Open-access Mulheres negras, parteiras e parturientes (Rio de Janeiro, 1810-1850)

Black women, midwives and women in labor (Rio de Janeiro, 1810-1850)

Mujeres negras, parteras y parturientas (Río de Janeiro, 1810-1850)

Resumo:

Neste artigo, analisamos as experiências e práticas do parto entre mulheres escravizadas, libertas e livres, africanas e descendentes, no contexto da escravidão urbana no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX. Neste período, o papel da parteira era tradicionalmente praticado por mulheres cujas vidas passaram principalmente pela escravidão, e cujos conhecimentos eram forjados e transmitidos através da prática e da oralidade. A partir de documentos da Fisicatura-mor, de anúncios de fuga publicados pela imprensa diária, de teses de conclusão do curso de medicina, de casos clínicos publicados em periódicos médicos e da literatura de viajantes europeus, neste artigo, enfocamos o cenário da assistência ao parto, o perfil das mulheres negras que atuaram como parteiras no Rio de Janeiro ao longo da primeira metade do século XIX, e as experiências do parto para mulheres africanas e descendentes.

Palavras-chave: Parteiras; gênero; mulheres negras; escravidão século XIX; Rio de Janeiro

Abstract:

This article analyzes the experiences and practices of childbirth among enslaved, freed and free women, Africans and descendants, in the context of urban slavery in Rio de Janeiro in the first half of the 19th century. In this period, the role of midwife was traditionally practiced by women whose lives mainly involved slavery. Their knowledge was forged and transmitted through practice and orality. Based on sources from the Fisicatura-mor, escape announcements published in the daily press, medical course conclusion theses, clinical cases published in medical journals and the literature of European travelers, this article focuses on the scenario of childbirth care, the profile of black women who worked as midwives in Rio de Janeiro throughout the first half of the 19th century, and the experiences of childbirth for African women and their descendants.

Keywords: Midwives; Gender; Black women; 19th century slavery; Rio de Janeiro

Resumen:

Este artículo analiza las experiencias y prácticas de parto entre mujeres esclavizadas, libertas y libres, africanas y descendientes, en el contexto de la esclavitud urbana en Río de Janeiro en la primera mitad del siglo XIX. En este período, el rol de partera era ejercido tradicionalmente por mujeres cuyas vidas estaban sometidas principalmente a la esclavitud, cuyos conocimientos se forjaban y transmitían a través de la práctica y la oralidad. A partir de documentos de la Fisicatura-mor, anuncios de fuga publicados en la prensa diaria, tesis de conclusión de cursos de medicina, casos clínicos publicados en revistas médicas y literatura de viajeros europeos, este artículo se centra en el escenario de la atención al parto, el perfil de las mujeres negras que trabajaron como parteras en Río de Janeiro durante la primera mitad del siglo XIX, y las vivencias del parto de mujeres africanas y descendientes.

Palabras claves: Parteras; Género; Mujeres negras; Esclavitud del siglo XIX; Río de Janeiro

Introdução

No ano de 1813, Romana de Oliveira, descrita como parda e forra, foi denunciada pelo cirurgião José de Oliveira, por partejar e curar sem autorização. A denúncia foi feita à Fisicatura-mor, órgão instituído com a chegada da Corte portuguesa no Rio de Janeiro com o objetivo de regular os praticantes das atividades relacionadas à saúde, inclusive a assistência aos partos. A reclamação do cirurgião, contudo, não obteve apoio da comunidade, pois Romana foi defendida por pessoas proeminentes da freguesia de São Gonçalo.1 Em sua resposta, ela afirmava que “possuía escravos e vivia de suas lavouras”, “e não dos partos que assistia, pois nada recebia por isso”. Quanto aos partos, argumentava “serem uns atos que de sua natureza requerem assistência de mulher e não de homem”, “e que se ela aplicava remédios eram aqueles mais triviais e conhecidos de todos. Tudo fazia por caridade, em benefício do público e principalmente da pobreza”. Além disso, desferiu críticas ao cirurgião que a denunciava, que, segundo ela, estaria sendo “guiado pelo seu próprio interesse e uma temerária presunção”, pois queria que o chamassem para todas as moléstias, mesmo as “mais insignificantes, e até os partos”. Romana foi uma das muitas mulheres negras e ex-escravizadas que se destacavam em suas comunidades ao amparar e cuidar de grávidas e seus bebês e ao tratar de enfermos na província do Rio de Janeiro ao longo do século XIX. Nas primeiras décadas do Oitocentos, Romana era uma parteira reconhecida na freguesia, gozando de prestígio junto a pessoas de diferentes cabedais. Não sabemos se Romana teve filhos quando era escravizada, mas é provável que ela tivesse sido aprendiz e atuado nos partos de mulheres africanas e de suas descendentes nos tempos de cativeiro.

Frequentemente ausentes nas fontes históricas do período, meninas e mulheres, africanas e descendentes, escravizadas e libertas - que foram parteiras ou que deram à luz suas filhas e filhos nos anos de expansão da escravidão urbana nas primeiras décadas do século XIX - enfrentaram uma diversidade de tensões e desafios que remetem às contingências do cativeiro em suas especificidades urbanas, e à ascensão da medicina neste período. O tema dos partos e das parteiras tem sido objeto de pesquisas historiográficas desde a década de 1990 (Maria Lúcia MOTT, 1998; Maria Renilda BARRETO, 2000; Vera Lúcia CAIXETA, 2003), porém, poucos estudos têm se dedicado às experiências e práticas de mulheres negras, como parteiras e parturientes (BARRETO, 2016; Tânia PIMENTA, 2017; Lorena TELLES, 2022a).

