Open-access Transmasculinidades no esporte: entre corpos e práticas dissonantes

Transmasculinities in Sport: Between Dissonant Bodies and Practices

Transmasculinidades en el deporte: entre cuerpos y prácticas disonantes

Resumo:

Abordamos neste artigo as práticas esportivas como formas de subjetivação transmasculina. Partimos da emergência de times de futebol e futsal compostos apenas por homens trans e transmasculinos, a presença de pessoas transmasculinas em um time de rúgbi inclusivo às diversidades sexuais e de gênero, e do encontro com um praticante de duátlon. Através de pesquisa de campo na cidade de São Paulo (2019-2020), que incluiu observação participante e realização de entrevistas, percebemos que as equipes trans e LGBTI+ se configuram como espaço de sociabilidade, mas também de questionamento e construção de masculinidades dissidentes. Os corpos e corporalidades transmasculinas nos esportes apontam para as práticas esportivas dissonantes.

Palavras-chave: transmasculinidades; esporte; corporalidades

Abstract:

In this paper, we approach sports practices as forms of transmasculine subjectivation. Our basis are the emergence of football and futsal teams composed only by trans men, the presence of transmasculine people in a rugby team which is inclusive for sexual and gender diversities, and the contact with a duathlon athlete. We accomplish this by field research in the city of São Paulo (2019-2020), which included participant observation and interviews. We considered that the trans and LGBTI+ teams are configured as a space for sociability, but also for questioning and building dissident masculinities. Transmasculine bodies and corporealities in sports point to dissonant sports practices.

Keywords: Trans masculinities; Sport; Corporealities

Resumen:

En este artículo, abordamos las prácticas deportivas como formas de subjetivación transmasculina. Comenzamos con la aparición de equipos de fútbol y futsal compuestos solo por hombres trans, la presencia de personas transmasculinas en un equipo de rugby que incluye diversidad sexual y de género, y el encuentro con un atleta de duatlón. Mediante la investigación de campo en la ciudad de São Paulo (2019-2020), que incluyó observación participante y realización de entrevistas, tenemos en cuenta de que los equipos trans y LGBTI+ están configurados como un espacio para la sociabilidad, pero también para cuestionar y construir masculinidades disidentes. Los cuerpos transmasculinos y las corporealidades en el deporte apuntan a prácticas deportivas disonantes.

Palabras clave: transmasculinidades; deporte; corporealidades

Introdução

Ocupamo-nos neste artigo da emergência de transmasculinidades no cenário esportivo brasileiro e da constituição de transmasculinidades atravessadas por suas práticas. Para isso, partimos da presença de times de futebol e futsal de homens trans e de outro de rúgbi LGBTI+ inclusivo que, por sua vez, nos levou ao encontro de um praticante de duátlon. Não pretendemos alcançar a totalidade desse tipo de experiência, o que seria de qualquer forma impossível, já que estas não são as únicas práticas em que há pessoas transmasculinas envolvidas.

A etnografia (Mariza PEIRANO, 2008) que deu origem a este texto considerou fontes diversas, como reportagens sobre as equipes, veiculadas na internet (2016-2020), observação participante (registradas em diários de campo, fotografias e vídeos) e entrevistas abertas a partir da temática das experiências esportivas dos interlocutores (gravadas por mídias digitais e posteriormente transcritas) realizadas em trabalho de campo na cidade de São Paulo no segundo semestre 2019 e início de 2020.

Nosso primeiro contato com os sujeitos e com as equipes se deu em 2017, quando um dos autores, ele mesmo trans, conheceu dois jogadores dos Meninos Bons de Bola (MBB) durante o Seminário Internacional Fazendo Gênero, em Florianópolis. No ano seguinte, esteve presente no festival de comemoração do terceiro aniversário da equipe e, ao apresentar suas considerações em um simpósio sobre futebol, foi questionado se havia jogado junto com a equipe. A pergunta despertou o desejo de colocar o corpo em campo: o corpo esportista no campo de jogo e o corpo pesquisador no campo de investigação, o que se deu quando, em 2019, mudou seu domicílio para São Paulo e passou a acompanhar as atividades das equipes supracitadas.

As observações participantes contaram com treinamentos de futsal aos domingos pela manhã com o Transversão F. C. e Os T Mosqueteiros, e à tarde com o MBB; treinos de rúgbi com o Tamanduás Bandeira às terças e quintas-feiras à noite e aos sábados pela manhã. O trabalho de campo envolveu ainda a participação em eventos, jogos e entrevistas com praticantes que se demonstraram abertos a falar de suas experiências e com os quais acabou estreitando laços. As entrevistas foram agendadas de acordo com a disponibilidade de horário e no local de preferência dos interlocutores apresentados a seguir.1 Soma-se aos informantes que possibilitaram as análises e reflexões que formulamos neste artigo, um dos autores.

Tiely identifica-se como homem trans preto, de 44 anos e que “está hétero”. A modalidade esportiva de maior expressão em sua vida é o futebol, que jogou em time amador e na categoria de base feminina do Clube Atlético Mineiro. Hoje atua na várzea,2 em time majoritariamente de homens cisgêneros heterossexuais, no futsal com equipes transmasculinas e no rúgbi em um time LGBTI+ inclusivo. A entrevista com Tiely se deu em seu apartamento e enquanto conversávamos mostrou fotos dos eventos que narrava.

Rafael é um homem trans de 28 anos, pardo. A entrevista com ele aconteceu na Biblioteca Mário de Andrade, próximo ao seu local de trabalho. A trajetória esportiva vivida por ele teve o handebol como modalidade mais importante, na qual chegou a participar de seletiva para integrar a equipe feminina da Associação Desportiva Centro Olímpico. Hoje cursa faculdade de Educação Física e coordena o projeto Transversão F. C. (oficinas de futsal para pessoas transmasculinas que também se configura como time na disputa de jogos amistosos).

Tom, 25 anos, identifica-se como transmasculino não binário,3 bissexual e pardo. A entrevista se deu em uma lanchonete de um shopping, entre o fim de seu expediente de trabalho e outro compromisso. Durante toda a infância foi judoca por incentivo da família, com quem também costumava pedalar pela cidade (morava em Curitiba). Cursando faculdade e trabalhando em São Paulo, começou a participar de corridas de rua, que considera uma modalidade acessível. Teve breve atuação no rúgbi e atualmente é praticante de duátlon, modalidade que combina corrida pedestre e ciclismo.

Julian, homem trans, gay, branco, de 33 anos, é rugbier.4 Durante a graduação em Educação Física atuou em um clube da capital catarinense, com o qual disputou torneios nacionais e internacionais na categoria feminina. Retornou à prática esportiva ao inserir-se no campo de investigação já descrito.

