históricas concretas em uma dada região ou país. Talvez a desconcentração espontânea seja restrita a sociedades capitalistas relativamente dinâmicas (isto é, aquelas que mostram crescimento significativo, que estão atualmente introduzindo mudanças estruturais e tecnológicas e que têm uma larga base de mercado). Assim sendo, é importante evitar confundir desconcentração com perda de poder ou dominância. No caso brasileiro, a desconcentração implica a extensão do raio das atividades econômicas concentradas e o crescimento demográfico intensivo, bem como a centralização do controle financeiro. O resultado desse processo poderia ser descrito como uma desconcentração centralizada.
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3
Cano (1977), p. 308.
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5
Merrick e Graham (1979), p. 187.
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6
Merrick e Graham, op, cit., p. 189.
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10
Cf. Lopes (1980), esp. p. 58.
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11
Conforme Martine (1990a).
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12
Os padrões históricos de crescimento urbano no Brasil são discutidos exaustivamente em Martine et alli (1988). Os dados sobre urbanização aqui apresentados são baseados naquele estudo.
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13
Os dados da evolução espacial dos investimentos forneceram os primeiros indicadores da desconcentração, mas não permitiram uma visão global do processo, só agora revelada pelos dados censitários.
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14
Há, entretanto, uma inconsistência nos dados das contas nacionais apresentadas pelo IBGE. O cálculo ponderado da queda de participação de São Paulo na produção industrial e agrícola é maior que a queda no PIB total. O que ocorreu foi mudança de metodologia, com a regionalização da construção civil e dos serviços industriais de utilidade pública para 1980, o que implicou a ampliação da perda da participação de São Paulo na produção industrial entre 1970 e 1980
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15
Ver Martine (1990b).
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16
Duas importantes revistas nacionais publicaram detalhadas análises da crise industrial de São Paulo. Ver IstoÉ (n. 362) e Senhor (n. 1 021 e 1 025).
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18
Pesquisa de campo efetuada por Clélio Campolina Diniz em 1989. Resultados ainda não publicados.
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21
A luta política do governo fluminense para a localização do polo petroquímica em Itaguaí e a ideia do polo de informática de Jacarepaguá, visam a reduzir o declínio industrial do Rio de Janeiro.
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22
Azzoni (1986), após analisar a evolução espacial de doze tipos de serviços urbanos, introduz o conceito de “campo aglomerativo” para se referir à expansão do raio das economias de escala da, grandes cidades.
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23
Conforme Sawyer (1982); Martine (1989).
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Nov 2023 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 1991