Estudos demonstraram que, na cidade do Rio de Janeiro, até meados do século XIX, mulheres de todos os grupos étnico-raciais e sociais, escravizadas, libertas e livres, recorriam amplamente aos saberes práticos de uma parteira da vizinhança, sobretudo quando se deparavam com complicações no desenrolar dos nascimentos (MOTT, 1998; TELLES, 2022a). Naquele período, a presença de médicos e cirurgiões nos partos domiciliares era rara, e apenas excepcionalmente eram requisitados, em partos complicados, em particular para atenderem mulheres brancas das elites e camadas médias escravistas (Fabíola ROHDEN, 2001; Ana Paula MARTINS, 2004). Os saberes e práticas de médicos e cirurgiões não gozavam de legitimidade social e não inspiravam a procura por grande parte das mulheres que, ao longo de todo o século, optaram amplamente pela assistência e pelos socorros das parteiras, cuja hegemonia e prestígio passaram a ser questionados pela medicina acadêmica (PIMENTA, 2003; MOTT, 1999). Estudos demonstraram a importância de contextualizar as tensões transatlânticas acerca de raça, gênero e trabalho para compreendermos os debates em torno das parteiras nas Américas. Mulheres africanas e suas descendentes, em contextos rurais e urbanos, com frequência monopolizaram a seara dos partos, seja no Caribe, na América do Sul e nos Estados Unidos (Sasha TURNER, 2017a; Michele REID-VASQUEZ, 2012; Marie Jenkins SCHWARTZ, 2006; Tara INNISS, 2009; Sharla FETT, 2006). Nos territórios coloniais como Guatemala e Nova Espanha, com larga população indígena, mulheres mestiças e nativas serviram como parteiras (Luz SAENZ; George FOSTER, 2001).

Assim, na primeira metade do século XIX, em Cuba, no Caribe de colonização inglesa e francesa e no sul dos Estados Unidos, o ingresso dos médicos no universo dos partos foi acompanhado pela emergência de práticas que tentavam regular e controlar os praticantes de medicina, dirigindo às parteiras discursos marcadamente preconceituosos e difamatórios acerca da natureza oral e informal de seus conhecimentos, apesar de serem identificadas como figuras de autoridade e confiança por largos extratos da sociedade.

No Brasil, o processo de institucionalização da medicina e organização da corporação médica se iniciou nas primeiras décadas do século XIX, sobretudo no Rio de Janeiro e em Salvador, onde foram criadas as Escolas de Cirurgia (1808), transformadas posteriormente em Faculdades de Medicina (1832). Na Corte também foi criada a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (1829), que veio a originar a Academia Imperial de Medicina (1835). Além disso, nesse período, começaram a circular diversos periódicos médicos. Até 1832, portanto, todos os poucos médicos que atuavam no Brasil haviam se formado no exterior. Os cirurgiões, cuja formação era separada da dos médicos antes da criação das faculdades, poderiam aprender o ofício com outros cirurgiões mais experientes ou, a partir de 1808, também nas Escolas de Cirurgia.

Replicando os padrões de conhecimento vigentes nas universidades europeias, sobretudo francesas, a reforma do ensino médico de 1832 veio instituir cursos de medicina, de farmácia e para parteiras, visando restringir a prática dos partos a mulheres brancas e letradas formadas em cursos acadêmicos, segundo os cânones da obstetrícia. Ainda assim, ao longo da segunda metade do século, proprietárias e proprietários de mulheres escravizadas, entre ricos, remediados e os setores médios urbanos, solicitaram a assistência dos médicos em seus domicílios ou em clínicas privadas como último recurso diante do agravamento de complicações no parto.2

Apesar do surgimento destes novos espaços conectados aos avanços da medicina e dos interesses escravistas, a grande maioria dos partos das mulheres cativas e livres desenrolava-se nos domicílios, sob a assistência das parteiras. Estudos demonstraram que, na cidade do Rio de Janeiro, até pelo menos 1870, entre a maioria das mulheres de todos os grupos sociais e étnicos, abortos, doenças uterinas, partos, puerpério, cuidados com os bebês recém-nascidos e seus rituais eram domínios exclusivamente femininos. Pesquisas apontaram, ainda, que o universo das curas e dos partos foi um importante campo de atuação e ofício de mulheres indígenas, africanas e suas descendentes escravizadas, libertas e livres, ou portuguesas e descendentes brancas empobrecidas. Designadas parteiras e “comadres” - referência ao parentesco ritual celebrado no sacramento do batismo e a formas de sociabilidades femininas -, elas detinham os saberes informais sobre o corpo feminino, ancorados na experiência prática e na tradição oral (MOTT, 1998; 1999; Nikelen WITTER, 2001; CAIXETA, 2003; PIMENTA, 2017; TELLES, 2022a).

A maior parte dos estudos, porém, não se debruçou sobre a origem sociocultural das parteiras e as especificidades de suas práticas, bem como as particularidades das formas de atuação de parteiras negras, e das vivências do parto para mulheres africanas e suas descendentes, escravizadas, livres ou libertas (PIMENTA, 2017; TELLES, 2022a).