Todos relataram exitosas experiências no esporte escolar e que só passaram a questionar sua identidade de gênero já adultos. Ao longo do artigo retornamos às narrativas que se referem a sua incursão pelo campo esportivo hoje, reconhecendo-se como pessoas trans; articulamos a elas nossas observações e análises sobre o campo.

Corporalidades trans: situando o debate

A existência das pessoas trans não é recente, tampouco o interesse científico acerca delas, e não seria certo afirmar que aquilo que circunscreve o que hoje nomeamos de transgeneridade só alcançou a condição de tema público e atenção midiática com a chegada do século XXI (Juno de AGUIAR, 2019). Um exemplo pode ser encontrado no Diário de Pernambuco, que teria estampado a tenista Renée Richards em sua capa cinco vezes no ano de 1977, quando ela passou a competir na categoria feminina. Essa referência foi feita em reportagem veiculada online pela página do Globo Esporte (Camila ALVES; Elton de CASTRO, 2018) como ilustração de matéria sobre a formação do primeiro time de futsal5 de homens trans de Pernambuco, o Transviver F. C., em 2018.

A presença de corpos trans no esporte não se restringe ao contexto das equipes; espectadores, torcedores, não especialistas diversos, apresentam todo tipo de opinião, com frequência sem sustentação empírica ou teórica que vá para além dos preconceitos de praxe, sobre as polêmicas que se formam em torno dessas pessoas. Quando os órgãos esportivos são questionados sobre a participação de pessoas trans nas competições, não raro respondem que equipes de pesquisadores, médicos e outros especialistas estão sendo formadas para estudar ‘o caso’ e pensar como incluir esses atletas no futuro. Mas pessoas trans existem na experiência histórica deste tempo e precisamos lidar com suas presenças aqui e agora.

Tifanny Abreu, primeira6 atleta trans a disputar uma partida oficial em esporte profissional no Brasil (Superliga de Vôlei Feminina), está no epicentro dessas discussões que se arrastam desde o seu ingresso na equipe do Sesi-Bauru, em 2017. Sua carreira anterior na categoria masculina é evocada para explicar a suposta vantagem que teria contra adversárias e colegas cisgênero. A experiência pregressa poderia, segundo tal posição, definir todo o seu atual potencial. Argumenta-se que, a partir da puberdade, qualidades motoras passíveis de treinamento, como força e velocidade, nos meninos cis se desenvolvem de forma superior em relação a corpos de meninas cis. Os ganhos na potência corporal que Tifanny tivera anteriormente à transição hormonal continuariam atuando. Os argumentos biologicistas na construção dos corpos estão na base do esporte institucionalizado, e o escalonamento por gênero, etário e eventualmente relacionado ao peso (como nas lutas) etc. é exemplo disso. Mas, junto a um corpo geralmente visto como um simples organismo (mas que é construção da cultura), forja-se um corpo que resulta de um amplo leque de mediações sociais, não sendo possível reduzir, à divisão sexual do trabalho esportivo as condições de uma atleta trans trazidas às competições entre mulheres. Há no voleibol brasileiro atletas com mais pontuação e com mais força no ataque do que Tifanny.

Tramita neste momento, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (2019), o Projeto de Lei nº 346/2019 - de autoria do deputado estadual Altair Moraes (PRB) - que “[e]stabelece o sexo biológico como o único critério para definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no Estado [de São Paulo]”. Documentos como estes são vistos pelos movimentos trans como tentativa de institucionalização da transfobia, discurso que tem efeito concreto em vidas trans, a exemplo do impedimento a atletas de competirem, o que significa proibir o exercício de sua profissão.

A presença dos corpos e equipes aqui abordadas rompem com uma normatividade instituída do esporte porque interrompem a linearidade sexo-gênero que fundamenta as classificações masculina e feminina dos corpos no âmbito esportivo, constituindo-se como práticas esportivas dissonantes: aquelas “manifestações atléticas que não se enquadrariam nos moldes de reprodutibilidade técnica dos gestos corporais do universo esportivo convencional e que, mesmo assim, obtêm resultados” (Wagner Xavier de CAMARGO, 2016, p. 1.339). Camargo nomeou de corpos dissonantes os que desviam do ideal normativo que vigora nas disputas esportivas. Apesar de romper com a norma de classificação, a presença de corpos dissonantes (aqui sendo os trans) por si só não significa necessariamente subversão da cis-heteronormatividade7 esportiva, porque para que isso acontecesse seria preciso uma reorganização estrutural nesse campo e não apenas uma conformação desses corpos na estrutura binária já existente; mas a presença dos corpos dissonantes tensiona o campo esportivo, que é levado a discutir sobre isso e se repensar. Se a sociedade aceita que transgeneridade e transexualidade8 são formas possíveis de estar no mundo, para o esporte, como prática social (assim como a educação, a mídia, os serviços de saúde, entre tantos outros) não há alternativa a não ser reconhecer o direito de participação de pessoas trans em competições, conforme a autodesignação. Qualquer outro posicionamento fere o direito da igualdade de todos perante a Lei.

Raewyn Connell (2016), sistematizando os efeitos das colonizações (econômica, epistêmica, cultural) nas relações entre Sul e Norte global, atenta para o atrito que a expansão da noção de transexualidade (partindo de categorias, teorias e modos de vida hegemônicas) causa nas experiências locais. Um exemplo é a imagem da mulher transgenêro como mais próxima de um ideal de branquitude da feminilidade, construído a partir do reconhecimento de uma identidade já medicalizada, que no Brasil entra em choque com a estética e corporalidade travesti, associada muitas vezes à prostituição de rua racializada e precarizada. Cleiton Vieira e Rozeli Porto (2019) falam de um possível movimento de globalização ou internacionalização da categoria transexualidade, que parte de uma noção estadunidense de patologização dessas experiências, subjetividades e identidades afirmadas pelos manuais médicos (como o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM, que está em sua quinta edição). O cenário brasileiro de entendimento das experiências trans acaba sendo atravessado por esses discursos.

