Open-access “Em nome da mãe”: performatividades e feminizações em um CRAS

“In the Name of the Mother”: Performativity and Feminizations in a Social Assistance Reference Center - CRAS”

Resumo:

Neste artigo, são apresentadas descrições etnográficas de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), equipamento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com o intuito de compreender a performatividade de gênero e sexualidade na Política Nacional de Assistência Social (PNAS). A proposta de diminuição das desigualdades de gênero é um dos propósitos desta política que reconhece as mulheres como agentes da proteção social, principalmente no contexto familiar. A forma como essas políticas vêm se organizando acaba por performatizar as feminizações por meio de uma “biopolítica da maternidade” que se operacionaliza, de forma concreta, nas práticas, repercutindo diretamente nos processos de subjetivação e na configuração da gestão das relações familiares e sociais.

Palavras-chave: CRAS; PNAS; relações de gênero; maternidade; biopolítica

Abstract:

In this article, it is presented ethnographic descriptions of a Social Assistance Reference Center (CRAS), from the Universal Social Assistance System (SUAS), with the intuition of understanding gender and sexual performativity within the National Social Assistance Politics (PNAS). The proposal to diminish gender inequalities is highlighted as one of the goals of these politics. SUAS recognizes women as the agents of social protection, especially in the familiar context. The way these politics have been organized, ends up performing feminization, through a “motherhood biopolitics” and it is operated, in a concrete way, in the practices reverberating directly in the subjectivity processes of its users as well as in the configuration of the administration of the familial and social relations.

Keywords: CRAS; PNAS; Gender relations; Motherhood; Biopolitics

Introdução

Para buscar compreender a produção performativa do gênero nas práticas de assistência social, foram descritas e selecionadas cenas do diário de campo e fragmentos de 26 entrevistas feitas com trabalhadores/as e usuários/as durante pesquisa etnográfica realizada em um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), equipamento de Proteção Social Básica (PSB) do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), localizado em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul.1

No SUAS, as mulheres normalmente são reconhecidas (e designadas) como agentes da proteção social dentro de uma proposta de diminuição da desigualdade de gênero, o que faz com que, principalmente no âmbito familiar, elas auxiliem o Estado no gerenciamento do cuidado com crianças, adolescentes e idosos/as. Tal aspecto governamental justifica a forma como essas políticas vêm performatizando as feminizações2 através de uma “biopolítica da maternidade” sobre a qual lançamos o olhar neste artigo.

Buscamos, ao longo da pesquisa, entender como são performatizadas as relações de gênero de forma reiterada nas práticas associadas a essa política. Utilizamos a etnografia como método de pesquisa (Mauricio Rodrigues de SOUZA, 2015) na medida em que este permite descrever densamente e compreender os fenômenos socioculturais particulares de um grupo, comunidade ou instituição. Nosso campo se configurou na observação e análise de um CRAS específico, pelo período de cinco meses (entre 2014 e 2015).

Tomamos o conceito de gênero como performativo (Judith BUTLER, 2012; 2003), tal qual proposto por Judith Butler, para quem o gênero se constrói em ato e precisa ser reiterado o tempo todo, de forma que possamos existir enquanto sujeitos dentro de uma norma binária - feminina ou masculina. Por isso, concebemos o gênero como uma matriz regulatória inscrita na linguagem, que tem como um de seus efeitos a produção da materialidade dos corpos e do sexo (BUTLER, 2003; 2012).

A noção de desigualdade em si mesma funda o gênero, uma vez que, no Ocidente, para que o sujeito possa existir, e, mais além, antes que possa existir, ele é designado dentro das normas de gênero. Antes mesmo de nascer, cada sujeito já está inscrito dentro do sistema binário e de hegemonia heterossexual e cisgênera.3

Dessa forma, buscamos compreender o gênero como efeito no cenário das práticas da assistência social em um CRAS. Tais práticas podem ser capazes de reforçar ou modificar os lugares convencionais de homens e de mulheres produzidos pelas normas de gênero que definem os sexos.

Nesse sentido, os estudos feministas contribuíram para mostrar como a cidadania foi construída no Ocidente de forma sexuada, com o estabelecimento de diferenças e desigualdades entre os polos feminino e masculino (Silvana A. MARIANO, 2010; Dagmar Estermann MEYER; Carin KLEIN; Letícia Prezzi FERNANDES, 2012; BUTLER, 2003). Esteve na pauta do movimento feminista, desde a década de 1960, a questão da maternidade e das tarefas reprodutivas. Construiu-se uma lógica de que o “empoderamento”4 das mulheres daria conta das desigualdades de gênero e da dominação masculina.5 Entretanto, percebemos que, mesmo a transferência de renda designada para as mulheres através da PNAS - como o tem feito o Programa Bolsa Família (PBF) na última década -, não implica ainda a construção de um lugar pleno de cidadania e garantia de direitos para as mulheres, apesar de apontar para o crescimento de sua autonomia, já que algumas delas passam a receber alguma renda pela primeira vez na vida (Cássia M. CARLOTO; MARIANO, 2008; 2012; Walquiria G. Domingues Leão REGO; Alessandro PINZANI, 2013). Dessa forma, busca-se romper o ciclo da pobreza, uma vez que as mulheres deste segmento são mais frequentemente responsáveis pelo sustento familiar. Entretanto, estabelece-se aqui um paradoxo entre a fixidez das práticas de cuidado coladas às mulheres e o incremento da renda que lhes possibilitaria uma maior autonomia.

As ações do CRAS repercutem nos processos de subjetivação dos/as profissionais e usuários/as, produzindo efeitos sobre esses sujeitos e sobre como está sendo conformada a gestão das relações sociais na reafirmação ou na transformação das relações de gênero e sexualidade no contexto biopolítico. A biopolítica pode ser entendida como as formas de governo que são direcionadas à vida - ao mesmo tempo totalizante (tendo como alvo a população) e individualizante, pela via da disciplina e controle - tendo como alvo cada cidadã/cidadão (Michel FOUCAULT, 2008).

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) aciona estratégias de gerenciamento da conduta, onde os sujeitos se constituem nas/pelas relações de poder. Contudo, o poder não é exercido somente pelos chamados poderes de Estado, mas também pelas práticas disciplinares das diferentes instituições que produzem sujeitos e direcionam e delimitam condutas (FOUCAULT, 2007). Ao investigarmos as práticas em um CRAS, estamos buscando compreender seus efeitos no campo da performatividade de gênero e sexualidade. Com este intuito, apresentaremos cenas, problematizando-as, com vistas a demonstrar as especificidades das relações de gênero e sexualidade nas práticas cotidianas de um CRAS.

