Resumo
Este artigo examina a produção intelectual do sociólogo Carlos Alberto de Medina a partir de sua experiência profissional no Serviço Especial de Saúde Pública e no estudo da SAGMACS sobre as favelas cariocas nos anos 1950. Autor pouco conhecido na história das ciências sociais no Brasil, seus trabalhos, entretanto, lançam luz sobre o modo como perspectivas sociológicas contribuíram para a reflexão acerca das relações entre saúde, desenvolvimento e democracia no período. Questionando as possibilidades de ingresso das populações pobres, dos campos e das cidades, na cidadania, Medina enxerga o Brasil rural e o Brasil urbano como universos interrelacionados, presos a uma mesma dinâmica sócio-histórica, autoritária e excludente, que remontaria ao latifúndio senhorial. Segundo o sociólogo, na ausência de reformas que alterassem esse quadro, fortalecendo a capacidade organizativa e a participação social das camadas populares, o processo modernizador brasileiro dificilmente redundaria em mudanças sociais efetivas.
Palavras-chave: Carlos Alberto de Medina; Pensamento Social no Brasil; Serviço Especial de Saúde Pública (SESP); SAGMACS; Favelas; Desenvolvimento
Abstract
This paper examines the intellectual work of Brazilian sociologist Carlos Alberto de Medina following his professional experience in the Serviço Especial de Saúde Pública, a U.S.-Brazilian bilateral cooperation health service, and in the SAGMACS study of Rio de Janeiro’s favelas in the 1950s. Although largely ignored by the literature on the history of social sciences in Brazil, Medina’s work sheds light on how sociological perspectives contributed to the debate concerning the relations between health, development, and democracy in the period. Showing concern about the gap between the Brazilian poor masses and the world of citizenship, Medina sees both rural and urban Brazil as captured by a social-historical dynamics of authoritarianism and inequality originating in the colonial past. According to the sociologist, in the absence of reforms capable of strengthening social participation and self-government mechanisms among the masses, the modernizing process in Brazil would hardly result in effective social changes.
Keywords: Carlos Alberto de Medina; social thought in Brazil; Serviço Especial de Saúde Pública (SESP); SAGMACS; Favelas; Development
Introdução
Nos anos 1950, a história das ciências sociais e a história da saúde pública estiveram entrelaçadas, como é possível depreender da atuação de sociólogos e antropólogos a cargo do Serviço Especial de Saúde Pública - SESP (Maio e Lima, 2009) e do Serviço de Proteção aos Índios - SPI (Brito, 2011; 2017; Figueiredo, 2009). Naquele momento, o tema do desenvolvimento irrompia nos cenários nacional e global, e os cientistas sociais se empenhavam em demonstrar a utilidade das suas formas de saber e seus instrumentos de pesquisa na esfera do planejamento administrativo. A saúde se constituiu em arena importante para se pensar, a partir de perspectivas sociológicas diversas, as raízes e o perfil da sociedade brasileira, bem como os impasses postos à sua transformação em uma nação moderna, economicamente robusta, mas ao mesmo tempo mais igualitária e inclusiva socialmente.
Embora permaneça relativamente pouco discutido pela literatura, o trabalho de cientistas sociais que atuaram na área de políticas públicas nos oferece a oportunidade de examinar questões que se tornaram centrais para aquelas disciplinas - então, em vias de institucionalização nas universidades brasileiras. Nesse caso, não apenas o desenvolvimento e a mudança sociocultural estiveram em pauta (Villas Bôas, 2006), mas também o problema das condições sociais para a efetivação da democracia no país (Brasil Jr., 2017; Lopes e Maio, 2017).
Neste artigo, analisamos o pensamento do sociólogo Carlos Alberto de Medina, a partir dos primeiros anos de sua atuação profissional. Após se formar em Ciências Sociais pela antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil - atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) -, Medina realizou, em 1952, o Curso de Técnicos em Missões Rurais da Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), então coordenada pelo sociólogo José Arthur Rios. Naquele momento, Medina se aproximou da agenda científica e reformadora de Rios, centrada nos temas da reforma agrária e da organização de comunidades. Seguindo os passos de Rios, Medina se familiarizou, no início dos anos 1950, com o instrumental teórico e metodológico da sociologia rural norte-americana e do grupo Economia e Humanismo, movimento reformador liderado pelo frei dominicano francês, Louis-Joseph Lebret, que à época se expandia pela América Latina (Ângelo, 2013; Valladares, 2005).
Em 1955, a convite de Rios, Medina integrou o quadro de pesquisadores sociais do SESP, onde permaneceu por mais de uma década, realizando levantamentos socioeconômicos em municípios do interior. Passou a fazer parte da rotina do sociólogo o exame das condições para a implementação de programas de saúde entre as populações do Brasil rural. A seu ver, esses grupos não apenas pertenciam a um universo cultural distinto daquele existente nos centros urbanos, como também se encontravam presos a um quadro de pobreza, dependência pessoal, passividade e apatia - características que remontavam, segundo o sociólogo, à formação da sociedade brasileira, marcada pela prevalência do latifúndio e por formas de estratificação polarizadas e pouco complexas.
Ao final dos anos 1950, novamente pelas mãos de Rios, Medina coordenou os trabalhos de campo que resultaram na publicação de Aspectos humanos da favela carioca, um dos primeiros esforços de investigação sistemática sobre as favelas brasileiras. Realizado pelo escritório da Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS) - instituição de pesquisa e planejamento dirigida por Rios e inspirada em agência congênere fundada por Lebret, na França -, o estudo abordava, entre outras questões, as condições insalubres de vida das camadas pobres daquela que era, até então, a capital da República. Tratava-se de tema familiar a Medina, que ele optou por analisar a partir da perspectiva sociológica presente em suas leituras sobre o mundo rural. Com efeito, o envolvimento do sociólogo com o estudo das favelas foi concomitante a seu trabalho no SESP, agência cujo raio de atuação abrangia, sobretudo áreas rurais. Essa experiência profissional lhe permitiu uma visão ampla e articulada do Brasil rural e do Brasil urbano, universos que estariam presos a uma mesma dinâmica sócio-histórica excludente, que parecia se atualizar mesmo quando o país atravessava mudanças modernizadoras.
Medina fez parte de um grupo de sociólogos e antropólogos cujas trajetórias profissionais passaram ao largo dos principais centros universitários e que tampouco produziram obras teóricas de fôlego, não se constituindo como referenciais canônicos das ciências sociais no país. Atuando a partir de agências do Estado ou de organismos da sociedade civil voltados para a ação reformadora e para as políticas sociais, esses cientistas sociais desempenharam, contudo, papel importante no processo de legitimação social, para além dos muros acadêmicos, das formas de conhecimento de que se faziam portadores, buscando desenvolver, por vezes, na interface com políticas de educação e saúde uma sociologia e uma antropologia aplicadas (Brito, 2017; Lopes, 2012; Maio e Lima, 2009).
Um exame da produção intelectual desses atores nos permite, ademais, ampliar nossa compreensão de como o debate sobre o desenvolvimento e suas relações com o tema da participação social foi travado nos anos que se sucederam à Segunda Guerra Mundial. Preocupações e disputas em torno de projetos de desenvolvimento atravessaram as ciências sociais, que passaram a conferir centralidade ao conceito de “mudança social”, parte de seu patrimônio cognitivo, no intuito de analisar e, ao mesmo tempo, impulsionar os processos de “mudança provocada” ou “dirigida” que deveriam ocorrer à medida que as forças da urbanização e da industrialização ampliassem seu raio de influência sobre uma sociedade eminentemente rural (Botelho, Bastos e Villas Bôas, 2008; Maio e Villas Bôas, 1999; Willems, 1944).
