Resumo
Esfera pública e democracia são temas que se entrelaçam de vários modos em grande parte dos estudos normativos e democráticos dos últimos quarenta anos. Neste artigo, procuramos mostrar como essa relação tem sido pensada, a partir da teorização de pensadoras(es) de três importantes vertentes das teorias políticas e democráticas contemporâneas: (1) o liberalismo político de J. Rawls, cuja ideia de democracia vincula as noções de sociedade democrática, cultura política e amizade cívica; (2) a teoria crítica de J. Habermas, que propõe um modelo procedimental de democracia articulado às concepções de publicidade e solidariedade; e (3) o pluralismo agonístico radical de matriz pós-estruturalista de C. Mouffe, que postula um elo estreito entre democracia e uma compreensão agonística da sociedade. Por fim, (4) apontamos como diagnósticos atuais em torno da crise da democracia põem sob suspeita a disponibilidade e a permanência da esfera pública em suas diversas proposituras contemporâneas.
Palavras-chave: Esfera pública; Democracia; Teoria política contemporânea; Razão pública; Agonismo
Abstract
Public sphere and democracy are themes that intertwine in many forms in great part of the normative and democratic theories of the last forty years. In this article, we aim to show how this link has been conceived, based on the theorizing of thinkers from three important strands of contemporary political and democratic theories: (1) J. Rawls’s political liberalism, whose idea of democracy bonds the notions of democratic society, political culture, and civic friendship; (2) J. Habermas’s critical theory, which proposes a procedural model of democracy articulated to the conceptions of publicity and solidarity; and (3) C. Mouffe’s poststructuralist radical agonistic pluralism, which postulates a close link between democracy and an agonistic understanding of society. Finally, (4) We point out how current diagnostics around the democracy crisis put under suspicion the availability and permanence of the public sphere in its various contemporary propositions.
Keywords: Public sphere; Democracy; Contemporary political theory; Public reason; Agonism
Introdução
Não nos parece um grande equívoco afirmar que, por detrás das preocupações de boa parte das autoras e autores que têm se ocupado dos temas das esferas públicas democráticas e seus (contra) públicos, bem como da democracia e seus impasses no século XXI, estão acontecimentos que vêm marcando de maneira indelével a paisagem política mundial recente: nos anos 2000, a ascensão de líderes de esquerda com perfis populistas que, não raro, lançaram mão de métodos autoritários para excluir e/ou silenciar as oposições; mais recentemente, a ascensão por meio do voto popular de governantes assumidamente defensores de valores e visões de mundo associadas à direita conservadora, militarista, sexista, supremacista, nativista que caracterizam as posições de políticos como Donald Trump, Jair Bolsonaro, Vladimir Putin, Tayip Erdogan, Viktor Orban, Rodrigo Duterte, Jaroslaw Kaczynski etc.
Tais escolhas eleitorais, em sua grande maioria, fruto de decisões soberanas de cidadãs e cidadãos de Estados de direito que podem ser ditos mais ou menos democráticos, estão impondo às pensadoras e pensadores da política uma reflexão urgente sobre como e por que a ascensão de líderes políticos de direita e de extrema-direita - não raro com propensões autoritárias e práticas antidemocráticas que abalam os alicerces do Estado democrático de direito - vem obtendo tanto sucesso e adesão, inclusive, em democracias há séculos consideradas consolidadas, como ocorreu nos EUA, mas também em países recém-saídos de regimes ditatoriais, como é o caso do Brasil. A ascensão ao poder de tais lideranças políticas, geralmente carismáticas, tem se dado na maioria das vezes com base em discursos abertamente autoritários e por meio de métodos muito similares, como o recurso a redes e mídias sociais digitais em grande escala, uso e abuso de fake news e outras tantas estratégias consideradas por muitos pensadores e pensadoras antidemocráticas.
Esse cenário tem exigido também de teóricas e teóricos da democracia, e em particular, embora não exclusivamente, daquela/es que concentraram seus esforços e preocupações reflexivas nas últimas décadas na noção de deliberação - concebida, de modo genérico, como parte fundante e fundamental dos processos de formação da opinião e da vontade coletivas, entendidos como pressupostos centrais para a escolha e tomada de decisão nos Estados democráticos de direito (Avritzer, 2000; Benhabib, 2007; Bohman, 1997; Cohen, 1998; Habermas, 1992) -, um esforço analítico ao mesmo tempo complexo e desafiador. Sobretudo, o que parece estar sendo posto em xeque, com a emergência destas ondas antidemocráticas, é o vínculo estabelecido pelos teóricos e teóricas da deliberação - sejam eles(as) oriundos(as) da tradição liberal, (neo)republicana ou filiados(as) à teoria crítica - entre soberania popular, regime democrático (instituições) e produção e operacionalização de conflitos e dissensos políticos na esfera pública, para muitos(as), sustentáculo dos Estados democráticos de direito (Dryzek, 1990; Fishkin, 1991; Gutman; Thompson, 1996; Mansbridge, 1999; Rawls, 1997; Werle; Melo, 2007).
Abundam os diagnósticos dos(as) especialistas. A tendência das democracias liberais à deslegitimação e ao enfraquecimento dos laços e compromissos democráticos, bem como à polarização e à crescente incomunicabilidade entre cidadãs e cidadãos nos espaços cada vez menos públicos da outrora chamada esfera pública democrática, detectada sobretudo na última década e meia em várias sociedades, tem sido interpretada de modos distintos: o fenômeno já foi explicado como impolítica (Rosanvallon, 2006), totalitarismo invertido característico da democracia dirigida (Wolin, 2008), má compreensão do ethos democrático (Norvall, 2007), entre muitas outras denominações tentativas. Uma análise influente, que vem fazendo fortuna nos debates da teoria política e da teoria democrática, é aquela oferecida pela filósofa política norte-americana Wendy Brown (2019), que chama a atenção para os processos de desdemocratização em curso nas democracias liberais, fruto da aliança entre as ideologias neoliberal e neoconservadora.
O diagnóstico de Wendy Brown (2015, 2019) de que a democracia estaria correndo perigo - e com ela, a esfera pública democrática, pilar do Estado democrático de direito - é hoje compartilhado, em maior ou menor grau, por inúmeras teóricas e teóricos da democracia. Levitsky e Ziblatt (2018) sustentam, em seu influente livro Como as democracias morrem, que estas podem morrer pelas mãos de líderes políticos eleitos, quando estes põem em risco as duas grades flexíveis de proteção da democracia, as normas da tolerância mútua (que exige a aceitação respeitosa dos oponentes) e da reserva institucional (o comedimento por parte da classe política no uso de suas prerrogativas institucionais), regras não escritas que são, no entanto, fundamentais para a manutenção de regimes democráticos - exatamente o tipo de erosão democrática que líderes políticos como Hugo Chávez, Donald Trump, Mauricio Macri, Viktor Orban teriam tentado promover a partir de suas vitórias nas urnas.
Apesar da diversidade de causas apontadas pelos diversos autores e autoras que se dedicaram a refletir sobre a democracia e seus elementos centrais, entre os quais destaca-se, desde a aurora do Iluminismo, a ideia de esfera pública (Habermas, 1961), para o declínio da adesão de cidadãs e cidadãos ao regime democrático, comprovada em dados pela ampla pesquisa conduzida por Yascha Mounk (2019) em mais de 20 países, a grande maioria dos diagnósticos em torno da crise apontam problemas como polarização excessiva das sociedades civis, políticas de ódio, corrupção institucional, crise da representação, predomínio da política midiática e de recursos da internet - todos eles concorrendo de forma nefasta para a inviabilização tanto da confiança entre cidadãos quanto do debate público democrático informado, baseado na troca de razões argumentativas, tão caro aos fautores da deliberação democrática.
Tais constatações exigem de teóricas e teóricos da política um exame mais acurado não apenas da forma democrática de governo, o que já vem sendo feito massivamente, como se pode notar pelo expressivo volume de obras publicadas nos últimos anos que tematizam a crise das democracias mundo afora, mas também uma mirada para o que estaria acontecendo naquele espaço social no qual as democracias operam e se materializam e do qual retiram boa parte de sua legitimidade, a saber, na esfera pública das distintas sociedades civis que adotam o regime democrático. Ainda podemos falar de uma “esfera pública democrática” tal qual foi concebida na quase totalidade das teorias políticas produzidas ao longo do século XX? Estaria ela também experimentando uma crise sem precedentes ou apenas testemunhando a desconsolidação da democracia? (Mounk, 2019)
Perguntas como estas constituem as questões centrais que procuraremos abordar neste artigo. Para tanto, buscaremos reconstruir três influentes concepções de esfera pública democrática, a saber, (1) uma de matriz liberal-igualitária, (2) aquela vinculada à abordagem da teoria crítica e, por fim, (3) outra característica do pluralismo democrático radical de influência pós-estruturalista, para, ao final (4), apontarmos as possibilidades e os limites (im)postos por este novo cenário que vem se desenhando à noção de esfera pública democrática deliberativa - tão cara aos teóricos e teóricas da política e da democracia - bem como ao palco das interações democráticas.
Razão pública e cultura democrática na teoria de John Rawls
John Rawls sustentou, em seu distintivo Liberalismo Político, que a ideia de razão pública faz parte de uma concepção de sociedade democrática (Rawls, 2011). Embora ele não faça uma exposição clara sobre o que entenderia exatamente por esfera pública, é possível afirmar, como aponta Evan Charney (1998), que certa noção do conceito está posta no liberalismo político justamente pela bem demarcada necessidade de separação entre assuntos e espaços públicos e privados, ainda que não haja um desenho explícito dessa diferença. Para levantarmos as possibilidades dessa dimensão da vida social e política permanecer disponível, cabe recordar brevemente em que sentido razão pública e democracia são interdependentes na proposta rawlsiana.
Para Rawls, a maneira pela qual uma sociedade política formula seus planos, determina seus fins em uma ordem de prioridades e toma decisões a partir deles, constitui, isto mesmo, sua razão pública. Nem todas as razões são razões públicas, como é o caso das razões de igrejas, de universidades e das demais associações da sociedade civil. As não públicas pertencem ao âmbito daquilo que Rawls (2011) chamou de cultura de fundo e que se diferencia da cultura política pública, à qual pertence a razão pública e da qual depende, nos termos rawlsianos, uma democracia constitucional bem-ordenada. Além destas, Rawls (2011) aponta também para uma cultura política não pública, que faz a mediação entre as outras duas formas de cultura encontradas numa democracia, e que seria própria dos meios de comunicação: jornais e revistas, televisão e rádio etc., à qual também não se aplicam as especificidades da razão pública.
O objeto desta razão pública é o bem público, isto é, aquilo que uma concepção política de justiça (Rawls, 2011) requer da estrutura básica da sociedade (Rawls, 2011), no sentido de a quais propósitos e fins tal estrutura deverá servir. Em casos de regimes não democráticos (autocráticos e aristocráticos), a própria consideração acerca do que seja o bem público não é feita pelo público. Assim, resta que a razão pública seja característica de um povo democrático, como a razão daqueles que compartilham o status da igual cidadania numa democracia (Rawls, 2011).1 Contudo, cobrar dos cidadãos esse entendimento não é uma questão de lei, e sim assunto de uma concepção ideal de cidadania - que talvez nunca venha ocorrer - mas que existe como possibilidade para um regime democrático.
No §1 da conferência VI, Rawls (2011, p. 251) trata de quais seriam as questões e os fóruns da razão pública. Embora o tema da razão pública tenha uma longa história, Rawls (2011) pretende apontar para uma ideia de razão pública liberal como parte de uma concepção política de justiça; para ele, numa sociedade democrática, a razão pública é a razão de cidadãos iguais no exercício do poder político, supremo e coercitivo de uns sobre os outros, para aprovar leis e emendar a constituição.2 Entende-se aqui que os limites que a razão pública impõe não se aplicam a todas as decisões políticas, mas somente àquelas que Rawls chama de elementos constitucionais essenciais (Rawls, 2011) e às questões de justiça básica (RALWS, 2011, pp. 314-318), que são o objeto da razão pública.3 Rawls exemplifica nos seguintes termos quais questões seriam entendidas como fundamentais: “quem tem o direito a voto, quais religiões devem ser toleradas, a quem se deve garantir a igualdade equitativa de oportunidades ou o direito de possuir propriedades”. Apenas a tais casos se aplicam os limites da razão pública, circunstâncias nas quais os cidadãos deverão recorrer a valores políticos.4
Diante disto, a pergunta que cabe, e Rawls (2011, p. 253) a propõe, é: “por que não afirmar que todas as questões com relação às quais os cidadãos exercem seu poder político final e coercitivo uns sobre os outros estão sujeitas à razão pública?”; ou, dito de outro modo, “por que seria alguma vez admissível abandonar a gama de valores políticos da razão pública?”. A resposta do filósofo é a de que as questões fundamentais (Rawls, 2011) têm prioridade, e, ainda que seja desejável, nem sempre é possível que todas as questões políticas sejam dirimidas a partir da razão pública. Com isto, Rawls firma a primeira característica da razão pública, propondo que as questões fundamentais sejam seu principal objeto.