Embora transexualidade e transgeneridade não sejam fenômenos novos, como já destacado, as transmasculinidades passam a ganhar maior visibilidade e importância como movimento e categoria identitária e de autoidentificação no Brasil na segunda década dos anos 2000, impulsionadas pelo compartilhamento de narrativa nas redes sociais (Guilherme ALMEIDA, 2012; Simone ÁVILA, 2014; Sofia REPOLÊS, 2017). Como testemunhos, as narrativas de modificação corporal registrada em imagens, vídeos e áudios interpelam sujeitos que passam a se identificar com aquela possibilidade de existência. Essas narrativas são técnicas e tecnologias que constroem esses corpos e subjetividades em rede e que levam à identificação com as transmasculinidades. São compartilhamentos de experiências de transição de gênero com fotos comparativas, áudios e vídeos, mostrando as mudanças de voz e de todo o corpo proporcionadas pelo uso de testosterona sintética (hormônio associado ao desenvolvimento de características físicas ditas masculinas), realização de cirurgias (diferentes técnicas de retirada de mamas e construção peniana) e ainda ensinando exercícios físicos que masculinizam os corpos com o aumento da massa muscular em lugares estratégicos, geralmente ombros, costas e peitoral. Nas comunidades virtuais os corpos são regulados de forma hierárquica e a legitimidade do corpo trans é atestada pelo quantum de masculinidade que incorpora através das modificações, reforçando uma estética predominantemente branca e da cultura bodybuilder (fisiculturista) propagada por homens trans estadunidenses e questionada pela população transmasculina brasileira9 (Simone ÁVILA; Miriam GROSSI; Richard MISKOLCI, 2017).

Por outro lado, os significados da hipertrofia muscular pelos homens trans como tecnologia de gênero foram observados por Francisco do Rego (2014), que, ao incursionar pelas academias de ginástica de Natal (RN), notou que um importante contingente de homens trans tinha esta como a primeira ferramenta de masculinização dos corpos. No âmbito esportivo, temos Juliano Ferreira, atleta de fisiculturismo que compete em eventos da Confederação Internacional de Fisiculturismo (International Federation of Bodybuilding and Fitness - IFBB) e é referência de representatividade transmasculina no Brasil. A hipertrofia é apontada como um problema para a representatividade trans quando tomada como modelo normativo, mas com a pouca visibilidade de atletas trans, contextualmente, esse modelo assume sentido positivo. Como fenômeno social, este é carregado de contingência e história, distanciando-se do que poderia ser a uma essência que o determinasse.

Para nossos interlocutores, a prática da musculação, quando enunciada, aparece como ferramenta de fortalecimento muscular para prevenção ou recuperação de lesão e não diretamente associada à tecnologia de construção corporal masculina, como acontece em ouras práticas e discursos. Tom, por exemplo, diz ter tentado entrar em fóruns na internet para trocar informações sobre treinamento, mas que não foi aceito porque, apesar de fazer musculação por cinco anos, não mostrava um corpo tão musculoso a ponto de conferir-lhe legitimidade.

Por não apresentar um volume muscular de praticante ‘veterano’, Tom não pertencia àquele grupo. César Sabino (2011) identificou um sistema hierárquico de praticantes de musculação conferido pelo capital corporal, no qual os veteranos ocupam um lugar intermediário e performam a masculinidade hegemônica (em termos de volume muscular não são homens comuns, tampouco são grandes como os fisiculturistas). Mas são os atletas de fisiculturismo que possuem maior capital visto como tradução de competência, ou seja, que sabem produzir um corpo musculoso e como conseguir as drogas anabolizantes (sendo os que mais as consomem), elemento importante da estética desse grupo. Antes da implementação do Processo Transexualizador10 no Sistema Único de Saúde (SUS), as academias de musculação eram importante fonte de compra da testosterona por homens trans, de forma ilegal.

Até 1998 as chamadas ‘bombas’ (esteroides anabolizantes, basicamente compostos de testosterona) podiam ser compradas sem restrições nas farmácias, mas, devido ao aumento gradativo de casos de morte por mau uso (muito associado às práticas de musculação e fisiculturismo), o governo federal proibiu a venda desse medicamento sem prescrição médica; limitou-se também a quantidade prescrita e aumentou o controle da entrada de anabolizantes importados no país (SABINO, 2011).

Anabolizantes e doping são termos frequentemente usados para suspeitar da legitimidade de atletas trans. Foge do escopo deste artigo dar maior atenção a esse ponto, mas indicamos as contribuições de Claudio Tamburrini (2006), que questiona a moral das políticas antidoping, e de Viviane Teixeira Silveira e Alexandre Fernandez Vaz (2014), que demonstram a regulação dos corpos femininos no esporte por meio dessas políticas. Sobre a participação de atletas trans, pensamos como Leonardo Peçanha (2016) que corpos trans são tão legítimos quanto corpos cis e que sempre se deve levar em consideração os efeitos que as modificações corporais, legítimas no sentido da autodeterminação de cada sujeito, em decorrência da reposição hormonal e outras intervenções, têm nesses organismos.

Interessa-nos, entretanto, lembrar que, embora os medicamentos usados na reposição hormonal e como anabolizantes possam ser os mesmos (compostos de testosterona), os objetivos e formas de uso por praticantes de musculação e atletas cis são diferentes do uso que fazem pessoas trans, atletas ou não. Julian, um dos jogadores de rúgbi que mencionamos, ouviu inúmeras vezes frases como: ‘Por que você não aproveita que já está tomando bomba, mesmo, e não cresce? Já tá a meio caminho andado, vai ser mais fácil pra ti’ e ‘Ah, se eu tomasse ia aproveitar!’. Nesse sentido, ao entender a testosterona como substância androgênica, nesse caso importando seu papel no aumento do volume muscular e o ganho de força e, portanto, sua relação com a prática esportiva, assume-se a expectativa dos outros atores do campo sobre os corpos dissonantes, que de forma positivada passam a ser potencialmente o corpo que o esporte exige.

Para Sabino (2011), o consumo da droga (anabolizante) pode representar o rito de passagem que faz transitar de um status a outro. Podemos pensar que o trânsito de gênero possibilitado pelo consumo de testosterona em associação com o exercício físico modifica também a posição do sujeito trans na estrutura social.

Em observações no campo de pesquisa ficou claro também que a testosterona sintética, ao possibilitar crescimento dos pelos faciais e em todo corpo, redistribuição da gordura e aumento da massa muscular, e as cirurgias de retirada das mamas (como a mamoplastia masculinizadora) cumprem a função da masculinização corporal. Isso leva a supor que para esses sujeitos imersos na prática esportiva, a hipertrofia como tecnologia de masculinização não aparece como elemento central na construção de seus corpos.

Por outro lado, eles encontram no esporte um espaço para tal construção, o que se reafirma nas possibilidades de socialização lá encontradas, assim como nos aspectos simbólicos que podem ser encontrados, assumidos, ressignificados.

Os ‘futebóis’ exclusivamente transmasculinos

Passamos a ter conhecimento da existência de times transmasculinos pelas mídias digitais, em reportagens que contam histórias de superação de preconceitos e de estados de sofrimento, chegando mesmo à depressão, que o futebol - ali praticado aos domingos - em algum momento de suas trajetórias reverteu, devolvendo-os à vida (ALVES; CASTRO, 2018; Felipe PEREIRA, c2021; COPA FEMININJA, 2019).