Nos trabalhos de Medina - realizados em meio ao esforço de interlocução das ciências sociais brasileiras com as agências do Estado -, o problema da fraca inserção das populações pobres rurais e urbanas na cidadania e na esfera política brasileiras assumia primeiro plano. Sem desconsiderar a questão da difusão de princípios modernos de trabalho e higiene entre as populações rurais, vista no período como uma das possíveis estratégias de superação do quadro de estagnação econômica do país, o sociólogo se voltou, sobretudo, para a compreensão da forma que as relações entre Estado e sociedade poderiam assumir nesse processo, perguntando-se pelo potencial de participação autônoma das camadas pobres que constituíam o “povo” na implementação das políticas.
No âmbito global, a questão da participação social ligava-se, em muitos aspectos, ao imaginário político-ideológico dos primórdios da Guerra Fria, marcado por oposições, como aquelas que acentuavam as distinções entre as “sociedades livres” do Ocidente e os “regimes totalitários”. Todavia, a preocupação de Medina em dotar as comunidades brasileiras de organicidade e capacidade de auto-organização prendia-se igualmente a tradições do pensamento social no Brasil, interessadas em examinar a possibilidade de construção de laços de solidariedade social para além do âmbito familiar e de uma potente cultura cívica capaz de dar sustentação à democracia política na esteira da Constituição de 1946.
A seguir, apoiando-nos em fontes arquivísticas e em textos produzidos por Medina, a partir de sua atuação profissional nos anos 1950, procuramos evidenciar as articulações que o sociólogo estabeleceu entre desenvolvimento, saúde e construção da cidadania no Brasil. Inicialmente, enfocamos parte do período formativo de Medina e suas relações com José Arthur Rios - decisivas para a inserção do sociólogo no SESP e nas pesquisas sobre favelas da SAGMACS. Em seguida, examinamos sua reflexão sociológica sobre o papel da participação popular nas políticas sociais e os impasses para o desenvolvimento comunitário no Brasil à luz daquelas experiências.
Sociologia rural e organização de comunidades: os primeiros passos de Carlos Alberto de Medina
Nascido em Recife, no dia 1º de novembro de 1931, Carlos Alberto de Medina se formou como bacharel e licenciado em Sociologia e História pela Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil. Sua trajetória profissional nas ciências sociais teve início ainda na década de 1950 e foi marcada pela parceria intelectual com o sociólogo rural José Arthur Rios.
Rios iniciou sua trajetória intelectual nos círculos católicos vinculados ao Centro Dom Vital. Nos estertores do Estado Novo, cerrou fileiras com os opositores do varguismo, na chamada “Resistência Democrática”, assinando manifesto do grupo que exigia a imediata deposição de Getúlio, acusava o regime de “totalitário” e demandava políticas do Estado que, sem descuidar do bem-estar social, não sacrificassem a democracia política e as possibilidades de auto-organização da sociedade (sindicatos, igrejas, famílias). Após se formar em Direito e frequentar as primeiras turmas de ciências sociais da FNFi, partiu para os EUA em 1945, para estudar na Universidade Estadual da Louisiana, sob a orientação de T. Lynn Smith - sociólogo rural que participou ativamente dos esforços de aproximação das ciências sociais norte-americanas com a América Latina no contexto da Política de Boa Vizinhança.
Nos EUA, Rios se tornou um entusiasta das técnicas de organização de comunidade, especialmente dos modelos de estudo e intervenção que os sociólogos rurais reformadores da era Roosevelt vinham desenvolvendo. Esses cientistas sociais se empenhavam em demonstrar que o homem do campo não deveria ser encarado como um indivíduo atomizado, vivendo em completo isolamento, e, sim, como membro de uma comunidade que se formava a partir do emaranhado de conexões que ligavam sua vida àquela das fazendas e vilas das redondezas.
O receituário reformador da sociologia rural norte-americana de que Rios se aproximou convergia em pontos decisivos com a agenda política e intelectual que ele mesmo vinha cultivando no Brasil. O fascínio do sociólogo pela ideia de comunidade - vista a um só tempo como uma entidade realmente existente do mundo social e um ideal de civilização pautado pelos princípios de cooperação e harmonia entre os grupos - também repercutia o pensamento social da Igreja Católica, que apostava em saídas reformadoras, no interior da ordem, para as crises suscitadas pela modernidade, como os conflitos entre capital e trabalho, o individualismo exacerbado e a tendência à crescente centralização político-administrativa, característica do Estado. Essa chave de compreensão inseria Rios em uma reação comunitarista global à modernização (Lopes, 2020), que o aproximou não apenas dos sociólogos rurais, mas também do movimento Economia e Humanismo, encabeçado pelo frei dominicano francês Louis-Joseph Lebret.1 Na tentativa de “humanizar” as estruturas socioeconômicas da modernidade, Lebret e seu grupo vinham participando de experimentos sociais em pequena escala, como a comuna operária de Boismondeau (Pelletier, 1996).
As relações intelectuais entre Rios e Medina remontam ao momento em que o primeiro buscava implementar sua agenda reformadora, a partir da Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), da qual foi o coordenador entre 1951 e 1953. Iniciativa do Ministério da Educação e Saúde, a CNER foi lançada na esteira dos programas de educação de adultos e educação de base, propugnados por agências multilaterais, como a Unesco, e de experiências realizadas nesse terreno em áreas pobres e rurais do globo (China, África e Haiti), em meio aos esforços de assistência técnica ao denominado terceiro mundo. Em conformidade com o receituário internacional, a ideia de educação fundamental que orientava o órgão supunha que as populações assimilassem noções mínimas de trabalho, economia doméstica, nutrição, higiene e civismo, participando do desenho e da implementação das políticas e enveredando por uma forma de desenvolvimento autopropelido, apoiado na cooperação e na mobilização de recursos existentes localmente (UNESCO, 1947).
A ideia era sintetizada no lema, bastante difundido na época, de que era preciso “ajudar o povo a ajudar a si mesmo” (Rios, 1954a). Assim, para além da alfabetização, a CNER procurava intervir em pequenas localidades do interior do país, de modo a despertar o envolvimento de seus habitantes em planos destinados à melhoria de suas condições de vida (Barreiro, 2010; Ammann, 2013). A campanha também atendia a preocupações oriundas do plano doméstico, vindo à luz no bojo de um conjunto de medidas governamentais destinadas à ampliação da proteção social no campo, como a instituição da Comissão Nacional de Política Agrária e do Serviço Social Rural. Essas iniciativas integraram a agenda do segundo governo Vargas, que pretendia não apenas expandir a legislação trabalhista às populações rurais, como também implementar políticas de reforma agrária (Rios, 1998).
Na consecução do programa da CNER, as missões rurais assumiram centralidade. Com base na ação conjugada de múltiplos especialistas (agrônomos, educadores, médicos, visitadoras sanitárias, assistentes sociais e professoras), as missões deveriam se dirigir aos pequenos distritos e bairros do vasto hinterland brasileiro, conferindo o impulso inicial para uma série de intervenções a serem assumidas pelas comunidades. Nesse processo, importava identificar as lideranças locais, membros das camadas populares que, em razão da ascendência que exerciam sobre os demais, seriam capazes de atuar como fio condutor da mudança (Rios, 1954a).
Para que a CNER realizasse esses objetivos, Rios insistiu na necessidade de formação de quadros qualificados que pudessem levar a efeito o trabalho das missões e também na promoção de pesquisas em Ciências Sociais que permitissem um conhecimento mais acurado das zonas rurais e, consequentemente, uma seleção adequada das localidades a serem alvo dos planos de educação de base e organização de comunidades (Serviço Social Rural, 1960). Em 1952, Medina participou dos dois primeiros cursos de formação de técnicos em Missões Rurais da CNER2, realizados em Pinhal, no interior de São Paulo. Como parte de seu treinamento, além de aulas teóricas, que incluíam disciplinas como “Organização de Comunidade e Técnica de Missão Rural” e “Sociologia Rural”, a cargo de Rios, ele realizou levantamento socioeconômico daquele município paulista (Fontenelle e Medina, 1957).