Conformação do campo etnográfico

Percorrer uma etnografia é estudar com o outro na sua alteridade (Cornelia ECKERT; Ana Luiza Carvalho da ROCHA, 2008). É uma proposta metodológica investigativa que se dá na inter-relação do/a pesquisador/a com os/as participantes do estudo (Stéphane BEAUD; Florence WEBER, 2007; Claudia FONSECA, 1998), onde se busca analisar não somente os temas previamente estabelecidos, mas também explorar aspectos relevantes que emergem no trabalho de campo.

Para tanto, analisaremos como as cenas veiculam os enunciados constituintes dos regimes de verdades que demarcam a performatividade de gênero e sexualidade - o que faz desse modo de conceber a pesquisa uma ferramenta de visualização das práticas que se legitimam em um CRAS (FOUCAULT, 2005; 2007). O enunciado em si, assim como o discurso, se constitui em rede. Ele se encontra na transversalidade das frases, proposições e atos de linguagem: é sempre um acontecimento, trata-se do que está dito e não algo a ser interpretado.

Para evidenciar esses enunciados, parte-se do pressuposto de que a constituição da subjetividade está intimamente ligada ao dispositivo da sexualidade (FOUCAULT, 1988), em cujo interior o sexo conteria, para a sociedade, a verdade sobre o sujeito, pressupondo um discurso sobre a sua sexualidade, enquanto que, para Butler (2003), é o gênero que constitui o sexo e a sexualidade dos sujeitos. De todo modo, a interpelação dos sujeitos é um enunciado performativo, ou seja, um enunciado que constitui o sujeito no ato de nomeá-lo no feminino ou no masculino. Assim, os enunciados não têm origem num enunciador único e imperante, mas estão inscritos nas relações de poder e resistência de cada contexto social (Sara SALIH, 2012). Os discursos, portanto, subjetivam ao produzirem materialmente o que somos (BUTLER, 2012).

Primeira Cena - Qual o gênero do Bolsa Família?

Chego ao CRAS, uma casa simples, alugada pela prefeitura de Porto Alegre-RS, com uma sala de recepção que tem três fileiras de cadeiras para espera, uma televisão, um bebedouro, a entrada para o banheiro, um assistente administrativo em uma mesa passando orientações para um homem, uma mulher sentada esperando para fazer Cadastro Único (identifico isso porque ela diz ‘Eu vim fazer o Bolsa’ e também porque ao lado tem uma sala aberta com duas estagiárias fazendo os cadastros nos cadernos do CadÚnico). Em seguida, antes mesmo de eu sentar e esperar pelo horário que tinha agendado ali para me apresentar enquanto pesquisadora, percebo que sou um corpo estranho, como se não fosse usuária da acolhida, cumprimento as pessoas, mas chega uma estagiária e/ou assistente administrativo com uma tabela de acolhida e me pergunta se eu vim ali para a acolhida, eu respondo que sim, que tenho um horário marcado para falar de uma pesquisa. Aí ela faz referência de saber do que se trata e pede para eu aguardar. Logo após, sai do corredor de atendimentos um homem idoso que agradece às atendentes e uma mulher do cadastro, e, a seguir, entra mais uma mulher que solicita atendimento para ‘Ver do Bolsa’. E a mulher que já estava sentada na sala é chamada para fazer seu CadÚnico - ‘o Bolsa’. Enquanto espero olho os cartazes e os informativos colados na recepção, alguns já conhecidos, mas procuro os desconhecer... falam da exploração sexual infantil, do bolsa família, dos cursos do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), informam sobre recolhimentos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), previdência social, estatuto do idoso, estatuto da criança e do adolescente... Essas imagens também produzem um lugar de identificação ou não dos/as usuários/as que pode ser relacionado ao gênero. Dentre elas, há a foto de uma mulher que mostra o cartão do Programa Bolsa Família - PBF com três crianças (Diário de campo).

A partir desta imagem ilustrativa, dos cartazes colados nas paredes do CRAS, da recepção e da sala do Cadastro (CadÚnico),6 podemos presumir que, em geral, o equipamento é reconhecido como um lugar destinado às mulheres, uma vez que são elas primariamente designadas como responsáveis legais pelo Programa Bolsa Família (PBF), carregando consigo o ônus de administrar a renda e as condicionalidades deste programa. Observamos, pois, a presença constante de marcadores de gênero e sexualidade reiterados pela via da normalização da maternidade como parte da estratégia de Estado no cuidado das famílias.

Para receber o PBF, tido como um direito de renda mínima para garantia da alimentação, faz-se necessário cumprir uma série de condicionalidades. As condicionalidades do PBF estão situadas na articulação da assistência social com as áreas da educação e da saúde.7 Na área da educação, é condição para receber o benefício matricular as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos em estabelecimento regular de ensino e garantir a frequência escolar de, no mínimo, 85% da carga horária mensal do ano letivo, informando sempre à escola os casos de impossibilidade do comparecimento do/a aluno/a às aulas, e apresentando a devida justificativa. São condicionalidades na área da saúde para gestantes e nutrizes o acompanhamento do pré-natal e o aleitamento. Já as/os responsáveis pelas crianças menores de 7 anos devem manter atualizado o calendário de imunização, conforme diretrizes do Ministério da Saúde (MS), e realizar o acompanhamento nutricional (popularmente chamado de “pesagem”, e realizado em crianças de até 7 anos de idade e em mulheres em idade reprodutiva).

A distribuição e agenda do PBF e sua interlocução com o acesso a outras políticas públicas - tais como a própria PNAS e o gerenciamento do seu programa central de transferência de renda, em especial no que respeita às perspectivas de promover igualdade e equidade social, produzem efeitos nos sujeitos. O PBF deveria operar antes como um direito, e não como uma condicionalidade. O programa permite o acesso a outras políticas públicas, então, não deveria caber aos/às técnicos/as do CRAS o papel de fiscalizar suas condicionalidades, posto que tal seleção prévia implica a construção de determinadas concepções de cidadania e de garantia para o recebimento (ou não) de outros serviços estatais (especialmente no âmbito da saúde e da educação). Cabe-lhes, contudo, acompanhar cada família em suas respectivas unidades de CRAS, realizando o acolhimento a partir das suas vulnerabilidades e potencialidades.