A primeira equipe, Meninos Bons de Bola (MBB), surgiu em 2016, em São Paulo, formada pela iniciativa de Raphael, homem trans que trabalhava no Centro de Referência em Defesa da Diversidade (espaço de acolhimento e assistência a pessoas LGBT+ em São Paulo) em conjunto com a psicóloga do local. Ambos perceberam que homens trans não acessavam as ações do centro tanto quanto outros sujeitos da sigla LGBTI+ e resolveram fazer um chamado via redes sociais (divulgando a atividade em grupos de WhatsApp e páginas de Facebook) para uma roda de conversa para homens trans seguida de uma partida de futebol. Aproximadamente trinta homens compareceram e decidiu-se repetir o encontro com frequência, o que aconteceu, a ponto de formar um time. Ao final dos treinos, que ocorrem aos domingos, acontece uma roda de conversa com a presença da psicóloga, tratando de experiências no time, em outras esferas da vida cotidiana e sobre o processo de transição.

A segunda equipe que temos notícia, Transviver F. C, surgiu no início de 2018, em Recife, a qual faz parte da ONG Instituto Transviver, que oferece apoio psicossocial à comunidade LGBT+ (com foco em pessoas trans) e se ergue sobre os pilares da educação, da cultura e do esporte. O Transviver F. C. procura ser um espaço para o encontro de transmasculinidades, assim como o MBB, e foi construído a partir de conversas em um grupo de WhatsApp formado por pessoas que se conheceram no ambulatório trans. Tais ambulatórios são espaços de atenção básica à saúde, credenciados às Unidades Básicas de Saúde ou hospitais, que fazem operar o dispositivo do Processo Transexualizador no SUS. Ao lado das comunidades virtuais, dos eventos sobre transexualidade nas universidades e do movimento LGBTI+, as salas de espera dos ambulatórios trans são territórios de reconhecimento e identificação transmasculina (ALMEIDA, 2012). Ainda que articulados ao ativismo LGBTI+ e integrados às comunidades virtuais, os times de futebol aqui abordados surgem como espaços outros, mas, não raro, derivados desse encontro. As atividades do Transviver F. C. começaram com a realização de jogos informais, a chamada ‘pelada’, posteriormente foi integrada ao grupo uma treinadora, tendo agora o objetivo de torná-la uma equipe amadora.

No ano de 2019, a cena se amplia e começam os primeiros jogos entre equipes transmasculinas. Surge o BigTBoys no Rio de Janeiro, uma equipe de futebol society11 que, na esteira dos times de futsal já mencionados, vem da tentativa de superação da invisibilidade dos homens trans, mesmo dentro da comunidade LGBTI+. Cristian, homem trans ativista, funda o time com o intuito de proporcionar um espaço que agregasse esses sujeitos, fato que reitera a importância do esporte nos processos de subjetivação transmasculinas. Também nessa experiência houve anúncio divulgado nas redes sociais para um primeiro treino/encontro.

O primeiro jogo se dá entre Meninos Bons de Bola e BigTBoys, na modalidade (futebol society) e na casa da segunda equipe (Rio de Janeiro). Os meninos do futsal relatam que, num primeiro momento, ficaram receosos por jogar society, uma modalidade diferente que inclusive exige outros equipamentos (como calçados com garras aderentes, diferente das do futsal que, por ser jogado em quadra, são mais lisas) e começam perdendo. Viram a partida e o placar final é de 3 x 7, ou seja, vitória para os visitantes.

Em 2019 surgem outros dois times em São Paulo: Transversão F. C. e Os T Mosqueteiros. Ambos treinam juntos na quadra da Casa Florescer (Centro de Acolhida Especial para Mulheres Transexuais), que abriga mulheres trans e travestis em situação de vulnerabilidade social. Apesar de os times serem compostos apenas por pessoas transmasculinas, as moradoras da casa são convidadas a participar dos treinamentos e o fazem quando desejam.

Rafael, idealizador do projeto Transversão F. C., embora tenha vivido a maior parte de suas experiências no handebol, justifica a escolha da modalidade futsal para o projeto porque, em suas palavras, “o futebol é o esporte do brasileiro” e essa modalidade seria a porta de entrada para acessar os meninos trans e, posteriormente, poder ampliar o repertório esportivo. Relata ainda que há um trabalho longo a ser feito antes de se pensar em participação em campeonatos, que o acolhimento de meninos trans no esporte e sua visibilidade tem maior importância, e assume que para competir é preciso preparo técnico e recursos financeiros, elementos que o time ainda não dispõe.

Essas equipes disputam amistosos. O MBB ainda participa de outros campeonatos LGBTI+, como a Copa da Diversidade organizada pelo Serviço Social do Comércio (SESC), de São Paulo. Embora sejam times frequentemente anunciados como amadores, ainda não integram efetivamente os circuitos de competições não profissionais, mantendo-as, no entanto, como um desejo, no horizonte de possibilidades. Em algum momento, talvez essas equipes busquem se estruturar para de fato competirem, cumprindo calendários, mas pela forma que vêm se apresentando, por ora, se configuram antes de tudo como espaços de sociabilidade12 (Georg SIMMEL, 2006) e visibilidade trans.

É em 2019 também que as três equipes de São Paulo (MBB, Transversão F. C., Os T Mosqueteiros) participam do 3º Festival de Aniversário do MBB. O evento contou com a presença de agremiações masculinas, gays, femininas, lésbicas, mistas (que colocam em quadra conjuntamente jogadores e jogadoras) e inclusivas (compostas por pessoas que se identificam das mais diversas formas, muitas vezes extrapolando os binarismos de sexo, gênero e também as orientações sexuais). As partidas foram disputadas sem distinção de categoria.

Esse formato de competição e de composição dos times mostra que as categorias feminina e masculina que separam homens e mulheres no esporte institucionalizado, sob a pretensa igualdade formal de chances, não alcançam a diversidade de corpos e experiências (sejam trans, sejam cisgêneras) nas arenas esportivas, exigindo, portanto, o desenvolvimento de novos formatos para o esporte. Para tentar equilibrar as desigualdades em quadra, em vez de continuarmos buscando a igualdade de chances (há muito já questionada não apenas pelas questões de gênero) há que imaginar outras formas de esporte, e as práticas esportivas dissonantes tem contribuído para isso. Se há diferentes formas de jogo, que consideram outros atributos que não simplesmente o código vitória-derrota, valorizando, por exemplo, por que não poderiam ser estas também implementadas no esporte? Ou, mesmo que se mantenha tal dinâmica, pode ser configurada de outras formas, como um número maior de jogadores em um time que tenha, no somatório de seus atletas, menos força, velocidade ou resistência.