Também a serviço da CNER, Medina empreendeu, em 1953, estudos de municípios da fronteira oeste do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, selecionando localidades para o trabalho de educação de base (Fontenelle e Medina, 1957). Segundo o modelo adotado pela CNER, a escolha das áreas a serem trabalhadas dependia de estudos minuciosos que indicassem a viabilidade da iniciativa. Tanto as zonas de agricultura extensiva, com população esparsa pelo território, quanto as regiões tomadas pelo latifúndio, em que prevaleciam relações verticais de dependência entre fazendeiro e trabalhador, dificultavam o trabalho de organização das comunidades, que demandava um grau de relativa homogeneidade social e econômica de seus membros. Isto é, o estímulo ao efetivo entrosamento entre os moradores e seu envolvimento na implementação dos programas seria favorecido pela existência de relações sociais minimamente simétricas na localidade, conducentes à associação de seus membros (Lima, 1954). Como notava Rios (1951), desníveis de classe muito acentuados constituíam obstáculo considerável para a integração dos grupos.
Dando continuidade à sua formação, Medina participou, em 1953, de curso promovido pelo padre Lebret, colaborando com estudos empreendidos pelo grupo de Economia e Humanismo. Naquele ano, o frei dominicano estivera em São Paulo, ministrando o “Curso de Desenvolvimento”, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Ângelo, 2013). No ano seguinte, o sociólogo realizou curso de treinamento em pesquisa a cargo de John Kolb, integrando estudo coordenado por ele em Itaguaí-RJ (Fontenelle e Medina, 1957). Professor da Universidade de Wisconsin, Kolb vinha lecionando na Universidade Rural do Rio de Janeiro a convite do governo brasileiro. Assim como T. Lynn Smith (Lopes e Maio, 2022), ele pertencia aos círculos de sociólogos rurais norte-americanos que estiveram na América Latina, em razão tanto dos esforços de estreitamento das relações acadêmicas e do intercâmbio entre os países da região quanto de missões técnicas de cooperação internacional.
Embora não houvesse estudado à maneira de Rios, nos EUA, Medina partia de um percurso formativo afinado com a agenda científica e reformadora de seu professor na CNER ao se inserir no mundo das ciências sociais. A esse respeito, vale ressaltar que Rios nutria fortes expectativas em relação à carreira profissional de Medina. Em carta a T. Lynn Smith, ele escreve: “[…] estou me entendendo com Medina (o jovem que você conheceu em Pinhal). Ele tem trabalhado com [o sociólogo rural norte-americano John] Kolb e eu espero que façamos dele um bom sociólogo” (Rios, 1954b).
A parceria entre Rios e Medina teve continuidade nos anos seguintes, quando ambos atuaram no SESP. Criado pelo decreto-lei nº 4.275, de 1942, o SESP nasceu de um acordo de cooperação entre os governos brasileiro e norte-americano, tendo em vista o provimento de assistência às populações interioranas recrutadas para o trabalho com materiais estratégicos no Amazonas e no Vale do Rio Doce. Ainda que tenha surgido como parte dos esforços de guerra, o órgão logrou manter suas atividades no período subsequente, em grande medida graças à convergência de suas políticas com a agenda do desenvolvimento que se cristalizou no início da Guerra Fria (Campos, 2006). Inspirado no modelo norte-americano de saúde pública, que conferia forte autonomia às unidades administrativas locais, o distrito sanitário, e concentrava suas ações no terreno da medicina preventiva, do saneamento e da educação em saúde, o SESP logo teve que se adaptar às circunstâncias sociais e políticas brasileiras, adquirindo um caráter mais centralizado em seu funcionamento e provendo assistência médica direta frente à carência de equipamentos e profissionais de saúde nos frágeis municípios do interior. Nos anos 1950, a ampliação do seu raio de atuação pelo Brasil rural acabou fazendo parte do processo de ampliação e consolidação do poder público no país (Campos, 2006). Foi nesse momento, quando se tornou rotineiro o estabelecimento de acordos de cooperação do órgão com estados e municípios, que os quadros do SESP passaram a sublinhar a necessidade de fundamentar suas ações em conhecimentos sociológicos e antropológicos acerca da vasta e heterogênea realidade cultural e social representada pela população rural brasileira (Bastos, 1950).
Em 1953, Rios se integrou à Divisão de Educação Sanitária do SESP, unidade do escritório central que, um ano depois, passou a ser Divisão de Educação e Treinamento. Sua perspectiva de intervenção sociológica, centrada na ideia de organização de comunidade, parecia ir ao encontro de expectativas dos quadros dirigentes do serviço, especialmente dos educadores sanitários, em garantir a integração dos distritos sanitários à vida das populações locais, fazendo com que assumissem postura mais ativa nos programas de saúde.
Em 1954, o SESP passou a incluir aulas de sociologia para os cursos de técnicos e auxiliares em Educação Sanitária e a realizar experimentos envolvendo o estímulo à organização de associações de moradores e de comissões de melhoramentos em distritos atendidos pelas unidades do órgão.3 Em meio ao entusiasmo que as técnicas de educação comunitária despertaram entre equipes do SESP, Rios se tornou chefe da Seção de Estudos da Divisão de Educação e Treinamento. No ano seguinte, ele recrutava cientistas sociais para atuar na qualidade de “pesquisadores sociais”. Além de Medina, ingressou na agência na mesma ocasião o antropólogo Luiz Fernando Fontenelle que, sob a supervisão do norte-americano Carl Withers, havia iniciado estudo de comunidade em pequena vila costeira do Estado do Rio de Janeiro como parte do programa de treinamento de pesquisadores do Museu Nacional financiado pelo governo brasileiro (Fontenelle e Medina, 1957).4
Em 1956, a Seção de Estudos chefiada por Rios adquiriu maior autonomia, deixando de estar subordinada à Divisão de Educação e Treinamento para se ligar diretamente à superintendência do órgão sob a rubrica de “Seção de Pesquisas Sociais”. À nova unidade caberia promover, a partir de demandas das diferentes unidades do SESP, levantamentos sociológicos e econômicos que auxiliassem o planejamento dos programas que se expandiam pelo Brasil rural. Em um sentido menos imediatista, os cientistas sociais do órgão esperavam realizar pesquisas sobre os “aspectos humanos dos problemas de saúde” que servissem à construção de um campo de ciências sociais aplicadas ao setor. Eles deveriam, ainda, colaborar com o treinamento dos profissionais de saúde, promovendo cursos, palestras e seminários, além de desenvolverem ações suplementares, visando à integração entre o SESP e as demais instituições públicas do país (Fontenelle e Medina, 1957; SESP, 1956).
Saúde, pobreza e mundo rural
No SESP, Medina realizou pesquisas que deveriam auxiliar o planejamento dos programas de saúde. Em 1955, ao lado de engenheiros do órgão, executou estudos socioeconômicos em municípios da fronteira Oeste do Paraná com o objetivo de identificar os locais mais adequados para a instalação dos serviços de saúde previstos pelo acordo de cooperação firmado entre a agência e o governo estadual (SESP, 1955a, p. 3; Fontenelle e Medina, 1957). Em 1957, entrevistou funcionários e usuários da unidade sanitária de Pirapora (MG) a fim de aferir a validade de materiais de educação sanitária. Medina foi ainda escalado para uma pesquisa que não chegou a ser realizada, sobre estereótipos relacionados à tuberculose, e que serviria de base para a preparação de uma campanha que a Seção de Educação Sanitária planejava em parceria com o Departamento Nacional de Tuberculose (SESP, 1956). Da mesma forma, cogitou-se sua participação em um “estudo de atitudes” em Palmares (PE), enfocando tanto os fatores que predispunham quanto os que dificultavam a adesão das populações rurais a projetos cooperativos de construção de redes de abastecimento de água, envolvendo recursos municipais e mão de obra dos beneficiários5.