Atualmente, o PBF é distribuído às mulheres porque elas são consideradas por essa política agentes na promoção dos laços familiares e comunitários, bem como responsáveis pelas condicionalidades de cada Programa de Transferência de Renda (PTR).8 Assim, essas mulheres ficam com encargos de alimentação, escolarização e socialização das crianças, o que as responsabilizam por situações como a desnutrição, o fracasso escolar, o abandono de menores e/ou de idosos/as, o trabalho infantil9 e, até mesmo, o envolvimento de adolescentes com o tráfico de drogas (MEYER; KLEIN; FERNANDES, 2012). A sobrecarga dessas mulheres é evidente, uma vez que elas assumem a maior parte do ônus dos cuidados familiares, comprometendo, pois, suas chances de crescimento profissional em outros espaços, sejam públicos ou privados (MEYER et al., 2014).

Apesar de essa lógica da reprodução das relações de gênero ser predominante, Rego e Pinzani (2013) destacam algumas mudanças em relação à autonomia/empoderamento das mulheres desencadeadas pela PNAS, principalmente no que tange ao acesso à renda, o que lhes permite escolher o que irão priorizar - das compras da casa até o ajuizamento de um pedido de dissolução conjugal. Mara Coelho de Souza LAGO et al. (2014), em pesquisa sobre a política social do PBF e as relações de classe, gênero, raça/etnia em Florianópolis (SC), já pontuaram que existem mulheres líderes comunitárias as quais trabalham (mesmo) diante da precariedade e empreendem estratégias de autonomia. Tais empreendimentos extrapolam o contexto familiar, reforçando a lógica do empoderamento para a política e promovendo mudanças no agenciamento10 de suas condutas.

Muitas vezes, a inclusão das mulheres no PBF e o atendimento prioritário no SUAS se dão pela mera equação “mulher se iguala à mãe de família” (MARIANO, 2010). Foi possível perceber isso, com relevante nitidez, na sala de espera do CRAS pesquisado durante cinco meses. Tal equação elucidou-se, inclusive, em duas entrevistas com usuárias, as quais relataram, na ocasião, que estavam no CRAS para acessar a política em prol dos “homens da família”, fossem eles filhos (até mesmo maiores) ou companheiros.

Usuária: Eu vim ver ‘da bolsa’ do meu companheiro. Ele mora numa casa e eu em outra.

Pesquisadora: E ele já veio aqui no CRAS?

Usuária: Sim, com muito custo, uma vez para se cadastrar. Mas aqui vem mais mulher, né? (Entrevista com usuária de 39 anos que frequenta este CRAS há 4 [quatro] anos).

Ainda existe um equívoco no senso comum sobre o PBF e os serviços do CRAS de que homens não podem receber os benefícios e nem as mulheres sem filhos, o que é reforçado pelo enunciado veiculado pelo cartaz destacado, marcando a naturalização desta ausência paterna. Assim, geralmente os homens procuram o CRAS quando já se encontram em situações de rua, uso e abuso de drogas, e/ou, raramente, quando um pai assume os cuidados da família perante o abandono da mulher. Este equívoco sobre os programas da PNAS reproduz a feminização da política.

A gestão estatal para a diminuição da pobreza no Brasil, através do PBF, precisa dar conta dos desafios impostos à continuidade do programa. Exemplo disso é o CRAS pesquisado, um lugar composto majoritariamente por mulheres trabalhadoras, o que torna manifesta a existência e propagação da lógica que reproduz a feminização na PNAS - retratando, igualmente, o cuidado centrado no viés materno-infantil ainda atribuído às mulheres (MEYER; KLEIN; FERNANDES, 2012).

Repete-se, portanto, na área da assistência social, a lógica familista, o que representa um significativo desalinho entre as demandas dos movimentos feministas11 e as práticas estatais das políticas públicas a princípio voltadas à saúde e à autonomia das mulheres (Adriana R. B. VIANNA; Sergio CARRARA, 2009). Mariano e Carloto (2012) também identificaram essa contradição entre os objetivos da política de combate à pobreza da PNAS, que pouco problematizam a maternidade e as conquistas feministas centradas na redução das desigualdades entre homens e mulheres. Por isso, questionamos os efeitos que as práticas do CRAS têm na construção da subjetividade ao reiterar as normas e modelos de feminilidade e masculinidades, de maternidades e paternidades, dentro das relações de gênero.

Butler (2003) constatou que o gênero é um conjunto de atributos flutuantes. Seu efeito substantivo é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras, as quais conduzem os corpos para a educação, para a convivência social e para a ocupação de determinadas posições generificadas (como nos programas sociais e nos serviços ofertados pelo CRAS).

Cena Central - “Em nome da mãe”

Depois de uns três meses no CRAS como pesquisadora, eu sempre percebia o trabalho dos/as técnicos/as, entre acolhidas, atendimentos, reuniões e produção de relatórios muito intensos, “uma correria”. Então, no meio dessa correria me pediram para auxiliar digitando algumas listas de crianças e adolescentes com os respectivos locais onde frequentavam o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV, na rede socioassistencial da região. Em todas as listas que digitei, as crianças e os adolescentes estavam cadastrados no nome das mães e/ou avós, seja para o SCFV ou para o CadÚnico do SUAS. Não existia ali referência aos pais, constava somente o nome da mãe. Então, questionei esse fato posteriormente à digitação da lista. Obtive, então, quatro diferentes pistas para a questão: a primeira sobre o abandono dos pais, histórias de usuárias que tinham os companheiros presos ou mortos pelo tráfico. A segunda, os/as técnicos/as relataram nem sempre se dar conta de perguntar por essa figura paterna ou de um companheiro nas acolhidas e atendimentos, porque a ausência dos homens já está bastante marcada na maior parte dos casos. Terceira, geralmente, durante as observações, percebia a presença dos homens no CRAS quando eles já estavam fora do contexto de proteção familiar, pelo uso e abuso de drogas ou pela fuga do tráfico de drogas. E quarta, ouvi histórias de mulheres que estão com um companheiro, mas afirmam que não têm companheiro, só ex-companheiro, para que o atual companheiro não conste no seu cadastro, o que lhes permite um maior acesso à transferência de renda (Diário de campo).