Outro aspecto é o de que seus limites não se aplicam a reflexões e deliberações pessoais sobre questões políticas nem a reflexões acerca delas por membros de associações da sociedade civil. O ideal (limitante) de razão pública aplica-se aos cidadãos em seu envolvimento na defesa de posições políticas no fórum público. Políticos em geral, como membros de partidos ou em algum tipo de campanha, deveriam guiar-se por este ideal5; também os cidadãos deveriam considerá-lo como regra para votar nas eleições, quando questões fundamentais estivessem em disputa (Rawls 2011), ou quando estão engajados na militância política no fórum público, como no caso de participarem de campanhas políticas (Rawls, 2011).
De maneira específica, numa democracia, esse ideal é realizado por cidadãos que não são autoridades públicas quando votam em representantes considerando o critério de reciprocidade da razão pública, momento que se encontra difundida entre eles uma firme disposição (moral) de se perceberem idealmente como autolegisladores e de impedir candidatos ou autoridades que violem o ideal de razão pública; esta disposição, sustenta Rawls (2011, p. 527), “constitui uma das bases políticas e sociais da democracia e é vital para que permaneça forte e vigorosa”.6 O critério de reciprocidade da razão pública exige que os cidadãos façam propostas para a cooperação social, entendendo que os outros, seus pares, possam aceitá-las sob uma mesma condição de liberdade e igualdade, ou seja, “não dominados nem manipulados ou sob pressão de uma posição política ou social inferior” (Rawls, 2011, p. 529).
Bastaria então que os cidadãos considerassem a si mesmos como legisladores que seguem a razão pública para que suas decisões, transformadas em normas que expressam a opinião da maioria, fossem consideradas como legítimas; se todos que se manifestaram e votaram o fizeram a partir dos critérios da razão pública, de acordo com seu dever de civilidade (Rawls, 2011) então as decisões são políticas e moralmente vinculatórias para todos.7 Mas a ênfase da aplicação do ideal de razão pública está sobre as autoridades estatais, sobre os fóruns oficiais, e aplica-se: aos legisladores, em suas manifestações no parlamento; ao executivo, em atos e pronunciamentos públicos; e ao judiciário, no controle jurisdicional da constitucionalidade.8
Ao revisar o texto da Conferência VI, Rawls propôs em 1997, como reformulação, A Ideia de Razão Pública Revisitada, texto que traz maior clareza acerca do âmbito de aplicação da razão pública.9 Nas versões revisadas, Rawls (2011) afirma que os três poderes mencionados acima (executivo, legislativo e judiciário) atuam sempre no fórum político público, ao qual se aplicam as limitações da razão pública para o tratamento de questões fundamentais; mas que, fora deste âmbito, elas poderiam, sim, ser tratadas sem os aspectos limitantes da razão pública. Aos cidadãos caberia a percepção da necessidade de adesão aos limites da razão pública ao entrarem neste fórum; caber-lhes-ia deixarem-se guiar por uma motivação moral, que pode não depender exclusivamente de uma cultura política, mas que a fomenta na medida em que os cidadãos buscam chegar a um acordo cujos termos sejam mutuamente aceitáveis. Um exemplo dessa distinção entre espaços de discussões políticas abertas e o fórum político público, tomado de empréstimo de Kent Greenawalt, é oferecido na nota de rodapé 10: “as diferenças existentes entre um líder religioso pregar ou promover uma organização pró-vida e liderar um movimento político importante ou concorrer a um cargo político” (Rawls, 2011, p. 525).10
Cabe ressaltar uma mudança que Rawls (2011) já insere na Introdução à Edição de 1996: a de que doutrinas abrangentes (Rawls, 2011) podem ser incluídas na razão pública, mas apenas se razões públicas (apresentadas por uma concepção política razoável) - e desse modo a alteração não parece tão significativa - demonstrarem-se capazes de sustentar o mesmo objeto que as doutrinas abrangentes introduzidas buscaram manter; a isso Rawls chamou de visão ampla da razão pública. No §3 da Conferência VI de O Liberalismo Político, Rawls fazia uma distinção entre uma visão exclusiva da razão pública, muito limitante em relação ao tipo de argumentos permitidos, já que os cidadãos deveriam recorrer exclusivamente a valores políticos, e outra inclusiva que pudesse incluir argumentos de suas doutrinas abrangentes, mas que deveriam ser invocados apenas em contextos muito específicos no caso de sociedades injustas, como os argumentos religiosos mobilizados por Martin Luther King Jr. contra a escravidão. Já a visão ampla da razão pública expande o espaço para argumentos de doutrinas abrangentes em quaisquer circunstâncias, desde que seja satisfeito o critério daquele acompanhamento de razões públicas fornecidas por uma concepção política razoável (Rawls, 2011); ou seja, argumentos de outros tipos podem ser introduzidos, mas permanece a necessidade de que, em algum momento, os cidadãos justifiquem suas conclusões a partir de razões públicas. Ainda que essa mudança não seja grande, dada a necessidade da permanência de argumentos públicos, Rawls (2011) acredita que, dessa forma, seja possível aumentar a estabilidade social por meio da demonstração de como as doutrinas razoáveis confirmam a concepção política desde suas perspectivas internas.11
Essa esperança de que os cidadãos recorram, com prioridade, ao ideal de razão pública, ainda que seja para acompanhar argumentos próprios de suas doutrinas abrangentes, é o assunto do §2 da conferência VI, que trata da relação entre a razão pública e o ideal de cidadania democrática, o que nos remete ao aspecto das “ideias fundamentais consideradas latentes na cultura política pública de uma sociedade democrática” (Rawls, 2011, pp. 205-206). O filósofo construtivista (2011) começa por tentar desfazer a dificuldade contida num suposto paradoxo de que, diante da ideia de que questões fundamentais devam ser resolvidas a partir das verdades mais importantes, os cidadãos cumpram os limites da razão pública e decidam pelo abandono de toda a verdade, tal como a entendam, para resolver e tratar das questões fundamentais. Para Rawls (2011), esse paradoxo é desfeito com a invocação do princípio liberal de legitimidade, que se conecta com duas características especiais da relação política entre cidadãos democráticos: (1) que esta seja uma relação entre pessoas no interior da estrutura básica da sociedade na qual nasceram e provavelmente passarão toda a vida; (2) que o poder político coercitivo é o poder público, dos cidadãos como corpo coletivo. Soma-se a isso que, se quisermos responder à pergunta sobre a adoção dos limites da razão pública por parte dos cidadãos, precisamos supor que o pluralismo razoável seja uma característica permanente da cultura pública, e não “uma simples circunstância histórica fadada a desaparecer”. Aceitando esta suposição, a pergunta seguinte diz respeito a sob que condições os cidadãos podem - mediante voto - exercer seu poder político uns sobre os outros em relação a questões fundamentais. Ou, quais princípios e ideais devem guiar este exercício, que precisa ser justificável para os demais cidadãos? A resposta a tal questionamento passa exatamente por aquela compreensão liberal da legitimidade:
[…] nosso exercício do poder político é apropriado e, portanto, justificável somente quando exercido em conformidade com uma Constituição cujos elementos essenciais se pode razoavelmente supor que todos os cidadãos subscrevam, à luz de princípios e ideais que são aceitáveis para eles, na condição de razoáveis e racionais. Este é o princípio liberal da legitimidade. (Rawls, 2011, p. 256)
Ora, se uma democracia é caracterizada exatamente pela possibilidade do exercício do poder político de cidadãos livres e iguais uns sobre os outros, e se esse poder deve ser legítimo, o próprio exercício da cidadania - que pressupõe uma cultura política democrática - limita os cidadãos pela exigência moral (não legal) de explicaram-se uns perante os outros; Rawls espera que, numa sociedade democrática bem-ordenada (para que seja caracterizada assim), os próprios cidadãos recorram aos valores políticos da razão pública para apoiar e votar princípios e políticas relacionados a questões fundamentais.12 Este dever de civilidade, central para o funcionamento de uma democracia na proposta rawlsiana, abarca ainda uma disposição dos cidadãos para ouvirem uns aos outros e um sentido de equanimidade para tomadas de decisões que necessitem de algum tipo de conciliação, isto é, “inclui aceitar acomodações ou alterações razoáveis no próprio ponto de vista” (Rawls, 2011, p. 300). Firma-se assim que, para Rawls (2011), os limites da razão pública não se aplicam apenas aos fóruns oficiais. Para ele, a democracia é dependente de uma relação entre cidadania e razão pública, já que a participação no poder político deve ser distribuída de maneira igual. A democracia depende de um ambiente propício que uma sociedade bem-ordenada, pública e regulada por uma concepção política proporciona aos cidadãos para adquirirem um senso de justiça que os predispõe ao cumprimento do dever de civilidade (Rawls, 2011).
Como pessoas razoáveis e racionais e sabendo-se que professam uma diversidade de doutrinas religiosas e filosóficas, os cidadãos devem se dispor a explicar as bases de suas ações uns aos outros em termos que cada qual possa razoavelmente esperar que os demais julguem consistentes com sua liberdade e igualdade. Procurar satisfazer essa condição é uma das tarefas que esse ideal de política democrática exige de nós. Entender como se deve conduzir a si próprio como cidadão democrático inclui entender um ideal de razão pública. (Rawls, 2011, pp. 256-257)
Para Rawls (2011), os valores políticos são ideais fundamentais de uma democracia; e quando são realizados num regime constitucional, aquele paradoxo da razão pública desaparece, já que a própria concepção política fica apoiada por um consenso sobreposto de cidadãos que, mesmo tendo concepções abrangentes, exercem seu dever de civilidade para governar a si mesmos. Ou seja, a democracia realiza-se na restrição da razão pública, que impõe pautarem-se as decisões em questões fundamentais, quando estão em jogo de diversas maneiras, por uma consideração sobre o que seria razoável esperar que os outros cidadãos, também livres e iguais, aceitem. Essa adesão aos limites da razão pública não depende de um acordo político no sentido de um simples modus vivendi (Rawls, 2011), mas pode ser subscrita por razões de perspectivas próprias às diversas doutrinas razoáveis que compõem sociedades democráticas plurais.
Para Rawls (2011), a ideia de razão pública não critica qualquer doutrina abrangente (religiosa, moral ou filosófica), a não ser que esta seja incompatível com o próprio ideal de uma sociedade política democrática. As doutrinas razoáveis devem poder aceitar um regime democrático e uma compreensão da noção de legitimidade que acompanha um regime deste tipo. As democracias seriam marcadas pelo fato do pluralismo razoável (Rawls, 2011), resultante de sua cultura de instituições livres, diante do qual os próprios cidadãos percebem que não poderão chegar a um acordo com base em suas doutrinas abrangentes irreconciliáveis e conflitantes e, por isso, consideram que tipos de razões podem oferecer uns aos outros no caso de decisões acerca de questões políticas fundamentais.13 A razão pública é o ideal limitador e substituto dessas doutrinas por uma concepção política: “a forma e o conteúdo dessa razão - a maneira como é compreendida pelos cidadãos e como interpreta a relação política deles - são parte da própria ideia de democracia” (Rawls, 2011, p. 522).