Em sua atuação no SESP, Medina utilizou perspectiva sociológica consoante ao trabalho que havia desenvolvido nas Missões Rurais da CNER. Seus estudos no órgão sugerem preocupações semelhantes às de Rios sobre as possibilidades concretas das populações rurais pobres vencerem a passividade e, por meio da mobilização de seus grupos constitutivos, absorverem as concepções da medicina científica (Rios, 1954a). A preocupação do sociólogo com a comunidade se evidencia em sua participação, em 1955, de painel sobre “Organização de Comunidade e Trabalho de Equipe em Saúde Pública”, promovido pela cadeira de Técnica Sanitária, da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Na ocasião, após Rios discorrer sobre o “Treinamento do pessoal”, Medina abordou o “levantamento de área” que deveria anteceder a ação junto às comunidades (SESP, 1955b, p. 3).
Mais do que a modelagem das práticas de cuidado do caboclo em um sentido afinado com os princípios modernos do mundo urbano-industrial, interessava a Medina compreender como esses grupos poderiam enveredar por uma forma de desenvolvimento autossustentado, que se apoiasse no senso de responsabilidade cívica. No limite, o próprio processo de mudança sociocultural no campo estaria comprometido caso as transformações econômicas e tecnológicas não se fizessem acompanhar do alargamento da esfera da participação social e da elevação dos níveis de vida das massas. Os programas de educação sanitária tampouco poderiam lograr êxito frente ao quadro de pobreza e acanhamento característicos do homem rural brasileiro. Ao analisar os obstáculos socioculturais à ação do SESP, o enfoque de Medina recaiu sobre as relações entre desigualdades sociais, a cultura política autoritária do país, que considerava igualmente paternalista, e o seu déficit de cidadania.
Em 1957, Medina entrevistou visitadoras sanitárias e mães que frequentavam a unidade sanitária de Pirapora-MG para o teste prévio de folheto sobre diarreia infantil que os educadores sanitários pretendiam distribuir nacionalmente, como parte de uma campanha preventiva contra uma das principais causas da mortalidade infantil no país. Pretendia-se verificar se o material era compreensível à população rural, em sua esmagadora maioria analfabeta, devendo ou não sofrer modificações para que a mensagem fosse transmitida de modo mais eficaz. As conclusões de seu estudo foram publicadas na Revista do Serviço Especial de Saúde Pública em artigo escrito em coautoria com os sanitaristas Nilo Chaves de Brito Bastos e Jerome Grossman (Bastos, Grossman e Medina, 1958). Embora o texto assinalasse a relevância do teste prévio, apontando para a necessidade de alterações na elaboração e na composição gráfica do material em questão, as passagens de caráter mais etnográfico do artigo, apoiadas na pesquisa de Medina, chamavam a atenção para a inibição das entrevistadas diante do pesquisador - visto como representante da autoridade pública -, e para a situação de privação dos moradores em geral, que enfraquecia qualquer esforço educativo.
Em uma das entrevistas, cujos diálogos são transcritos, a moradora se põe apenas a anuir diante das perguntas do sociólogo, que observa: “Não foi possível criar um clima de entendimento democrático, perdurando sempre a grande distância social existente entre o ‘doutor’ e o ‘homem do campo’. […] A frase mais ouvida foi: ‘Tudo está bom’.” (Bastos, Grossman e Medina, 1958, p. 304). E ainda: “Foram feitas 20 entrevistas, tendo sido necessário, entretanto, orientá-las com mais ênfase dada à passividade das mães diante da situação.” (Bastos, Grossman e Medina, 1958, p. 305). A conclusão da avaliação não era otimista quanto à aplicabilidade das normas sanitárias prescritas no folheto, posto que a população apresentava demandas profundas relacionadas às “condições deficientes de água, sabão, lenha, etc.” (Bastos, Grossman e Medina, 1958, p. 309). Ademais, toda uma perspectiva de vida gestada a partir da pobreza, que pouco valor atribuía aos cuidados médico-sanitários e conformista diante da mortalidade infantil, orientava as práticas da população, exigindo ações reformadoras de natureza estrutural. Conforme Medina ponderava, ao final do artigo: “Uma mãe disse uma frase que, cremos, deve fazer-nos meditar um pouco: ‘O SESP se preocupa mais com os nossos filhos do que nós mesmas.” (Bastos, Grossman e Medina, 1958, p. 309).
A preocupação de Medina com o desenvolvimento global das comunidades rurais - do ponto de vista do aprimoramento das condições de vida dos moradores, mas também de sua maior integração e participação - levava-o a tensionar, por vezes, a visão sespiana predominante. Apoiando-se na ideia, à época bastante difundida, de “círculo vicioso da doença e da pobreza”, os quadros do órgão avaliavam que a doença seria o elo mais fraco da cadeia, tendendo a enxergar as ações em saúde e educação como capazes de impulsionar o desenvolvimento socioeconômico (Campos, 2006; Fonseca, 1989). Medina, por seu turno, assinalava os limites dessas medidas, que não conseguiriam transformar efetivamente o quadro sanitário, caso permanecessem divorciadas de alterações mais profundas nas estruturas fundiária e social, características das zonas rurais, aproximando-se, nesse caso, da visão de Rios (Maio e Lopes, 2012). Para usar a imagem dos pêndulos, consagrada pelo historiador John Farley (2004), o sociólogo procurava matizar as relações entre saúde e desenvolvimento, não deixando de expressar certo grau de pessimismo quanto à possibilidade de as políticas de saúde, por si mesmas, desencadearem as mudanças.6
Considerações sobre os fatores de ordem estrutural que pesavam sobre a saúde das populações são tecidas no levantamento que Medina realiza em 20 municípios do Rio Grande do Norte, no ano de 1960, como parte do planejamento que precedeu à instalação de postos e subpostos a cargo do Serviço Cooperativo de Saúde do estado (Medina, 1961). Tratava-se do chamado “Great Western”, região rural ligada aos centros urbanos por linhas férreas operadas, no passado, por companhia inglesa de mesmo nome. Em artigo para o Boletim do SESP com os resultados do seu estudo, o sociólogo pondera que, diante de um cenário de pauperismo, êxodo rural, técnicas agrícolas rudimentares, predomínio de idosos e crianças dentre a população economicamente ativa e ausência de infraestrutura sanitária, o SESP não poderia esperar realizar, de imediato, programas de saúde pública de caráter preventivo e educativo, sendo provável que a demanda local se concentrasse na “assistência médica curativa imediata” (Medina, 1961, p. 455). O caso em tela não seria muito diferente do que, segundo Campos (2006), tendeu a ser a forma de atuação de SESP nas localidades rurais, produto de uma solução de compromisso entre o modelo sanitário de inspiração norte-americana e a realidade brasileira, desigual social e regionalmente.
Segundo Medina, o interesse das prefeituras da região em acordos com a agência indicava a sobrecarga dos serviços médicos, educacionais e sociais das sedes dos municípios ante a migração de trabalhadores agrícolas e meeiros para os centros urbanos. Tal processo, por seu turno, ligava-se tanto à melhoria da infraestrutura de transportes e comunicação, com a abertura das rodovias, quanto à transformação das grandes zonas de cultivo em pastagem - atividade que demandava reduzida força de trabalho e que constituía sinal da decadência do antigo mundo rural, baseado no latifúndio senhorial. O sociólogo notava, entretanto, que essas mudanças não se traduziam no equacionamento do problema das desigualdades, gerado pela concentração fundiária, o que redundava no “crescimento das áreas suburbanas e miseráveis da cidade” (Medina, 1961, p. 446) a partir de elementos das camadas pobres em busca de inserção social e econômica.