Esta cena, denominada “em nome da mãe” nos espaços do CRAS, condensa a discussão central deste artigo. O “em nome da mãe” prepondera nas inscrições feitas nos programas sociais e serviços da PNAS, onde prevalecem usuárias e trabalhadoras: mães e filhas (no CRAS pesquisado, a título ilustrativo, menciona-se o caso de uma trabalhadora, assim como de algumas usuárias que haviam tatuado o nome da mãe em seus corpos). Tal predominância feminina reforça o lugar da mulher enquanto responsável pelo gerenciamento da família e destaca a centralização das políticas públicas e assistenciais na figura da mãe.

Neste ponto é importante ressaltar que existem dois eixos preconizados pela PNAS como essenciais para o trabalho das equipes nos diversos estabelecimentos componentes da rede socioassistencial: a territorialidade e a matricialidade sociofamiliar.

Esses eixos reforçam uma essencialização da maternidade que performatiza a existência de um instinto a partir do qual todas as mulheres, ao se tornarem mães, naturalmente priorizariam o cuidado de suas crianças. Ao não atender a esta interpelação da norma, seriam tidas como mães “negligentes”: termo difundido pela normalização e psicologização (Lisandra Espíndula MOREIRA, 2009; 2013), estratégias de produção da maternidade biopolítica. Dessa forma, a maternidade acaba sendo objetificada e codificada pelas políticas públicas do Estado.

O amor materno foi constituído como uma das formas de o Estado poder fazer com que as mulheres-mães auxiliassem na diminuição da taxa de mortalidade de crianças e no controle da população, acionando uma espécie de aliança imposta de forma hierárquica entre as mulheres e o Estado, colocando-as a serviço da biopolítica (MOREIRA; NARDI, 2009). Assim, as mulheres, conforme observado por Robert Castel (1987), tornaram-se responsáveis pelo “futuro da nação”.

O pensamento foucaultiano nos ajuda a analisar a construção das famílias como foco da biopolítica, a qual se materializa nas práticas da Assistência Social na sua interface, com outras políticas públicas onde a família ganha destaque na estratégia do governo para cuidar, controlar, numerar e organizar os sujeitos.

Castel (1987) afirma que o planejamento social trabalhou com a racionalização e a coordenação, juntamente com seus desdobramentos, para dar conta dos riscos individuais. A assertiva não difere da perspectiva de mapeamento propagada pelas intervenções de territorialidade e matricialidade sociofamiliar, as quais preveem o cuidado com propostas pedagógicas centradas nas famílias, principalmente na infância - enquanto momento mais sensível para a produção de risco nessa perspectiva individualizante-psicologizante. Esse mecanismo é (re)produzido nas ações de prevenção a situações de vulnerabilidade executadas pela PSB através dos CRASs.

Constatamos que a maior parte dos estudos que abordam as relações de gênero salienta as mulheres - usuárias dos serviços - e sua relação com as desigualdades de gênero e com as garantias e limitações existentes nos programas do SUAS dentro da PSB, em que as principais atividades circulam entre a maternidade, o espaço doméstico e o familiar (MARIANO; CARLOTO, 2008; 2012; Teresa Kleba LISBOA, 2010; REGO; PINZANI, 2013).

Dessa forma, o sujeito mulher é visto como ser sexuado pelo Estado, o que determina a construção, de certo modo, das garantias de direitos das mulheres, as quais as colocam no lugar naturalizado da maternidade (MEYER et al., 2014). Na figura de mulher, mãe e cuidadora é que a mulher surge na questão social (MARIANO, 2010). Além disso, as mulheres adquirem certo status por assumir um lugar generificado na reprodução da vida doméstica e familiar, “tornando-se”, por esta via, detentoras de direitos.

Então, precisamos deslocar essas reiterações e nos perguntar: “Será que todas as crianças têm mãe? É preciso necessariamente ter uma mãe para acessar esses serviços da PNAS? E como fica quem não tem mãe? E para quem não tem nem mãe nem pai, quem figurará como seu responsável legal?”. Mais além, “será que todas as mulheres pobres querem e precisam estar na reiteração desse lugar de ‘mãe de família’, como aparece no campo”?

Se, por um lado, o sobrenome tradicionalmente é o do pai, o nome que é “chamado” para tratar das questões sociais de uma criança ou adolescente, em especial no CRAS, é o da mãe. É sobre as mães, tias, avós que habitualmente recaem os problemas e as responsabilidades. A confecção das documentações acionadas nos serviços da PNAS, ao mesmo tempo em que assegura direitos, insere os sujeitos dentro das lógicas biopolíticas de governo da vida. Assim, os documentos são marcados por um número que sinaliza o lugar de cidadã/ão e nos conferem um lugar de sujeito. Só podemos existir, só somos considerados sujeitos na norma conforme nossa época, localidade, contexto social - como apontam os estudos de Butler (2003; 2012) e Foucault (1988). Em primeiro lugar, precisamos ter um nome, geralmente designado como feminino ou masculino; em segundo, ter uma naturalidade (um local de nascimento); e, em terceiro, ter uma atividade profissional e/ou benefício social. E, no caso de o sujeito ser uma criança ou adolescente, ainda precisa contar com o nome de um responsável, comumente, aqui, o nome da “Mãe”.

O sistema sexo-gênero instalou a relação de parentesco como uma lei decretada “em nome do pai” (Gayle RUBIN, 1975). Este sistema orienta a lei que proíbe o incesto e, intrinsecamente, também a homossexualidade. Nele, o desejo das meninas lhes exige que assumam o emblema da maternidade e perpetuem as regras de parentesco (BUTLER, 2003). Ora, ambas as posições, masculina e feminina, instituídas por meio de proibições, reiteram gêneros culturalmente inteligíveis, nos quais a mentalidade hetero continua a afirmar que o maior tabu é o incesto, e não a homossexualidade (Monique WITTIG, 1992), e investe na regra da exogamia na reprodução da cultura.

Neste contexto, a linguagem é revestida enquanto meio de criar verdades - conforme os atos da locução falante, das atribuições de homens e mulheres. E recoloca, pois, a sexualidade e o poder como coextensivos, onde o sujeito é produzido dentro da sexualidade: não há um fora, um antes ou um depois do poder dentro da sexualidade (FOUCAULT, 1988). O poder, e não a lei, regula tanto as funções ou relações diferenciais jurídicas, quanto aquelas reprodutivas (BUTLER, 2003).

