Open-access Protagonismo juvenil no ensino médio: reflexões acerca da elaboração e implementação dos jogos interclasses 1 2 3

Protagonismo juvenil em lá escuela secundaria: reflexiones sobre juegos interclases

Resumo

A questão que orienta este estudo é: de que modo os jogos interclasses podem constituir-se como conteúdo de ensino na perspectiva do protagonismo juvenil na educação física do ensino médio? Objetiva-se discutir e analisar as possibilidades e limitações dos jogos interclasses como conteúdo de ensino em uma escola de ensino médio. Sendo assim, realizou-se um estudo de caso etnográfico do cotidiano escolar. Para tanto, organizou-se os jogos interclasses, em uma escola de ensino médio, a partir das estruturas do protagonismo juvenil. Os resultados sinalizam que os saberes/fazeres inerentes aos esportes podem assumir não somente um lugar de conhecimentos a serem aplicados em âmbito competitivo, mas sim como estruturas que permitem compreender o lugar sociocultural do esporte.

Palavras-chave ensino médio; educação física; esporte; jogos interclasses

Resumen

La pregunta que orienta este estudio es: ¿cómo se pueden constituir los juegos interclase como contenido didáctico desde la perspectiva del protagonismo juvenil en la educación física del bachillerato? El objetivo es discutir y analizar las posibilidades y limitaciones que implican los juegos interclase como contenido didáctico dentro de una escuela secundaria. Así, se llevó a cabo un estudio de caso etnográfico de la vida escolar cotidiana. Para ello, se organizaron juegos interclase en una escuela secundaria, basados ??en las estructuras del protagonismo juvenil. Los resultados indican que el saber / hacer inherente al deporte puede asumir no solo un lugar de conocimiento para ser aplicado en un entorno competitivo, sino como estructuras que permitan comprender el lugar sociocultural del deporte.

Palabras clave secundaria; educación física; el deporte; juegos interclase

Abstract

The question that guides this study is: how can interclass games be constituted as teaching content from the perspective of youth protagonist in high school physical education? The objective is to discuss and analyze the possibilities and limitations that involve interclass games as teaching content within a high school. Thus, an ethnographic case study of everyday school life was carried out. For this purpose, interclass games were organized in a high school, based on the structures of youth protagonist. The results indicate that the knowledge/doing inherent to sports can assume not only a place of knowledge to be applied in a competitive environment, but as structures that allow understanding the sociocultural place of sport.

Keywords high school; physical education; sport; interclass games

Introdução

O esporte, como conteúdo escolar, tem sido amplamente discutido na literatura científica. Isso foi confirmado pelo estudo do tipo estado do conhecimento, realizado por Matos et al. (2013), que ao mapearem e analisarem 146 artigos em 14 periódicos da área da educação física, publicados entre 1981 e 2010, evidenciaram que 42 produções tinham como objeto os Esportes, ou seja, (29%) do corpus analisado. Ademais, havia 32 artigos sobre Jogos e Brincadeiras (22%), 25 sobre Danças (17%), 16 sobre Ginásticas (11%), 4 sobre Capoeiras (3%), 3 sobre Lutas (2%), e 24 abordaram Vários Conteúdos (16%).

Esse cenário pode ser articulado com uma tríplice compreensão analítica: o primeiro pressuposto relaciona-se com a produção no campo científico sobre os conteúdos de ensino da Educação Física em que o esporte tem sido o mais recorrente; no segundo, o próprio campo concentra-se em denunciar a prática do professor que apresenta de modo constante os conteúdos esportivos no contexto de suas aulas; e o terceiro movimento refere-se ao lugar de protagonismo assumido por esse conteúdo no âmbito das elaborações curriculares nas diferentes redes de ensino (Matos et al., 2013).

Kravchychyn e Oliveira (2012) também fornecem algumas pistas sobre esse lugar de destaque assumido pelo esporte no contexto escolar. Para os autores, isso se deve à ampla vinculação sociocultural dessa manifestação corporal presente em diferentes estruturas e momentos do cotidiano das pessoas, seja na mídia, nos assuntos do dia a dia ou mesmo para constituir-se como uma opção profissional. Assim, a Educação Física, como uma das áreas que colaboram na apresentação e ensino desse conteúdo, tem sido por vezes confundida com o próprio esporte. Concomitantemente a isso, tem-se, ainda, que as demais práticas corporais são esportivizadas, principalmente via movimento olímpico, e produzem um entendimento de aprendizagem associativa entre esporte e área da Educação Física.

Uma das ações pedagógicas realizadas com o esporte em âmbito escolar são jogos interclasses, que se constituem como eventos promovidos ao longo do ano letivo e que consistem em disputas esportivas entre as turmas. Reverdito et al. (2008) sinalizam as dificuldades encontradas para estabelecer as funções educativas em torno do esporte e de ações como os jogos interclasses. Isso se deve a diferentes fatores, dentre os quais pode-se destacar a transposição do esporte de alto rendimento, sem os devidos tratos pedagógicos necessários, para o contexto escolar. Aspecto que contribui para opções de ensino pautadas nas repetições fechadas e modelares que se assemelham ao praticado com finalidades de formação de atletas. Outro fator preponderante relaciona-se à desconexão entre formato e estrutura do evento com os objetivos, princípios e procedimentos do componente curricular Educação Física articulados ao Projeto Político Pedagógico (PPP) e com as particularidades de cada contexto e etapa da educação básica. Uma das etapas em que os jogos interclasses são desenvolvidos é o ensino médio. Com isso, averíguam-se incipiências e lacunas significativas, inclusive quanto ao lugar e os sentidos que atividades dessa natureza assumem. Aspectos que evocam reflexões sobre o lugar e as possibilidades do esporte e dos jogos interclasses nessa fase da escolarização brasileira.

Nesse sentido, necessita-se, de antemão, compreender essa etapa de ensino em suas nuances e particularidades no contexto do projeto de escolarização brasileiro. Uma das abordagens do campo da educação é incentivar a compreensão dos alunos dessa fase da educação básica a partir do conceito de juventudes. Para Dayrell e Carrano (2013), a escola deve situar os jovens como figura fundamental do processo de ensino-aprendizagem, construindo possibilidades didático-pedagógicas que envolvam o protagonismo juvenil. Para isso é necessário que os jovens sejam ouvidos de acordo com a expressão de seus dilemas, conflitos e sugestões, visto que as identidades desses sujeitos têm conexão com o lugar social pertencido, logo não há uma juventude homogênea, mas sim juventudes.

O termo Protagonismo Juvenil tem tido destaques significativos, principalmente a partir dos anos de 1990. Costa (2001) entende protagonismo como um processo de participação democrática para formação cidadã que pode acolher e possibilitar o jovem a enfrentar situações reais em âmbito escolar, social e comunitário. Para tanto, faz-se necessário torná-lo o centro do processo educacional, otimizando situações em que ele possa exercitar e desenvolver a iniciativa (ação), liberdade (opção) e compromisso (responsabilidade). Por outro lado, averiguar-se desdobramentos semânticos que entendem protagonismo como finalidade educacional, como metodologia de ensino e outras como eixo de ensino, mas que se coadunam no entendimento de que o jovem deve sair de uma condição passiva, enquanto estudante, para uma posição de participação ativa.

Sposito e Carrano (2003) discutem o conceito de protagonismo juvenil no contexto das políticas educacionais para as juventudes brasileiras e sinalizam para o uso banalizado e raso no que diz respeito ao projeto de escolarização que não se organiza em torno desse princípio. Consideram fundamental ir além do assistencialismo e segurança pública no trato das políticas para os jovens, para isso é preciso estruturar princípios ancorados nas perspectivas de direitos públicos. Somente assim será possível colaborar na formação de jovens autônomos e interlocutores ativos na formulação, execução e avaliação das políticas a eles destinadas.