Nesse quadro, os tradicionais laços de dependência entre o povo e as elites, embora em processo de desintegração no âmbito das grandes fazendas, reconstituíam-se no contexto urbano das sedes municipais. Nas palavras de Medina, a procura das administrações locais pelos programas do SESP prendia-se a uma mentalidade política caracterizada pelo “paternalismo da autoridade e [pela] dependência submissa do eleitor” (Medina, 1961, p. 453). Os prefeitos buscavam inserir a saúde na lógica da prestação de favores à população em troca de apoio político, não se desenvolvendo, em nenhum dos grupos, a perspectiva dos direitos. Prova do uso instrumental, clientelístico, que os serviços de saúde assumiam era o fato de se verem imediatamente ameaçados com a chegada ao poder dos opositores, que buscavam suprimir os feitos administrativos de seus antecessores (Medina, 1961).
De acordo com Medina (1961, p. 443), o particularismo dos grupos dirigentes se alimentava das desigualdades sociais, que remontavam à “ocupação histórica das terras”, fonte de uma “situação de privilégios que vem se tornando nociva aos interesses da população como um todo”. A propriedade fundiária, quando não se concentrava nas mãos do latifundiário - agente que não mostrava interesse em incrementar a produção agrícola nem investir os lucros auferidos no próprio município -, encontrava-se dividida entre os numerosos membros das famílias dos pequenos lavradores, dando origem ao minifúndio, que inviabilizava a exploração econômica da terra. Nessa sociedade, cindida em “camadas sociais rígidas”, no lugar da comunidade, havia “dois mundos diferentes, com valores próprios, comportamentos diversos, ligados entre si, mais por uma posição de dependência de um para o comando do outro, do que por possuírem concepções comuns sobre o modo de atuar” (Medina, 1961, p. 456).
Ao analisar as fissuras sociais que tornavam pouco animadora a perspectiva de intervenção baseada na cooperação comunitária, os estudos de Medina no SESP colocavam em evidência os limites do potencial transformador da educação dos grupos, que, a seu ver, não seria capaz, por si só, de vencer os obstáculos postos ao desenvolvimento. Contanto que fosse combinada a medidas redistributivas sobre a propriedade da terra, a organização das comunidades poderia, entretanto, preparar o terreno para a superação do autoritarismo e do paternalismo típicos da dinâmica política e societal do país, contribuindo para que a modernização em curso resultasse em uma sociedade menos desigual.
Na perspectiva de Medina, na ausência de reformas estruturais e de políticas sociais, o processo de urbanização e de industrialização que o país atravessava, ao invés de traduzir-se em desenvolvimento, conduziria a uma transferência dos impasses surgidos nas zonas rurais para os centros urbanos. As favelas constituíam o sinal mais evidente dessa situação e, não à toa - como veremos a seguir -, Medina se debruça, nesse mesmo período, sobre o fenômeno da pobreza urbana, igualmente interessado em compreender as relações entre saúde, organização de comunidades e democracia. Conforme o sociólogo ponderava, em um cenário nacional de desigualdades socioeconômicas e fraca participação social das camadas populares, o regime democrático formalmente reintroduzido no país em 1946 acabaria sendo desvirtuado em seu espírito. Frente à carência material e à inexistência de comunidades autonomamente constituídas em nível local, o ingresso das massas na dinâmica política brasileira, por meio do instituto do voto, tenderia a servir à reprodução das relações assimétricas, de dependência pessoal e paternalismo, gestadas originalmente pelo latifúndio.
A favela e os impasses do desenvolvimento no Brasil
O olhar de Medina para as favelas foi concomitante ao trabalho no SESP. Nesse sentido, seu exame do Brasil urbano não esteve divorciado do diagnóstico que elaborou a respeito das zonas rurais. Embora dotados de especificidades, ambos os segmentos da sociedade brasileira, o rural e o urbano, são entendidos por Medina como presos a uma mesma dinâmica sócio-histórica, que remontaria à formação do país e que seria preciso compreender tendo em vista seus efeitos persistentes no presente.
O interesse de Medina pelo fenômeno das favelas remonta à sua experiência de trabalho naquela que é considerada a primeira pesquisa sociológica de vulto sobre esses aglomerados populacionais no país (Lima, 1989; Valladares, 2012; Viana, 2014). Trata-se do estudo conduzido no Rio de Janeiro sob a orientação do frei dominicano Louis-Joseph Lebret, no final da década de 1950, que deu origem à publicação de Aspectos humanos da favela carioca, veiculada em dois suplementos especiais do jornal O Estado de S. Paulo (SAGMACS, 1960a/b). O envolvimento de Medina com a iniciativa se torna inteligível quando consideramos tanto suas conexões prévias com o movimento Economia e Humanismo, de cujos cursos no Brasil ele havia participado quanto seu vínculo profissional e intelectual com Rios, que atuou como diretor técnico da pesquisa.
Em 1957, Rios havia assumido o comando do Escritório da Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS) do Rio de Janeiro, instituição que se encarregou do estudo sobre as favelas. Com sede em São Paulo, a SAGMACS havia sido pensada nos moldes da agência congênere, fundada pelo grupo de Lebret na França (Rios, 2002). A Medina coube, ao lado de Ailza Barbosa de Araújo, a coordenação dos pesquisadores de campo, recrutados, sobretudo, entre estudantes universitários dos cursos de Serviço Social (Mello et al., 2012). Para o exame do processo de urbanização do então Distrito Federal, o trabalho contou com a colaboração do arquiteto Hélio Modesto (SAGMACS, 1960a/b).
No pós-guerra, o grupo Economia e Humanismo de Lebret, buscando estabelecer conexões para além da Europa, ganhou relevo entre setores das classes dirigentes e da intelectualidade latino-americana, particularmente entre aqueles vinculados ao laicato católico. Esforçando-se em pensar caminhos para o desenvolvimento com foco na “pessoa humana”, e particularmente preocupada com o processo de “ascensão das massas” - característico do mundo moderno -, sua abordagem se apresentava como uma alternativa de tipo “humanista”, tanto aos excessos do capitalismo liberal quanto à ameaça de subversão da ordem, representada pelo comunismo (Pelletier, 1996).
No Brasil, Lebret se aproximou de intelectuais, como Josué de Castro, e de lideranças católicas, como Dom Helder Câmara, contato que teria sido decisivo para as preocupações que passou a nutrir a respeito das condições de vida dos moradores das favelas (Valladares, 2005). Em 1947, ele ministrou cursos na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) e, nos anos seguintes, deu início, a partir de São Paulo, a uma série de pesquisas e levantamentos orientados ao planejamento urbano, econômico e industrial dentro dos moldes comunitários propugnados pelo movimento. Sua visão reformadora procurava repensar o próprio espaço geográfico das metrópoles modernas, com seus aglomerados populacionais e seus bolsões de pobreza, a fim de torná-las mais humanas, o que explica o interesse que despertou entre engenheiros, arquitetos e urbanistas no país (Lamparelli, 1995; Pontual, 2001). No plano sociológico, a perspectiva de Lebret ia ao encontro das apreensões de intelectuais reformadores, como Rios, acerca do destino das comunidades em meio ao agigantamento das forças impessoais e tentaculares do Estado e do mercado (Lopes, 2020).
De acordo com Rios, a pesquisa sobre favelas cariocas foi encomendada à SAGMACS pelo diretor do O Estado de S. Paulo, Júlio Mesquita Filho, como parte de uma estratégica do veículo, que fazia oposição ao governo de Juscelino Kubitscheck, de chamar a atenção da opinião pública para o descaso das autoridades políticas com a situação de abandono em que se encontrava o antigo Distrito Federal em um momento de debates entusiasmados sobre a transferência da capital para Brasília (Rios, 2002). O aumento progressivo das favelas no Rio de Janeiro, representando um grave problema urbano, social e econômico, contrastava com o grandioso e moderno empreendimento em planejamento urbanístico, revestido de otimismo, encampado pelo governo federal para a construção da nova capital. Na atmosfera de desenvolvimentismo que marcou os anos 1950, as favelas passam a ser vistas como sintoma do atraso do país, tornando-se objeto crescente de projetos reformadores, de intervenção, envolvendo, inclusive, a cooperação técnica internacional, e despertando o interesse investigativo das Ciências Sociais (Valladares, 2005). Da mesma forma, à luz da preocupação de grupos, como a Igreja Católica, com o avanço do comunismo, reiterava-se a identificação das favelas com as fontes potenciais de convulsão social e perturbação da ordem no espaço urbano (Valladares, 2005).