De maneira geral, os times aqui abordados se articulam de forma muito semelhante: formam-se a partir da vontade de agregar essas pessoas numa convivência mais próxima, de maneira que possam conversar sobre suas experiências, funcionando ainda no sentido do ativismo. Os fundadores desses times frequentemente justificam sua criação pela necessidade de acessar a população transmasculina e visibilizá-la, inclusive, no interior do próprio movimento LGBTI+. Entretanto, Almeida (2012) havia atribuído a vontade de alguns sujeitos não reivindicarem uma identidade e um coletivo devido ao desejo da passabilidade, um fator que poderia levá-los a encerrar-se nas redes virtuais. Passabilidade é um termo êmico que se refere ao momento em que a pessoa passa despercebida na multidão, ou seja, quando as características corporais não permitem que se questione a suposta coerência do sistema sexo-gênero. Nesse sentido, a passabilidade pode ser uma estratégia de defesa contra possíveis ataques transfóbicos, mas também revela o entendimento de que alguns homens têm a transexualidade como categoria temporária a ser abandonada depois que tenha garantido o acesso à posição de homem perante a sociedade (em termos de reconhecimento e cidadania). Então, para Almeida (2012), essa noção, ainda que legítima, prejudica o ativismo que reivindica visibilidade.

Ainda em comum a todas essas equipes há pessoas que frequentaram categorias de base do futebol profissional feminino, como Rodrigo, do BigTBoys, que treinou no Clube de Regatas Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, e ficou sem equipe ao iniciar a transição; Raphael do MBB, que atuou no Corinthians Paulista, São Paulo e Juventus; Chris do MBB, também no Juventus; Tiely, no Atlético Mineiro. Bruno, atual jogador do Transviver F. C., havia sido convidado a integrar a categoria feminina dos clubes Náutico e Sport, ambos de Recife, mas não chegou a aceitar por estar em conflito com sua identidade de gênero, só retomando o futebol no time transmasculino. Além deles, com importante experiência esportiva, alguns têm mais familiaridade com o esporte e com a bola, outros iniciam ali sem jamais ter praticado futebol.

As experiências anteriores, em equipes de futebol ou qualquer outra modalidade, demarcam uma leitura de representação de masculinidade importante no campo. O ‘saber fazer’ que passa pela transferência de habilidades motoras (Richard MAGILL, 2000) de um esporte a outro e pelo ethos esportivo (de incorporação de certa agressividade e competitividade próprias do esporte ocidental) pode ser um problema no contexto do futebol de homens trans. Tiely observa que o fato de alguns jogadores terem habilidade e ‘jogo de corpo’, apresentando uma forma de jogar mais agressiva, faz com que sejam vistos como perpetuadores de uma ideologia machista, mais próxima de uma masculinidade hegemônica, perante outros jogadores que têm uma vivência esportiva menos sistematizada. Nesse sentido, se o esporte ocidental é masculino, alcançar essa masculinidade pode significar ser bem-sucedido nessa atividade. Entendendo que as masculinidades não são necessariamente coniventes com o machismo questionado por algumas transmasculinidades, é possível o esporte ser masculino sem ser masculinista (ideologia que prega a superioridade masculina).

Além da diversidade de experiências e habilidades esportivas, um mesmo time é composto por corpos em diferentes momentos de transição: jogadores que fazem reposição hormonal, outros não; corpos mastectomizados (que realizaram cirurgia de retirada das mamas), outros que fazem uso de binder (faixa que comprime os seios, e consequentemente os pulmões, limitando a capacidade respiratória). Essa diversidade tem consequências na forma de jogo e de se colocar em quadra/campo. Isabel Abreu e Mauro Utida (2018) afirmam que: “Em um campeonato com times masculinos de homens cis é muito difícil o MBB passar despercebido, visto que os corpos de seus integrantes estão em diferentes estágios de mudança.”

Entretanto, um ano depois, um jogador do MBB nos aponta sua preocupação: “[o time] está ficando cada vez mais padrão, branco, elitizado, de corpos magros, hormonizados, mastectomizados” (diário de campo, 04/11/19). Desconforto reafirmado por um jogador de outro time, que disse não ter se sentido incluído no treino do MBB quando ainda era pré-T.13 Nesse embate pela legitimidade dos corpos e identidades, o incômodo também recai sobre corpos que são apontados como padronizados. Um jogador que fez mamoplastia e apresentava musculatura de aparência bem definida (principalmente peitoral e abdômen) relatou que não sente mais tanta liberdade em quadra. Se em um momento aquele tinha sido um espaço seguro para experimentar algo de seu novo corpo e expressão de masculinidade, como tirar a camisa em público, isso já não é mais tão possível, pois “ofende os caras. Falam pra mim mostrando a barriga: ‘respeita que essa barriga aqui tem história!’ E [apontando para a sua] essa aqui não?!” (diário de campo, 10/11/2019).

Em uma ocasião, o mesmo jogador do MBB que se preocupa com a padronização dos corpos transmasculinos por entender que sujeitos que não estão nesse mesmo lugar de transição podem vir a não se aproximar do time, questionou:

Como pensar o esporte, o futebol na vida dessas pessoas tão distintas? De lugares de classe, cor, território, idade, histórias de transição tão diferentes e desiguais? Como pensar em focar no futebol pra competir? E como manter só na ideia de socialização se a gente é chamado pra competir e isso também importa pra muitos? (diário de campo, 04/11/2019).

Coloca-se um dos paradoxos que compõem as práticas esportivas amadoras, assim como as educativas (Danielle TORRI; Beatriz ALBINO; Alexandre VAZ, 2007), o de compatibilizar os interesses de socialização com os impulsos competitivos que movem a roda do esporte. O equilíbrio entre esses dois vetores sempre será precário e com resultado temporário, mas coloca-se a exigência de decisões ético-políticas que possam responder a cada contexto. Não são outros que não os sujeitos do processo que podem e devem fazer isso.