Ferreti, Zibas e Tartuce (2004) chamam atenção para os cuidados com a pulverização semântica em torno do conceito de protagonismo, pois se afasta do elemento central, a formação e desenvolvimento integral do ser humano, dando lugar a práticas enviesadas ideologicamente. Sendo assim, neste estudo busca-se responder à seguinte questão: de que modo os jogos interclasses podem constituir-se como conteúdo de ensino na perspectiva do protagonismo juvenil na educação física do ensino médio? Objetiva-se discutir e analisar as possibilidades e limitações que envolvem os jogos interclasses como conteúdo de ensino no âmbito de uma escola de ensino médio. Ademais, busca-se interrelacionar as estruturas do protagonismo juvenil em interface com os saberes/fazeres do esporte como conteúdo de ensino do componente curricular Educação Física a partir dos jogos interclasses.

Materiais e métodos

Optou-se por um estudo de caso. Para Yin (2000, p. 30): “[…] um estudo de caso é uma investigação empírica sobre um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Todavia, diante da abrangência de possibilidades de investigações científicas que cercam esse método e a particularidade por envolver o campo educacional, realizou-se um delineamento para a tipologia de estudo de caso etnográfico do cotidiano escolar (Sarmento, 2011).

Nessa perspectiva, passou-se a integrar o cotidiano de uma escola de tempo integral da rede estadual Capixaba, fundada em 1977, mas que assumiu o formato de Escola Viva4. Desse modo, durante aproximadamente 400 aulas de Educação Física, que envolveram ação direta com uma professora do componente curricular, dez turmas de 1º ao 3º ano, buscou-se dar visibilidade aos saberes/fazeres autorais dos sujeitos desse cotidiano.

Conforme o cotidiano tecia-se, houve a necessidade de ampliar os procedimentos metodológicos, sendo incorporado subsídios da pesquisa-ação existencial (Barbier, 2002).

A pesquisa-ação, em sua concepção atualizada, orienta o pesquisador a partir dos problemas levantados pelo grupo pesquisado. Necessita ainda assumir um viés de práxis, no sentido de transformação do lugar pelo sujeito engajado, com base na ação dialética de construção que envolve pesquisadores e grupo pesquisado. Para isso, é preciso munir-se de múltiplas técnicas, tais como (diário, registros fotográficos e audiovisuais) (Barbier, 2002).

Desse modo, para este artigo apresenta-se os saberes/fazeres envolvendo a ação didático-pedagógica em torno do processo de ensino aprendizagem dos jogos interclasses. Para tanto, durante 80 aulas utilizou-se uma metodologia que envolvesse os alunos da escola a partir da noção de protagonismo juvenil e da ampliação das estruturas educativas do esporte. Com isso, os alunos, representados por suas turmas, além de participarem como equipes esportivas, árbitros, treinadores, desenvolveriam funções em comissões, as quais se responsabilizariam pela realização e organização compartilhada desses jogos.

Como instrumentos de coleta de dados elaborou-se o diário de itinerância, pois ele se estrutura em torno da tríplice palavra/escuta – clínica, filosófica e poética –, além de evidenciar a relação de envolvimento entre pesquisador e campo pesquisado, necessária, inclusive, à materialização dos registros (Barbier, 2002). E inspirados nos estudos de Santos et al. (2014), Vieira, Santos e Ferreira Neto (2012), também foram utilizadas as narrativas autobiográficas provenientes das entrevistas de 31 sujeitos, sendo 27 alunos, a professora de educação física, o diretor, a coordenadora pedagógica e o coordenador de secretaria. Para isso, elaborou-se um questionário não estruturado com o seguinte roteiro:

  1. O que é ser jovem e aluno de ensino médio atualmente?

  2. As políticas educacionais interferem no trabalho pedagógico da escola?

  3. O que você sabe sobre a nova reforma do ensino médio?

  4. Você participa do trabalho pedagógico da escola?

  5. Qual é o papel da família, equipe pedagógica, alunos e professores no trabalho pedagógico?

  6. E o professor de Educação Física, quem é ele para você?

  7. E a Educação Física no ensino médio, como você compreende esse componente curricular?

  8. Como foram suas aulas de Educação Física nas outras etapas?

  9. É possível realizar um trabalho pedagógico que envolva todos da escola? Ou você já realizou?

  10. Quais são os principais desafios encontrados por você na escola de ensino médio?

  11. O que você poderia ter feito no cotidiano da escola que ainda não fez? Por quê?

  12. Você acha que a Educação Física deveria permanecer como componente curricular obrigatório no ensino médio?

  13. A presença do pesquisador interferiu positivamente ou negativamente no trabalho pedagógico da escola?

Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), CAAE nº 78655917.2.0000.5542 e Parecer nº 2.364.717. Vale ressaltar que todos os sujeitos e seus respectivos responsáveis legais assinaram o termo de assentimento e consentimento livre esclarecido, respectivamente.

Resultados e discussão

A fim de organizar os resultados produzidos, estabeleceu-se, a partir da materialidade das pontes, dois eixos de análise, sendo eles: inserção da proposta como conteúdo pedagógico das aulas de educação física e os saberes/fazeres mobilizados no/do/pelo protagonismo juvenil. Com intuito de complementar o processo de análise e discussão, também foram extraídos fragmentos completos das narrativas dos sujeitos.

Inserção da proposta no cotidiano curricular da escola

Inspirados por Reverdito et al. (2013), elencamos como ação inicial construir possibilidades de aprendizagens envoltas no esporte e, por conseguinte, nos jogos interclasses. Marques, Gutierrez e Almeida (2007), a partir do modelo de concepção das formas de manifestação do esporte, consideram que os diferentes processos de apropriação quanto aos sentidos do esporte estão relacionados a três fatores: o ambiente da prática, a modalidade esportiva em questão e o sentido que se dá a essa atividade.

Nessa perspectiva, buscou-se estruturar um processo de ensino-aprendizagem que dialogasse com as proposições e orientações do projeto da escola. Assim, primeira ação desenvolvida foi apresentar e discutir a proposta junto à equipe pedagógica e aos professores da área5 de linguagens. Subsequentemente foram discutidos com o diretor e alunos representantes do clube6 de esportes, o formato e os procedimentos de organização. O diretor e a coordenadora pedagógica reforçaram a necessidade de integrar o protagonismo juvenil como elemento norteador, uma vez que, um dos pressupostos de maior destaque no contexto da escola pesquisada, descrito na primeira premissa do seu projeto pedagógico, diz respeito ao protagonismo juvenil.

Assim, descrita:

O Protagonismo foi evocado na concepção do Modelo Pedagógico pelo seu alinhamento à perspectiva de educação quanto à formação do jovem idealizado ao final da Educação básica. Ele se apresenta como princípio educativo, mas, também, é tratado como metodologia, que na escola se materializa por meio de um conjunto de práticas e vivências

(Espírito Santo, 2017, p. 22).

Ademais, considerar os diferentes atores do enredo educacional escolar significa olhar para a escola para além de seus muros, paredes, salas e quadros, mas como uma comunidade de afetos, ou seja, a “escola geométrica e arquitetonicamente definida é transformada em espaço pelos professores, alunos e por outros agentes, por meio de suas práticas discursivas que transformam incessantemente lugares em espaços ou espaços em lugares” (Carvalho, 2009, p. 165).

Todavia, o cotidiano escolar é constituído pelas tessituras curriculares que essa comunidade empreende (Carvalho, 2009). Ou seja, o modo como os sujeitos se relacionam e potencializam os seus saberes/fazeres pedagógicos tencionam sobre possibilidades e alcances do ato educativo, seja em uma ação de um componente curricular específico ou de toda a escola. Pois é, na inter-relação, no diálogo, nas contradições, nos debates e compreensões do lugar pertencido que se criam ações amplas de natureza educacional.