A partir de documentos da Fisicatura-mor, de anúncios de fuga publicados pela imprensa diária, de teses de conclusão do curso de medicina, de casos clínicos publicados em periódicos médicos e da literatura de viajantes europeus, enfocamos, neste artigo, as práticas e vivências dos partos entre mulheres africanas e suas descendentes cativas. Atentamos, também, para o cenário de mudanças que envolveram as parteiras negras que atuaram, quando libertas, no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX, período de recrudescimento do tráfico transatlântico, quando a cidade recebia anualmente meninas e jovens mulheres, em sua maior parte, da África centro-ocidental. Na primeira parte do texto, abordamos o cenário da assistência ao parto, o perfil das mulheres negras que atuaram como parteiras no Rio de Janeiro ao longo da primeira metade do século XIX, e as experiências do parto para mulheres africanas e descendentes. Na segunda parte, mapeamos, através de uma leitura indiciária das fontes, as práticas e especificidades da atuação de parteiras africanas e descendentes na Corte na primeira metade do século. Por fim, analisando anúncios de fuga publicados na imprensa diária, adentraremos os cenários do parto distantes das casas senhoriais, e as sociabilidades que mulheres africanas e descendentes, libertas, escravizadas e livres, puderam mobilizar na cidade, com vistas a escapar das violências senhoriais no parto e depois dele.

Parteiras negras, parturientes cativas e o cenário da assistência ao parto

Era 16 de agosto de 1845 quando Inácia, grávida de nove meses, “sentiu os primeiros incômodos do trabalho de parto”.3 Entre quatro e cinco horas da tarde, a mulher, não sabemos se africana ou descendente, vivia o início do processo de nascimento de seu bebê possivelmente durante o desempenho de seus afazeres domésticos, na casa do Sr. Vieira da Motta, e uma hora depois nasceu uma menina: “e sua expulsão operou-se com tal precipitação, que a criança foi lançada repentinamente, e apanhada por outra preta, que seguia a parturiente ao quarto, onde se lhe havia preparado o leito”. De acordo com o caso clínico, ao nascimento súbito da criança sucedia “a saída de enorme quantidade de águas”, “demorando-se a expulsão das secundinas [placenta], e conservando-se ainda o útero muito volumoso”. O Sr. Vieira, possivelmente informado pela mulher cativa que assistia Inácia, tomou a iniciativa de procurar o médico. Este, depois de examinar seu ventre, reconhecia a existência de outro bebê. De acordo com sua narrativa, ele optava por deixar Inácia em trabalho de parto, sob os prováveis cuidados da outra cativa, prometendo retornar pelas nove horas da noite, ocasião em que Inácia deu à luz mais dois bebês.

O caso clínico era assinado pelo médico José Pereira Rego, que apresentava suas observações a respeito da marcha singular do parto de Inácia, que dava à luz trigêmeos. De acordo com o exposto no caso clínico, nada indica que o senhor Vieira da Motta solicitasse os serviços de uma parteira da vizinhança: Inácia era assistida por outra mulher, escravizada, possivelmente africana que, além de preparar o leito e aparar o primeiro bebê, reconhecia o desenrolar do parto, sinalizando a quantidade atípica de águas, a demora da expulsão da placenta e o útero ainda muito volumoso após o nascimento da primeira criança. Os indícios apresentados por Pereira Rego neste caso clínico sugerem que, nos partos sem intercorrências, as parturientes poderiam ser assistidas por outras mulheres negras, africanas ou descendentes, escravizadas e moradoras no mesmo domicílio senhorial, sobretudo na primeira metade do século XIX. Neste período, seria comum, nas casas das famílias mais abastadas, o convívio de 20 a 30 homens e mulheres cativos, ao passo que nas médias e menores posses poderia haver de 5 a 6 mulheres e homens escravizados (Luiz SOARES, 2007, p. 107-108; Mary KARASCH, 2000, p. 87). O contexto permite considerarmos a possibilidade de que Inácia e a outra mulher negra, escravizadas pelo senhor Vieira da Motta, fossem africanas provenientes dos portos congo-angolanos, já que 1845 era um momento de grandes desembarques de africanas e africanos. Em 1838, de acordo com estimativas oficiais, 14.945 mulheres escravizadas eram residentes nas freguesias urbanas e 9.025 nas freguesias rurais, ao passo que, no ano de 1849, um ano antes do fechamento dos portos africanos, aproximadamente 18 mil africanas e 13 mil descendentes foram recenseadas nas sete freguesias urbanas, destacando-se Sacramento, Santa Ana, Santa Rita e São José, e perto de 5 mil africanas e 8.700 crioulas nas freguesias rurais.4

O caso clínico pode indicar, ainda, que os conhecimentos das mulheres libertas, parteiras de profissão, remontam ao período de cativeiro, quando poderiam atuar como parteiras ocasionais, nos domicílios senhoriais. Pesquisas dedicadas à assistência aos partos na cidade do Rio de Janeiro, ao longo da primeira metade do século XIX, indicaram o perfil social e étnico das mulheres atuantes como parteiras na cidade. A maioria dentre estas era constituída de mulheres remediadas e empobrecidas, brancas e negras libertas que tinham por ofício e ganha-pão a assistência aos nascimentos, seus rituais e cuidados aos recém-nascidos, assim como os abortos e a cura de enfermidades (PIMENTA, 2017; MOTT, 1999). Cabe destacar que o ofício de parteira e curandeira nem sempre se configurava como meio principal de sobrevivência, tendo sido comum formas de retribuição, financeira ou em espécie, assim como relações que envolviam troca de favores e solidariedades. A primeira metade do século XIX marca o início da criação de hierarquias sociais e raciais entre as parteiras com as tentativas de regulamentação de sua atuação, inseridas no lento processo de institucionalização da medicina e iniciadas com a vinda da família real para o Brasil. Essa hierarquização se intensificou com a fundação das Faculdades de Medicina e do curso acadêmico para parteiras em 1832.