O rúgbi do Tamanduás Bandeira e outras experiências dissonantes

No esforço de acessar as práticas esportivas de pessoas transmasculinas, constatamos que, assim como não estão mais apenas nas academias de musculação, esses sujeitos não frequentam apenas o futebol, em suas versões tradicional e society bem como o futsal. O rúgbi LGBTI+ inclusivo do Tamanduás Bandeira, em São Paulo, tem passagens de pessoas transmasculinas na sua breve história, e recorreremos aqui a três dessas trajetórias. O time foi formado em 2017 e tal como as equipes de futsal/futebol partiu de um anúncio nas redes sociais. O ‘inclusivo’ faz alusão a todas as diversidades sexuais e de gênero, não apenas LGBTI+. Com o lema “Se não é pra todos, não é pra ninguém” faz parte da proposta do grupo que a prática seja acessível também no que tange a outros marcadores sociais da diferença, como classe e raça/cor/etnia. É uma prática gratuita e há entre os jogadores o costume de se auxiliarem no pagamento das tarifas de transporte para que todos cheguem ao local de treinamento nos dois ou três dias da semana em que acontecem. As sessões são orientadas por uma treinadora (ex-jogadora) e se dão em parques públicos de São Paulo (como o Ibirapuera, localizado em área nobre na Região Centro-Sul, e por vezes no Villa Lobos, na Zona Oeste), sendo abertas a quem desejar praticar.

O Tamanduás vem jogando as duas modalidades principais do rúgbi union:14sevens e XV,15 e tem se organizado para disputar os campeonatos estaduais,16 ciente de que em algum momento a gratuidade da prática será posta à prova, pois para disputas maiores haverá gastos com inscrições, viagens, equipamentos, entre outros.

A maioria dos jogadores chega ao time sem nunca antes ter praticado rúgbi, mas alguns chegam a jogar hoje também em times universitários. A incorporação à equipe se dá pelo ‘boca a boca’ e, principalmente, por se encontrar em redes sociais. Aqui está uma importante diferença em relação aos times de futebol trans: os aplicativos de relacionamento têm certo peso. Um deles (voltado aos homens gays e bissexuais) apoiou o primeiro amistoso internacional entre equipes LGBTI+ no Brasil, que aconteceu em São Paulo em junho de 2019. Em comemoração ao Mês da Diversidade,17 o evento, que também contou com o apoio da Confederação Brasileira de Rugby (CBRu), foi uma partida entre os brasileiros do Tamanduás Bandeira e os argentinos do Ciervos Pampas, primeiro time de rúgbi inclusivo à diversidade sexual da América do Sul, criado em 2012.

Caio, presidente do Ciervos Pampas, é brasileiro e planejou vir ao Brasil durante a Parada do Orgulho LGBTI+ de São Paulo, considerada a maior do mundo. Entrou em contato com integrantes do Tamanduás Bandeira informando sobre a visita com outros colegas de equipe e surgiu então a ideia de realizar o amistoso. O time veio da Argentina com recursos próprios e ficou alojado em uma hospedaria. O evento foi organizado pelos dois grupos com o apoio de algumas empresas, da CBRu e da Prefeitura de São Paulo, que auxiliou com o traslado (entre o local de hospedagem e o da partida) dos atletas argentinos. A partida aconteceu no campo do São Paulo Athletic Club (SPAC), tradicional clube brasileiro, e a equipe argentina entrou em campo com homens e mulheres. A arbitragem foi feita por árbitras da CBRu, entre as quais estava Izzy, jogadora da Seleção Brasileira que foi pedida em casamento por sua namorada durante transmissão ao vivo nos Jogos Olímpicos de 2016, logo após a última partida da seleção. Seu nome estava estampado na camisa de número dois dos Ciervos, que além do nome próprio do jogador que a portava, também homenageava algum esportista LGBTI+ latino-americano. Com o placar de 59 x 7, os Tamanduás saíram vitoriosos.

Os jogadores trans do Tamanduás têm circulado por outras práticas esportivas além do rúgbi. Tiely, homem trans a quem nos referimos anteriormente, já atuou em categoria de base do futebol feminino do Atlético Mineiro, como antes referido no futsal do MBB e hoje frequenta os treinos de futsal na Casa Florescer, jogando também com times (masculinos cis) da várzea, com quem alinha projetos culturais (da cena hip hop) e esportivos, este com crianças da comunidade onde vive. Conheceu o rúgbi do Tamanduás por meio de Tom, que lhe enviara o cartaz de convite do treinamento via redes sociais.

Tom, transmasculino não binário, chegou ao rúgbi ao encontrar um anúncio na rede mundial de computadores. Tinha vontade de conviver com mais pessoas sexo/gênero diversas e via no esporte uma oportunidade. Entretanto, ele também compete em corridas de rua e duátlon, além de seu trabalho hoje depender do uso da bicicleta (transporte e entrega de produtos diversos). Após uma contusão sofrida no rúgbi, deixou de praticá-lo. Além da lesão, concorreu para seu afastamento sua avaliação de que a prática vinha atingindo uma seriedade esportiva antes não presente, treinando para competições, uma vez que ele via aquele espaço como lugar de relaxamento. As competições que preferia encarar eram as de corrida pedestre e duátlon. Sobre essa última modalidade, conta que se inseriu aos poucos, que começou a pedalar como meio de transporte (usando bicicletas compartilhadas) e a correr como recurso para chegar até às estações das bicicletas compartilhadas. Como o esporte fizera parte de toda sua vida - tendo lutado judô durante muitos anos na infância e adolescência - percebeu que o duátlon, nas condições materiais que se apresentavam, poderia ser uma opção na vida adulta.

A terceira trajetória é a de Julian, homem trans que compôs de 2006 a 2012 o quadro de jogadoras do Desterro Rugby Clube (sediado em Florianópolis) tendo retornado algumas vezes, de forma pontual, em 2015. Soube da existência do Tamanduás em uma roda de conversa sobre LGBTfobia no esporte em um evento de comemoração do Mês da Diversidade no ano de 2018, juntando-se à equipe quando mudou seu domicílio para São Paulo, no ano seguinte.

Observamos, em campo, que os homens cis flexionam o gênero feminino no tratamento entre si, referindo-se ao outro sempre no feminino (chamando de amiga, por exemplo) o que diz de um lugar de feminilidade não necessariamente atribuído ao ser mulher, porém mais próximo da figura afeminada da ‘bicha’, mesmo quando se dirigem aos companheiros héteros. Entretanto, isso não emerge com tanta naturalidade quando se dirigem aos homens trans, o que nos permite supor que isso se dá como uma forma de cuidado ao pretender não deslegitimar a identidade de gênero desses homens ou como uma impossibilidade, no imaginário cis, da existência de homens trans homossexuais, sendo este um efeito mesmo da regulação cisnormativa das práticas sexuais e afetivas nas quais a centralidade aparece na genitália.