Dessa forma, é preciso considerar que entre a proposição feita pelos professores e pesquisador, para realizar os jogos, e a adesão por parte dos alunos e demais professores implica um processo não uniforme, principalmente no que tange ao envolvimento e participação dos sujeitos. Ou seja, em uma escola com aproximadamente 400 alunos, 15 professores, sendo 5 da área de linguagens, é preciso compreender o lugar que os esportes e os jogos interclasse apresentam-se para esses sujeitos, com representações, distanciamentos e aproximações de maneiras distintas conforme as apropriações por eles realizadas ao longo de suas trajetórias de vidas e acadêmicas.

Dessa forma, coube a professora e o pesquisador estabelecerem e proporem os objetivos da ação, como pontos de partida, sendo eles a) planejar, organizar e executar um torneio interclasse em uma proposta interdisciplinar; b) ampliar as aprendizagens decorrentes esporte como fenômeno sociocultural; c) participar como jogadores e organizadores de um evento de natureza esportiva; d) compreender que o esporte vai além da disputa entre equipes e pode constituir-se em objeto econômico, social e do mundo do trabalho.

A fim de contribuir com os demais professores dos componentes curriculares, em busca de aproximações interdisciplinares, mas respeitando as especificidades pedagógicas de cada um, foi proposto que eles desenvolvessem ações de aprendizagem relacionadas ao futebol e a Copa do Mundo Fifa como tema transversal. Nesse sentido, foi sinalizado algumas possibilidades: para o componente Literatura, poderia-se abordar os autores clássicos e contemporâneos de cada país participante da Copa do Mundo, como Lord Byron-Inglaterra, Ariano Suassuna-Brasil, Eduardo Galeano-Uruguai, Fernando Pessoa-Portugal, para citar alguns. Em Língua portuguesa poderia-se trabalhar com as crônicas de Nélson Rodrigues sobre o futebol. Artes exploraria obras específicas de pintores, como Frida Kahlo-México, Francisco de Goya-Espanha, Claude-Manet-França, entre outras. Língua inglesa utilizaria os vocábulos que são empregados para designar termos da Copa do Mundo: (world cup), soccer ou football (futebol). Por fim, o componente curricular espanhol tem nas crônicas de Eduardo Galeano, escritor uruguaio, no livro O futebol ao sol e à sombra, potencialidades de compartilhamento.

Os resultados desse objetivo indicam que não houve a articulação interdisciplinar do interclasse entre os professores da área de Linguagens. Eles não aderiram à possibilidade de utilizar as sugestões dos conteúdos propostos em suas disciplinas e nem desenvolveram alternativas. Vale dizer que nos seis planejamentos que antecederam a realização do evento, apenas em dois a coordenadora de área inseriu os jogos como ponto de discussão e em ambos quando foram perguntados se precisavam de ajuda ou se haviam dúvidas quanto às possibilidades propostas de articular os jogos interclasses como conteúdo de suas disciplinas, disseram “que estava tudo bem”, e que “vamos começar a trabalhar.

Na avaliação final eles disseram que as prioridades, em relação a outros conteúdos de seus componentes curriculares, inviabilizaram a integração da temática dos jogos. Embora, reafirmaram que ações como estas são imprescindíveis para aprendizagens significativas em âmbito escolarizado.

Pressupostos que dialogam com a literatura científica sobre a dificuldade de trabalho interdisciplinar, principalmente quando envolve o componente Educação Física. Santos, Marcon e Trentin (2012) narram as barreiras encontradas entre os professores de Educação Física e dos demais componentes curriculares para compreender os conteúdos que envolvem o movimento humano como linguagem, e consequentemente como essa incompreensão tensiona na seleção e oferta de conteúdos e temáticas articulados com os sentidos educacionais dessa área. Aspectos que possuem raízes nas ausências de processos formativos dessa natureza ao longo da formação inicial, tornando-se uma prática distante do cotidiano dos professores. Estruturas que podem ser melhor percebidas ao apresentar certas representações dispostas pelos sujeitos do estudo, em suas compreensões sobre a Educação Física enquanto linguagem.

Para o professor de inglês da área de Linguagens: “A Educação Física é muito importante pra gente extravasar, dar uma saída das aulas maçantes.A aula de Educação Física ajuda a gente a dar uma saída da pressão da sala”; “A Educação Física é muito importante para esses alunos, pois só ficar dentro de sala é muito estressante”. Aluno do 1º ano 3: “A Educação Física é uma linguagem corporal. Então é algo diferenciado, porque geralmente, nas outras disciplinas, a gente escreve mais do que pratica. A dança, até mesmo a luta é uma linguagem corporal. A capoeira, eu acho muito bonita essa luta”. Aluno 2º ano 2: “Eu nunca entendi a Educação Física nas linguagens. Quando eu vi o simulado, não entendi nada”. Aluno do 1º ano 2: “Não sei porque a Educação Física tá nessa área. Ela é muito mais que isso. Ensina Biologia…” Aluna do 3º ano: “Eu nunca entendi a Educação Física na área de linguagens”.

No entanto, é preciso considerar também que a dificuldade interdisciplinar, não é específica das particularidades que envolvem a compreensão sobre os saberes da educação física, mas também de uma cultura escolar disciplinar. Ou seja, ações didáticas que também são propostas por outros componentes curriculares, que envolvessem a educação física, também poderiam fracassar em suas nuances interdisciplinares. É possível inferir também que a cultura disciplinar desenvolve prioridades e compromissos com os conteúdos, desenvolvimento e sistematização que são próprias do professor e suas respectivas disciplinas.

Pressupostos que podem ser articulados, com outras estruturas identificadas durante a estadia no campo, a partir da observação, escuta sensível e escrita em diário de itinerância, durante os encontros de planejamento, mesmo que a pauta não fosse os jogos interclasses, os professores conversavam sobre suas disciplinas e o que estavam fazendo, de modo disciplinar, e não no desenvolvimento de ações didático-pedagógicas de maneira interdisciplinar. As ações que assumem um caráter coletivo estavam na ajuda mútua, entre os professores, em atender as demandas do Programa Escola Viva para a área, inclusive o preenchimento de informações de aprendizagem e outras ações em formulários próprios emitidos pela Secretaria de Educação e por fim nas articulações dos simulados destinados ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Dessa forma, outro fator a ser considerado relaciona-se ao espaço entre planejamento e efetivação da proposta, pois os saberes/fazeres cotidianos, para serem tecidos, demandam mobilização e ação no/com o tempo. Uma vez que a implementação e desenvolvimento, bem como a construção ou tensionamento sobre uma cultura escolar, como a constituída no campo de pesquisa, é um processo contínuo que demanda mais estruturas e mobilizações para que se torne efetiva e integre o currículo praticado da escola. Dessa forma, não se pode partir de um imediatismo pedagógico no que tange a tessituras cotidianas, muito embora não se pode também desconsiderar os aspectos significativos que envolvem os pontos de partida e as ações iniciais como estruturas bases para o desenvolvimento de ações didático-pedagógicas que possam permear e integrar, principalmente como conteúdo interdisciplinar, os processos de ensino aprendizagem das composições curriculares de diferentes componentes, como daqueles que integram a área de linguagem.

Sobre o segundo objetivo de aprendizagem, relacionado à ampliação dos sentidos do esporte em uma dimensão sociocultural, foi necessário compreender o lugar e os conhecimentos envoltos nesse conteúdo nas aulas de Educação Física e os motivos que fazem essa prática corporal se manter recorrente e representativa, mas também permeada de tensionamentos, nos cotidianos dos estudantes.

Algumas pistas podem ser evidenciadas em Dunning e Elias (1992, p. 68), no que tange aos processos estruturais e configuracionais que permeiam o esporte moderno e o processo civilizatório:

Diz-se, por vezes, que o desporto possui uma função complementar nas sociedades altamente industrializadas – a de permitir a prática de atividades físicas a uma populac.ao com várias profissões sedentárias e, por esse motivo, com insuficientes oportunidades de se exercitar sob o ponto de vista corporal. Este pode ser um aspecto de complementaridade, mas existem outros que têm despertado menor atenção, ainda que, em termos da sua importância para os seres humanos, possam ser de significado não menor.