Realizado no curso de dois anos, o estudo da SAGMACS envolveu inicialmente o levantamento de dados socioeconômicos e demográficos de 12 grandes favelas do Rio de Janeiro. Os instrumentos de pesquisa do movimento Economia e Humanismo - que buscavam aferir, entre outros, os níveis de vida, educação e saúde das populações - foram utilizados para a construção de um perfil sociológico das favelas cariocas (Rios, 2012). Em um segundo momento, as localidades de Barreira do Vasco e Parque Proletário da Gávea foram selecionadas para uma pesquisa mais aprofundada, com base em observação participante, entrevistas informais, coletas de depoimentos e histórias de vida. A investigação girou em torno dos seguintes temas: formas de organização das famílias e das camadas sociais, tipos de solidariedade social, relações de vizinhança, crenças e práticas em saúde, educação, recreação e religiosidade, delinquência juvenil e comportamento político (SAGMACS, 1960a/b).
Como indicou Silva (2012), no estudo da SAGMACS, as favelas são consideradas expressão da pobreza urbana e a sua situação é analisada na chave da “marginalidade”, compreendida enquanto condição transitória de um processo de incorporação social dessas populações à moderna vida urbana. É importante ainda assinalar, a nosso juízo, que a pesquisa é conduzida por estudiosos identificados com a sociologia rural, com experiência de trabalho entre as populações do interior e interessados, sobretudo, em compreender a forma como a modernização experimentada pelo país nos anos 1950, visível na explosão demográfica das metrópoles, recolocava no contexto urbano o problema não solucionado das desigualdades sociais geradas no campo (Lopes, 2020). Na introdução ao estudo, seus autores não hesitam em sublinhar os nexos entre a favela e o mundo rural (SAGMACS, 1960a).
Produto do agigantamento acelerado e desorganizado das cidades, na esteira da abertura de estradas interligando diferentes regiões do Brasil, as favelas seriam constituídas, em grande medida, pelas massas empobrecidas saídas da órbita do latifúndio, em busca de melhores condições de vida (SAGMACS, 1960a). Trazendo consigo, entretanto, todas as carências educacionais, sanitárias e cívicas do mundo rural brasileiro, as populações das favelas acabavam enfrentando, na cidade, uma série de óbices em seu esforço para ascender socialmente e integrar-se ao mundo da cidadania. A favela, geralmente oriunda da ocupação irregular de terrenos baldios no espaço urbano, constituía a resposta à existência de uma demanda desses segmentos por moradia e trabalho em um mundo marcado pelos elevados preços do mercado imobiliário e por insuficiências na cobertura e provimento de meios de transporte. Presas a concepções mágicas de saúde, vítimas da doença e da privação material, os moradores das favelas acabavam se enredando em dinâmicas clientelistas com agentes políticos externos, de quem dependiam para a obtenção de assistência e recursos - fatores que contribuíam para que se mantivessem em um estágio rudimentar de organização comunitária interna e de consciência política (SAGMACS, 1960a).
As raízes rurais da situação de pobreza das favelas são assinaladas nas seções especiais dedicadas aos padrões sanitários e às práticas de cura existentes nas localidades. Conforme os estudiosos, para a análise das atitudes e reações dos moradores, foi necessário recorrer ao conceito de “cultura cabocla”, formulado pelo antropólogo Emílio Willems: “A ‘cultura cabocla’ em que o antropólogo sintetizou características psicológicas e sociais do homem rural brasileiro persiste e emerge em diversos aspectos do comportamento do favelado” (SAGMACS, 1960a, p. 6).7 De acordo com Willems, tratava-se de um sistema de crenças e valores, de forte conteúdo mágico e religioso, surgido na esteira da desintegração do mundo indígena e da hibridização entre elementos dessa tradição e aqueles provenientes da cultura camponesa pré-capitalista do colonizador europeu (Willems, 1944).
Na avaliação da SAGMACS (1960a, p. 28), a “medicina popular”, de origem sertaneja, encontrava-se em plena vigência nas favelas: “Verificamos a perfeita identidade desse tipo de conduta e o que encontramos em localidades do interior, onde o médico ainda é preterido pelo rezador, a parteira diplomada pela curiosa, a medicina científica pela magia”. No Parque Proletário da Gávea, os pesquisadores se deparam com práticas de cuidado nutricional voltadas para as parturientes, como a proibição do consumo de determinados alimentos no pós-parto (abóbora, repolho e batata doce) e a recomendação de que pingos d’água fossem borrifados na cabeça dos recém-nascidos para acostumá-los à chuva. Também foram surpreendidos por um conjunto de conhecimentos de que as rezadeiras se faziam portadoras, relativos à proteção da saúde dos indivíduos, que incluíam “boas rezas para tirar quebranto, mau olhado, ventre caído, dor de dente, de cabeça, machucados e destroncamentos”, assim como o uso de “galhinhos de plantas milagrosas e terços” (SAGMACS, 1960a, p. 27).
O estudo da SAGMACS registra com apreensão a tenacidade com que hábitos e costumes gestados no ambiente rural permaneciam em meio ao contexto urbano no qual se encontravam os moradores das favelas. A perpetuação de formas tradicionais de comportamento parecia minar os valores e padrões de conduta (científicos, racionais) considerados compatíveis com uma sociedade moderna. Produto do “subdesenvolvimento”, as favelas acabavam por reforçar essa mesma configuração histórico-social, e isto à medida que ameaçavam a emergência plena do novo mundo urbano-industrial no país:
Como todo fato social […], a favela é uma resultante e, ao mesmo tempo, um poderoso condicionador. […] A favela condiciona a formação psicológica e social de um número cada vez maior de pessoas, chamadas a integrar a população de uma metrópole em época de rápidas mudanças tecnológicas e de profundas reivindicações sociais. (SAGMACS, 1960a, p. 6).
Embora ajudassem a explicar os baixos níveis de vida encontrados nas favelas, bem como a dificuldade de inserção de seus moradores na dinâmica da metrópole, fatores de ordem cultural não atuavam isoladamente. Mesmo moradores mais bem posicionados social e economicamente, marcados pela aspiração por melhores padrões de vida, esbarravam em problemas como o da precariedade e da falta de infraestrutura sanitária e de serviços de saúde. Não havia coleta de lixo nem sistema de esgoto e os resíduos e dejetos, à semelhança das zonas rurais, espalhavam-se pelas ruas. A assistência médica, quando existente, era irregular. Os profissionais de saúde demonstravam ignorância, desinteresse e preconceito em relação à situação dos moradores. Não pareciam preocupados com a realização de acompanhamentos epidemiológicos regulares das localidades e tampouco eram capazes de enxergar os problemas, ligados, sobretudo às doenças infecciosas, à disenteria e à mortalidade infantil, enquanto questões estruturais de saúde pública (SAGMACS, 1960b).