Compreender a performatividade da PNAS a partir de suas práticas nos CRASs no que tange à desigualdade de gênero implica reconhecer que existem movimentos e políticas feministas que trazem, em seu bojo, a mulher como sujeito principal e universal. Ao partirmos do questionamento de Judith Butler (2003) sobre quem seria, afinal, “o” sujeito do feminismo, problematizamos a construção da categoria “mulher” nas práticas da Assistência. Seguem fragmentos das entrevistas feitas com trabalhadores/as, o primeiro com uma estagiária do ensino superior, que já estava (à época da pesquisa) há mais de um ano no CRAS e o segundo com uma trabalhadora técnica social, que trabalhava há 5 anos no CRAS, ambas mulheres negras:

Aqui 90, 95% de quem vêm no cadastro [CadÚnico] são mulheres, mães de família. Os maridos na maioria estão presos, envolvidos com o tráfico ou mortos, aí não podem vir.

Até por uma questão assim, de que as mulheres são mantenedoras das famílias, acabam tendo os filhos e buscam muito o CRAS em função desses filhos, de manter a situação financeira pros filhos, ou de não ter local que os filhos fiquem quando estão trabalhando. Uma procura por vaga em creche. Ou às vezes até vem buscando o CRAS, são porta-vozes de uma demanda de outros como esposo, de outros familiares.

Percebemos que estar no “nome da mãe” no serviço do CRAS reforça o enunciado de que a “mulher cuida da família”, o que destaca a importância das mulheres como base na estrutura das famílias populares brasileiras. Refere também as intersecções de marcadores sociais como gênero, classe social e raça. Existe, contudo, uma naturalização das relações de gênero e uma performatividade que feminiza a própria política, justificando reiteradamente a ausência ou a omissão dos homens nas famílias assistidas pelo CRAS - posto que estes só recorrem ao serviço (do CRAS) quando já existe uma situação de grave vulnerabilidade instalada, como o fato de se tornar morador de rua, ou de não conseguir mais abandonar a relação com as drogas e/ou o tráfico. Esta se apresenta como uma masculinidade fracassada do ponto de vista da comunidade e do próprio modelo central de proteção da família que a PNAS propõe.

O modo como as figuras familiares foram investidas em prescrições, em especial as de mãe e de pai, não possui uma forma hegemônica dentro dos discursos científicos (MOREIRA, 2013). Pode-se questionar quem é o pai “de verdade”, mas não se questiona quem é a mãe “de verdade”. Butler (2012) indaga por que a paternidade ou a maternidade precisam ser sempre entendidas pelo viés heterossexual, uma vez que existe uma diversidade de modelos contemporâneos de se ser mãe ou pai.

O SUAS reconhece as mulheres como agentes da proteção social, principalmente no âmbito familiar: auxiliares do Estado no gerenciamento do cuidado. Esse aspecto biopolítico da maternidade que recai sobre as mulheres como responsáveis familiares pode produzir um deslocamento do privado para o público, onde, por vezes, essas mulheres também passam a ocupar um lugar na política pública que antes não lhes era designado. Dessa maneira, tal aspecto não prevalece exclusivamente nas discussões do espaço privado, uma vez que o CRAS é um espaço que trabalha com garantia de direitos e informa seus/suas usuários/as sobre os serviços e políticas públicas do território. Seguindo Sherry B. Ortner (1996), pode-se dizer que essas mulheres possuem “agência” na gestão familiar. Contudo, não é possível romper com as normas do público e do privado sem desconstruir os regramentos de gênero que constituem corpos masculinos e femininos e seus lugares dentro da própria PNAS, onde, ainda, as mulheres figuram como agentes cruciais no gerenciamento doméstico.

A maioria das mulheres utiliza a estratégia de acessar a política pela prioridade (ou responsabilidade) que lhes é impingida, mesmo que esteja sendo sustentada por companheiros (ou, até mesmo, ex-companheiros), mas isso não está declarado na burocracia da máquina pública - não podendo, pois, tal subterfúgio ser barrado pelo sistema. Esta pode ser considerada uma estratégia de sobrevivência dentro de uma lógica de pobreza na qual as mulheres se encontram nitidamente inseridas; mas, pode, mais além, significar uma maior liberdade em relação à escolha de continuar ou não em determinado relacionamento, mantendo, mesmo assim, uma renda mínima.

Por isso, precisamos ter cuidado com os enunciados em torno da maternidade e da relação com o pai ausente, os quais ficam colados com a criminalidade nas classes populares, corroborando a ideia de famílias desestruturadas e despreparadas que atravessam o discurso da negligência parental (MOREIRA, 2013). Apesar dos registros sobre o abandono paterno, precisamos ampliar nossa visão de genitor e genitora não como uma função biológica, mas como uma construção social conectada às performatividades presentes e constituintes nas/das relações de gênero que definem - nas práticas do CRAS - o que seria uma maternidade ou paternidade legítima.

O discurso da maternidade ilegítima possibilita aos/às técnicos/as sociais afirmarem que “Nem sempre a mãe/ a mulher é a melhor pessoa para cuidar da família, contudo as normas da política fazem com que as mulheres tenham maior acesso e circulação no serviço”. Esses/as profissionais relatam também que acompanham situações de destituição do poder familiar em que o juizado não consegue conceber uma mulher que não quer ou não pode cuidar dos/as seus/as filhos/as - no caso de os homens não terem a possibilidade desse cuidado, isso nem é questionado pela figura do juiz.

Além disso, os homens que chegam para acolhimento no CRAS se queixam da espera, que pode ser de 10 a 30 minutos, porque precisam sair para trabalhar, mesmo que estejam em uma situação de desemprego. Durante toda a pesquisa tive dificuldades em ter usuários que aceitassem ser entrevistados - 5 (cinco) se negaram por falta de tempo, 1 (um) aceitou, e 1 (um) fez a entrevista com a esposa. O usuário que aceitou realizar a entrevista estava indo pela primeira vez no CRAS para fazer o CadÚnico para encaminhar seu filho ao SCFV no turno inverso da escola. Esse usuário contou que estava lá porque estava em férias e a sua mulher recentemente tinha conseguido trabalho, então ele foi para inscrever o filho em uma atividade inversa da escola, mas não tinha nenhum conhecimento de outros serviços que o CRAS oferecia. Isso fala de um desconhecimento do serviço e, inclusive, dessa política pública, e do não lugar dos homens ali.