Sendo assim, os objetivos de aprendizagens não poderiam concentrar-se apenas na apropriação de regras, técnicas e táticas inerentes aos esportes, mas também em seus atravessamentos políticos, estéticos, artísticos, culturais, econômicos e éticos. Uma vez que as aprendizagens inerentes às finalidades do componente educação física no contexto da educação básica tencionam para perspectivas que envolvem o lugar da formação cidadã. Ou seja, não bastava que os alunos jogassem ou torcessem por suas turmas, fazia-se necessário que eles se relacionassem com os saberes que estão para além da quadra de jogo e que incidem sobre um evento esportivo de natureza pedagógica. Reverdito et al. (2008) sinalizam que é fundamental que a escola valorize e explore as funções educativas do esporte, desde as dimensões axiológicas, culturais, estéticas e sociais.

Gallati e Paes (2006), por sua vez, consideram que para potencializar os elementos educacionais que permeiam o esporte, é preciso situá-lo como um fenômeno sociocultural, que integra o cotidiano dos alunos de diferentes maneiras. Contribuindo para reflexões de naturezas distintas quanto ao lugar que essa manifestação corporal ocupa na sociedade atual, inclusive na compreensão crítica de certas estruturas tais como corpo e performance atlética, esporte e alienação.

Dessa forma, uma das escolhas metodológicas foi inspirada em Kunz (2004) para tematizar o esporte a partir de uma compreensão ampla partindo da articulação entre os condicionantes socioeconômicas e socioculturais em circulação, denominada de transformação didático-pedagógica do esporte. Nesse sentido, os alunos puderam vivenciarem o lugar dos diferentes papéis que integram e compõem o cenário esportivo, exercitando as três manifestações pedagógicas do ensino: trabalho, interação e a linguagem. Contribuindo para potencializar as estruturas de protagonismo que nortearam o processo em questão.

Ademais, para Marques, Rodrigues e Almeida (2008) os significados que são estabelecidos para os esportes possuem variações de acordo aos processos de apropriação e relação estabelecidas entre os sujeitos em seus contextos socioculturais. Pressuposto que contribui para evidenciar o modo como os alunos da escola em questão têm se situado e se relacionado com os esportes. Isto, por sua vez, facilita possíveis aproximações e afastamentos no que tange ao uso e consumo desse conteúdo no componente curricular da Educação Física e posteriormente na perspectiva adotada nos jogos interclasses. Como pode ser melhor evidenciado nos trechos:

Aluno 1º ano 3 : “Não gosto de Educação Física porque pessoas como eu acabam em um armarinho. E ainda, a Educação Física só serve para as pessoas se exibirem para as outras”. Aluna 1 do 3º ano: “Tirando da mesmice de futebol e voleibol. E às vezes a gente não quer fazer. Aluna do 3º ano: “Eu não tenho dúvida de que se desde o pré, o aluno teve um professor que não preocupou com suas aulas, quando ele chega no ensino médio ele não dá importância. Aí demora um tempo pra acabar com essa cultura”. 1º ano 3: “Antes Educação Física era deitar na arquibancada pra falar mal dos outros”. Também do 1º ano 2: “Era triste, porque a professora chegava e dizia: joga queimada aí”. E ainda outro do 1º ano 2: “Bom, para mim, a Educação Física era o inferno na terra. Odeio Educação Física. E minhas aulas, antes, era basicamente ir pra arquibancada dormir ou matar aula no banheiro. Eu não tenho nada contra a Educação Física, até porque já fiz muito esporte, mas meu problema com a Educação Física é quando o professor chega e joga a bola. Como odeio isso”.

Por outro lado, há também aqueles que possuem aproximações positivas em relação ao esporte e ao componente curricular: Aluno do 3º ano, “Adoro esportes. Aluna do 2º ano, “Faço esportes desde criança”. Aluno do 1º ano, “Sempre pratiquei esportes, mas agora não consigo por causa do tempo”. Aluna do 3º ano. “Conheci o tae-kwon-do com 6 anos”. Aluna do 2º ano, “Eu adoro esportes, mas não gosto de Educação Física. Fiz arco e flecha”. Aluna do 3º ano: “Eu vim de uma realidade diferente. Na minha cidade, na antiga escola tinha tudo, quadra, material e professor”. Aluno do 1º ano 3: “Na escola onde estudava era muito melhor, porque os bimestres eram bem diversificados. No primeiro é jogo e brincadeira. Segundo, danças, por causa da quadrilha. E esportes menos comuns no 3º e 4º bimestres”.

Nesse sentido, iniciou-se a fase de mobilização e construção significativa do lugar pedagógico que os jogos ocupariam nas aulas de Educação Física, junto aos alunos das 10 turmas da escola. Para Reverdito et al. (2009), a competição como aprendizagem escolar não se inicia quando o árbitro apita, mas desde a preparação e distribuição das responsabilidades compartilhadas, de modo a garantir participação de todos.

A fim de envolver a professora de artes e inserir os alunos no processo de construção efetiva dos jogos, mantendo o suporte estrutural do protagonismo juvenil, realizou-se um concurso da logomarca e nome do evento, momento em que os alunos deveriam desenvolver a identidade visual e o nome para o interclasse. Dessa forma, a professora de artes desenvolveria uma ação pedagógica com as turmas, a fim de contextualizar os conhecimentos artísticos e estéticos que envolvem a elaboração de uma identidade visual de um evento. No entanto, como sinalizado sobre as dificuldades do trabalho interdisciplinar, a professora disse que “outros conteúdos de maior prioridade” a impediram de realizar essa ação. Aspecto que pode ter refletido no número de participantes: entre os 400 alunos, apenas quatro se inscreveram.

Para escolher o vencedor, e a fim de manter a perspectiva comunitária de currículo e as nuances interdisciplinares na área de linguagens, envolvemos novamente a professora de Artes, o presidente do Clube de Esportes, um membro do corpo administrativo e a coordenadora pedagógica como juízes do concurso. Essa ação constituiu-se como um momento significativo de pertencimento à escola, pois o critério de escolha amparou-se no significado que a logomarca possuía.

A Figura 1 apresenta a logomarca e o nome do evento escolhido.

Figura 1
Logomarca vencedora do Interclasse 20187

Muito embora, ao apresentarmos a logomarca, muitos alunos que não gostaram e criticaram disseram que não sabiam que a data de inscrição tinha se encerrado. No mesmo dia, foram reunidos os representantes de cada sala para o sorteio das comissões e os países que cada turma integraria. A distribuição consta no Quadro 1.

Quadro 1
Sorteios das comissões e seleções do torneio Interclasse

A cada turma foi entregue um documento com as responsabilidades e funções básicas de cada comissão na organização do Interclasse Frangão do Maura 2018, sintetizadas no Quadro 2.

Quadro 2
Comissões e suas responsabilidades no torneio Interclasse

A partir disso, os alunos deveriam estudar sobre as ações e responsabilidades de suas comissões e acrescentar elementos que considerassem coerentes. Desse modo, durante as aulas de Educação Física, foi destinado um período para o desenvolvimento e planejamento, bem como para acompanhar o que estavam propondo. Momento que possibilitou estabelecer ações e estruturas de produção colaborativas, integradas e colaborativas com seus colegas de turma, elementos que compõem as nuances do protagonismo juvenil.

Nesse contexto, emergiu a demanda de destinar uma parte do horário da aula para os alunos organizarem as equipes que iriam competir ou, nas palavras deles, “precisamos treinar”. Assim, com sugestões e negociações entre professora, pesquisador e os alunos, foi proposto que cada turma escolhesse um aluno para ser o treinador da equipe. Aspectos que ampliaram as possibilidades de experimentação e vivência do lugar dos diferentes atores que compõem os fazeres esportivos e também reforçam o lugar do protagonismo na proposta.