Um dos problemas mais dramáticos e comuns era o da falta de água própria para consumo. As dificuldades descritas pelo estudo da SAGMACS para a obtenção desse recurso pelos moradores, que recorriam às famosas latas d’água, lembram as ponderações de Medina quanto à viabilidade da educação sanitária no meio rural em face de carências agudas de infraestrutura. Tão central era o problema da água que em torno dele, em grande medida, é que se desenvolvia a prática política da “demagogia”, com candidatos e lideranças externas à localidade indo ao encontro de necessidades prementes, como a instalação de bicas públicas, como forma de angariar votos. A satisfação dessas demandas, no entanto, permanecia localizada, fragmentária, operando na chave do favor, servindo mais à manutenção dos laços de dependência dos moradores com os políticos do que à formação de uma consciência cívica e cidadã que precedesse à reivindicação de direitos e de políticas públicas. No encontro do morador com o cabo eleitoral e os políticos, reatualizava-se, no contexto urbano, a antiga forma de solidariedade vertical de paternalismo, característica das zonas rurais, motivada pela busca de uma autoridade patriarcal protetora e benevolente:
Perdido na grande cidade, obrigado a reconstituir, em padrões diferentes, todo o seu sistema de relacionamento, forçado, para o ganha-pão, a um tipo de trabalho cujos ritmos são inteiramente diversos da agricultura, […], o pária rural, agora subproletariado ou proletário urbano, tenta refazer seu comportamento político, seguindo as mesmas linhas de força do patriarcalismo agrário. Daí procurar o político como, antes, procurava o coronel, buscar o cabo eleitoral, como, outrora, se apoiava no compadre, homem de força e de prestígio. (SAGMACS, 1960b, p. 35).
A perspectiva sociológica utilizada pela SAGMACS para analisar as inter-relações entre as condições de vida dos moradores das favelas e a dinâmica política no contexto urbano, que fazia do instituto do voto uma ferramenta de reprodução de formas tradicionais de dominação, impedindo o florescimento da democracia, guarda afinidades com o exame feito por Medina das localidades rurais atendidas pelo SESP. Em ambos os casos, a atenção recai sobre a forma como a contínua desagregação do antigo mundo rural e patriarcal, não implicando alteração substantiva da estrutura fundiária concentracionista que estava em sua origem, levava a uma situação de impasse, em que as antigas fontes de poder e autoridade locais, no lugar de serem varridas pela nova lógica do sistema representativo democrático, fundada no sufrágio, se recompunham, reconciliando-se com esta última. Alimentando-se mutuamente, davam origem a um processo sócio-histórico sui generis, em que nem os padrões tradicionais nem os padrões modernos de comportamento se tornavam capazes, isoladamente, de imprimir sua lógica ao conjunto da dinâmica política.
É difícil distinguir as contribuições específicas de Rios e Medina na redação do relatório da SAGMACS. Parece-nos mais importante, no entanto, enfatizar que ambos se moviam no interior de uma mesma matriz de pensamento. Ancorada teoricamente tanto na sociologia rural norte-americana quanto nos princípios de Economia e Humanismo, tal perspectiva partilhava com o pensamento social da Igreja a preocupação com formas não conflituosas de inserção das camadas pobres, rurais e urbanas, ao mundo moderno. Ambos ainda eram críticos do varguismo, que enxergavam como expressão de autoritarismo vinculada às formas tradicionais de exercício do poder político ao mesmo tempo em que se opunham às soluções de corte socialista, lidas na chave do estatismo, da concentração de poder nas agências do Estado em detrimento da força associativa da comunidade. Por último, mas não menos importante, tanto Rios quanto Medina dialogaram com chaves interpretativas elaboradas por autores brasileiros como Oliveira Vianna na tentativa de compreender os impasses que as “raízes rurais” de sua sociedade impunham aos processos de modernização vividos pelo país - seja no plano de seu experimento democrático intermitente, iniciado com o regime republicano, seja no âmbito da urbanização e da industrialização do pós-Segunda Guerra.8
Embora identifique a perpetuação do mundo rural tradicional no novo contexto urbano, impedindo a plena emergência do moderno, associado à forma política democrática, o estudo da SAGMACS conclui com uma nota otimista. O instituto do voto, conferindo poder de barganha, ainda que relativo, ao morador da favela, contribuiria com o processo de ascensão social das massas, preparando o terreno para a ação política pautada pela ideia de cidadania (SAGMACS, 1960b). Os autores do texto chegam mesmo a estabelecer explicitamente interlocução crítica com Oliveira Vianna, particularmente com o ceticismo que o ensaísta fluminense nutria em relação ao princípio do sufrágio e à valorização das liberdades políticas em um país refém, no plano local, do arbítrio das oligarquias. Buscando responder a essa objeção, o estudo da SAGMACS afirma que a reintrodução da democracia política no país, ainda que não conseguisse, por si mesma, alterar sua realidade social mais profunda - marcada por desigualdades que viciavam o funcionamento do sistema representativo -, seria capaz de auxiliar na integração social das massas. Funcionando como moeda de troca, o direito ao voto poderia, no médio prazo, ajudar as populações das favelas a conquistarem um mínimo de segurança material necessário à prática de uma cultura cívica:
É pelo voto, pelo exercício da eleição, que [o favelado] toma consciência clara de suas necessidades e testa seus representantes. O político é o intermediário que utiliza para atingir a segurança que tanto almeja, para conquistar aquelas liberdades civis de que falava Oliveira Vianna. Ao contrário, portanto, do processo inglês, em que as liberdades políticas assentaram nas liberdades privadas, no nosso caso é através das liberdades políticas, é no exercício, embora emperrado e deformado, da democracia, que o subproletariado de nossas cidades vai conquistando o direito básico de sobrevivência e o perfil de cidadão (SAGMACS, 1960b, p. 35).
A defesa dos modestos efeitos sociais positivos da democracia, do que se ganhava com ela, em termos de avanço no processo sócio-histórico em direção ao moderno, a despeito das limitações impostas a seu efetivo funcionamento, é uma marca saliente das conclusões do estudo da SAGMACS. Do mesmo modo, para seus pesquisadores, o estímulo à auto-organização das populações das favelas, com a criação de centros de convivência e associações de moradores (SAGMACS, 1960a), poderia induzir à constituição de associações intermediárias de bases locais, entre o eleitor isolado e o político, dando maior organicidade à representação política. Essas medidas, somadas a uma distribuição menos desigual da propriedade imobiliária no campo e nas cidades, pavimentariam o caminho para a construção de uma inserção autônoma dos favelados no mundo dos direitos e das políticas públicas, servindo de importante alavanca para a superação dos impasses criados pela desestruturação do antigo mundo rural, cujos efeitos se faziam sentir nas cidades.
Sem deixar de compartilhar do horizonte político-normativo inscrito no estudo da SAGMACS, Medina, em seu trabalho posterior, assumirá postura mais reticente em relação à possibilidade de superação do quadro de dependência material e política das populações faveladas que alimentava o político demagogo e minava o experimento democrático brasileiro.
Em A favela e o demagogo, opúsculo escrito na atmosfera política de polarização que antecedeu ao golpe militar no país, o sociólogo procura advertir seus leitores para o risco de que o demagogo, afeito à distribuição de favores (emprego e benfeitorias), se transmutasse em um tipo de liderança política mais radicalizada, comprometendo a rotina das instituições democráticas ao buscar atender à maré montante das demandas populares. De acordo com Medina, essa ameaça se colocava no horizonte no instante em que a gradativa ascensão social das massas comprometia o poder de distribuição de benesses do político tradicional, que, na tentativa de acompanhar a escalada das reivindicações, passava a se apresentar como “Salvador da Pátria” (Medina, 1964, p. 96). Na avaliação do sociólogo, a ameaça à consolidação da democracia parecia ser constitutiva da transição que o Brasil então atravessava, de “modificações estruturais” (p. 92), forçando o regime representativo a soluções drásticas e imediatas. Nesse caso, a forma como o desenvolvimento vinha se processando colocava em xeque a possibilidade de consolidação da ordem política moderna no país.9
É inegável, no texto, a dura crítica, ainda que não nomeada, ao governo João Goulart, que, após a perda de apoio no parlamento, passa a acenar ostensivamente para os movimentos populares, para associações sindicais e grupos políticos à esquerda e para a sociedade brasileira como um todo na tentativa de instituir as Reformas de Base no país, entre as quais estavam a reforma agrária e a reforma urbana.