Com o estabelecimento da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, diversas instituições foram transferidas ou criadas. Nesse contexto, foram criados os cargos de físico-mor e de cirurgião-mor e publicado o regulamento da Fisicatura-mor, fundada com a finalidade de regulamentar e fiscalizar os praticantes das atividades relacionadas à saúde, dentre eles, as parteiras (PIMENTA, 2017). A partir de então, as parteiras deveriam obter licenças que as autorizassem a exercer legalmente a profissão, sendo necessária a apresentação de um atestado assinado por um cirurgião ou outra parteira licenciada, que certificasse a experiência da candidata, para que ela pudesse fazer um exame teórico com dois cirurgiões mediante o pagamento de uma taxa. Esta documentação permite desenharmos um panorama social das parteiras que se licenciavam na cidade nas primeiras décadas do século XIX.

Entre 1808 e 1828, enquanto durou a Fisicatura-mor, apenas 120 mulheres procuraram oficializar as suas atividades. Nem sempre havia referência à naturalidade delas, mas é possível identificar o lugar onde atuavam. Assim, 54 parteiras solicitavam licença de Portugal, já que a sede do império português havia sido transferida para o Rio de Janeiro. Entre os pedidos realizados no Brasil, 25 provinham da província do Rio de Janeiro e as outras 41 parteiras se distribuíam entre Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. As informações sobre a condição jurídica e a cor dessas mulheres foram pouquíssimas vezes especificadas nos processos de oficialização de parteiras, pois somente 12 traziam dados sobre isso e todas diziam respeito a parteiras pardas ou pretas libertas.5

Esse número diminuto não correspondia ao número de parteiras atuantes na cidade e poderia indicar o desinteresse em formalizar seu status como parteiras, visto que eram reconhecidas em suas comunidades, onde poderiam realizar partos apenas ocasionalmente. Dificuldades em arcarem com o pagamento das taxas para abertura e andamento do processo de oficialização também poderiam desestimular a procura pela Fisicatura-mor (PIMENTA, 2017). O perfil de parteiras atuantes na cidade, portanto, era o de mulheres que atuavam sem autorização, sendo reconhecidamente experientes, além daquelas que partejavam apenas ocasionalmente (MOTT, 1999).

Desde 1820, a presença de mulheres francesas fazia-se sentir na cidade. Imigrando sós ou acompanhadas de filhos, familiares e maridos, escaparam das dificuldades econômicas e conturbações políticas desencadeadas pelas guerras e a derrota de Napoleão Bonaparte. Estas mulheres, brancas e estrangeiras, constituíram um novo perfil de parteiras que vinham atuar na cidade, muitas delas formadas em escolas de medicina, segundo os princípios da obstetrícia, que vieram disputar a preferência de setores dentre as mulheres brancas das camadas escravistas mais ricas.6

A francesa Marie Josephine Mathilde Durocher, primeira parteira a diplomar-se pelo curso de partos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e suas conterrâneas obtiveram aprovação entre os médicos, atuando e sendo formadas sob os parâmetros da obstetrícia, diversos do arcabouço de conhecimentos das demais parteiras, baseado na experiência prática e na tradição oral. Em texto publicado em 1871, Durocher tecia considerações acerca das mulheres com as quais ela vinha disputar clientela no início de sua carreira depois de formada, em 1834, no curso de partos da faculdade de medicina. A francesa referia-se a elas: “as caboclas, portuguesas, e negras velhas monopolizavam o exercício dos partos”, até então “não contestado, curavam as moléstias do útero, benziam de quebrantos, tratavam de espinhela caída (gastroenterite): eram apelidadas como em muitas outras partes comadres”.7

Durocher indicava a origem étnica e as formas de atuação das “comadres”, negras, caboclas e portuguesas, responsáveis pelos partos, cuidados de recém-nascidos, benzeduras e práticas de cura de enfermidades uterinas, e das curandeiras, que tratavam de “moléstias médicas ou cirúrgicas com certas rezas, palavras mágicas acompanhadas de mezinhas, confeccionadas por elas”. Brasileiras, africanas e portuguesas diferenciavam-se de acordo com seus trajes: “as Brasileiras trajavam mantilhas ou baeta, as Africanas baeta ou pano da costa, as Portuguesas, saia, capote e lenço branco à cabeça”. Durocher representava as práticas das parteiras dos extratos populares a partir de um viés preconceituoso, diferenciando-se delas, e criticando sua atuação em esferas fundamentais para a vida das mulheres grávidas e mães, como abortos, feitiços e abandonos de bebês:

Eram completamente analfabéticas [sic], pertenciam à última classe da sociedade, pela maior parte ex-meretrizes [...] e levavam debaixo da mantilha, capote ou baeta, cartas, presentes, filtros, feitiçarias de simpatia ou repulsão, de ventura ou de desgraça: provocavam o aborto, cometiam infanticídios e abandonavam nas ruas ou estradas os recém-nascidos.8

De acordo com a francesa, haveria como exceção as “criaturas excepcionalmente honestas, caridosas e benfazejas, principalmente entre as “‘Brasileiras e Africanas’”.