Esse tipo de estrutura fornece indícios para compreender o lugar que o esporte ocupa na vida dos alunos, pois consideram que para o esporte acontecer com uma eficiência competitiva e de performance necessita de treinamento técnico, tático e físico. Elementos que se assemelham ao consumido no espaço de alto rendimento e profissional. Dessa forma, de maneira constante observavam-se os alunos sistematizando e organizando esses momentos a partir de educativos analíticos, jogadas ensaiadas, cujas inspirações vinham do YouTube ou das escolinhas de esportes que faziam ou fizeram parte.

Ademais, nesses momentos foi possível capturar diferentes relatos e (re)apropriações quanto aos saberes dessas práticas: aluno da Comissão Médica: “A minha comissão é importante, pois protege os jogadores”. Aluno da Comissão de Materiais: “Responsabiliza-se por levantar os materiais necessários aos jogos e todo material que outras comissões necessitem”. Aluna da Comissão Disciplinar: “Sem minha comissão os jogos serão uma bagunça, pois cada um vai querer fazer o que bem entender”. Aluno da Comissão de Cerimonial: “A beleza e organização inicial do interclasse vão depender da gente, pois tem que ser uma abertura igual a das olimpíadas”. Aluna Comissão Financeira: “Tem a responsabilidade de pagar e ver se dá pra pagar um evento, fica responsável pra ver se tem dinheiro pra isso tudo”.

Essa mobilização dos alunos por comissões dialoga com o que propõe Reverdito et al. (2008), no que tange ao processo organizacional que deve priorizar as características do grupo e valorizar todas as estruturas inerentes a sistematização de um evento dessa natureza. Assim,

A organização corresponde a todo o processo de periodização, especificação e execução do cronograma de atividades em cada período, recursos humanos, atividades propostas, materiais necessários, espaços, estruturas a serem modificadas e adaptadas, assim como participação direta e indireta dos alunos, demais professores, pais e comunidade na organização e execução, critérios para premiação e avaliação do evento

(Reverdito et al., 2008, p. 41).

Em outras palavras, promover a co-educação, a autonomia, a participação, a inclusão e autonomia, compreendendo o envolvimento e participação esportiva, seja como praticante ou como espectador, produzindo e percebendo metáforas entre as configurações esportivas e aquelas da vida social, são fundamentais para aprendizagens significativas que envolvem o esporte (Gallati & Paes, 2006). Por outro lado, a transformação didático-pedagógica do esporte proposto por Kunz (2004) permitiu aos alunos ampliarem as perspectivas que envolvem esse tema da cultura corporal para além da vivência do esporte entre as equipes que competem entre si e dos jogadores em suas respectivas posições.

Construir outros modos pedagógicos de lidar com a inserção e influência de um evento como a Copa do Mundo no contexto escolar promove a possibilidade de evitar o que Signorelli Miguel e Prodocimo (2019) destacam sobre os descompassos entre legitimação esportiva em suas nuances específicas como de um megaevento, com destaque para o consumo passivo, e de outro lado, a promoção de tessituras de aprendizagem inerentes ao espaço/tempo da educação física inserida no projeto de escolarização brasileiro. Ademais, esses aspectos representativos envoltos na inserção e difusão cotidiana de um evento esportivo como a Copa a do Mundo fornecem novos indícios sobre os tipos de esporte consumido no cotidiano sociocultural desses alunos.

Por conseguinte, foi possível verificar a cada semana um envolvimento progressivo dos alunos, mas eles eram cercados de tensões e dificuldades, principalmente com relação à capacidade de organização individual e coletiva, além da proatividade e interesse no que se refere ao exercício do protagonismo e autonomia. Uma vez que as turmas eram compostas por 40 alunos, desses nem todos se envolviam com a devida expectativa pelos professores e pelos próprios colegas de turma. No entanto, é preciso ressaltar que o aumento progresivo na adesão não significa ausências de resistências quanto a integração e materialização da proposta. Um dos fatores pode estar relacionado às apropriações do componente curricular educação física e do próprio conteúdo esportivo ao longo do ensino médio e das demais etapas da educação básica.

Aluno do 1° ano 3: “Eu vim de escola particular e não era tão diferente não. Na teoria a professora até passava um monte de coisa, mas na prática era sempre a mesma coisa, vôlei, handebol e basquete”. Aluna do 3º ano: “Eu amo esportes. Mas desde meu ensino fundamental 2 que eu não fazia mais questão de fazer Educação Física. E nem meus professores insistiam. Dava a impressão de que quanto menos alunos melhor, menos trabalhos para eles”. Aluna sazonal do 3º ano: “Em todos os meus anos de carreira escolar em escola pública, nas etapas anteriores, não tive experiências boas e assim não foram tão relevantes, principalmente porque não tinha estrutura.

Vale, com isso, destacar a condição paradoxal envolta na estrutura do protagonismo juvenil, pois, ao passo que valoriza a iniciativa, autonomia e ação dos sujeitos desenvolvendo o sentimento de pertencimento e corresponsabilidade educativa, também institui em uma parcela dos alunos o sentimento inverso, no qual o processo acontece conforme seus interesses e vontades, destituídos de co-responsabilidades. Pressupostos que também se coadunam sobre aproximações, re(apropriações), tensionamentos e resistências à proposta dos jogos em questão.

No período em campo, foi possível identificar que a equipe gestora possui as representações de maior expectativa no que se refere à aplicação das estratégias para a materialização do protagonismo juvenil. Os professores se dividem entre as expectativas positivas, inicialmente com a melhora da educação pública e, em seguida, com a possibilidade de contribuir no desenvolvimento dos alunos. Há também os professores que consideram que a proposta é significativa, mas nem todos os alunos têm maturidade para ela. Posicionamentos semelhantes aos alunos que entendem que o protagonismo juvenil é significativo, mas tem limitações, pois não há envolvimento de uma parcela significativa dos colegas.

Todavia, é significativo ressaltar que autonomia e protagonismo são atitudes construídas e desenvolvidas culturalmente e não são inatas ou naturais ao jovem, pressuposto que indica a importância de executá-las e praticá-las como parte do processo de ensino-aprendizagem (Nonato et al., 2016). Elementos que evidenciaram a necessidade de organização de uma categoria temática específica para a discussão e problematização dessa estrutura na proposta dos jogos interclasses.

Saberes/fazeres mobilizados no/do/pelo protagonismo juvenil

A segunda categoria envolve a materialização dos saberes/fazeres envoltos na proposta dos jogos. O torneio interclasse “Frangão do Maura” foi disputado em cinco dias, ocupando o horário integral da escola, ou seja, das 8:00 às 17:00. Aspecto que sinaliza a inserção representativa desse conteúdo como um ação da escola e não da Educação Física. As modalidades que integraram o calendário dos jogos foram futsal masculino e feminino e vôlei misto. A escolha dessas modalidades refere-se à cultura escolar, pois no período de planejamento foi levantado junto aos alunos as modalidades que eles gostariam que tivessem e que todas as turmas conseguiriam participar. Do mesmo modo, foi acordado com eles que a cada ano em que os jogos acontecessem, uma nova modalidade deveria ser incorporada.

Esses aspectos também convergem para uma das esferas que integra as formas de manifestação do esporte (Stigger, 2009), nesse caso, a estrutura voltada para a modalidade da prática. Ou seja, as estruturas finalidade e sentido da prática balizaram os objetivos (no caso, realização de um evento esportivo pedagógico), o elemento ambiente da prática diz respeito a perspectiva educacional (espaço e tempo de uma escola de ensino médio pública), que tencionam sobre os aspectos estruturais do jogo propriamente dito, que convergiam para organizar e realizar, por exemplo, um voleibol misto, jogado por meninos e menina. Mesmo o futsal sendo organizado por gênero, também foi pensado a partir das contribuições dos alunos, pois principalmente as meninas entendiam que a modalidade, quando jogada de maneira mista, se tornava pouco inclusiva para elas. Outros elementos estruturais relacionados aos tratos pedagógicos empreendidos a fim de ampliar a natureza pedagógica dos jogos realizados nas particularidades da escola em questão, foram: tempo dos jogos de futsal, pontuação dos sets no voleibol, substituições ilimitadas, caráter disciplinar conscientizador em detrimento ao punitivo.