Várias Cenas - Grupos de Mulheres

Desde que cheguei ao CRAS começaram a contar sobre os grupos e as oficinas que vinham ali, sobre a prevalência de mulheres no espaço do serviço. E como o direcionamento técnico sempre invoca as mulheres.

  • - Grupo de mulheres quinzenal

  • - Grupo de gestantes mensal com a UBS

  • - Grupo de idosas (esse possuía a participação de idosos)

  • - Grupo de alfabetização (participação exclusiva de mulheres)

Destaco alguns momentos tensos de que participei no grupo quinzenal de mulheres:

Na terceira semana em que participo do grupo, uma problemática trazida pelo grupo desafia: Discussão entre mãe e filha ganha centralidade no grupo. A mãe está gestante e tem dois filhos adolescentes que moram na casa dela com o antigo companheiro, do qual ela sofria violência doméstica e se afastou. Ela se muda para a casa de um novo companheiro com os dois filhos menores, mas continua mantendo a casa anterior. Durante o grupo a filha adolescente julga a mãe por estar grávida: “Por que fez mais um filho, como vai sustentar?”. Inclusive a jovem faz menção que não quer conhecer o irmão que a mãe está gestando. A mãe chora, e os/as técnicos/as sociais pedem um momento para conversar com essa adolescente e depois com a mãe fora do espaço do grupo.

O grupo debate essa situação e uma das participantes do grupo diz que tem um centro espírita que doa enxovais para bebês e que vai providenciar para a colega usuária. Existe uma sensibilização das mulheres diante dessa relação tensa entre mãe e filha e nos encontros seguintes o tema que passa a ser discutido é a dificuldade de criar meninas, em especial meninas adolescentes. Essa mãe gestante e sua filha adolescente ficam sem frequentar o grupo por um mês, por motivos de saúde da mãe que tem pressão alta e a filha passa a fazer um estágio de ensino médio indicado pelo CRAS. Mas o grupo continua discutindo essa situação-problema e traz para a roda novos casos.

Agora em outra perspectiva, a filha de uma das usuárias engravida ainda adolescente e foge de casa para morar com o companheiro. Acaba ficando na rua porque o companheiro não tem casa, até que a mãe, através de vários atendimentos individuais e grupais no CRAS se reconcilia com a filha e acolhe ela gestante em casa com o respectivo companheiro.

Ao longo dos grupos, em especial em um dos grupos, quando é contada a reconciliação dessa mãe e filha gestante no natal, todas contam que criam meninas, exceto uma das usuárias desse grupo. E o quanto: “É ruim criar meninas, criar meninas é mais difícil”. Então, o técnico que atua como facilitador desse grupo vai perguntando: “Por que é mais difícil criar meninas?”. A resposta é que “as meninas são mais rebeldes, que elas engravidam, que elas fogem, que elas exigem mais cuidado e proteção que os meninos”. E logo essas usuárias começam a contar as suas histórias de quando eram meninas e adolescentes... Das seis mulheres que estavam no grupo naquele dia, uma só era casada com o primeiro marido, uma criava os filhos sozinha e as outras 4 já estavam com segundo ou terceiro companheiro. Cinco delas engravidaram para sair da casa dos pais, como uma forma de evitar violências domésticas, ou não ficar cuidando dos mais velhos ou dos irmãos... Todas essas cinco relataram que não voltaram mais para a família de origem, por vergonha, por orgulho, por medo... A usuária que recebeu a filha adolescente e seu companheiro em casa contou emocionada que só conseguiu receber a filha em casa porque ali no grupo e nos atendimentos no CRAS lembrou o quanto sofreu por não voltar para casa, por não pedir ajuda. Então, pensou que a filha adolescente grávida precisava de um apoio que ela não teve (Diário de campo).

As orientações dos grupos/oficinas feitas nos CRAS refletem desigualdades, “desigualdade em múltiplas dimensões: sociais, econômicas, políticas e culturais” (BRASIL, 2012, p. 33); sobre os desafios da vida em família e como poder “enfrentar as desigualdades dentro das famílias” (BRASIL, 2012, p. 36). Por isso, é preciso entender que as demandas levadas ao CRAS resultam de uma multiplicidade de fatores - contextos de desigualdade, violência, preconceito e falta de proteção social.

Percebemos que a feminização da política também acontece pela via da gravidez, uma vez que esta condição recebe maior atenção de proteção da área da assistência social e da saúde, o que demonstra uma estratégia biopolítica de controle da população através do corpo gestante ou lactante. Ao mesmo tempo se institui um preconceito em relação ao corpo feminino que se reproduz como se não dependesse da relação sexual (isentando o homem) e esse corpo precisasse ser contido.

Nas ações do trabalho do CRAS, a maior parte das discussões identifica gênero como equivalente à mulher. Contudo, as mulheres que buscam o CRAS não são homogêneas, mesmo que algumas delas relatem uma história de vida comum: saem de casa para buscarem autonomia e repetem parte da história de suas mães. Ou, ainda, mulheres que saem de casa para não sofrer violência de vários homens (pai, irmãos, tios etc.) e passam a sofrer a violência de um só homem (o companheiro), o qual também garante o respeito da comunidade (Raquel da Silva SILVEIRA; Henrique Caetano NARDI, 2014). Cada uma delas tem a sua história e as suas estratégias de resistência, apesar dos direcionamentos advindos da política e do gerenciamento de Estado para a maternidade.

Mariano e Carloto (2008) identificaram que a responsabilização das mulheres, por vezes, vai contra as propostas de maior autonomia das mulheres preconizada pela não cristalização das relações de gênero na PNAS. Nesse conjunto de regras que distingue o “falso” do “verdadeiro” papel de mãe, compreendemos que a responsabilização materna, por vezes, minimiza as responsabilidades de outras instâncias, construindo uma privatização dos problemas sociais na família (Jacques DONZELOT, 1986). Existe uma difícil equação para as mulheres com baixa renda que são atendidas no CRAS - de um lado, se elas ficam em casa cuidando dos/as filhos/as e são questionadas sobre o porquê não trabalham fora do espaço privado. Em contrapartida, caso elas venham a conseguir um trabalho como diaristas ou com carteira assinada, muitas vezes são notificadas pelo Conselho Tutelar (CT) por deixarem as crianças sozinhas ou sendo cuidadas pelas vizinhas. Assim, essa posição produz uma mulher em falta, que precisa dar explicações para um equipamento do Estado, em especial nos atendimentos de um/a técnico/a social que pode ser trabalhador/a do CRAS, CT, UBS, e/ou escola, entre outros.