Em seus escritos do início de sua carreira, Durocher permite que nos aproximemos das formas de atuação de parteiras negras, mulheres africanas e descendentes. Em 1835, Durocher era convidada para comparecer no juizado de paz da freguesia do Sacramento, às onze horas da manhã, com a finalidade de examinar uma moça “que se dizia ter sido deflorada”. No dia e hora marcados, a francesa surpreendeu-se por não encontrar o médico, mas sim Tereza: “o juiz não tinha intimado médico, mas sim uma comadre (crioula de 35 a 40 anos, libertada havia uns 10 anos, e desde esse tempo, disse-me ele, serve de parteira na freguesia, e é muito entendida)”.9 A parteira francesa dirigia-se ao juiz e o questionava se não teria sido mais conveniente chamar o Dr. Jobim, professor de medicina, ao que ele respondia negativamente, “visto como a lei dizia que, na falta de um médico ou cirurgião, serviriam duas parteiras, e, na falta destas, qualquer matrona”.10

Desse modo, podemos supor que, na década de 1830, Tereza, considerada “muito entendida”, liberta desde 1825, tenha assistido os partos de muitas dentre as 3.790 mulheres escravizadas recenseadas na freguesia de Sacramento que, naquele período, concentrava a maior população africana da cidade (SOARES, 2007, p. 365). Assim, na primeira metade do século XIX, é provável que a maioria das mulheres negras escravizadas fossem assistidas em seus partos por mulheres escravizadas pelo mesmo senhor, por libertas ou brancas livres empobrecidas, compartilhando, com as primeiras, visões de mundo e experiências sociais.

Notamos que, anteriormente e mesmo depois da lei de 1832, que veio restringir às formadas no curso de partos o exercício legal desta profissão, mulheres negras alcançavam reconhecimento e prestígio entre a população, incluindo-se, no caso de Tereza, o juiz municipal, além de cirurgiões, médicos e a classe senhorial.11

A documentação da Fisicatura-mor, em particular as cartas de recomendação, é expressiva do prestígio social alcançado por mulheres negras e libertas também entre a camada senhorial. Em 1821, um médico do Hospital Real Militar do Rio de Janeiro, ao escrever a carta de recomendação de Maria Rosa Teixeira, destacou que ela possuía os “conhecimentos práticos que constituem uma hábil parteira”.12 Já Quitéria Maria da Conceição, em 1818, na Corte, era recomendada por um cirurgião que ressaltava a competência da parteira, que havia assistido “em minha casa alguns partos de pessoas de minha família (e entre estes um laborioso) com toda a moderação e prudência necessárias em tais casos”.13

Mas como essas mulheres negras e libertas aprendiam esse ofício? No Rio de Janeiro do início do século, de acordo com a documentação da Fisicatura-mor, Maria Rosa da Conceição e Paulina Maria de Jesus haviam aprendido a arte de partejar com Sebastiana Maria do Bom Sucesso, parteira aprovada, que passou atestados para cada uma, ressaltando a grande experiência e inteligência de Maria e o grande conhecimento de Paulina, que praticara com Sebastiana por quase sete anos.14 Já a parteira Maria do Carmo assinava a carta de recomendação para Gertrudes Maria, que dizia: “[...] praticado a ocupação de parteira em minha companhia com toda a habilidade necessária tem executado as minhas lições assistindo comigo em vários partos”. Em sua solicitação, Maria do Carmo explicava ainda que praticava havia “mais de dez anos [...] principiando debaixo das direções de Ignes Januaria”.15

Os aprendizados constituíam-se a partir de conhecimentos fundados na prática, junto a outras parteiras, possivelmente tias e madrinhas. Um folhetim publicado no Diario de Notícias, na província do Pará, em 1886, é sugestivo das práticas de formação das parteiras e curandeiras afrodescendentes, quando tia e sobrinha atuavam lado a lado. Descrita no folhetim “Lendas e superstições”, a “velha Xica”, “aos seus setenta anos, mas esperta como uma crioula de vinte anos”, era acompanhada por sua sobrinha, que

já sabia, como sua tia, curar toda sorte de dor de barriga, de cabeça, benzer um mau olhado, uma erisipela, [...] um quebranto; aplicar qualquer emplasto de mel de abelha com canela, ou leite vegetal; finalmente consertar barriga de mulher.[...] A velha Xica vive dessas curas e é chamada para todos os lados como parteira, curandeira, mulher experiente e adivinhadeira.16

Assim, a partir de 1832, a despeito da fundação da Faculdade de Medicina e da restrição legal dos partos às mulheres formadas, parteiras negras e libertas como Gertrudes Maria, Sebastiana, Tereza, e muitas outras, continuaram obtendo clientela entre livres, libertas e escravizadas na cidade, e mesmo conquistando reconhecimento entre os funcionários do Estado.