Esse movimento foi realizado, também, com intuito de valorizar as manifestações esportivas em sua representação junto aos alunos, a partir da “leitura positiva” (Charlot, 2002). Assim, pode-se evidenciar como esse tema da cultura corporal, a partir dos usos e consumos estabelecidos entre os alunos com esse componente curricular, assume um lugar de destaque em relação às demais práticas corporais oferecidas. Isso sugere um movimentar-se da área em direção não à ruptura ou secundarização desse conteúdo – mesmo que o adjetivo pejorativo de quarteto fantástico ainda assole sobre o ensino do vôlei, handebol, basquete e futsal, como realizado em outros momentos no campo –, mas sim à possibilidade de maior valorização das outras práticas corporais, inclusive as esportivas.

Os elementos analisados nessa categoria foram subdivididos em eixos de discussão representados pelas comissões desenvolvidas para a organização esportiva. Com isso, espera-se sinalizar as aprendizagens decorridas da coparticipação, da autonomia, do processo de comunicação intragrupal e das relações interpessoais desenvolvidas (Gallati & Paes, 2006; Reverdito et al., 2008). Ademais, para Dayrell e Carrano (2005) as ações curriculares da escola devem ser organizadas como espaços que valorizem o protagonismo juvenil. Para tanto, é indispensável situar os jovens como figuras fundamentais do processo, ouvindo-os de acordo com a expressão de seus dilemas, conflitos e sugestões, visto que as identidades desses jovens possuem tanto semelhanças quanto projetos e trajetórias distintas, mesmo que advindos de um contexto comum. E no caso da presente pesquisa, inclusive no que tange às suas expectativas e representações sobre o fenômeno esportivo e suas nuances escolares. Em outras palavras, ao envolver os alunos no processo de organização, permite com que eles expressem os sentidos que o esporte e um evento esportivo possuem em seus contextos socioculturais.

Desse modo, além de serem acrescidos elementos organizacionais, técnicos e éticos, que os alunos consideravam relevantes para a organização do evento, também foram inseridos tratos pedagógicos inerentes à atividade docente em um processo de negociação e planejamento participativo. Ação que evitava também atribuir aos alunos a responsabilidade completa do processo de ensino aprendizagem, contradição que por vezes tensiona sobre a compreensão de protagonismo juvenil. Assim, nessa fase, alunos, professor e pesquisador construíam, a partir de consensos, as estruturas responsáveis por configurar os jogos interclasses. Uma vez que,

Considerar x jovem como protagonista significa construir as ações em conjunto com elx e não tanto para elx, o que leva a estabelecer uma relação dialógica baseada na sua autonomia. Na prática, é aparentemente simples: abrir espaços e tempos e fornecer recursos para que x jovem experiencie todas as fases de uma ação social qualquer, desde o seu planejamento até a sua avaliação

(Dayrell, 2016, p. 87).

As comissões técnicas e centrais se responsabilizaram por organizar o sistema de disputa que seria adotado. Inicialmente, foi sugerido chaveamento, para que eles pudessem jogar mais vezes. Esse pedido surgiu baseado na premissa de valorizar mais a participação do que somente vencedores. Como é indicado nos dizeres de um aluno de 3º ano: “Ano passado foi uma bagunça, poucos jogos, atrasos, poucos dias. Só aqui na escola é assim. As outras Escolas Vivas têm uma semana de jogos”. Aluna do 3º ano: “acho que quanto mais a gente fazer os outros jogarem melhor, pois aí tem mais participação da galera”.

Depois de duas reuniões, sugeriram que as partidas de futsal seriam disputadas em dois tempos de cinco minutos, entre as salas. As partidas de voleibol seriam realizadas em um set de 25 pontos. Em caso de empate ou uma vitória para cada sala, o desempate ocorreria por meio de set desempate de pontos. Elementos que confirmam as estruturas sobre as formas de manifestação esportiva, pois as estruturas não seguiram um caráter hegemônico das modalidades em seu formato oficial definido por federações e campeonatos oficiais, mas sim seguiram as particularidades identificadas e consumidas pelos alunos da escola em questão.

Sobre as questões gerais, todas as salas deveriam estar uniformizadas, com: camisas numeradas, bermuda (exceto jeans, ou tecido pesado), tênis, caneleira e meias/meiões. A sala que tivesse um jogador sem tênis, em um primeiro ciclo de conversas, decidiu-se que este deveria ficar no banco, pois segundo os alunos poderia causar lesões, porém levantamos com eles a reflexão sobre o que fazer com os alunos que não tem condição de ter um tênis para jogar. Assim, eles propuseram a comissão de materiais que conseguissem os tênis para os alunos que não tivessem condições e solicitassem antes dos jogos. Com isso, os alunos dessa comissão pegavam tênis emprestados com outros alunos ou mesmo com familiares e disponibilizavam a quem precisasse das outras salas.

As ações de construção de aprendizagem nessa fase concentraram-se na necessidade de compreender que um evento esportivo precisa de outros elementos para além dos atletas, árbitros e torcida. Para Reverdito et al. (2008) Gallati & Paes (2006) é preciso ensinar o esporte, mas também a gostar do esporte, em suma é fundamental ensinar mais que o esporte. A Comissão de Cerimonial também apresentou um envolvimento significativo na organização do interclasse. Eles estavam se reunindo constantemente para decidir o formato, bem como a organização no dia do torneio e tiveram muitas ideias de decoração temática referente aos países da Copa do Mundo Fifa, como distribuição das salas e dos atletas durante a cerimônia, com marcações nas arquibancadas. Nas vésperas do evento, eles ficaram enfeitando a quadra, solicitando ao diretor que ficassem além do horário de aula. No dia dos jogos, chegaram mais cedo, adiantaram a decoração e repassaram a sequência do cerimonial, para que os outros membros fizessem sua parte.

Eles também escolheram um dos alunos para ser o mestre de cerimônia. Iniciaram o evento perfilando as delegações na quadra em ordem alfabética. Na sequência, foi tocado e cantado o hino nacional e, posteriormente, foi feito o juramento do atleta. Em seguida, como a professora havia conseguido uma fantasia de frango, uma das alunas da sala se vestiu de mascote e fez uma apresentação cômica e descontraída. Por fim, houve a apresentação cultural das salas, com danças típicas dos países, porém apenas o Brasil e a Espanha preparam uma dança, evidenciando mais um dos indícios relacionados a não adesão homogênea e os aspectos e tensionamento entre os alunos e a proposta apresentada que relacionam ao protagonismo juvenil e o mesmo a relação com os saberes a educação física no caso além do esporte a dança.

Ações que nos remetem à ideia de Charlot (2002, p. 55) em que “mobilizar é por recursos em movimento …. a criança mobiliza-se em uma atividade, quanto investe nela, quando faz uso de si mesma como de um recurso, quando é posta em movimento por móbeis que remetem a um desejo, um sentido, um valor”. Assim, foi possível identificar elementos dessa natureza no envolvimento dos alunos em realizar a atividade de responsabilidade deles.

A Comissão Disciplinar de responsabilidade do terceiro ano ficou incumbida de elaborar o Código de Ética do torneio. Eles apresentaram sugestões sobre o que seria permitido, ou não, durante os jogos. Eles consultaram modelos na internet e também tentaram propor princípios de convivência comuns que eles percebiam no dia-a-dia do campo pesquisado. Durante a realização dos jogos essa comissão também ficou responsável por acompanhar o cumprimento das atitudes inerentes as condutas éticas do esporte e propostas no Código de Ética do Evento. Com isso, as principais ações indisciplinares levantadas pelos alunos e registrados referem-se ao trato com a figura dos árbitros. Parcela significativa das turmas que disputaram o futsal masculino ofenderam colegas e professores com palavrões, intimidações e reclamações ostensivas. Mas a impressão produzida trouxe consigo elementos de natureza cultural, quanto à figura do árbitro, mais do que propriamente da pessoa que está a apitar os jogos. Em outras palavras, indiferentemente de quem fosse arbitrar, as condutas teriam pouca variação quanto ao aspecto disciplinar.