Outra situação que parece corriqueira, banal, mas que se torna ponto importante no respeito à presença dos homens trans no time é ilustrada na escolha do uniforme. Um dos integrantes, homem cis, contou-nos que pensam em fabricar outro uniforme e que para isso precisam repensar o tecido e a cor (atualmente preta), pois já foram alertados que para quem usa binder (a faixa que esconde os seios) a camisa na cor preta se torna ainda mais quente e que na cor branca a faixa fica mais visível, o que não é desejável por quem a leva justamente a fim de não a deixar ver.

No rúgbi é tradicional o ‘terceiro tempo’: quando findadas as partidas do dia, as equipes se reúnem em grande confraternização, na qual bebem, brincam e entoam músicas próprias. Uma brincadeira tradicional é ‘somente um na cadeira”, em que os jogadores sentam no colo uns dos outros até quebrar a cadeira e o primeiro sentado ir ao chão. Durante a vigésima sétima edição do SPAC Lions 7s, tradicional torneio de rúgbi sevens realizado no São Paulo Athletic Club (SPAC) no mês de dezembro, enquanto caminhavam pelas instalações do evento, Julian e um companheiro de time, homem cis, ouviram de uma das equipes comentários jocosos que envolviam essa atividade, tais como: “Imagina quando chegar no ‘somente um na cadeira’!”.

A brincadeira chama a atenção pelo flerte da masculinidade hegemônica com o homoerotismo, percebido também por Carmen Rial (2011), que afirma que é principalmente por meio do esporte que alguns homens (das camadas médias superiores e altas, e aqui acrescentamos heterossexuais) interagem exclusivamente com outros homens e que, apesar de os jogos extracampo entre eles expressarem homoerotismo, os homossexuais são geralmente vítimas de sarcasmo ali, o que constatou especialmente entre os praticantes de rúgbi.

Naquele mesmo campeonato, referido anteriormente, durante o terceiro tempo, Julian se dirige ao banheiro (que continha várias cabines individuais, além do mictório) acompanhado de outro colega de time, homem cis, e enquanto estão em seu interior um jogador adversário entra, dá um grito, apaga a luz e fecha a porta. Ao mesmo tempo que Julian sai de uma das cabines, seu colega puxa a maçaneta e no abrir a porta de supetão percebem que o rapaz estava segurando a maçaneta do lado de fora, tentando impedir que a porta fosse aberta, e rindo com outras pessoas que assistiam a cena. Esse episódio nos remete também à fala de Tom, que conta que não se sente confortável em vestiários masculinos, principalmente quando compartilhados com outros times, situação mais fácil de contornar nas provas de duátlon em que normalmente tem-se banheiros químicos individuais.

Muitas autoras e autores, como Paul (Beatriz) Preciado (2008) e Jack (Judith) Halberstam (1998), já se debruçaram sobre a compreensão dos banheiros como tecnologia (binária e normativa) de gênero. O espaço do banheiro que acentua a dicotomia entre público-masculino e privado-feminino e a arquitetura que define a forma de uso do equipamento, sob constante vigia dos usuários, são entraves cotidianos encontrados pelas pessoas trans. Quando entramos no campo esportivo a problemática envolve também os vestiários, onde a exposição e regulação dos corpos é ainda maior. Para Camargo (2012, p. 179):

Apesar de banheiros e vestiários serem espaços edificados com caráter e finalidades distintas, são locais com traços comuns, isto é, são discriminatórios de gênero, envolvem uma atmosfera de segredo (por também se relacionarem com a sexualidade humana) e evocam sentimentos contraditórios de necessidade/repulsa.

Embora Camargo tenha se ocupado em pensar sobre as instalações dos banheiros e vestiários como locais de prazer homoerótico nos eventos esportivos LGBTI+, a atmosfera de segredo e a evocação de sentimentos contraditórios de necessidade e repulsa a que se refere, no contexto em que situamos essas experiências trans, nos ajudam a elaborar algo das transmasculinidades. A possibilidade de que o corpo dissonante seja percebido, ou de que se note que ele faz uso do banheiro de maneira não usual, de que não cumpra com os ‘códigos sexuais’ corretamente, ou de que seu corpo pode ser escrutinado pelo olhar do outro no vestiário, evidenciam a vulnerabilidade dos corpos transmasculinos naquele espaço.

No mês seguinte ao torneio do SPAC, em janeiro, o Tamanduás participou de um campeonato de praia, ainda mais recreativo, o 2º Beach Rugby Athenas Itanhaém, levando dois times que foram organizados conforme a posição dos jogadores: um time de forwards (posições em que os jogadores, geralmente mais pesados, procuram contato corporal com os adversários, exigindo maior resistência e força) e um de backs (posições em que se espera maior habilidade de esquiva - técnica de desviar dos defensores rivais -, dribles e velocidade), no qual se incluíam Julian e Tiely. Ao se colocar em campo corpos de homens trans, gays, bissexuais, desestabiliza-se preceitos daquela masculinidade construída por um ideal de virilidade que no imaginário tem como representante a figura do macho e, ao mesmo tempo, pela figura distinta do gentleman tão arraigada a esse esporte (RIAL, 2011).

Saindo do rúgbi e dos esportes coletivos, entramos no duátlon, com Tom. As provas desse esporte combinam três etapas: uma de corrida, seguida de uma de ciclismo e finalizada com outra de corrida. As categorias são divididas em feminina e masculina e dentro destas discrimina-se também a faixa etária. Tom relata que não é comum ser percebido como um corpo não normativo nessas provas, mesmo que o vestuário próprio do ciclismo seja mais justo e marque o corpo, pois “os trans nem existem no imaginário popular”, ou porque “a real é que as pessoas acham que a gente não vai chegar a competir no mesmo nível”. O que revela que, em algum momento, esses corpos ainda passam desacreditados nas práticas esportivas.

Cada modalidade esportiva - coletiva ou individual - acaba construindo e exigindo uma performance de masculinidade distinta e cada atleta vai construindo um corpo específico em cada esporte.

Considerações finais

Procurou-se apontar como uma pequena, mas importante, porção das pessoas transmasculinas vem se inserindo nas práticas esportivas e entender o significado dessas práticas para elas. Num primeiro momento, atentamos que as construções corporais trans são atravessadas por tecnologias digitais que propagam imagens e narrativas correspondentes a uma masculinidade específica, próxima daquela do fisiculturismo. O uso da testosterona como substância androgênica cumpre papel de masculinização dos corpos que desejam essa imagem e também assume a expectativa dos outros atores do campo esportivo sobre esses corpos dissonantes, que passam a ser potencialmente os corpos exigidos pelo esporte. Há algo de identificação com o agressor, tal como Sigmund Freud certa vez não propriamente conceituou, mas ofereceu as condições para sua circunscrição.