A democracia, portanto, espera que os cidadãos, em questões fundamentais, não recorram à verdade toda; e o fazem para promover um bem ideal que é apoiado pela verdade toda, mas apenas de maneira indireta.14 Perder este sentido é perder a democracia, já que assim incorre-se na desconsideração pela distribuição igual do poder político - coercitivo e supremo - que os cidadãos exercem uns sobre os outros. Um religioso, por exemplo, deverá defender a tolerância religiosa e a liberdade de culto por meio de argumentos e razões políticas; e o fará porque sua religião, como doutrina razoável, apoia direitos e liberdades fundamentais (o que ele poderia até mesmo ressaltar publicamente, desde que respeite o dispositivo da visão ampla da razão pública). A democracia depende desse processo de adaptação das doutrinas abrangentes razoáveis.15
Sem o comprometimento do cidadão com a razão pública e o cumprimento do dever de civilidade, as divisões e hostilidades entre doutrinas inevitavelmente virão se afirmar, se é que já não existam. A harmonia e a concórdia entre as doutrinas e a afirmação da razão pública pelas pessoas não são, infelizmente, uma condição permanente da vida social. Antes, a harmonia e a concórdia dependem da vitalidade da cultura política pública e de os cidadãos empenharem-se na realização do ideal da razão pública. Uma vez que já não conseguissem perceber o sentido de afirmar o ideal de razão pública, os cidadãos poderiam facilmente tornar-se amargurados e ressentidos e passar a ignorá-los. (Rawls, 2011, pp. 576-577)
A democracia, como Rawls (2011) a entende, não é apenas o governo de uma maioria que possa fazer o que bem entender. Em questões políticas fundamentais, não se deve esperar que o voto desconsidere a razão pública, mesmo que ele se fundamente pelo que se considera correto e verdadeiro conforme uma determinada doutrina abrangente. Uma democracia não pode ficar refém de visões privadas e pessoais concorrentes, não pode depender de preferências e interesses -não pode redundar no voto baseado em ódios e aversões.16
Ao contrário, quando se trata de questões fundamentais, a justificação deve ser dirigida a todos os cidadãos, como bem exige o princípio da legitimidade liberal; e para levar a bom termo tais justificações, afirma Rawls (2011), é preciso recorrer apenas a crenças gerais e a formas de argumentação que contam com ampla aceitação e fazem parte do senso comum e aos métodos e conclusões não controvertidos da ciência. O critério de reciprocidade da razão pública tem o papel de apontar para a própria natureza da relação política de um regime democrático, para a relação de cidadãos que agem levando em consideração uns aos outros, a partir de um vínculo que Rawls (2011, p. 530) chama de amizade cívica - um critério capaz de dar forma às instituições de um regime democrático.17
Neste sentido, doutrinas não razoáveis, como religiões fundamentalistas ou seculares de cunho autoritário,como as da autocracia e da ditadura, de que, diz Rawls (2011, p. 581), “nosso século XX ofereceu exemplos abomináveis”, são incompatíveis com uma sociedade democrática. Estas doutrinas são as que representam uma ameaça às instituições democráticas, pois só poderiam acatar um regime constitucional por meio de algum acordo da espécie modus vivendi. É neste mesmo sentido que, no texto reformulado de 1997, Rawls acrescenta poder ser também compreendida a democracia constitucional bem-ordenada como uma democracia deliberativa: exatamente na acepção de que os cidadãos entendem, por meio da possibilidade de deliberação, que as opiniões políticas não são apenas o resultado de interesses privados rígidos, mas que na troca de pontos de vista sobre questões políticas públicas, as opiniões possam ser revistas.18
Não se trata de um arranjo elaborado, à moda do deliberativismo que as teorias crítica e democrática radical propuseram. Não encontramos na teoria de Rawls uma exposição específica do processo democrático; como explica Álvaro de Vita (2008, p. 155): “Podemos denominá-la, se quisermos, de ‘democracia deliberativa’, desde que tenhamos claro que essa concepção é inteiramente compatível com a democracia competitiva”. Para Rawls (2011), a democracia deliberativa, com uma estrutura institucional que especifica a forma dos corpos legislativos deliberativos, limita as razões que os cidadãos podem oferecer uns aos outros por meio da ideia de razão pública e carrega o conhecimento e desejo dos cidadãos de seguirem essa razão pública. Trata-se de entender que a razão pública diz respeito a um processo de argumentação que deve ter de enfrentar-se com razões de outros tipos, não públicas, justamente para marcar sua distinção quando se busca um acordo para questões fundamentais em sociedades democráticas plurais.
No mesmo sentido, Rawls (2011) ressalta a necessidade de que essa característica básica da democracia, a deliberação, esteja livre da maldição do dinheiro para que a política não seja dominada por interesses corporativos ou outros interesses organizados que possam distorcer ou excluir a deliberação pública com contribuições para campanhas eleitorais. De tais preocupações, inclusive, é que decorrem sua defesa do financiamento público de eleições e da promoção de momentos para a discussão pública sobre questões fundamentais e questões de política pública. Além disso, visto que um público mal informado não poderia ser convencido diante de propostas sensatas, para que decisões políticas sejam tomadas, a democracia deliberativa rawlsiana reconhece a necessidade de uma educação ampla para todos os cidadãos sobre aspectos básicos do funcionamento do regime democrático, formando assim um público capaz de reconhecer problemas políticos e sociais permanentes, já que uma sociedade democrática, tal como proposta por Rawls (2011, p. 583), é aquela em que os cidadãos “prevalecem e exercem o controle”; importante aqui é compreender que “a noção de sociedade democrática é normativamente mais abrangente e ambiciosa do que a de democracia como uma forma de organização política” (Vita, 2008, p. 159). É neste sentido que, indo além de qualquer conciliação de modus vivendi ou de aspectos apenas institucionais, a ideia de razão pública faz parte de uma concepção de sociedade democrática (Rawls, 2011).
Esfera pública e procedimento democrático na teoria de Jürgen Habermas
Se para o filósofo norte-americano uma sociedade democrática é definida pela indissociabilidade entre razão pública e democracia, nos moldes de uma cultura democrática nos termos acima discutidos, para o filósofo social alemão Jürgen Habermas (1983) a democracia e seus elementos19 são fruto de um desenvolvimento histórico particular às sociedades ditas modernas cuja amarração pode ser bem expressa por meio da noção de Estado democrático de direito. O termo embute uma narrativa que se pretende ao mesmo tempo histórica e normativa, vinculando de modo incontornável procedimento democrático a Estado de direito.
De modo resumido, Habermas (2001) sustenta que o Estado surgido na era moderna constitui uma comunidade jurídica particular, que se caracteriza pelo fato de que tal potência política se constitui na modernidade sob a forma do direito positivo (que regulamenta e coage). As ordens políticas - o Estado e os órgãos que o compõem -, as quais demandam certo grau de legitimação, alimentam-se das reivindicações de legitimidade do direito. O direito, por sua vez, reclama não apenas reconhecimento fático, mas também reivindica merecer tal reconhecimento (Habermas, 2001). Pretende-se, portanto, um poder simultaneamente de facto e de iure. Esse processo histórico dual, característico da história política do Ocidente, foi acompanhado de um outro movimento prático e conceitual, que engendraria e vincularia as noções de direitos do homem (constitucionalismo) e de soberania popular (democracia), as duas respostas históricas (cooriginárias) oferecidas pela teoria política moderna para o problema da legitimação das ordens políticas estatais (Habermas, 2020).
Tal cooriginariedade, que por muitos séculos teria oposto liberais a republicanos, tem seu fundamento na interdependência de ambos: os direitos do homem20 clássicos, de um lado, garantem aos cidadãos da sociedade a vida e a liberdade privada, assegurando-lhes âmbitos de ação para seguirem os seus planos de vida pessoais e suas concepções de bem (ou sua autonomia privada). Já a soberania popular, por sua vez, garante aos cidadãos do Estado um procedimento (o de tipo democrático) que fundamenta a expectativa de resultados legítimos (ou sua autonomia pública) (Habermas, 2020).
Esta imbricação entre autonomia individual e autonomia política conduz a um outro nexo imediato, agora, entre democracia e Estado de direito (Habermas, 2001), o qual repousa no fato de que os cidadãos só podem utilizar de modo adequado a sua autonomia política se forem suficientemente independentes graças à sua autonomia privada garantida de maneira igualitária; ao mesmo tempo, reversamente, só poderão usufruir da sua autonomia privada se, como cidadãos, fizerem um uso adequado da sua autonomia política. De onde se conclui que os direitos fundamentais liberais e os direitos políticos dos republicanos e democratas são indivisíveis, o que justifica nomear essa formação política Estado democrático de direito.
Desse modo, segundo a reconstrução do filósofo social (Habermas, 2020), o Estado é necessário como poder de organização, sanção e execução porque a comunidade de direito exige uma jurisdição organizada e uma forma para estabilizar a identidade, e, também, porque a formação da vontade política cria programas que têm de ser implementados. Assim, o processo horizontal pelo qual os cidadãos constituem uma comunidade jurídica se transforma na organização vertical do Estado, que é órgão por meio do qual a práxis de autodeterminação dos cidadãos é institucionalizada, explica o autor, criando, ao mesmo tempo, o espaço para a formação informal da opinião na esfera pública política, para a participação política dentro e fora dos partidos, enfim, um “poder tornado comunicativamente fluido” de foros e corporações que podem “vincular o poder administrativo do aparelho do Estado à vontade dos cidadãos” (Habermas, 2020, p. 187).
Uma questão de relevo para o filósofo social (Habermas, 2020), em sua reflexão sobre o Estado democrático de direito, é a de saber o que poderia garantir a integração social em sociedades plurais, secularizadas, marcadas por forte dissenso, nas quais o mundo da vida já não consegue mais ser o garantidor da integração social. Em uma sociedade diferenciada, pluralista e secularizada, os agentes comunicativos se deparam cada vez mais com a alternativa entre a quebra da comunicação e o agir estratégico.21 Habermas enxerga nas três funções que atribui ao direito um papel central na administração dessa tensão. Como resume um importante intérprete do frankfurtiano, o direito: (1) constitui um espaço de mediação entre a facticidade e a validade; (2) é o meio por excelência da integração social “ameaçada pelo processo de modernização e que pode acontecer somente pela mediação entre mundo da vida e sistemas parciais”; (3) é o medium de uma integração social que já não é mais alcançável por forças morais, razão pela qual nessas sociedades modernizadas o direito complementa e, por vezes, até substitui a moral, na medida em que preenche nelas, de certa maneira, a “carência de solidariedade” (Pinzani, 2009, pp. 143-144).
A solidariedade é entendida neste contexto por Habermas (2020) como uma espécie de pano de fundo preexistente de valores intersubjetivamente (re)produzidos e compartilhados, por meio dos quais os agentes se orientam naquela sociedade. “[A solidariedade] Nasce em um contexto ético de hábitos, lealdades e confiança recíproca, com base no qual os conflitos surgidos em contextos de interação podem ser solucionados.” (Pinzani, 2009, p. 144). Liga-se, portanto, a “estruturas de reconhecimento recíproco” existentes nas condições concretas de vida dos agentes (Habermas, 2020, p. 125).
Sob tais circunstâncias, o direito deve cumprir duas tarefas: a de preencher o déficit de solidariedade em situações de interação, agora, juridificadas; e a de opor-se ao processo de colonização do mundo da vida, na medida em que a sua função de correia de transmissão entre sistema e mundo da vida, entre facticidade e validade, lhe permite gerar solidariedade (Habermas, 2020). Tal juridificação potencial de todas as relações sociais exige como complemento político necessário “a universalização de um status de cidadão institucionalizado pelo direito público […]. O núcleo dessa cidadania é formado pelos direitos políticos de participação” (Habermas, 2020, p. 119). Como de acordo com essa visão o direito só é legítimo quando forjado por meio de processos de legislação democrática, a democracia constitui a única forma de Estado que uma ordem jurídica legítima pode assumir: “Não há direito democrático sem democracia.” (Pinzani, 2009, p. 145).
Assim, contra os unilateralismos dos paradigmas tanto liberal - que enfatiza a autonomia privada e enxerga nos direitos um meio para defendê-la - quanto do Estado de direito - que se concentra na autonomia pública dos cidadãos e vê no direito um meio para desenvolvê-la -, ambos centrados nos indivíduos como destinatários do direito, Habermas (2020) propõe um paradigma procedimentalista do direito, cujo ponto de partida é a ideia de que os cidadãos são, ao mesmo tempo, os criadores e os destinatários das normas de uma ordem jurídica. Com isso, a visão de sociedade subjacente a essa concepção advoga terem lugar nas sociedades modernas não apenas processos produtivos, mas também processos comunicativos relevantes:
Habermas considera os outros dois paradigmas [liberal e republicano] a expressão de uma visão do homem e da sociedade que corresponde à sociedade da economia capitalista. Contudo, enquanto na leitura liberal a sociedade capitalista ‘preenche a expectativa de justiça social por meio da defesa autônoma e privada de interesses próprios’, no paradigma do Estado social esta expectativa é negada […]. O jogo de gangorra entre os sujeitos de ação privados e [os sujeitos] estatais é substituído pelas formas de comunicação mais ou menos intactas das esferas privadas e públicas do mundo da vida, de um lado, e pelo sistema político, de outro lado […]. A legitimidade do direito se apoia, desta maneira ‘em um arranjo comunicativo: enquanto participantes de discursos racionais, os parceiros de direito devem poder examinar se uma norma controvertida encontra ou poderia encontrar o assentimento de todos os possíveis atingidos’. (Pinzani, 2009, p. 148)
De acordo com esta visão, então, os direitos fundamentais representam os pressupostos, criado pelos próprios parceiros do direito por meio do reconhecimento recíproco de sua autonomia, para a legitimidade de uma ordem jurídica. A relação íntima entre os princípios da soberania popular e dos direitos fundamentais consiste assim no fato de que o sistema dos direitos apresenta “as condições sob as quais podem ser institucionalizadas as formas de comunicação necessárias à gênese politicamente do direito” (Habermas, 2020, p. 152).