É importante destacar que nem sempre existem vagas de creches, serviços de convivência próximos e acessíveis para essas crianças. As mulheres da vizinhança, por conseguinte, acabam ficando em casa cuidando das crianças. Além disso, cabe lembrar que o território onde foi realizado o trabalho de campo é marcado pelos impedimentos de circulação e de acesso aos serviços devido ao tráfico.

Essas incoerências aparentes nas políticas para a diminuição da desigualdade de gênero são ressaltadas no interior das políticas no estudo de Manoela Carpenedo Rodrigues (2011). Segundo a autora, há a reiteração da norma de gênero em muitas das estratégias de intervenção das políticas para as mulheres no Brasil. Na medida em que estas estratégias não desafiam e/ou desestabilizam as normas de gênero, vemos aqui a repetição de determinados regimes de gênero que podem ser considerados como uma reiteração das hierarquias que bloqueiam o próprio ideal de igualdade de gênero.

O direito à igualdade de direitos e condições econômicas entre homens e mulheres é ainda uma utopia em muitos contextos, pois a dominação do homem branco heterossexual e cisgênero continua presente nas formas pelas quais somos subjetivados/as. Na engrenagem da política e nas práticas cotidianas do CRAS vemos como o gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, delimitada pela composição binária de sexo e gênero. Estas ficções regulatórias solidificam e naturalizam jogos de verdade e regimes de poder convergentes de opressão masculina e heterossexista (BUTLER, 2003).

Assim, parafraseando a famosa frase de Simone de Beauvoir (1980), podemos afirmar “Ninguém nasce mãe, torna-se”. Problematizar o ideal materno que as participantes dos grupos prescrevem como sendo uma boa mãe e que a política reforça torna-se um movimento transformador. Uma das usuárias em atendimentos relatou para uma técnica social: “Agora a minha filha se ajeitou, parou de usar droga, está trabalhando. Sustenta e cuida dos filhos. Assumiu os filhos, não estão mais comigo”.

Então, para ser boa mãe, não basta somente cuidar do/a filho/a, mas poder sustentá-lo, o que também emerge em vários momentos nas falas do grupo, uma vez que os homens, enquanto pais, podem ou não auxiliar nesse processo de sustento e cuidado. Assim, as próprias mulheres se apropriam de contradições do que seria igualdade, autonomia nas relações de gênero por reiterarem pressupostos machistas e de uma individualização dos riscos, como o enunciado de que meninas são mais difíceis de criar porque engravidam. Para ilustrar os riscos que sinalizam os comportamentos indesejáveis e correlações de fatores associados, como “ter nascido, por exemplo, de uma mãe solteira que é também empregada doméstica (ou sem profissão, estrangeira, estudante, assalariada agrícola...), menor de dezessete anos (ou mais de quarenta), ou tendo tido um número de gravidezes superior às taxas médias segundo a idade, etc.” (CASTEL, 1987, p. 125). Nesta lógica, uma mãe de risco geraria um/a filho/a de risco.

Para mapear os riscos é necessário situar os sujeitos que os corporificam. Consequentemente, ao garantir alguns direitos básicos, violam-se outros direitos que estigmatizam os sujeitos. O sujeito deve ser um risco potencial para o Estado para poder usufruir de um benefício ou serviço social. Inauguramos, desse modo, um lugar em que o social é vetor de desenvolvimento e parte da lógica neoliberal (CASTEL, 1987). Portanto, as políticas públicas, aqui entendidas como universalistas e estatais (mesmo que executadas por meio de organismos conveniados, usualmente oriundos do campo filantrópico), podem ser instrumentos de valorização da igualdade e de promoção de uma cultura de respeito e reconhecimento da diversidade, o que configura o lugar do Estado, que pode ser agenciador da normalização ou despotencializador dos seus efeitos no que tange também à discussão das políticas que operam (n)as relações de gênero (Mario PECHENY; Rafael DE lA DEHESA, 2011).

Saídas para uma prática reflexiva sobre as feminizações e maternidades no CRAS

O campo de pesquisa nos apresentou em ato como as políticas de assistência social vêm se organizando no CRAS pesquisado, permitindo que as mulheres demandem mais os recursos dessa política, produzindo como efeito a feminização da política e a naturalização do cuidado materno. Em contrapartida, de acordo com a literatura (FONSECA, 2004), esta naturalização possibilita que os homens circulem mais e que sejam contemplados pelos sistemas de trabalho informal com obtenção de renda, ou caso não se conformem as demandas do trabalho, por mais aviltantes que sejam, se tornem objeto das políticas públicas de segurança.

A maneira como as políticas são redigidas e como elas são aplicadas repercute diretamente nos processos de subjetivação seja dos/as profissionais ou usuários/as, produzindo efeitos sobre os sujeitos e na forma como está sendo conformada a gestão do social e a permanente construção da performatividade de gênero. A gestão do social passa por transformações ao longo da história das políticas sociais no Brasil, contudo, ainda apresenta uma forte feminização da política pelas atribuições de tarefas às mulheres que desoneram o Estado a partir do trabalho precarizado de mulheres que recebem um benefício em troca do gerenciamento de famílias, efetivando assim uma estratégia biopolítica de modelo neoliberal de governar que permeia as práticas no CRAS.

Foi possível identificar uma graduação dos poderes das artes de governar - um pacto que envolve a organização familiar, a maternidade e o controle do corpo feminino. Assim, cabe perguntar: Como a PNAS pode produzir igualdade e equidade?

A resposta não é simples. Embora a política tenha como uma de suas propostas a diminuição da desigualdade de gênero, essa é uma política que se configura, por vezes, reproduzindo posições hierarquizantes do feminino e do masculino (MARIANO, 2010). Em um dos grupos com as mulheres no CRAS foi possível ver emergir pequenas modificações em conceber as relações de gênero na busca de construir formas de igualdade dentro das famílias, onde mães e filhas não mais rivalizam um espaço, mas podem compor estratégias para enfrentar as dificuldades relacionadas às “vulnerabilidades sociais”: familiares, financeiras desse lugar enquanto mulher. A atualização da responsabilização da família por seus membros fracassa se calcada na individualização como modo de intervenção nas problemáticas que têm origem na dinâmica e estrutura sociais. Ou seja, a culpabilização dos sujeitos não é solução para os problemas sociais, algo que é muitas vezes reiterado nas políticas sociais (Moises ROMANINI; Priscila Pavan DETONI, 2014).