Num segundo momento, ao abordar as equipes transmasculinas de futebol e as experiências desse grupo em uma equipe de rúgbi inclusiva, deparamo-nos com o imperativo ‘não é só esporte’. Trata-se de importantes espaços de socialização das corporalidades dissonantes, como a transmasculina. Em alguns casos é o espaço de retomada de uma prática que em algum momento foi impossível para os corpos dissonantes, em outros casos é o local para que alguma aprendizagem esportiva seja possível.

As experiências corporais e as formas de viver a sexualidade (entendida aqui de modo amplo) são diversas e a identificação com o outro só sustenta a adesão aos times quando a partir dela se estabelecem laços. Nossa aposta é que a prática esportiva apresentada por esses sujeitos possibilita a elaboração e a construção de si para além da incorporação do Outro virtual e do dispositivo de saber-poder medico-jurídico que tanto regula as experiências e subjetividades trans.

Esses corpos e práticas esportivas dissonantes não apenas tensionam, questionam e criam outras possibilidades de esporte, mas exercem um papel importante também fora das quadras e gramados. São convidadas com frequência para dar seu depoimento em entrevistas para programas de televisão, rádio, podcasts, páginas na internet e a realizar rodas de conversa, oficinas e outras atividades formativas em escolas e centros culturais. A abertura de canais de diálogo até pouco tempo inimagináveis se dá também por meio da aliança que estabelecem com outros atores sociais que não necessariamente fazem parte de um coletivo ou movimento LGBTI+, mas que agem conjuntamente para que essas formas de vida sejam mais possíveis. Nos termos de Judith Butler (2018), um agir que pressupõe uma concepção de responsabilidade e ética fundamentadas na precariedade e na vulnerabilidade, que historicamente marcam de forma distinta e com sofrimento alguns corpos e grupos.

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  • 1
    Os nomes das pessoas entrevistadas foram mantidos a pedido e com a concordância delas, considerando que o anonimato pode contribuir para o apagamento das suas trajetórias, algo que, de fato, sistematicamente acontece com a população transmasculina. A flexão no gênero masculino ao longo do texto não se dá como marcador universal, mas em concordância com a autodeterminação dos sujeitos, que se referem a si no masculino.
  • 2
    Futebol de várzea é uma expressão que tem origem na prática do futebol não profissional na várzea do rio Tietê. É reconhecido em alguns municípios brasileiros como patrimônio cultural.
  • 3
    Não binário diz respeito à identificação que se localiza num espectro mais amplo de gênero, não sendo fixado no binarismo feminino/masculino.
  • 4
    Como se reconhecem os praticantes de rúgbi que zelam pela tradição do esporte, seus valores e sua transmissão, vendo-se como mais que apenas jogadores.
  • 5
    Futebol jogado em quadra, com cinco jogadores em cada equipe. Uma partida tem duração de quarenta minutos divididos em dois tempos de vinte minutos de bola rolando.
  • 6
    Quando falamos de atletas e equipes pioneiras o fazemos em tom de denúncia, apontando o quanto tardou para que esses sujeitos conseguissem se colocar nesse espaço.
  • 7
    Refere-se ao ideal normativo de uma sociedade que tem a cisgeneridade (termo usado em oposição à transgeneridade; ambos marcam o caráter artificial das identificações de gênero) e a heterossexualidade como dispositivos de regulação de desejos, práticas sexuais, expressões e identidades de gênero.
  • 8
    Ao designar modos de ser/estar no mundo, categorias político-identitárias e de corpo teórico, transgeneridade e transexualidade são termos sempre em disputa, mas que neste texto utilizamos sem maiores distinções e como afastamento da cisgeneridade; tanto trans quanto cis demarcam o caráter não natural do gênero.
  • 9
    Principalmente por aqueles que de alguma forma fazem parte de coletivos e associações de homens trans e transmasculinos, que desde suas primeiras movimentações é composto por pessoas negras, gordas e de territorialidades diversas.
  • 10
    Inserido no contexto da Política Nacional de Saúde Integral LGBT em 2008, regulamenta a assistência médica para a transição de gênero. A Portaria do Ministério da Saúde nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, o redefine e amplia, incluindo demandas ambulatoriais e cirúrgicas.
  • 11
    Futebol praticado por sete jogadores em cada equipe. O campo de jogo tem grama sintética e tamanho reduzido em relação ao futebol tradicional.
  • 12
    Simmel definiu sociabilidade como “forma lúdica de sociação”, caracterizando-a pelo seu caráter democrático, artificial e superficial. Entendemos que os ‘futebóis trans’ são tanto um espaço de socialização transmasculina em que há transmissão de regras, códigos, valores, disciplinamento e questionamento das masculinidades e do próprio esporte; mas também esse espaço de sociabilidade, ao enfatizar a forma de relação em detrimento de um conteúdo objetivo, faz a transmasculinidade aparecer apenas como um meio da própria sociabilidade.
  • 13
    Termo usado pelas pessoas transmasculinas para dizer que ainda não fez reposição hormonal (ou hormonioterapia) com testosterona, mas que há o desejo de fazê-la. Muitas vezes o termo aparece no campo como justificativa por aquela pessoa não apresentar as características físicas que aparecem com o uso do medicamento (voz grave, pelos/barba, entre outras) e assim não ter sua identidade questionada.
  • 14
    Rugby union diz respeito à modalidade mais tradicional do rúgbi, vinculada aos ideais amadores da prática esportiva e em distinção do rugby league.
  • 15
    No sevens, sete jogadores de cada equipe disputam uma partida de dois tempos de sete minutos; é a modalidade que recoloca o rúgbi nos Jogos Olímpicos em 2016 no Rio de Janeiro. No XV, quinze jogadores em cada time disputam dois tempos de quarenta minutos.
  • 16
    A CBRu fomenta torneios de sevens (feminino e masculino) e XV (apenas masculino) para a primeira e segunda divisões. Cada federação organiza também seus campeonatos, e a Federação Paulista conta com séries de A a D, além de Universitário.
  • 17
    O dia 28 de junho é instituído como o Dia do Orgulho LGBTI+. Ao longo do mês acontecem várias atividades comemorativas e de rememoração em todo o globo, dentre as quais destacam-se as paradas do orgulho.
  • Como citar este artigo de acordo com as normas da revista:
    SILVESTRIN, Julian Pegoraro; VAZ, Alexandre Fernandez. “Transmasculinidades no esporte: entre corpos e práticas dissonantes”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 2, e79366, 2021.
  • Financiamento:
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Contou também com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na forma de uma bolsa de produtividade em pesquisa (Proc. 310115/2017-5) e de um auxílio pesquisa (Proc. 423773/2018-6).
  • Consentimento de uso de imagem:
    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2021
  • Aceito
    04 Maio 2021
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