Ao longo da segunda metade do século XIX, os médicos, em busca de legitimidade e clientela, passaram a dirigir às parteiras um discurso preconceituoso, racista e difamatório, representando, nas teses de medicina e jornais diários, estas mulheres dos extratos populares como mulheres supersticiosas, infanticidas e aborteiras.17 Competindo com sangradores, parteiras, mezinheiras, curandeiras e curandeiros, os médicos forjaram as figuras do “charlatão” e da “parteira ignorante”, muitas das quais africanas, indígenas e descendentes, que passaram a ser hostilizadas, em oposição ao médico, portador da ciência, e à parteira branca e acadêmica (MOTT, 1999; Gabriela SAMPAIO, 2000). Ao longo da segunda metade do século XIX, os discursos médicos racializados e as campanhas contra as parteiras brasileiras e africanas negras penetraram em parte das elites escravistas que se europeizavam e que passaram a preteri-las, solicitando a assistência de parteiras brancas, muitas delas europeias. No entanto, mulheres escravizadas e libertas seguiram, em grande medida, sendo atendidas por parteiras atuantes nas vizinhanças. Um documento sobre uma ocorrência policial de 1855 permite identificarmos a lenta diferenciação social entre as parteiras por parte das elites, que estabeleciam fronteiras entre as “parteiras de profissão” e as comadres. Estas eram requisitadas nos partos das cativas das famílias empobrecidas: “Uma escrava de uma família pobre teve de dar à luz um filho. Como é de uso, chamou-se a comadre, e não a parteira de profissão”, constando que a família remediada retribuía seis mil réis à parteira.18

Mulheres escravizadas, parteiras africanas e descendentes: práticas e contextos

Diante deste cenário, cabe questionarmos: quais as práticas de Tereza, crioula liberta, com seus 35 a 40 anos, que atuava na freguesia do Sacramento nos anos 1830? Quais as visões de mundo, os conhecimentos e, também, as relações de poder que informavam as práticas das parteiras negras e da francesa Durocher, das portuguesas e brasileiras brancas, e das africanas também escravizadas que assistiam os partos de suas parceiras nas casas senhoriais, na primeira metade do século XIX?

Pesquisadoras acerca dos partos e parteiras entre mulheres africanas e descendentes nas fazendas ao sul dos Estados Unidos e no Caribe de colonização britânica e dinamarquesa sinalizaram a centralidade das origens sociais e culturais das parteiras ao nos aproximarmos das experiências dos nascimentos para africanas e descendentes (SCHWARTZ, 2006; TURNER, 2017; INISS, 2009; Niklas JENSEN, 2009).

Marie Schwartz argumentou que, nas fazendas ao Sul dos Estados Unidos, parteiras, escravistas e as próprias mulheres escravizadas compartilhavam do desejo de que tanto as mães quanto os bebês gozassem de boa saúde e sobrevivessem. No entanto, as mulheres africanas e suas descendentes esperavam vivenciar o nascimento de seus bebês de acordo com o que consideravam apropriado, visto que os partos eram eventos espiritualmente carregados e potencialmente perigosos. A historiadora destacou, também, haver diferenças inconciliáveis entre as concepções, interesses e anseios das mulheres afrodescendentes, e as noções do que constituíam práticas apropriadas para mulheres negras e médicos brancos (SCHWARTZ, 2006). Já para Sharla Fett, as parteiras negras exerceram um papel fundamental na criação de significados alternativos para os nascimentos entre as mulheres cativas, em confronto com a objetificação de seus bebês por parte da classe senhorial, esforçando-se em situar o recém-nascido dentro de um contexto de parentesco e proteção, mediando os eventos espiritualmente carregados do nascimento e da morte dos bebês. A autora demonstrou, ainda, o papel central das parteiras afrodescendentes para a construção de laços de solidariedade entre as mulheres escravizadas nas suas comunidades (FETT, 2006).

Marie Schwartz, ao analisar as experiências dos partos para mulheres afrodescendentes no sul dos Estados Unidos escravista, destacou as dificuldades em discernir a origem cultural e étnica das práticas das parteiras. A historiadora desenvolveu a hipótese de que mulheres indígenas, africanas, europeias e suas descendentes compartilhavam e reelaboravam usos, terapias e crenças. Elas aceitariam, rejeitariam e transformariam os usos e noções no parto de acordo com suas visões de mundo, e segundo a crença em sua eficácia e a facilidade em encontrar as matérias-primas para a elaboração de medicamentos (SCHWARTZ, 2006, p. 177).

Na cidade do Rio de Janeiro, para as africanas e crioulas, jovens parturientes de primeiro filho ou mães experimentadas, seria desejável contar com mulheres de sua confiança no momento do parto, que fizessem parte de suas redes de solidariedade. No entanto, no cenário em que vigoravam a pequena e a média propriedade urbana, as parteiras eram, em sua maioria, mulheres libertas e livres empobrecidas, solicitadas pelos senhores e por eles remuneradas, podendo, também, agir contrariamente aos interesses das parturientes cativas.19 Os domicílios senhoriais, os médicos e as parteiras europeias brancas, em particular as formadas de acordo com os princípios da obstetrícia acadêmica, provavelmente não ofereciam às africanas e a suas descendentes o senso de segurança física, emocional e espiritual durante os partos e depois dele. Se podem ter sido comuns os contatos e reelaborações de práticas e noções africanas por parte de mulheres brancas, que partilhavam da crença dos fundamentos sobrenaturais das doenças e do bom ou mau sucesso no parto, práticas como o uso do lençol e a posição deitada, indicadas no parto de uma mulher branca na obra de ficção Memórias de um Sargento de Milícias (Manuel de ALMEIDA, 1997), poderiam ser impostas à parturiente negra pela parteira ou pela senhora, respondendo às exigências em cobrir o corpo feminino.