Assim, a soberania popular - e, com ela, a democracia - não se manifesta em um coletivo (como o povo), sustenta Habermas (2020), e sim em círculos comunicativos anônimos, “na circulação de deliberações e decisões racionalmente estruturadas” por meio da esfera pública, definida por ele, como uma “rede” para a comunicação de conteúdos e de tomada de decisões (Habermas, 2020, p. 458). Mais especificamente, a esfera pública, como resume Kritsch (2014, p. 262), é concebida pelo frankfurtiano como “uma esfera de discurso autônoma, fundada na racionalidade comunicativa que se origina num mundo da vida já racionalizado. Tem horizontes abertos, permeáveis e móveis e está enraizada no mundo da vida”. Habermas (2020) a descreve como uma rede para a comunicação de conteúdos e de tomada de posições que forma as opiniões, na qual os feixes de fluxos comunicacionais oriundos do mundo da vida são filtrados e sintetizados - empreitada que é levada a cabo pela sociedade civil. Nesse sentido, ela se relaciona com o espaço público22 e conforma o coração daquela rede de discursos e negociações que constituem o âmago da política deliberativa, cuja função é “possibilitar a solução racional de questões pragmáticas, morais e éticas - precisamente aqueles problemas acumulados de uma integração funcional, moral ou ética que malograram em outras partes da sociedade” (Habermas, 2020, p. 410).
Já a sociedade civil, explica Habermas (2020, p. 465), é constituída de um núcleo institucional formado por “agrupamentos e organizações não estatais e não econômicas de base voluntária, que ancoram as estruturas comunicativas da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida.” Essas relações associativas, por sua vez, funcionam como o substrato organizatório de um público genérico de cidadãos oriundos da esfera privada, que está em busca de interpretações públicas para seus interesses e experiências sociais. O papel central de tais movimentos, organizações e associações é captar a ressonância que os problemas sociais encontram nos âmbitos da vida privada, para então condensá-los e transmiti-los de maneira organizada à esfera pública política. “O núcleo da sociedade civil é formado por um caráter associativo, que institucionaliza discursos voltados à solução de questões de interesse geral no quadro de esferas públicas organizadas.” (Habermas, 2020, p. 465, grifo nosso).
Se a sociedade civil é o lugar no qual se formam os movimentos sociais que se organizam para, entre outras coisas, reagir à colonização do mundo da vida pelas lógicas sistêmicas do Estado (burocratização) e da economia (reificação) e, nesse sentido, ela é capaz de exercer influência sobre a formação institucionalizada da vontade e da opinião, a esfera pública, diferentemente, constitui um espaço social23 que funciona como uma espécie de “sistema de alarme” capaz de problematizar certos temas, apresentando, no entanto, uma capacidade limitada de elaboração dos próprios problemas (Habermas, 2020, p. 457). Isso porque ela se define, antes de tudo, como aquela rede de comunicação na qual são trocadas opiniões que satisfazem os critérios de razoabilidade e de aceitação pública, precondição para que opiniões se tornem públicas em sentido próprio.24
Ora, se a ordem jurídica, como já discutido, pressupõe a cooperação de sujeitos que se reconhecem reciprocamente como jurisconsortes, isto é, parceiros de direito livres e iguais (1997a), é forçoso concluir que a autonomia pública e a autonomia privada dos parceiros do direito são cooriginárias: todos(as) têm o direito de participar do processo legislativo; caso contrário, o direito criado não é legítimo. Se tal procedimento só é possível numa democracia, está suposta aqui certa de interdependência entre direito legítimo e democracia. Democracias constituem, assim, sistemas de ação cujos procedimentos foram implantados na forma de direitos políticos e práticas democráticas25 (2020). É justamente esse raciocínio que permite ao autor afirmar que haveria entre as instituições legislativas legítimas da esfera pública política regulamentada e a esfera pública informal uma relação de mão dupla retroalimentativa:
No paradigma procedimental do direito, a esfera pública política é concebida não somente como a antessala do complexo parlamentar, mas [também] como uma periferia geradora de impulsos que envolve [einschließt] o centro político: promovendo um balanço das razões normativas, ela opera sobre todas as partes do sistema político, sem [ter], todavia, o propósito de conquistá-lo26. (Habermas, 2020, p. 558)
Resta claro, assim, que, para o filósofo frankfurtiano, a esfera pública geral, firmemente enraizada e localizada no mundo da vida, não se confunde nem partilha das mesmas caraterísticas da esfera pública política propriamente dita, localizada no nível dos sistemas e responsável pela institucionalização e positivação daquelas demandas que alcançam legitimidade social. Ainda assim, há, de acordo com Habermas (2020), um vínculo estreito entre a esfera pública informal, não-institucionalizada, e as instituições políticas propriamente ditas: a esfera pública tanto reage às decisões das instituições quanto problematiza assuntos até então ignorados e/ou desconsiderados pelas instituições, obrigando-as a uma reação ou à crítica reflexiva que pode conduzir à tomada de novas decisões, razão pela qual a esfera pública deve ser considerada o cerne da política deliberativa. Como explica Pinzani (2009),
A rede comunicativa da esfera pública representa assim um importante instrumento para contrastar a limitação do exercício do poder político ao círculo restrito dos “membros autorizados do sistema político” e para estendê-lo a amplas camadas de cidadãos. Portanto, a verdadeira democratização do poder ocorre somente quando o fluxo comunicativo entre cidadãos e instâncias decisórias autorizadas se torna um fluxo de poder no qual o poder político informal e o institucionalizado entram em uma relação de feedback. A esfera pública em questão não é, portanto, de modo nenhum, um simples fórum de opiniões, mas um componente essencial da democracia, contra uma concepção meramente institucional da mesma […]. Na teoria de Habermas, […] a verdadeira democracia pressupõe uma esfera pública funcionante e uma cultura política de cunho democrático. (Pinzani, 2009, pp. 152-153)
Assim, o procedimento característico de Estados democráticos de direito seria a política de tipo deliberativa, a qual, na teorização habermasiana assume, entre outros princípios de relevo, as ideias de que: (1) o único critério de justificação das respostas às questões práticas que se colocam para as sociedades democráticas pluralistas reside no consentimento racional de indivíduos autônomos, livres e iguais; e (2) que as instituições sociais e políticas só estão justificadas quando refletem os interesses, direitos e concepções de boa vida dos indivíduos, razão pela qual as práticas de justificação moral e de legitimação política só podem adotar como critério de norteador aquelas razões que puderem obter o consentimento público e o apoio universal de todos os indivíduos (Habermas, 2020).
Ou seja, a política de tipo deliberativa, que constituiria o cerne da vida democrática, como bem lembra Werle (2013 27), repousaria num modo particular de legitimação dos processos de formação da opinião e da vontade coletivas - fundado numa prática argumentativa voltada para o entendimento mútuo que incorpora diferentes usos da razão prática (pragmático, ético e moral) - capaz de gerar a aceitabilidade racional das escolhas oriundas dos debates informados que ocorrem no espaço público entre razões deliberativas.28 Segundo esta visão, então, só podem ser tornadas regras aquelas normas que resultam do exercício do uso público da razão. Como resume Werle (2013, p. 153), em Habermas, a dimensão epistêmica da democracia repousa na “aceitabilidade racional gerada numa prática argumentativa voltada para o entendimento mútuo”, isto é, na aceitabilidade racional dos acordos políticos. Nesse sentido, a política deliberativa e seu procedimento desempenham também uma função educativa não desimportante, que costuma passar desapercebida:
De um lado, a política deliberativa perde muito de sua aparência estranha e irreal, quando passamos a considerá-la como um processo reflexivo de aprendizagem, o qual alivia os processos de integração social latentes, ao mesmo tempo em que os continua no interior de um sistema de ação especializado nesse tipo de trabalho. De outro lado, parece que nas sociedades complexas abre-se cada vez mais a fresta entre necessidade de coordenação, de um lado, e realizações de integração, de outro - fresta que o direito e a política deveriam fechar - na medida em que o sistema administrativo tem que assumir tarefas de regulação, as quais sobrecarregam o modo deliberativo de decisão. Nessa sobrecarga toma-se perceptível a resistência que as sociedades complexas oferecem à realidade, através da qual elas enfrentam as pretensões investidas nas instituições do Estado de direito. (Habermas,1997b, pp. 48-49)
Nesse sentido, segundo o filósofo social, a política atua na direção de tapar buracos funcionais abertos pela sobrecarga vinda de outros mecanismos de integração social. Uma política deliberativa, que opere por meio da linguagem do direito, produzindo direito legítimo, configura “um processo destinado a solucionar problemas, o qual trabalha com [a produção de] saber, ao mesmo tempo em que o elabora, a fim de programar a regulação de conflitos e a persecução de fins coletivos” (Habermas, 1997b, p. 46) Dado que, nesse modelo, o direito constitui um medium que viabiliza a transporte das estruturas de reconhecimento recíproco para domínios de ação complexos e cada vez mais anônimos presentes em sociedades funcionalmente diferenciadas, a integração social tem de passar por um filtro discursivo, que é viabilizado pela política deliberativa. Deste modo, segundo Habermas (1997b, p. 47), “o processo democrático condiciona a criação do direito legítimo a um tratamento presuntivamente racional de problemas, cujo modo de interrogação corresponde aos problemas que sempre foram elaborados de forma quase inconsciente”.
Habermas reconhece que tal modo de operação impõe à política deliberativa certa sobrecarga cognitiva, já que somente a formação discursiva da opinião e da vontade não parece ser suficientemente complexa para captar e elaborar o saber exigido do ponto de vista operatório, na medida em que o saber regulatório “não consegue mais penetrar nas capilares de um processo de comunicação entrelaçado horizontalmente, aberto osmoticamente e organizado de modo igualitário” (Habermas, 1997b, p. 48). De outro lado, o autor também admite que tanto a esfera pública quanto a sociedade civil só possibilitam aos movimentos sociais e às formas de expressão não-institucionalizadas da política uma limitada margem de ação, à medida em que seus atores não exercem diretamente o poder, podendo apenas gerar influência.
Sua resposta a estas dificuldades - até certo ponto, otimista - é a de que, apesar de parecer pouco eficaz, a influência de uma opinião pública discursiva forte, constituída por meio das controvérsias públicas, é capaz de mover as sociedades na direção da mudança social. Para isso, no entanto, Habermas pressupõe uma condição: para que as estruturas comunicacionais da esfera pública possam manter-se intactas, preservadas de deformações e/ou patologias, é preciso existir uma sociedade de cidadãos (Bürgergesellschaft) viva e atuante, isto é, de uma sociedade civil vigorosa29, capaz de elaborar traduções próprias de avaliações especializadas bem como contrassaberes, sob pena de vermos emergir movimentos de caráter populista “que defendem cegamente os segmentos enrijecidos da tradição de um mundo da vida ameaçado pela modernização capitalista. Esses [movimentos] são tanto modernos nas formas de sua mobilização quanto antidemocráticos em seus objetivos” (Habermas, 1997b, p. 105). O coração da vida e de uma cultura democrática, portanto, repousa, nessa visão, na garantia de um adequado processo de formação da vontade e da opinião coletivas, assegurado pela apropriada observação dos procedimentos característicos do regime democrático.
Esfera pública pluralista agonística e a irredutibilidade d’o político na teoria de Chantal Mouffe
Chantal Mouffe (2006) afirmou que haveria sérias razões para um ceticismo em relação à ideia de que a democracia liberal tenha assumido a posição de única forma legítima de governo no século XX, no sentido de que ela restaria sem adversários. Hoje, não haveria como apontar precisamente a força e a duração de um consenso em torno daquela proposta; e, mesmo que apenas alguns poucos ousem abertamente desafiá-la, existiria crescentes sinais de desapreço pelas instituições desta forma de governo, o que se poderia notar por meio da percepção dos eleitores de uma perda de representatividade, das incursões de partidos de extrema-direita em Europa e alhures, bem como pela persistência de um cinismo acentuado sobre a política e os políticos.
É a partir dessas observações, tomando-as como pano de fundo de seu diagnóstico mais geral, que Mouffe elabora suas considerações sobre a teoria deliberativa, principiando com os problemas contemporâneos que os deliberativistas buscaram superar. No cerne, tais problemas não foram abarcados pelo modelo agregativo30 da democracia, tal como proposto inicialmente por Joseph Schumpeter (1984) e levado adiante por Anthony Downs (1999), como possibilidade de uma abordagem descritiva e não normativa da democracia. Para os autores do modelo agregativo, em relação ao qual o modelo deliberativo buscou se conformar como alternativa, era cara a compreensão de que um pluralismo de interesses e valores pudesse ser entendido como parte da própria ideia de povo sob condições modernas, para o qual não caberia mais as afirmações normativas do jusnaturalismo. Assim, para o modelo agregativo, os partidos políticos deveriam estar organizados em torno das preferências e interesses que marcam as sociedades plurais, formando um sistema que relaciona barganha e voto, pouco além. Para Mouffe (2006), foi assim que a teoria democrática se afastou de sua dimensão normativa para ser concebida em termos puramente instrumentais.