Sobre essas tensões e sensações provocadas no/pelo esporte, Elias e Dunning8 (1992, p. 41) chamam a atenção:

Mas, na maioria dos confrontos desportivos, as regras existem com a finalidade de manter essas práticas sob controle. Pode perguntar-se: que espécie de sociedade e esta onde as pessoas, em número cada vez maior, e em quase todo o mundo, sentem prazer, quer como atores ou espectadores, em provas físicas e confrontos de tensões entre indivíduos ou equipes, e na excitação criada por estas competições realizadas sob condições onde não se verifica derrame de sangue, nem são provocados ferimentos sérios nos jogadores?

Em outras palavras, os alunos continuaram a ser colegas, amigos, e não houve aumento de brigas ou ações hostis entre eles por causa dos jogos nem mesmo com os árbitros, alunos e professores. Esses elementos situam o lugar do esporte, mesmo no âmbito escolar, ou seja, nem supervalorizado, nem subvalorizado, parte integrante e envolta da/na configuração social, que assume valor de natureza simbólica que, por vezes, adota condição não violenta e não militar de competição entre estados, nações e – por que não? – entre turmas de escola. Essas nuanças do comportamento evocadas durante a competição, levaram a estabelecer ações didático-pedagógicas que estivessem voltadas também para os aspectos éticos e axiológicos que envolvem o esporte e se mostraram bastante incipientes. Elias e Dunning (1992) ressaltam que o processo civilizatório provocou novas sensibilidades na forma como se compete e pratica o esporte, principalmente expressas pela substituição dos instrumentos bélicos e pela necessidade de segurança aos competidores. Talvez, por isso, o trato com o árbitro se destoe e evoque maiores hostilidades, pois ele é a figura que resguarda e deve fazer cumprir o regulamento. Ao se tornar mediador no confronto direto, as armas que foram substituídas pela intriga e pela civilidade remontam a um novo patamar: o da injustiça e possíveis complôs contra esse ou aquele adversário. Todavia, ao encerrar os jogos, os resquícios hostis, angustiosos e revoltosos retornaram aos seus lugares habituais no viver ordinário dos sujeitos no âmbito escolar.

Não obstante, é preciso refletir sobre o processo de apropriação no que tange às inter-relações provocadas em caráter intergrupal do esporte. Pois esse tipo de comportamento também é aprendido culturalmente, e o que foi possível perceber é uma imitação estética do que é visto no futebol e futsal que chega a eles pela mídia ou nas escolas de iniciação e clubes. Alguns dizeres colaboram para ampliar a reflexão sobre esse cenário. Aluno do 2º período: “tem que pressionar o árbitro mesmo”. Aluno do 3º ano: “esses juízes são todos ladrões”. A questão que fica é: como os alunos passam a realizar essas condutas? Onde aprenderam isso? Pressupostos que podem ser relativizados quanto ao vôlei em que não houveram maiores tensionamentos entre alunos e árbitros. Aspecto que provoca a reflexão sobre os princípios que permeiam determinados signos específicos por modalidade esportiva. Como se no futebol e futsal reclamar, xingar e brigar com o árbitro fossem elementos inerentes de sua prática. Pressupostos Suscitados por Marques, Gutierrez e Almeida (2007, p. 46):

O ambiente da prática engloba a esfera social em que se realiza a prática esportiva. Diz respeito aos meios profissional, não-profissional e escolar. É o campo de realizações nos quais as modalidades esportivas se concretizam, pautadas em sentidos que a contextualizam e lhe dão significado. Por se tratar de um fenômeno que exerce transmissão e renovação cultural, pois deriva das características de seus praticantes, o esporte transmite valores, e por isso interfere na formação humana. Esses valores são diferenciados de acordo com o sentido da prática. Por exemplo, uma atividade que transmita segregação e comparações objetivas se diferencia de outra que transmita inclusão e autovalorização.

A Comissão de Primeiros Socorros, entre seus fazeres, vale destacar os dois ofícios que foram enviados à Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro e para o Curso de Enfermagem de uma universidade da cidade, com o intuito de solicitar profissionais capacitados para atender ao evento. Os alunos foram atendidos pela universidade que enviou quatro estagiárias para realizar os possíveis procedimentos de primeiros socorros. Essa ação foi uma das mais representativas, destacada pelo coordenador da secretaria da escola: “Olha, eu nunca tinha visto isso em jogos de uma escola. Vocês conseguiram trazer enfermeiros para os jogos. Isso deu um brilho diferente pro evento. Corroboram esses dizeres as impressões da aluna do 1º ano 3: “Eu gostei muito de ver gente da enfermagem por lá. Ficou mais organizado.

Outro destaque significativo diz respeito à Comissão de Marketing e Divulgação, principalmente com a cobertura e registro do torneio. No período que antecedeu o evento, eles fizeram a confecção da logomarca no computador, pois o desenho original estava a lápis. Na sequência, pediram acesso à página oficial da escola no Instagram para as divulgações. Nos dias dos jogos, eles tiravam fotos das equipes antes do início das partidas e registravam as ações da torcida, a presença dos professores e os comportamentos espontâneos dos alunos pelas imediações da quadra.

As demais comissões, Comissão Organizadora Central, de Materiais, Acesso e Credenciamento, Financeira (esta última com maior participação antes do evento) e de Apoio não registraram envolvimento significativo durante o evento. No processo avaliativo, a argumentação deles referiu-se à baixa participação da sala nos afazeres da comissão. Essas críticas vieram principalmente dos alunos que jogaram. Aluna da Comissão de Materiais: Professor, a gente jogou, não dava pra fazer tudo”. Aluno da Comissão de Acesso: “Isso é uma irresponsabilidade pessoal. Pra mim uma das críticas ao torneio é essa, a participação da turma”.

A relação desses jovens com a escola está permeada pelo universo simbólico do qual esse grupo social, em sua diversidade de práticas sociais, características e comportamento, tem-se instituído nesse contexto social e histórico. Para isso, é preciso situar esses jovens em sua condição juvenil, ou seja, observando a maneira como eles se constituem a partir de elementos étnicos, de gênero, classe e o modo como uma sociedade atribui significado a esse momento da vida a partir da dimensão histórico-geracional (Dayrell, 2007). Nesse sentido, é preciso considerar que as relações e (re)apropriações que esses alunos estabeleceram com os esportes podem não ter alcançando estruturas simbólicas que os permitam considerá-lo como aprendizagem significativa, com isso ocorre um processo de afastamento, tensionamento e distanciamento didático-pedagógico, inclusive quanto a outros saberes/fazeres que não aqueles de natureza técnico-táticas inerentes às modalidades vivenciadas. Pressupostos que contribuem para compreender as dificuldades dispostas na oferta e compartilhamento de uma estrutura pedagógica conduzida pelo esporte.

A especificidade dessa fase da escolarização, por assumir o lugar de última da educação básica, traz consigo a premissa de aprendizagens que foram sendo, de modo longitudinal, estruturadas ou esquecidas entre as etapas anteriores, o que não significa considerar a inexistência de aprendizagens próprias do ensino médio. Todavia, é preciso questionar em que medida as ausências e/ou constituições estabelecem relações de continuidade entre uma etapa e outra, a ponto de fornecer suportes ou fragilidades de aprendizagens dado o modo como os saberes foram sendo apropriados

Pistas podem ser averiguadas nas minúcias dos seguintes recortes de narrativas, dispostos em momentos diferentes das entrevistas e nos diálogos ao longo do semestre: “Adoro esportes”. “Faço esportes desde criança”. “Sempre pratiquei esportes, mas agora não consigo por causa do tempo. Ou seja, escolinhas, projetos sociais, clubes e academias principalmente têm cumprido a função de proporcionar as experiências iniciais dos alunos nas práticas corporais que colaboram na instrumentalização dos saberes de domínio necessários ao fazer das práticas corporais com alguma autonomia.