Assim, é possível conjecturar que mulheres negras, africanas e descendentes desejassem a assistência de parteiras com as quais pudessem partilhar das concepções e práticas do que seria apropriado durante o trabalho do parto e nos rituais com os recém-nascidos. Karasch demonstrou ter sido comum que mulheres libertas, como a comadre Tereza e Sebastiana, desempenhassem o ofício e ganha-pão de parteiras e curandeiras na cidade ao longo da primeira metade do século XIX, assistindo a mulheres cativas, libertas, senhoras de origem portuguesa e outras mulheres livres da freguesia.

Um aspecto importante a se destacar é que as formas de aprendizado prático das mulheres crioulas libertas teriam se iniciado, como vimos, quando eram escravizadas, seja com tias, madrinhas, no nascimento de seus próprios filhos, mas também, e sobretudo, acompanhando e aprendendo com outras parteiras, atendendo a partos ocasionais possivelmente de outras escravizadas e a suas senhoras.20 Quanto às mulheres africanas, elas poderiam ter experienciado ou assistido partos em suas sociedades de origem. A historiadora Mary Karasch demonstrou, a partir da análise de dados referentes à interceptação de navios no período de tráfico ilegal, entre 1833 e 1852, que, entre 108 africanas registradas, 63% eram meninas e jovens entre 10 e 19 anos, embarcadas dos portos congo-angolanos. É provável que estas meninas e jovens tivessem engravidado e dado à luz a maioria, ou todos os seus filhos, deste lado do Atlântico, no contexto da escravização. No entanto, consta, na amostra, que 25% dentre elas foram trazidas para o Brasil com 20 a 49 anos (KARASCH, 1986, p. 81). Estas mulheres, sobretudo as mais velhas, trouxeram consigo saberes relacionados à assistência a outras mulheres em seus partos em suas sociedades de origem. Embarcadas com bebês e filhos pequenos, ou apartadas deles no violento processo de escravização desde as invasões e sequestros nos vilarejos aos barracões no litoral africano, mulheres africanas experimentaram um ou alguns de seus partos na África. Dali, trouxeram seus saberes e práticas reelaborados a outras mulheres, africanas e descendentes e, em outra medida, a brancas livres.

Nesse sentido, seria provável que Tereza, mulher crioula, atuante como parteira na freguesia de Sacramento desde pelo menos o ano de 1825, quando se tornara liberta, tenha adquirido aprendizagens enquanto escravizada, acompanhando outras parteiras nos nascimentos de outras cativas, africanas e descendentes, mas também partos dos bebês de suas senhoras. Assim, as parteiras negras entraram também em contato com as práticas e rituais de nascimento inspirados nas tradições indígenas e no catolicismo, atendendo suas senhoras ou assistindo os partos de mulheres de ascendência indígena ou portuguesa.

Parteiras africanas e também suas descendentes crioulas certamente conformaram suas práticas ao perfil social e étnico da parturiente, sendo provável que se adaptassem às expectativas sociais e culturais das mulheres brancas, e atuassem com maior liberdade junto às africanas e às suas descendentes. Assim, no contexto da escravidão e de suas relações de poder, as parteiras africanas, quando próximas aos brancos, poderiam modelar suas formas de atuação com as escravizadas de acordo com as expectativas do que seria o parto apropriado pelas mulheres brancas, inibindo, possivelmente, determinadas práticas.

Os casos clínicos não esclarecem a possibilidade de negociação com a camada senhorial e escolha das mulheres cativas quanto à assistência aos partos, nem as práticas das parteiras que antecederam a entrada dos médicos em cena. Já as teses de medicina, folhetins e a literatura de viagens constituem janelas para nos aproximarmos dos conhecimentos e das práticas das parteiras, muitas delas negras, e das experiências das parturientes africanas e descendentes quando deram à luz nos domicílios senhoriais na cidade.

Carlos Azevedo, em 1847, em sua tese de conclusão de curso em medicina, indica que as parteiras utilizavam-se de variados expedientes para solucionar complicações nos partos, como massagens e fricções, manobras externas e internas, visando romper o saco amniótico, reposicionar ou extrair com as mãos o feto, além do uso de sopros na garrafa e de infusão de ervas para acelerar o trabalho de parto. Utilizavam, igualmente, o centeio espigado, usado também por médicos, a fim de acelerar as contrações uterinas, sustar hemorragias e como abortivo (AZEVEDO, 1847, p. 14-17).21 Já o médico francês Sigaud, em 1835, apontou que os partos não ocorriam sob lençóis: mulheres davam à luz em outras posições, enquanto as parteiras ajudavam-nas “sustentando os joelhos e as cadeiras”.22 Conforme documentado por etnógrafos e viajantes, as africanas não costumavam dar à luz deitadas, posição que, de acordo com Maria Lucia Mott, veio favorecer, já nas décadas finais do século, as formas de atuação dos médicos, e não o bem-estar das parturientes (MOTT, 1998).

O médico inglês Robert Felkin, que presenciou partos na África Central, indicou que as mulheres davam à luz apoiadas sobre os pés ou de joelhos, no interior da habitação onde ardia uma fogueira, ou fora dela, apoiadas na parede da cabana ou em uma árvore (Robert FELKIN, 1884, p. 925-928). Nas ocasiões em que o trabalho de parto se demorava, a mulher parturiente recebia massagens na barriga, e as assistentes revezavam-se sentadas costas a costas com a parturiente, subindo ou colocando pesos sobre o dorso a fim de auxiliarem na expulsão do bebê. No tratado obstétrico de Georges Engelmann e Paul Rodet (1886, p. 70 e 116), os autores fazem alusão às africanas do grupo bakongo e de outros grupos étnicos da África centro-ocidental não especificadas que, no final do século XIX, davam à luz sempre com a assistência de mais de uma mulher, geralmente suas amigas.