Mas o retorno desse debate, que é iniciado por John Rawls (1999) com a publicação de Uma Teoria da Justiça e levado adiante pela teoria deliberativa, terminava por denunciar a crise de legitimidade e o desapreço pelas instituições democráticas diante da predominante redução da democracia a procedimentos que pudessem lidar com o pluralismo de grupos de interesse promovida pelo modelo agregativo. O retorno de teses normativas ao debate democrático lastreava-se na possibilidade de ir além de meros procedimentos para organização do poder, propondo modelos de consenso moral.31
A abordagem dos democratas deliberativos, dentre os quais Mouffe inclui Rawls, tem sua especificidade na promoção de alguma forma de racionalidade normativa e distingue-se pela tentativa de apresentar uma base de lealdade política para com a democracia que se dá por meio da reconciliação entre soberania popular e instituições liberais, como aspectos que não estão presentes no modelo agregativo ao qual a autora atribui uma visão empobrecedora do processo democrático. Neste sentido, a maior parte dos teóricos da democracia deliberativa não é antiliberal; ao contrário, buscam salientar a dimensão moral do liberalismo e conectar seus valores com a democracia.
Mouffe (2006) distingue duas correntes majoritárias, uma influenciada por Rawls e outra por Habermas, mas que compartilham a defesa da ligação entre liberalismo e democracia. No caso de Rawls, ver-se-ia sua intenção de formular uma teoria que desse conta dos aspectos relacionados não apenas à liberdade, mas também à igualdade, como tentativa de conciliar a tradição associada a Locke, que Benjamin Constant (1985) chamou de liberdade dos modernos, e a tradição associada a Rousseau, que Constant chamou de liberdade dos antigos. Já Habermas buscaria demostrar, por meio de sua teoria procedimental da democracia, a cooriginariedade dos direitos fundamentais e da soberania popular: o autogoverno serviria para proteger direitos individuais que, por sua vez, forneceriam as devidas condições para o exercício da soberania do povo.
Além de Rawls e Habermas, Mouffe (2006) analisa também os trabalhos de Joshua Cohen (1998) e Seyla Benhabib (1996), como autores que seguiram as ideias conciliatórias propostas por aqueles primeiros, respectivamente. Cohen aponta que a liberdade dos modernos não seria exterior ao processo democrático, enquanto Benhabib entende que a deliberação pode ir além tanto da mera ênfase em direitos individuais como da ênfase apenas na formação coletiva da vontade.32
Outro aspecto que une tais escolas da teoria política é, segundo a pensadora belga, o conceito de razão pública, de importância fundamental para legitimidade do poder político. Nos dois casos, trata-se de uma dimensão normativa da racionalidade, como contraponto à racionalidade instrumental: para Rawls, é o razoável, enquanto, para Habermas, é a racionalidade comunicativa que diferencia o simples acordo daquilo que a autora chama de consenso racional. Mouffe (2006) entende que as teorias de Rawls e Habermas têm uma conexão, já que tanto o princípio de justificação geral como a ética do discurso resgatam uma noção normativa de legitimidade; assim, o construtivismo político de Rawls poderia ser reformulado na mesma linguagem da ética do discurso - um argumento que foi apresentado por Rainer Forst (1994) e levado adiante por Cohen (1998), autores que, para ela, fornecem um bom exemplo de compatibilidade entre as duas teorias.
Diante disso, com o sugestivo subtítulo “Fugindo do Pluralismo”, Mouffe (2006, p. 169) busca examinar alguns pontos do debate Rawls-Habermas para apontar o que chama de “defeitos cruciais da perspectiva deliberativa”. Dois pontos ganham relevância em sua crítica. O primeiro diz respeito ao liberalismo de Rawls ser político não-metafísico e, assim, estabelecer uma diferença entre o domínio privado, em que a pluralidade coexiste, e o domínio público, em que um consenso sobreposto pode ser estabelecido por uma concepção compartilhada de justiça. Habermas contesta esta ideia, lembra Mouffe (2006, p. 169), afirmando a impossibilidade do desenvolvimento de uma teoria tão independente como Rawls pretende: mesmo a ideia de “razoável” ou a concepção de “pessoa” levam a proposta de Rawls a recair em questões de racionalidade e de verdade que ele pretendia ultrapassar. Assim, Habermas entende que sua teoria é superior à de Rawls justamente por ter um caráter apenas procedimental e deixar mais questões abertas ao próprio processo de constituição da opinião e da vontade, não fazendo uma separação rígida entre o público e o privado. Já Rawls replica que a proposta de Habermas não poderia ser tão estritamente procedimental, na medida em que inclui uma dimensão subjetiva, já que os resultados dos procedimentos não excluem as escolhas que levam a eles.
Mouffe (2006) concorda com as críticas de ambos, afirmando que, sim, a concepção de Rawls não pode ser tão independente33, e a de Habermas não pode ser tão procedimentalista. A pensadora belga afirma que considera revelador ambos não separarem o público do privado, ou o procedimental do substancial, o que mostraria a impossibilidade de se alcançar o que eles estão perseguindo em suas teorias: um domínio não sujeito ao pluralismo, em que seja possível um consenso sem exclusão.34 Mouffe também chama a atenção para o fato de que Habermas aceite que devam permanecer alheias ao debate público racional as questões que não dizem respeito à justiça, mas à vida digna, a saber, aquelas do domínio da ética, bem como para o fato de que deveriam estar alheios os conflitos entre grupos de interesse que só pudessem ser resolvidos por meio de certos comprometimentos. As questões que farão parte do debate público são as que requerem decisão política e a elas cabe o tratamento moral do debate racional como forma de comunicação política.
Para Mouffe (2006), Rawls não acredita ser possível um acordo racional entre doutrinas abrangentes e, por isso, defende a neutralidade em relação a visões abrangentes. Já Habermas tentaria escapar das implicações do pluralismo por meio da diferenciação entre ética (em que há pluralismo) e moral (em que há imparcialidade e universalidade). Para ela, Rawls e Habermas querem propor uma adesão à democracia liberal que feche as portas para sua contestação e, por isso, relegam o pluralismo a um domínio não-público e isolam a política de suas consequências.
Contudo, o domínio da política não é um terreno neutro que possa ser isolado do pluralismo, ensina Mouffe (2015); existem razões e consequências para o declínio de um discurso político propriamente dito e sua substituição por um discurso moral ou, por vezes, até moralista - um fenômeno que Mouffe chamou de liberalismo moralizante (moralizing liberalism), cujo subtexto incluiria a erradicação dos antagonismos e a possibilidade de regulação da sociedade por meio de procedimentos racionais morais. Na prática política, o que se viu foi uma rápida colonização, no terreno discursivo, levada a cabo pela teoria deliberativa, que legou os conflitos políticos à resolução de tribunais imparciais, privilegiando assim o aspecto judicial, mas não político, dos conflitos sociais.
O outro ponto do debate Rawls-Habermas que Mouffe (2006, p. 170) salienta é a relação entre autonomia privada e autonomia pública. Para os dois autores, haveria uma relação de complementaridade entre as “liberdades dos antigos” e as “liberdade dos modernos”. Mas Habermas entende que apenas a sua teoria estabelece essa relação corretamente, já que Rawls subordina a soberania democrática aos direitos liberais. Já Habermas privilegiaria, como já constatara Charles Larmore (1996), o aspecto democrático ao vincular a importância dos direitos individuais à sua capacidade de possibilitar o autogoverno democrático. E, novamente, a autora conclui que nenhum dos dois alcança aquilo que pretende; ambos negam “o caráter paradoxal da democracia moderna e a tensão fundamental entre a lógica da democracia e a lógica do liberalismo” (Mouffe, 2006, p. 170). Para a autora, aquelas teorias não reconhecem guardarem as gramáticas das duas tradições que compõem a democracia liberal - a dos direitos individuais e a do autogoverno democrático - uma tensão que jamais poderá ser eliminada. Isso não significa que a democracia liberal seja um regime fadado ao insucesso, como argumentou Carl Schmitt, mas que aquela tensão permanente precisa ser constantemente negociada, sendo infrutífera a busca por uma solução racional final; além disso, como ela já apontara (Mouffe, 1999) antes, grande parte da política democrática dá-se em torno justamente da negociação desse paradoxo.
Além de ser descabida, a busca por uma solução final também adiciona ao debate público constrangimentos indevidos. Para ela, essas pretensões são tentativas de insular a política dos efeitos do pluralismo de valores:
Quero analisar o discurso dominante, que anuncia o ‘fim do modelo adversarial da política’ e insiste na necessidade de ir além da esquerda e da direita rumo a uma política consensual do centro [...] esse tipo de discurso tem consequências muito negativas para a política democrática. Na verdade, contribuiu para o enfraquecimento da ‘esfera política democrática’ e levou à crescente prevalência de um discurso jurídico e moral, uma prevalência que tomo como inimiga da democracia. Compreendo que a moralização e a juridicização crescentes da política, longe de serem um passo progressivo no desenvolvimento da democracia, devem ser vistas como uma ameaça à sua existência futura. (Mouffe, 2005a, p. 123)
Para Mouffe (2006), a teoria democrática deveria livrar-se dessas formas de escapismo e encarar de frente o pluralismo de valores; e, ainda que alguns limites precisem ser estabelecidos para a confrontação legítima na esfera pública, eles devem ter sua natureza política reconhecida. Como aponta Katya Kozicki (2015), Mouffe desenvolve, especialmente contra Carl Schmitt35, que postulava um demos homogêneo para a democracia, não apenas uma democracia radical36, mas também uma democracia plural, diante da possibilidade de compatibilizar a distinção amigo-inimigo com o pluralismo democrático.37
Diante disso, Mouffe (2006) - que afirma compartilhar com aqueles autores a preocupação com o atual estado das instituições democráticas, contra os modelos agregativos - considera que a resolução dos problemas contemporâneos não pode estar na mera substituição da racionalidade instrumental por outra forma de racionalidade, seja ela deliberativa ou comunicativa. Ainda que seja possível e importante ampliar a visão sobre a racionalidade instrumental a partir de entendimentos diferentes da razão, tal proposta não elucida o problema real exposto pela questão da lealdade política (allegiance). Assim, lançando mão da análise de Michael Oakeshott (1975), Mouffe sustenta que a autoridade das instituições políticas não está assentada no consentimento, mas em uma contínua adesão dos cidadãos ao reconhecimento de suas obrigações de obedecer às condições que a res publica enseja; isto é, a fidelidade dos cidadãos em relação às instituições democráticas não é um questão de justificação racional, mas liga-se à disponibilidade de formas democráticas de individualidade e subjetividade que geram um conjunto de práticas e faz das pessoas cidadãos verdadeiramente democráticos.
Para Mouffe, os modelos anteriores voltaram suas atenções à racionalidade e deixaram de lado o papel que têm os afetos e as paixões no estabelecimento da fidelidade a valores democráticos. O fracasso da teoria democrática contemporânea estaria em pensar a cidadania a partir de uma concepção de sujeito limitada, como indivíduos anteriores à sociedade, com direitos naturais, como agentes autointeressados e/ou como sujeitos racionais. Essas teorias não dão a ênfase necessária às relações sociais e de poder, à linguagem, à cultura e a todo o conjunto de práticas que tornam-se a condição de existência do sujeito democrático.
Na prática política, afirma a cientista política belga (2005), quando os partidos privilegiam um consenso de centro, os afetos não podem ser mobilizados pelos partidos democráticos, de modo que tenderão a encontrar outras vazões para as suas demandas particulares (questões morais inegociáveis, por exemplo, encontrarão espaço em diversos movimentos fundamentalistas). Assim, além da impossibilidade de encontrar soluções imparciais e racionais para problemas políticos, as teorias do consenso, que fundamentam quadros centristas, desconsideram o papel integrativo que o conflito desempenha nas democracias modernas: sem isso, corre-se o risco de que o confronto democrático seja substituído por uma batalha entre valores morais inegociáveis e formas essencialistas de identificação.
É preciso, por isso, ir além dos modelos agregativos que desencorajam o envolvimento ativo dos cidadãos na dinâmica política e encorajam a privatização da vida, pois quando não está disponível uma identificação com concepções de cidadania, a civilidade que deveria unir a associação política da democracia fica ameaçada.38 Mas também é preciso desenvolver a compreensão de que a criação de cidadãos democráticos não está na elaboração de argumentos a respeito da racionalidade que as instituições liberal-democráticas devem incorporar. Antes, é preciso que os indivíduos se identifiquem com valores democráticos a partir de instituições, discursos e formas de vida.
A autora aponta então a urgência de uma mudança de perspectiva, de modo que o ponto central deixe de ser as formas de argumentação e passe a se concentrar nas próprias práticas. Em seu The Return of the Political (Mouffe, 1993), bem como no capítulo II de The Democratic Paradox (Mouffe, 2000), a pensadora belga tratou respectivamente de reflexões desenvolvidos por Michael Oakshott e por Ludwig Wittgenstein, para criticar aquelas concepções que se desenvolveram a partir da defesa do racionalismo. Mouffe toma deste último a compreensão de que os acordos de opinião só são possíveis diante do acordo sobre formas de vida, isto é, de que apenas a concordância sobre a definição de um termo seja insuficiente diante da necessidade de um acordo também sobre o meio utilizado.