O CRAS pode funcionar como dispositivo de produção de alternativas no espaço das políticas públicas. Exemplo disso é repensar: o que é ser boa mãe para a política? Numa perspectiva neoliberal, ser uma boa mãe é trabalhar e prover o/a filho/a, e não mais estar em casa cuidando dele/a, mas trabalhando para sustentá-lo. Então, entramos em um modelo que o Estado nem sempre consegue assegurar trabalho remunerado e digno para todas as mulheres. Por isso, colocar em análise as relações de poder alocadas em jogo pela PNAS e por seus equipamentos - como o CRAS - pode indicar outras saídas.

Ao constituir práticas de resistência à cultura sexista, heterocissexista e homolesbotransfóbica nas políticas de assistência social, pode-se produzir outras possibilidades de existência. Para fomentar maior liberdade em relação ao gênero e à sexualidade, precisamos identificar as normas e como elas operaram. Afinal, quem pode ser sujeito das políticas públicas de assistência social, além das mulheres mães? Que configurações de família são inteligíveis para a PNAS?

Entender os sujeitos e as famílias ligadas unicamente por vínculos de parentesco e/ou afinidade que dividem um mesmo teto e partilham de uma mesma renda dificulta a compreensão das famílias nas redes de parentesco e de trocas, sendo que a intenção política de fortalecimento da família se esvazia quando se coloca todo o cuidado e proteção a cargo da família e/ou não se enxerga as positividades nas formas de sociabilidade das famílias, em especial das que estão em situação de pobreza (FONSECA, 2004). Ainda mais quando a família e a centralidade do seu cuidado ficam sob a responsabilidade de um único indivíduo, majoritariamente as mulheres mães.

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  • 1
    As entrevistas foram realizadas pela primeira autora, por isso se optou por manter a redação do texto na primeira pessoa.
  • 2
    Abordamos neste artigo o conceito de feminização, que significa o ato de feminizar-se ou tornar-se semelhante às atribuições femininas pelo seu caráter analítico de um processo qualitativo que abrange essa categoria em movimento, em construção (Silvia C. YANNOULAS, 2011).
  • 3
    O prefixo cis- significa “ao lado de” ou “no mesmo lado de”, fazendo alusão à identificação dos sujeitos. Cisgênero, de acordo com Jaqueline Gomes de JESUS (2012), é “um conceito que abarca as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi determinado no momento de seu nascimento, ou seja, as pessoas não-transgênero”. A marca do cisgênero faz um posicionamento dos corpos, para alguns teóricos, uma vez que os corpos trans sempre são marcados.
  • 4
    O termo “empoderamento” foi utilizado para chamar atenção para as relações de poder ligadas à dominação e às formas de resistência do feminismo (CARLOTO; MARIANO, 2008). Na perspectiva da política empoderamento significa a possibilidade de emancipação individual e/ou coletiva para superação da dependência social e dominação política. Contudo, esse termo é bastante banalizado nas práticas das políticas públicas e são pouco problematizadas as ferramentas para que o empoderamento realmente opere.
  • 5
    Dominação Masculina é o estabelecimento da hierarquia sexual na sociedade ocidental que implica formas de dominação de homens sobre mulheres, e também de homens sobre homens (Pierre BOURDIEU, 1999; Daniel WELZER-LANG, 2001).
  • 6
    O Cadastro Único é um sistema informatizado de dados socioeconômicos sobre as famílias e sujeitos atendidos no SUAS. Este registro é feito nos CRAS. O público preferencial deste cadastro são as famílias com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa, para acessarem os benefícios sociais do governo através da transferência de renda. Contudo, as famílias com renda superior podem ser incluídas no Cadastro Único, desde que sua inclusão esteja vinculada à seleção ou ao acompanhamento de programas sociais, como, por exemplo, os programas de habitação e saneamento (BRASIL, 2012).
  • 7
    O Sistema de Condicionalidades (SICON) sistematiza as informações de cada família dentro do Sistema de Gestão do Programa Bolsa Família (SIGPBF) e integra os dados entre as políticas públicas dos três ministérios (Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome – MDS, Ministério da Educação – MEC, Ministério da Saúde – MS) para acesso nos serviços dos CRAS.
  • 8
    São Programas de Transferência de Renda (PRTs) aqueles que garantem acesso a bens e serviços das políticas públicas e se destinam a unidades familiares inscritas que possuam renda inferior a três salários mínimos mensais. Constituem-se através da concessão de benefícios fixos e eventuais, os quais se centralizam precipuamente no Programa Bolsa Família – PBF, bem como no Benefício de Prestação Continuada – BPC, Luz para todos, CNH social (Carteira Nacional de Habilitação), Minha Casa Minha Vida (moradia), isenção em inscrições em concursos federais, cestas básicas para indígenas e quilombolas, além de auxílio a famílias que sofreram desastres e sinistros etc. (BRASIL, 2012).
  • 9
    Atualmente o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) está situado dentro do campo de inscrição do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família. O trabalho infantil é considerado uma vulnerabilidade de média complexidade, fazendo com que o CRAS identifique a situação e faça referência à família para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).
  • 10
    Agenciamento, nesse trabalho, pode ser entendido como ação ou efeito de agenciar, negociar ou mediar interesses. Para Butler (2012), agência performativa requer que o sujeito necessite de poder para ser um sujeito, e sem o poder não haveria a possibilidade nem para o status quo de sujeito, nem para a agência.
  • 11
    Não podemos dizer que existe uma univocidade na constituição dos movimentos feministas, uma vez que a luta (pelo menos na história ocidental e contada a partir dos países do norte industrializado) iniciou pelo movimento sufragista e caminhou por diferentes percursos para conquistas de diferentes mulheres. A genealogia feminista da categoria mulher não parte do pressuposto de um sujeito estável, mas um sujeito em construção (BUTLER, 2003) no qual existe o surgimento de novas identidades engajadas nas ações políticas com múltiplas convergências e divergências na afirmação das identidades dentro do feminismo (mulheres brancas, negras, lésbicas, trans, gays, intersex).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2016
  • Revisado
    02 Out 2016
  • Aceito
    13 Fev 2017
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