Em outras palavras:

O conhecimento é o resultado de uma experiência pessoal ligada à atividade de um sujeito provido de qualidades afetivo-cognitivas …. E ainda saber implica a de sujeito, de atividade de sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo (deve desfazer-se do dogmatismo subjetivo), de relação desse sujeito com os outros (que co-constroem, controlam, validam, partilham esse saber)

(Charlot, 2002, p. 61).

Muito embora seja preciso ressaltar que, mesmo nessas comissões, há indícios de aprendizagens significativas entre alguns alunos:

Até hoje foi o único evento que reuniu todo mundo da escola, mesmo assim pra competição, foi o interclasse. Pra mim foi a única vez que envolveu todas turmas. Elas estavam ali competindo, mas não era tão à risca, era mais por diversão. E foi interessante porque não envolveu somente quem ia jogar, com a ideia das comitivas (comissões) envolveu todo mundo e envolveu bem. Uma comitiva responsável por cada coisa e não uma turma ou os professores responsáveis por tudo

(Aluna 3º ano).

É possível dizer que as comissões evocam o lugar da experiência (Kunz, 2004) como possibilidade pedagógica no trato com o esporte, evidenciando no aspecto intragrupal das turmas os elementos da interação, linguagem e do trabalho. Que articulados à noção do protagonismo juvenil, possibilitaram a produção de aprendizagens amplas no que tange ao esporte, pois autonomia, coparticipação, cooperação, dialogicidade, inclusão e aprendizagens específicas de regras, técnicas, táticas, além de organização e administração esportiva (Gallati & Paes, 2006; Reverdito et al., 2008) transcorreram por todo o processo de planejamento, organização e execução dos jogos interclasses.

Dessa forma, ao situar o protagonismo juvenil como concepção norteadora, em que o jovem pode se perceber como sujeito que interpreta seu mundo e age sobre ele, mesmo que em uma atividade específica como os jogos interclasses, colabora na mobilização de saberes/fazeres e consequentemente atribuições de sentido e (re)apropriação das aprendizagens significativas produzidas. Não obstante, a proposta integrada ao cotidiano da escola pesquisada, como produção de um currículo comunitário de afetos (Carvalho, 2009) pautado nas estruturas de compartilhamento e construção coletiva, evidenciam as potencialidades pedagógicas em torno do esporte. Elementos que ficam mais bem elucidados nos dizeres dos diferentes atores. Coordenador de secretaria: “Veja como você envolveu esses alunos, nas [pausa para pensar] comissões. Os meninos ficaram ansiosos demais para a chegada do interclasse. É muito bom ver isso. Narrativa que guarda semelhanças com a da coordenadora pedagógica: “Foi muito bom ver esses meninos envolvidos como eles estavam. Ali se via o protagonismo acontecendo. E se a gente pensar quantas competências socioemocionais foram desenvolvidas, senso de respeito, valorização dos alunos da educação especial e o protagonismo”. Aluna do 3º ano: “Igual tem o interclasse que envolve todo mundo. Quem não tá jogando tá enfeitando. E o pessoal ajudando”. Professora de Educação Física: “Fizemos o interclasse ano passado e este ano, mas este ano muito melhor, com sua presença. Eu não tinha pensado nessa ideia das comissões”.

E, por fim, o diretor: “Vocês conseguiram realizar um trabalho brilhante. Se a gente pensar quantas competências foram desenvolvidas naquela atividade!” Esses fragmentos suscitam além do envolvimento o sentimento de pertencimento e construção compartilhada, elementos de suma importância para o desenvolvimento de aprendizagens significativas no cotidiano escolar. Todavia, isso não significa considerar um processo homogêneo, uma vez que uma comunidade, como a escolar, é permeada e formada por diferenças, inclusive no que se refere às relações e os processos de (re) apropriações estabelecidas pelos sujeitos com os esportes.

Considerações finais

É possível sinalizar que os jogos interclasses organizados e estruturados a partir do protagonismo juvenil, alicerçados na ideia de comunidade afetos, com princípios da transformação didático-pedagógica e da pedagogia do esporte, constitui-se como objeto profícuo de materializações significativas quanto à necessidade do componente curricular Educação Física construir possibilidades de ensino do esporte para além da reprodução do modelo adulto competitivo expressos em âmbito extraescolar. No entanto, o envolvimento do aluno para além de espectador ou atleta em miniatura necessita da incorporação desse tipo de ação no projeto pedagógico da escola, constituindo-se como parte do cotidiano pedagógico, mesmo que transcorra em uma data específica do calendário letivo, como o realizado neste estudo.

Com isso, os saberes/fazeres técnicos, táticos, éticos e estéticos inerentes aos esportes assumem não somente um lugar de conhecimentos a serem aplicados em âmbito competitivo, mas sim de conhecimentos que permitem compreender o lugar sociocultural do fenômeno esportivo. Todavia, dentre as limitações que uma proposta dessa natureza assume reside nos objetivos interdisciplinares necessários ao cotidiano escolar. Dificuldades que estão associadas a uma cultura escolar centrada nos conteúdos e no conhecimento de modo fragmentado, também pode-se destacar a não incorporação ] do trabalho interdisciplinar no cotidiano, como movimento constante nas/das tessituras do currículo.

Vale ainda considerar a relação bastante tênue que envolve a noção de protagonismo juvenil. Há fragilidades quanto às estratégias produzidas para que essas ações não subvalorizem os demais sujeitos do ato educativo, constituindo-se uma estrutura tensional, principalmente pela associação entre protagonismo e independência institucional, no sentido de o aluno fazer o que quiser e quando quiser. Essa confusão foi sentida principalmente entre os alunos e professora, no processo de organização dos jogos.

Sugere-se também que se desenvolvam novos estudos que articulem os conhecimentos das competições escolares ao longo das demais etapas de ensino, inclusive para discutir o que se aproxima e o que se afasta, em termos de aprendizagens, quando os alunos chegam ao ensino médio.

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    Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Junior (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
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    Apoio: CNPQ
  • 4
    O programa de escolas estaduais de Ensino Médio em turno único, denominado “Programa Escola Viva”, prevê a implantação de 30 escolas em turno único até 2018, com o objetivo de planejar, executar e avaliar um conjunto de ações inovadoras em conteúdo, método e gestão, direcionadas à melhoria da oferta e da qualidade do ensino médio na rede pública do estado do Espirito Santo (Espírito Santo, 2017).
  • 5
    Com o intuito de estabelecer ações interdisciplinares, desde o Parecer do Conselho Nacional de educação nº 1998, tem-se buscado a reorganização curricular em áreas de conhecimento. Nessa resolução foram propostas as seguintes áreas: linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias; e ciências humanas e suas tecnologias. A educação física, por sua vez, integra a área de Linguagens e códigos, Os PCNs+(2002) entendem as linguagens como capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los em sistemas de representação que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade.
  • 6
    Os clubes são espaços que fazem parte do currículo diferenciado, cuja organização e temática são responsabilidades dos alunos da escola.
  • 7
    A autora explicou que sua criação era devido à presença da carne de frango quase diariamente no almoço. Os alunos brincavam com isso, em conversas durante o recreio.
  • 8
    A opção analítica subsidiada por esses autores ocorre pela compreensão epistemológica com base nas ciências sociais, como tem sido feito durante toda a tese, articulada pelo conceito de teias que envolvem as estruturas sociais, como o desporto, inserido, inclusive, no processo civilizatório. Aspectos que nos possibilitam compreender as expressões provocadas pelo esporte para além do caráter utilitarista.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2021
  • Revisado
    23 Mar 2022
  • Aceito
    29 Maio 2022
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