Assim, os procedimentos são um conjunto de práticas, estão inseridos em formas de vida compartilhadas e não podem, portanto, ser entendidos como regras criadas a partir de princípios e aplicados a casos específicos. Por isso, a lealdade à democracia está além: não depende de um determinado fundamento intelectual e consiste num modo de viver, no dizer de Wittgenstein (1980, p. 85), em um “compromisso apaixonado com um sistema de referência”, que, não obstante, reconhece os limites do consenso.39 Levar o pluralismo a sério implica entender a impossibilidade de um consenso racional que essa forma de vida impõe. A deliberação livre é uma impossibilidade diante da própria argumentação ontológica de que as particularidades sejam seu impedimento; o que precisaria ser compreendido é o fato de serem essas formas particulares de vida sua própria condição de possibilidade.
Além da perspectiva dos jogos de linguagem, Mouffe (2006) também acrescenta à defesa de seu modelo de democracia a ideia de que o poder é constitutivo das relações sociais. Um problema da teoria deliberativa seria justamente desconsiderar essa presença na esfera pública, como se o poder tivesse sido eliminado dela, de modo que um consenso racional poderia vir a ser construído; falta ao deliberativismo a compreensão do antagonismo - permanente - do pluralismo. Esse rebaixamento do político deixa espaço para a consideração da moralidade; ignorando tal dimensão, os democratas deliberativos reduzem a política à ética. Para além da teoria, Mouffe (2005a) afirma que o afrouxamento das fronteiras entre direita e esquerda nos países ocidentais foi um dos maiores motivos da crescente irrelevância da esfera pública política democrática; e as convergências para o centrismo (fruto, em parte, daquela redução), junto com a ausência de alternativas democráticas efetivas, fortaleceram o apelo dos partidos populistas de direita.40 É preciso, portanto, um modelo democrático que apreenda a natureza do político, que marque as diferenças ao colocar o poder e o antagonismo como aspectos centrais da abordagem da política.
Em Hegemonia e estratégia socialista (Laclau e Mouffe, 2015), pode-se encontrar as primeiras linhas para esta base teórica advogada por Mouffe, qual seja: a compreensão de que a objetividade social é constituída por meio de atos de poder. Trata-se de entender que esta objetividade é política e que sua constituição é governada por certas exclusões. O conceito de “hegemonia” é empregado no texto no sentido da correlação entre poder e objetividade social. O poder, portanto, como ensina Foucault (1979), não é externo às identidades políticas em suas relações, mas as constitui, de maneira que a ordem política pressupõe uma hegemonia entendida como um padrão de relações de poder. Para Mouffe (2006, p. 173), “a prática política não pode ser entendida como simplesmente representando os interesses de identidades pré-constituídas, mas como constituindo essas próprias identidades em um terreno precário e sempre vulnerável”.
Assim, seu modelo teórico permite pensar uma relação diferente entre poder e democracia, a partir do entendimento da natureza hegemônica de qualquer ordem social. Se no deliberativismo aquela relação era de uma proporção inversa (quanto mais democracia menos poder), na abordagem de Mouffe a impossibilidade de eliminar a relação entre poder e democracia é o pressuposto fundamental. A democracia, nesta visão, implica ser a construção das relações sociais permeada por pretensões de legitimidade do poder (ainda que, obviamente, nenhum ator social possa atribuir-se a representação da totalidade ou pretender ter controle absoluto). O poder não é automaticamente legítimo: quando é capaz de se impor, já foi reconhecido como legítimo por uma parte; e, se a legitimidade não é fundada na racionalidade pura, se não tem um fundamento a priori, ela está embasada em algum tipo de poder bem-sucedido.
Diante dos problemas dos modelos agregativo e deliberativo, a proposta específica de Mouffe (2006, p. 174) recebe a designação pluralismo agonístico. Para esta abordagem, ressalta a autora, é necessário estabelecer uma distinção entre “política” (politics) - que representa o conjunto de práticas, discursos e instituições das organizações da coexistência humana - e “o político” (the political) - que diz respeito ao antagonismo inerente às relações humanas. As condições da política são sempre condições de conflito, justamente pelo fato de serem afetadas pelo político.41 Para formular a questão central da política democrática é preciso, portanto, compreender essa relação entre o político e a política e, diante dela, abandonar a tentativa de alcançar um consenso sem exclusão, visto que buscá-lo significa ignorar o político. E se a política está sempre conectada com a ideia de um “nós” que faz oposição a um “eles”, a democracia não pode superar essa dinâmica: isto é uma impossibilidade; mas pode buscar formar certa unidade em contextos de conflito e diversidade de tal modo que a oposição “nós-eles”, que permanece, seja compatível com a prática democrática.42
O pluralismo agonístico, como perspectiva para uma (re)descrição do regime liberal-democrático, propõe uma política democrática que acolha, e não desconsidere, a oposição “nós-eles”, mas que busque o propósito de construir o “eles” de tal modo que não sejam entendidos como inimigos a serem eliminados, e sim, antes, que sejam compreendidos como adversários com direito inquestionável de defender suas ideias, as quais podem, estas sim, ser combatidas. Para Mouffe (2006), esse seria o verdadeiro sentido da tolerância liberal-democrática: nem condescendência nem indiferença, mas oposição legítima a ideias e pontos de vista que estejam em conflito. Quando se pensa no “eles” a partir da categoria “adversário”, o antagonismo permanece marcado, não ocultado. Um adversário é um “inimigo” legítimo, com quem se experimenta uma base comum de compreensão, dada a adesão compartilhada aos princípios de liberdade e igualdade que marcam a democracia liberal, ainda que permaneça, diante do pluralismo não erradicável e da dimensão antagonística do conflito, a discordância sobre o sentido e a implementação de tais princípios.
Mesmo quando uma discordância acaba, o antagonismo não é erradicado; quando há adesão à visão do adversário, há também uma mudança radical de identidade política. Para Mouffe, o processo de aceitar a visão do adversário está muito mais para uma espécie de conversão do que para um processo de persuasão racional. E quando há algum tipo de concessão (compromise), que é parte comum do cotidiano da política, ela deve ser percebida como uma interrupção temporária de confrontos contínuos.
A noção de antagonismo pode adquirir duas formas diferentes: o antagonismo propriamente dito, característico da luta entre inimigos, ou o agonismo, que nomeia a luta entre adversários. Assim, para Mouffe (2006) o propósito da política democrática é transformar o antagonismo em agonismo. Para tanto, é preciso oferecer canais para que as paixões coletivas possam ter meios para sua expressão, particularmente sobre assuntos em que haja oposição; meios que, contudo, não façam dos opositores inimigos, mas adversários. Para a autora, a noção de adversário necessita ser distinguida do entendimento que o mesmo termo tem no discurso liberal (que a subentende por “competidor”); no projeto mouffeano de democracia, a concepção de adversário reclama a presença de um antagonismo, não eliminado, mas domesticado/domado (tamed). Sem desmantelar a dimensão agonística, a luta entre projetos hegemônicos que se opõem deve ter um vencedor, mas tal confronto precisa acontecer em condições reguladas por uma gama de procedimentos democráticos aceitos pelos adversários. Para Mouffe (2005a), essa seria a condição para se revitalizar as instituições democráticas atuais e criar um caminho para mobilizar as paixões - que têm um lugar de ênfase na esfera pública do pluralismo agonístico - na direção de projetos democráticos.
Essa democracia reclama, assim, certo grau de consenso e lealdade a valores ético-políticos (liberdade e igualdade); mas, visto que tais valores só podem existir em interpretações diferentes, dado o pluralismo de valores, esse consenso passa a ser entendido como um “consenso conflituoso”. O confronto agonístico entre adversários deveria, de maneira ideal, ser observado em torno das diversas concepções de cidadania, que correspondem, também, às diferentes interpretações dos princípios éticos-políticos, tais como a liberal-conservadora, a social-democrata, a neoliberal, a radical-democrática etc. Cada proposta tem uma interpretação distinta do bem comum e busca garantir alguma forma específica de hegemonia. O sistema democrático alimenta a lealdade às suas instituições exatamente pela abertura a formas de identificação com a cidadania em disputa, de modo que as paixões possam ser mobilizadas e canalizadas em torno de objetivos democráticos, transformando assim o antagonismo em agonismo.
É necessário um consenso sobre as instituições que são constitutivas da democracia e sobre os valores ético-políticos que devem informar a associação política, mas sempre haverá desacordo quanto ao significado e aos métodos de implementação desses valores. Numa democracia pluralista, tais desacordos deveriam ser considerados legítimos e realmente bem-vindos. Eles proporcionam diferentes formas de identificação com a cidadania e são o estofo da política democrática. (Mouffe, 2005a, p. 125)
O debate de uma democracia em bom funcionamento deve girar em torno de posições políticas: a intensa confrontação democrática não pode ser substituída pela confrontação entre outras formas de identificação coletiva, como é o caso da política de identidade.43 A recusa do confronto, que pode ser causada pela ênfase no consenso, pode levar à apatia política e ao desapreço pela participação; e, num cenário mais pessimista, a falta da confrontação pode cristalizar paixões coletivas em torno de questões que não poderão ser administradas pelo processo democrático. Por isso mesmo, o ideal da democracia pluralista não é um consenso racional alcançado na esfera pública, mas a compreensão de que cada consenso existe como uma espécie de desenredo temporário - não permanente - de uma determinada hegemonia e causa uma exclusão - também ela provisória.
Mouffe (2005a) defende uma abordagem que ajude a revitalizar a esfera pública democrática por meio de um despertar para a necessidade de formas de identificação política em torno de posições democráticas claramente distintas e da possibilidade de escolher entre alternativas reais. Para tanto, é preciso sair do discurso moral que substituiu o modelo do confronto na política. Para Mouffe (2005a), a compreensão de que existiria um consenso em torno da democracia não condiz com a realidade: a política não foi suplantada por um estágio superior da moral; antes, com seus antagonismos, permanece muito viva e acontece fora do registro do consenso moral. As fronteiras entre o “nós” e “eles” não desapareceram, mas são continuamente reinscritas de outro modo: sem a possiblidade de definir o “eles” em termos políticos, as fronteiras se deslocam para categorias morais entre “nós, o bem” (us the good) e “eles, os maus” (them the evil ones).
Ou seja, o consenso no centro não pode existir sem o estabelecimento de uma fronteira: a identidade do “nós” só é construída como oposição; mas se o “eles” não pode ser definido como adversário político, só poderá ser definido como inimigo moral, como “eles, os maus”. Este tipo de política operada no registro moral impede a criação de uma esfera pública apropriada a uma democracia vibrante, posto que os oponentes não serão vistos como adversários, mas como inimigos. Manter a compreensão do “eles, os maus”, e a consequente ideia da eliminação do oponente, que é visto como uma espécie de praga moral (moral plague) cujas razões de existência não precisam ser compreendidas, impossibilita o debate democrático, pois a condenação moral substitui a devida análise política.
O alerta da autora segue no sentido de que anunciar o fim do antagonismo e o alvorecer do consenso pode comprometer de tal forma a democracia que permitirá a emergência de antagonismos que não mais poderão ser contidos pelas instituições democráticas atuais. Compreender a inviabilidade de uma democracia de funcionamento consensual perfeito é passo importante para manter em vigor a atividade fundamental da contestação democrática. Trata-se de abandonar a ideia de uma sociedade, por excelência, bem-ordenada e de abrir caminhos institucionais para a manifestação desse dissenso, vital ao regime liberal-democrático.
Crise da democracia e mutações da esfera pública? Considerações finais sobre alguns desafios contemporâneos ao pluralismo e à vida democrática
Embora se esforce em distinguir de modo substantivo sua abordagem da política democrática em relação àquelas propostas tanto por Rawls quanto por Habermas, Mouffe ainda compartilha com esse vocabulário certa linguagem comum, o que é particularmente perceptível quando voltamos nossa atenção a ideias como as de esfera pública, espaço público ou ainda o valor da deliberação coletivamente alcançada por meio do debate público, seja ele concebido a partir do fato irredutível do conflito ou tendente à busca da conciliação. Podemos afirmar sem grandes ressalvas que, nos(as) três autores(as), é possível detectar um núcleo comum de práticas e ideias, tais como as citadas acima, que configurariam o cerne da vida democrática, entre as quais encontramos a noção de que a vida democrática exigiria a disposição de cidadãos e cidadãs de se engajarem num debate e/ou numa confrontação a ocorrer em um espaço que é público e acessível a todos(as) os(as) partícipes da comunidade política e/ou da sociedade em questão.