Outro apontamento importante de Medina no livro, que destoa do otimismo comunitário do estudo da SAGMACS, é a sua visão crítica a respeito das condições sociais para a construção de laços robustos e duradouros de solidariedade horizontal entre os moradores das favelas. O sociólogo indica um quadro socioeconômico complexo, heterogêneo, marcado pela existência de diferenciações e hierarquias internas às localidades e pelas vinculações de seus habitantes com atores de maior prestígio e poder econômico dos centros urbanos, fenômeno que punha em xeque a perspectiva de emergência de comunidades coesas (Medina, 1964). Esse problema será explorado por Medina em anos posteriores, em trabalhos como Favela e religião: um estudo de caso (1968), desenvolvido em colaboração com Lícia Valladares; e no artigo: A favela como uma estrutura atomística: elementos descritivos e constitutivos (1969). O sociólogo passa a chamar a atenção para as múltiplas possibilidades de compreender a favela sob a perspectiva sociológica e propõe um modelo de análise baseado na concepção da heterogeneidade de sua população, examinando criticamente o pressuposto de que a favela constituía um organismo social isolado geograficamente e um corpo estranho/exótico à dinâmica da cidade. A revisão desses postulados mais tradicionais acerca da realidade social das favelas será empreendida por diferentes estudiosos nesse período, em que pesem suas distintas abordagens e filiações teórico-metodológicas, tais como Anthony e Elizabeth Leeds e Luiz Antônio Machado da Silva (Leeds e Leeds, 2015).
Considerações finais
O estudo da trajetória e da obra de Carlos Alberto de Medina nos dá indicações de quão significativa foi a produção intelectual das ciências sociais que se processou fora do ambiente universitário e como esta foi igualmente relevante para a legitimação social daqueles saberes, vinculando-se a debates e agendas candentes do período, como a do desenvolvimento. Além disso, Medina nos oferece uma interpretação sociológica do país que assinala os nexos entre doença, pobreza, subdesenvolvimento e autoritarismo.
Suas análises sobre as comunidades rurais, iniciadas na década de 1950, constituíram a base empírica de sua produção na década seguinte, especialmente acerca das dinâmicas sociais e políticas que articulam o mundo rural e o mundo urbano no Brasil. Conforme indicamos, em sua perspectiva, nas zonas rurais, a estrutura fundiária concentracionista parecia constituir o grande obstáculo para que formas pessoais, clientelistas e hierárquicas de dominação dessem lugar a relações sociais mais horizontais. Nas metrópoles, por sua vez, as favelas surgiam na esteira do êxodo rural e do crescimento urbano desordenado, evidenciando um padrão excludente de modernização e a reposição, no nascente contexto urbano-industrial, de desigualdades cujas raízes históricas se encontravam no latifúndio. Seus moradores, não muito distantes culturalmente do caboclo - de quem eram uma continuidade no contexto das cidades -, permaneciam igualmente incapazes de acessar o mundo da cidadania, mantendo-se presos a laços de dependência socioeconômica com agentes externos que acabavam dando outro sentido aos princípios da democracia política.
O tema da reprodução do subdesenvolvimento, das dificuldades do moderno em se estabelecer no país, desfazendo as amarras que o prendiam ao antigo mundo patriarcal e rural, foi central na produção sociológica brasileira do período, como é possível depreender da análise das obras de autores como Luiz de Aguiar Costa Pinto, Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos e José Arthur Rios. Nos estudos de Medina, a questão da emergência do povo, isto é, a construção das populações pobres enquanto ator político autônomo, capaz de oferecer lastro às instituições democráticas, assume igualmente relevância. Nesse caso, são evidentes suas vinculações a tradições de pensamento que se desenvolveram em torno do problema do insolidarismo e da “amorfia” da sociedade brasileira, ainda que as soluções propostas classicamente por autores como Oliveira Vianna, considerados autoritários, tenham sido, de partida, recusadas pelo sociólogo, inserido em uma geração comprometida com a consolidação da democracia no país na esteira de Constituição de 1946.
Para Medina, a saída para os impasses do desenvolvimento, que passava necessariamente pelo fortalecimento do regime democrático, provinha não apenas de reformas estruturais, mas também da ação coletiva, que assumia centralidade para o sociólogo, preocupado, sobretudo, com formas de organização e participação políticas das populações pobres, do campo e da cidade, em torno de ideais de bem comum.
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Informações sobre a trajetória intelectual de Rios, suas vinculações a matrizes comunitaristas de pensamento e as relações entre Brasil e EUA no âmbito da sociologia rural encontram-se em: Lopes (2020).
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Entre as disciplinas cursadas pelos futuros “missioneiros” da CNER, estavam: Parte teórica - noções de geografia agrária, extensão agrícola, higiene rural, educação sanitária, noções de psicologia e sociologia educacional, pedagogia. Parte prática - serviço social de grupo, cooperativismo, técnicas de educação audiovisual e técnica de missão rural. (Arquivo Pessoal de José Arthur Rios, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz).
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Uma análise do modelo comunitarista de política de saúde perseguido por Rios e pelos educadores sanitários do SESP, bem como de algumas experiências de organização de comunidades levadas a cabo pelo órgão nos anos 1950, encontra-se em Lopes e Brito (2022a).
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A seção contou, ainda, com os serviços de Kaoro Onaga, egresso da Escola de Sociologia e Política, onde estudou sob a orientação do antropólogo Kalervo Oberg (SESP, 1954, p. 88). Ao lado do sociólogo Donald Pierson, Oberg havia atuado, na segunda metade dos anos 1940, como representante do programa de cooperação acadêmica do Institute of Social Anthropology (ISA), da Smithsonian Institution, no Brasil, trabalho que também lhe rendeu pesquisas entre comunidades indígenas do Brasil central. Na esteira do Programa Ponto IV, lançado por Henry Truman, Oberg se tornou consultor técnico do Institute of Inter-American Affairs (IAIA) junto ao SESP, contribuindo para aproximar seus quadros das ciências sociais. Sobre o ISA e a participação de antropólogos norte-americanos em políticas de cooperação com a América Latina na área da saúde nesse período, ver Figueiredo (2009).
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“Attitude Studies - Palmares”. Fundo Luiz Fontenelle, da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz.
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Uma discussão mais detida sobre as afinidades e as tensões entre a perspectiva de trabalho dos cientistas sociais e os programas de ação do SESP encontra-se em Lopes e Brito (2022b).
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A partir de suas vinculações institucionais com a ELSP e a USP, Willems desempenhou papel importante para a consolidação do campo acadêmico das ciências sociais no Brasil com base na promoção da pesquisa empírica. Manteve estreita interlocução com as tradições alemãs e norte-americanas do pensamento sociológico, realizou estudos de comunidade enfocando a questão da mudança sociocultural e redigiu opúsculo, intitulado O problema rural brasileiro do ponto de vista antropológico (1944). A respeito do conceito de cultura cabocla, empregado por Willems, ver Lima (1999).
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Ainda que discordem do sentido político de natureza autoritária que acompanha a produção intelectual de Oliveira Vianna, Rios e Medina, à maneira de diversos cientistas sociais que lhes foram contemporâneos, como Victor Nunes Leal e Maria Isaura Pereira de Queiroz, acabaram sendo interpelados pelas teses do autor de Populações Meridionais do Brasil (1921). Nesse sentido, insistiram tanto em buscar na vida social brasileira o sentido de sua dinâmica política quanto em assinalar os efeitos do predomínio histórico da ordem privada sobre a pública, característico da formação rural do Brasil, sobre a forma particular em que o chamado “desenvolvimento” se processava no país. Sobre o pensamento de Oliveira Vianna, ver: Bastos e Moraes (1993). Sobre os desdobramentos, no plano cognitivo, de sua obra na produção das ciências sociais posterior à institucionalização universitária dessas disciplinas, ver Botelho (2007).
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A questão do desenvolvimento será perseguida por Medina nesse período. No início dos anos 1960, ele passa a atuar nos quadros do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais (CLAPCS - de 1963 a 1979) e no Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS - de 1965 a 1992).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Jun 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022
Histórico
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Recebido
06 Jul 2021 -
Aceito
12 Fev 2022