Nada mais estrangeiro aos processos decisórios políticos e/ou eleitorais que Estados democráticos de direito, seja do norte ou do sul global, têm experimentado e às práticas e comportamento políticos que temos testemunhado aqui e alhures em nossos dias. Eleições recentes estão levando ao poder políticos carismáticos e/ou populistas fortemente compromissados com valores conservadores e com políticas econômicas de viés neoliberal e até mesmo de extrema direita, frequentemente com perfis e discursos abertamente autoritários e que ascenderam ao poder por meio de métodos muito similares, como o recurso a redes e mídias sociais em grande escala, uso e abuso de “verdades alternativas”, manipulação e controle de meios de comunicação e tantas outras estratégias perversas e antidemocráticas, pouco dialógicas e nada deliberativas.
Parte importante dos problemas que se tem detectado no funcionamento das democracias e de suas respectivas esferas públicas, bem como em relação à ascensão de extremismos e ideologias autoritárias encontra, a nosso juízo, terreno fértil para sua difusão acelerada nos ambientes digitais algoritmicamente arquitetados44, que fomentam fenômenos antidemocráticos (direcionamento de preferências, câmaras de eco, filtros bolha etc.), os quais têm transformado as práticas políticas e eleitorais tradicionais. As inesperadas vitórias eleitorais de Donald Trump e Jair Bolsonaro, por exemplo, nos permitem detectar com razoável grau de clareza a relevância da operação de tais mecanismos, que tem sido viabilizada e impulsionada pelas novas técnicas automatizadas de produção de conhecimento e de tomada de decisão.
Em uma reflexão recente a respeito da crise enfrentada pelas democracias liberais, o sociólogo espanhol Manuel Castells (2018) sustenta que, embora o mundo atual esteja enfrentando múltiplas crises, estaria em curso uma crise mais profunda - de natureza tanto emocional quanto cognitiva, que impacta sobre as demais - que se manifesta no que ele chama de ruptura entre governantes e governados, cuja palavra de ordem é “Vocês não nos representam!”. Tal crise estaria se materializando não só no colapso do modelo político da representação mas numa crise da própria da governança da democracia liberal, na medida em que assistimos em várias partes a um movimento que ultrapassa certos limites constitucionais estabelecidos, quando evoca e apoia a emergência de lideranças políticas que negam as formas particulares e plurais de existência e alteram a ordem política nacional e mundial, fundando uma ordem pós-liberal (Castells, 2018).
Esse novo panorama político teria suas raízes na crescente distância entre a classe política e o conjunto dos cidadãos. Burocratização excessiva do Estado, globalização da economia e da comunicação, incremento da desigualdade social - que gera polarização -, corrupção sistêmica da política, crise financeira, crise de confiança seriam apenas alguns dos elementos que alimentam tal conjuntura e contribuem para a ruptura do vínculo subjetivo entre os desejos dos cidadãos e as ações daqueles a quem elegem, abalando a força e a estabilidade das instituições, que “dependem de sua vigência na mente das pessoas” (Castells, 2018, p. 10), produzindo assim uma crise de legitimidade política45, que se traduz no sentimento majoritário de que os atores do sistema político não nos representam. O descrédito e desencantamento com a democracia, então, estariam gestando comportamentos sociais e políticos transformadores das instituições e das práticas de governança em todo mundo.
Particularmente central para o que Castells (2018, p. 20) entende como “a autodestruição da legitimidade institucional [das democracias liberais] pelo próprio processo político”, no entanto, seria a sua dependência da mídia e dos recursos da internet. Nas sociedades democráticas atuais, explica o sociólogo espanhol, a luta pelo poder passa pela política midiática, pela política do escândalo e pela digitalização, que proporciona, entre outras coisas, autonomia comunicativa aos cidadãos, os quais não dependem mais de grandes jornais para obterem informação qualificada. Por outro lado, a submersão dos cidadãos comuns no universo das redes digitais não só mudou o comportamento cotidiano das pessoas como também fez com que a política migrasse para um mundo midiático multimodal, no qual a mensagem mais impactante é uma imagem.
E a imagem mais sintética é um rosto humano, no qual nos projetamos a partir de uma relação de identificação que gera confiança. Porque, como sabemos […] da neurociência mais avançada, a política é fundamentalmente emocional, por mais que isso pese aos racionalistas ancorados em um Iluminismo que há tempos perdeu seu brilho. A partir desse primeiro reflexo emocional que marca nosso universo visual emocional, procedemos ao processo cognitivo de elaboração e decisão. A impressão vai se tornando opinião. E se confirma ou se desmente na elaboração do debate contínuo que acontece nas redes sociais em interação com a mídia. A comunicação de massa se modela mediante a autocomunicação de massa através da internet e das plataformas wi-fi onipresentes em nossa prática. (Castells, 2018, p. 20)
Essa dinâmica de construção de uma mensagem simples e facilmente debatível em um universo multiforme conduz à personalização da política. Nesse universo, a forma de luta política mais eficaz é o aniquilamento da confiança gerada por meio da destruição moral e da imagem de quem se apresenta como líder:
As mensagens negativas são cinco vezes mais eficazes em sua influência do que as positivas. Portanto, trata-se de inserir negatividade de conteúdos na imagem da pessoa que se quer destruir, a fim de eliminar o vínculo de confiança com os cidadãos. Daí a prática de operadores políticos profissionais no sentido de buscar materiais prejudiciais para determinados líderes políticos, manipulando-os e até fabricando-os para aumentar o efeito destrutivo. Tal é a origem da política do escândalo […] que aparece no primeiro plano dos processos políticos de nosso tempo em todos os países. (Castells, 2018, p. 21)
O efeito secundário dessa política do escândalo é inspirar um sentimento de desconfiança e de reprovação moral sobre o conjunto dos políticos e da política, o que contribui para crise de legitimidade. Como nesse mundo de redes digitais, no qual todas as pessoas podem se expressar, só existe a regra da autonomia e da liberdade de expressão, explica o autor (Castells, 2018), os controles e as censuras tradicionais se desativam; mensagens de todo tipo navegam em ondas, os bots se multiplicam e difundem imagens e frases lapidares aos milhares. Nesse cenário caótico, o mundo da pós-verdade, do qual até a mídia tradicional participa, transforma a incerteza na única verdade confiável, que ao final é a verdade de cada um - movimento que faz com que o vínculo entre o pessoal e o institucional se rompa, fazendo o círculo se fechar, sem escapatória, sobre si mesmo. O resultado é que deixamos de ter instrumentos confiáveis para decidir e atuar e ficamos à mercê do aprisionamento de nossas vidas em burocracias e da sua programação por algoritmos.
Essa percepção de que o universo das mídias digitais e das redes sociais tem consequências nefastas para a vida política e para a esfera pública democrática, tal como foi concebida e advogada pela teoria política desde, pelo menos, o Iluminismo, começa aos poucos ser tematizada por pensadoras e pensadores importantes da teoria política e democrática (Gerbaudo, 2016; O’Neil, 2016; Pasquale, 2017; Zuboff, 2021). O encapsulamento dos usuários em redes sociais e grupos privados de comunicação (Facebook, Instagram, Whatsapp etc.) - os quais (re)produzem e consomem de forma não pública “notícias”, imagens, vídeos, etc. que são (re)passadas como as “verdades do dia”, bem conformes ao gosto do(a) usuário(a)-consumidor(a), e que, em anos eleitorais, alimentam a competição e os ódios que conduzem à vitória pessoas muitas vezes pouco preparadas para lidar com a política nos termos de uma vida pública democrática - parece apontar mais para um aprofundamento da crise da democracia, tal como a entendíamos até a aurora do século XXI, do que para a solução de seus dilemas e tensões, teorizados pelas abordagens mais tradicionais da política e da democracia discutidas antes.
Embora nos anos 1990 uma visão bastante romântica do potencial emancipatório e democrático dos meios de comunicação digital tenha sido cultivada por muitos(as) e sobreviva ainda hoje em propostas como a da monitory democracy (Keane, 2013), parece contudo evidente a crescente periculosidade dos efeitos dessa arquitetura comunicacional para os Estados democráticos de direito. Sobretudo seus impactos sobre a esfera pública e o espaço público e, em especial, sobre a formação da opinião e da vontade coletivas em esferas públicas outrora caracterizadas pelo debate público aberto e pelo confronto de opiniões e/ou razões públicas sobre a formação do “público” e da “opinião pública” parecem operar na direção da desconsolidação da democracia e do fortalecimento de valores e modos de vida baseados no ideário neoliberal (Koerner, 2019) - e, não menos relevante, sua utilização para fins de propaganda e publicidade em democracias eleitorais.
Captar com maior precisão os possíveis efeitos perversos de lógicas privatistas da sociabilidade e da vida política pode ser de grande valia para retomarmos o controle sobre o fluxo e a produção das tecnologias digitais e alcançarmos uma adequada reforma e/ou regulação de empresas e tecnologias que vêm causando impactos indesejados sobre a reprodução dos Estados democráticos de direito. Contudo, ainda que consigamos “domar a besta-fera” em algum grau aceitável, já não há mais como negar que estamos adentrando uma nova era, na qual o vocabulário clássico da teoria política e democrática mostra-se insuficiente, exigindo renovação.
Também, temos de admitir que podemos estar testemunhando uma mutação significativa não só no conteúdo semântico do que até pouco tempo entendíamos por democracia, como também podemos estar assistindo ao ocaso, e quiçá à despedida, daquela senhora forjada no auge do Iluminismo europeu e consolidada a duras penas nas práticas sociais de inúmeras democracias mundo afora ao longo do século XX, tão cortejada por todas e todos que até hoje se autocompreendiam como “verdadeiros(as) democratas”, a esfera pública democrática. Como nos recorda o saudável ceticismo de um estudioso dos movimentos sociais,
qual é [então] a alternativa? […] Auscultei muitas sociedades nas duas últimas décadas e não detecto sinais de nova vida democrática por trás das aparências. Há projetos embrionários pelos quais tenho respeito e simpatia, sobretudo porque me emocionam a sinceridade e a generosidade de tanta gente. Mas não são instituições estáveis […]. São humanos agindo como humanos, utilizando a capacidade de autocomunicação, deliberação e co-decisão de que agora dispomos na Galáxia Internet, […] reconstruindo de baixo para cima o tecido de nossas vidas, no pessoal e no social. Utópico? Utópico é pensar que o poder destrutivo das atuais instituições pode deixar de se reproduzir em novas instituições criadas a partir da mesma matriz. (Castells, 2018, p. 110)
Qual a natureza dessa reconstrução do tecido social “de baixo para cima”, no entanto, se ela será uma forma de vida mais democrática do que aquela que hoje conhecemos ou se, para lembrar um clássico do pensamento democrático, tomará a forma do mais temível despotismo (Tocqueville, 2004), apenas o tempo e a nossa capacidade de conjugar esforços em busca de um diálogo aberto, desarmado e inclusivo poderá nos indicar.
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1
Will Kymlicka (2006, p. 5) entende que as teorias políticas contemporâneas, com suas devidas diferenças, sustentam de algum modo uma ideia abstrata de igualdade fundamental, que é “a ideia de tratar as pessoas como iguais”. Uma compreensão parecida pode ser encontrada também em Ronald Dworkin, que, especificamente no caso da teoria de Rawls, entende que: “O pressuposto mais básico de Rawls não é o de que os homens tenham direito a determinadas liberdades que Locke ou Mill consideravam importantes, mas que eles têm direito ao igual respeito e à igual consideração pelo projeto das instituições políticas” (Dworkin, 2002, p. 282).
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2
Alguns comentadores ressaltam que, quanto à razão pública, o poder coercitivo guarda uma relação com certa noção de respeito, no sentido de que os princípios políticos que legitimam a coerção devam ser justificáveis a todos. Charles Larmore (1999) levou adiante essa relação, bem como Andrew Lister (2013, pp. 59-79).
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3
Para mais detalhes sobre estes dois aspectos do objeto da razão pública, cf. §5 da Conferência VI (Rawls, 2011).
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4
Kent Greenawalt (1994, pp. 685-688) esboça muito bem algumas dificuldades acerca das linhas de distinção entre o que seriam elementos constitucionais essenciais e sua interpretação e aplicação; entre o que seriam aqueles e a política ordinária, bem como entre aqueles e outros problemas que são essenciais para alguns (religiosos, por exemplo), mas não para outros.
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5
Para uma crítica da idealização da razão pública em diferentes teorias políticas, Cf. Enoch (2015).
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6
Kyla Ebels-Duggan (2010) entendeu que essa exigência moral é parte do que chamou de “liberalismo político estrito” (strict political liberalism) e propôs uma variação, que chamou de “liberalismo político permissivo” (permissive political liberalism), segundo a qual, ainda que haja razões fortes para os cidadãos assumirem aquela exigência moral, não se trata de uma obrigação.
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7
Sobre a concepção de autonomia que acompanha a legitimidade da razão pública, cf. 2.1 de Jonathan Quong (2014, pp. 270-271).
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8
Este último seria um caso especial, já que os juízes precisam justificar-se, diferente dos membros dos outros dois poderes, com base no entendimento que têm da constituição e das leis precedentes; e é também por isso que a Suprema Corte seria um caso exemplar da razão pública. Para mais detalhes cf. §6 da Conferência VI de Rawls (2011).
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9
Algumas diferenças entre o texto da Conferência VI e este de 1997 foram antecipadas por Rawls cerca de um ano antes, em sua segunda introdução à compilação de O Liberalismo Político. Para mais detalhes, cf. §5 da Introdução à Edição de 1996, também conhecida como Introdução à Edição em brochura (Rawls, 2011, pp. LIV-LXIII).
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10
Álvaro de Vita comenta o sentido daquela motivação moral que guia os cidadãos a traçarem esta diferenciação nos seguintes termos: “Não é razoável eu pretender que você aceite, para regular a distribuição básica de direitos e de deveres sob a qual ambos teremos de viver, princípios que conferem uma posição privilegiada ao meu poder superior de barganha ou, alternativamente, à minha visão abrangente do bem (que é distinta da sua). Você poderia razoavelmente rejeitar um acordo nesses termos sob a alegação de estar recebendo um tratamento desigual; e corretamente argumentaria que você e eu só podemos alcançar um acordo se os termos propostos garantirem um tratamento igual a ambos, isto é, se não exprimirem desigualdades que são arbitrárias de um ponto de vista moral […]. Em suma, a motivação moral é o que faz [com] que um acordo sobre princípios comuns de justiça possa ser alcançado. É com base na suposição de que essa motivação se encontra presente em um grau suficiente na conduta humana que podemos afirmar que as partes contratantes aceitarão as restrições impostas por esses princípios às formas pelas quais cada um poderá empenhar-se em realizar seus fins, quer se trate do interesse próprio de indivíduos ou grupos, quer se trate de determinada visão abrangente do bem.” (Vita, 2007, pp. 282-283)
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11
Para críticas ao aspecto limitador da razão pública no modelo rawlsiano, cf. a parte II de Stephen Macedo (2010, pp. 7-18). Em resumo: “Os críticos desta visão são uma legião. Muitos argumentam que ela exclui os cidadãos religiosos da participação plena na vida democrática, inibindo a sua autoexpressão sobre questões políticas vitais. Numa sociedade profundamente religiosa e pluralista, a norma proposta parece improvável de ser aceita. Se for posta em prática, poderá resultar apenas na ocultação pública das verdadeiras razões das pessoas. Quando vozes discordantes não são ouvidas, independentemente do modo de expressão, a deliberação pública e privada de informação vital sobre o que os cidadãos pensam e de possíveis percepções dos méritos das questões públicas, degradando a qualidade e robustez da deliberação pública. A proposta também parece ser uma fonte fértil de ressentimento e conflito” (Macedo, 2010, p. 1, tradução nossa).
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12
Para mais e, especialmente, sobre a relação entre legitimidade e aceitação no liberalismo político, Cf. o cap. 3 de David M. Estlund (2008, pp. 40-64).
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13
Uma crítica à teoria do pluralismo razoável, baseada na ideia de que a proposta do liberalismo político viola as próprias restrições da teoria política de Rawls, pode ser encontrada em Wernar (1995).
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14
Para mais detalhes, especialmente sobre a diferença entre ordem de dedução e ordem de sustentação, cf. §7.2 da Conferência VI (Rawls, 2011, p. 285-288).
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15
Sobre este processo de adaptação, cf. Conferência IV §§6-7 (Rawls, 2011, p. 187-199).
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16
“A ideia de razão pública explicita no nível mais profundo os valores morais e políticos que devem determinar a relação de um governo democrático constitucional com seus cidadãos e a relação destes entre si. Aqueles que rejeitam a democracia constitucional com seu critério de reciprocidade rejeitarão, naturalmente, a própria ideia de razão pública. Para eles, a relação política pode ser aquela que há entre amigo e inimigo ou entre os que são membros de uma comunidade religiosa ou secular particular e os que não o são, ou pode ser uma luta implacável para conquistar o mundo para a verdade inteira. O liberalismo político não fala para os que pensam dessa maneira. O fervor em incorporar a verdade inteira na política é incompatível com uma ideia de razão pública que faça parte da cidadania democrática.” (Rawls, 2011, pp. 523-524)
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17
Para um aprofundamento acerca da relação entre razão pública e amizade cívica, Cf. o cap. 5 de Lister (2013, p. 105-113).
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18
Muitas críticas surgiram a respeito da proposta de Rawls de uma possível relação entre o liberalismo político e a teoria da democracia deliberativa. Para algumas delas, cf. Gutmann e Thompson (1996); Saward (2002); Gaus (2003); e Benhabib (2007).
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19
Para a complexa noção de razão pública em Habermas, cf. Silva (2017) e Melo (2010). Para uma interpretação do polêmico debate entre Rawls e Habermas em torno deste conceito, cf. Kritsch e Silva (2011).
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20
Aqui cabe uma observação importante: diferentemente de Rawls (2011b), para quem os direitos humanos se fundamentam no valor e na dignidade intrínsecos à pessoa moral, para Habermas (2001, p. 154), “[…] o modelo da praxis que gera a Constituição é compreendido de tal modo que os direitos humanos não são encontrados como dados morais. Antes eles são constructos nos quais como que está escrito na testa que não podem ter um status político facultativo como o direito moral. Como direito subjetivo já são desde o berço de natureza jurídica e já segundo o seu conceito apontam para uma positivação com base em entidades legislativas.”
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21
Não há espaço, no escopo deste artigo, para explicarmos as distinções conceituais fundamentais da teoria social desenvolvida por Habermas para explicar as sociedades contemporâneas emergidas na era moderna, que sofreram processos de racionalização e diferenciação societal profundos que conduziram à autonomização das esferas funcionais da sociedade. Uma síntese introdutória dessa teorização pode ser encontrada em Kritsch (2014, pp. 250-256).
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22
Para um aprofundamento dos conceitos de esfera pública, espaço público e sociedade civil em Habermas, cf. Kritsch (2010); Neves (2013); Lübenow (2010); Avritzer (1994). Para uma crítica desta visão e particularmente à noção de sociedade civil mobilizada por esta tradição, cf. Lavalle (1999).
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23
“A esfera pública se caracteriza antes pela estrutura comunicativa que se refere a um terceiro aspecto da ação orientada ao entendimento: nem relacionado às funções, nem aos conteúdos da comunicação cotidiana, mas ao espaço social produzido na ação comunicativa.” (Habermas, 2020, pp. 458-459),
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24
Como alerta Pinzani (2009, p. 152), embora todas as opiniões tenham potencial para tornarem-se opiniões públicas, apenas aquelas que encontram ressonância e atenção e um dado momento tornam-se de fato opiniões públicas.
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25
Para um aprofundamento da crítica habermasiana à concepção liberal hegemônica de democracia, cf. Habermas (2020, p. 404-419).
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26
“Im prozeduralistischen Rechtsparadigma wird die politische Öffentlichkeit nicht nur als Vorhof des parlamentarischen Komplexes vorgestellt, sondern als die impulsgebende Peripherie, die das politische Zentrum einschließt sie wirkt über den Haushalt normativer Gründe ohne Eroberungsabsicht auf alle Teile des politischen Systems ein.“ (Habermas, 1994, p. 533)
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27
D. Werle resume magistralmente, neste artigo, as ideias centrais acerca da política deliberativa e seus fundamentos na obra do frankfurtiano. Explica que “O que Habermas demonstra nessa reconstrução é que o vínculo interno, do ponto de vista normativo, entre Estado de direito e a democracia deliberativa está pressuposto na própria estrutura reflexiva e [nas] características formais do direito moderno (direitos subjetivos, direito coativo e direito positivo)” (Werle, 2013, p. 168).
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28
Para um competente debate crítico acerca das posições habermasianas em torno do problema da legitimidade democrática, cf. Benhabib (2007).
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29
Noutro lugar, Habermas (2005, pp. 26-27, tradução nossa) reafirma sua posição: “As estruturas da integração social se deixam decifrar [pela análise] nos espaços públicos. É na constituição dos espaços públicos que se revelam antes de tudo características anômicas de desintegração ou rachaduras de uma socialização repressiva. Sob as condições de sociedades modernas, particularmente a esfera pública política da comunidade democrática ganha um significado sintomático para a integração da sociedade. Pois sociedades complexas só se mantêm coesas normativamente por meio da solidariedade abstrata e mediada pelo direito entre cidadãos do Estado [Staatsbürgern]. Entre cidadãos [da sociedade] que não podem mais conhecer-se pessoalmente, somente por meio do processo de formação da vontade e da opinião é possível fabricar [herstellen] e reproduzir uma comunhão frágil. O estado de uma democracia se deixa auscultar no batimento cardíaco [Herzschlag] de sua esfera pública política”.
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30
J. Elster (2007, pp. 224-225) resume de maneira apropriada o que se entende, grosso modo, na literatura da teoria democrática, sob a alcunha modelo agregativo de democracia: trata-se de um modo de entender a democracia que a define como um procedimento para a tomada de decisão pela coletividade com base numa visão que parte da agregação das preferências de indivíduos autônomos e autointeressados, cujas decisões são expressas por meio do voto nas urnas. Ou seja, o voto é entendido como um mecanismo de agregação eficiente e justo para traduzir as preferências preexistentes em decisões públicas. Segundo esta visão, então, a democracia caracteriza-se fundamentalmente como política eleitoral, que serve para selecionar vencedores e perdedores - um processo que, segundo ele, aponta para uma concepção de racionalidade típica da escolha de consumidores e das relações de mercado.
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31
Para mais sobre o contexto e o papel de Rawls em restaurar a teoria política normativa como área específica do conhecimento, cf. Vita (2016).
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32
Além das críticas aos modelos de Rawls e Habermas, que interessam aqui pela proposta deste artigo, Mouffe fez críticas parecidas também a Ulrich Beck e Anthony Giddens, em relação à forma de perceber a luta política. Tais críticas podem ser encontradas no capítulo II de Mouffe (2015, pp. 33-62).
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33
Para mais sobre as críticas de Mouffe ao modelo de Rawls, e especialmente sobre este ponto, cf. o terceiro capítulo de Mouffe (1993, pp. 41-59).
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34
Para mais sobre o conceito de exclusão no modelo de Mouffe, cf. Thomassen (2005, p. 103-122).
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35
Para um aprofundamento das críticas de Mouffe a Carl Schmitt, Cf. o segundo capítulo de Mouffe (2000, p. 36-59), bem como o capítulo oito de Mouffe (1993, p. 117-134).
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36
Democracia Radical é o termo mais utilizado para agrupar o modelo de Mouffe a seus correlatos, como sustenta, entre outra/os, Thomassen (2010, p. 1141-1145).
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37
Para abarcar o modelo proposto por Mouffe e outros semelhantes, Frank Cunningham (2009), em consonância com outra/os intérpretes, utiliza o termo Pluralismo Radical.
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38
Para Mouffe (2006), a expansão dos diversos fundamentalismos, religiosos, morais e étnicos constituem uma consequência direta desse déficit democrático.
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39
“Onde dois princípios que não podem ser reconciliados realmente se encontram, cada homem declara o outro um tolo e um herético. Eu disse que ‘combateria’ o outro homem - mas não lhe daria razões? Certamente; mas quão longe iriam? Ao fim das razões, vem a persuasão” (Wittgenstein, 1969, p. 81e; apudMouffe (2006, p. 172).
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40
Para mais sobre esse tema, cf. Mouffe (2005b).
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41
Para mais sobre essa distinção e relação, cf. o primeiro capítulo de Mouffe (2015, pp. 7-32).
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42
Para um aprofundamento da complexa visão de Mouffe a esse respeito, cf. Mouffe (1992, pp. 377-382).
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43
“When a society lacks a dynamic democratic life with genuine confrontation among a diversity of democratic political identities, the groundwork is laid for other forms of identification to take their place, identifications of an ethnic, religious or nationalist nature that generate antagonisms which cannot be managed by the democratic process.” (Mouffe, 2005a, p. 124)
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44
Para uma visão mais detalhada de como tais mecanismo operam sobre a sociedade e a vida democrática, Cf., entre outro/as, Hindman (2018) e Ruvroy (2013).
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45
“Mas a recorrente frustração dessas esperanças vai erodindo a legitimidade, ao mesmo tempo que a resignação vai sendo substituída pela indignação quando surge o insuportável. […] E o rompimento fora das instituições tem um alto custo social e pessoal, demonizado por meios de comunicação que, em última análise, são controlados pelo dinheiro ou pelo Estado […]. Em situação de crise econômica, social, institucional, moral, aquilo que era aceito porque não havia outra possibilidade deixa de sê-lo. E aquilo que era um modelo de representação desmorona na subjetividade das pessoas. Só resta o poder descarnado de que as coisas são assim, e aqueles que não as aceitarem que saiam às ruas, onde a polícia os espera. Essa é a crise de legitimidade.” (Castells, 2018, p. 11)
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Set 2022 -
Data do Fascículo
May-Aug 2022
Histórico
-
Recebido
10 Ago 2021 -
Aceito
30 Jun 2022