Assim, é bastante provável que os partos domiciliares nas casas senhoriais no mundo urbano, que em sua maioria contavam com poucas cativas, e a assistência de comadres brancas, rompiam com diversas práticas e noções ligadas aos nascimentos entre mulheres centro-africanas, caracterizadas por reunir parentes e amigas na assistência aos nascimentos.

A obra do médico francês Jean-Baptiste Imbert, que atuou em grandes propriedades cafeeiras do Sudeste, nos oferece alguns indícios acerca das práticas e concepções de matriz centro-africana com respeito aos partos. Em seu manual destinado aos fazendeiros, o francês referia-se às “negras que assistem aos partos de suas parceiras”, e aos usos de cachaça e outras bebidas “estimulantes” durante os nascimentos (Jean IMBERT, 1839, p. 251). Ele referiu-se, ainda, aos cuidados neonatais: “Mal nasce a criança, costumam as negras amassar-lhe a cabeça a fim de dar a esta uma forma mais agradável” (IMBERT, 1839, p. 252). Uma tese de medicina defendida em 1846 referiu-se à prática semelhante entre parteiras, provavelmente africanas, que usavam endireitar “o crâneo do bebê, e outras partes quando julgam defeituosas”, segundo ele “com o fim de emendarem a natureza, ou de arredarem de sobre a criança os maus presságios” (Joaquim MELLO, 1846, p. 10-11). Joaquim Melo, o autor da tese, criticava o uso das “comadres ou pessoas supersticiosas” de banhar os recém-nascidos com vinho ou cachaça, em particular os que nasciam debilitados (MELLO, 1846, p. 10-11).

Uma crônica publicada no Jornal do Commercio, na edição do dia 5 de outubro de 1838, nos fornece acesso a algumas das práticas de matriz africana acerca da gravidez e do parto. Intitulado “Variedades. Olhados, quebrantos e malefícios”, o texto, em tom irônico, aborda os poderes maléficos do olhar, que poderia provocar o mau parto:

Muita gente está persuadida, que há olhos tão maus, que basta fitarem-se em qualquer coisa para lhe causarem maior dano. [...] porque, de quantos antídotos se conhecem para quebrantos e olhados, nenhum há de tanta virtude como as figas e mais se são de chifre; que tem este muitas aplicações na grande arte dos malefícios: por isso, quando alguma mãe tem de mandar fora seu menino, logo a advertem, que não vá sem levar figas no cinteiro para evitar os maus olhos.23

O autor sinaliza o uso amplamente difundido dos amuletos e figas, capazes de evitar, desde a gravidez, “quebrantos e olhados”. Assim, quando estivessem prestes a “mandar fora seu menino”, com a finalidade de neutralizar o poder de feitiços, é possível que mulheres africanas e descendentes providenciassem “figas no cinteiro para evitar os maus olhos”, em particular as feitas de chifres, considerados os melhores amuletos contra o mau-olhado. A profusão de amuletos entre a população africana e descendente na cidade do Rio de Janeiro sinaliza as reelaborações do culto aos antepassados entre os centro-africanos e suas formas de enfrentamento às desventuras na escravidão (Robert SLENES, 1999, p. 152), o que certamente incluía, para as mulheres escravizadas, o mau parto.24 Para as mulheres centro-africanas e descendentes, o mau parto poderia envolver não apenas um processo muito sofrido, a morte do bebê, mas também ameaças e violências senhoriais (TELLES, 2022a, p. 228). Assim, mulheres negras, curandeiras e parteiras africanas e descendentes detinham saberes e poderes que poderiam proteger a parturiente e os bebês dos malefícios.

O contato das mulheres africanas, e sobretudo das crioulas, com as crenças do cristianismo, como a devoção às santas e aos santos católicos, teria fornecido novos caminhos de interpretação e de enfrentamento aos infortúnios no parto, na escravidão. Assim, rituais em torno da devoção às santas e santos foram apropriados e africanizados por parteiras e parturientes negras africanas e descendentes, tendo assumido um significado particular para a proteção durante os partos. De acordo com Karasch, entre os centro-africanos, a devoção a santas e santos católicos, o culto aos espíritos dos ancestrais e o uso de amuletos investidos de poderes de proteção teriam constituído um arsenal importante contra forças maléficas, visando garantir a boa fortuna na vida (KARASCH, 2000, p. 357). Os partos difíceis, entre as africanas, poderiam ser atribuídos a descontentamentos dos ancestrais, cujas influências poderiam estender-se por diversos aspectos da vida, como desastres naturais e outras calamidades (Beverly CHALMERS, 1990, p. 3).

Imagens do panteão de santas católicas, como Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora do Parto, representadas segurando as mãos de uma criança, além de Nossa Senhora da Lampadosa, padroeira da igreja dos escravizados, representada amamentando uma criança, referem-se ao bom sucesso no parto, à sobrevivência das mães e dos bebês. Márcio Soares documentou, entre 1802 e 1821, a presença de Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora do Bom Parto como madrinhas espirituais nos assentos de batismo das crianças das africanas na freguesia de São José. Esta escolha, de acordo com o autor, sinalizaria as formas de gratidão por parte das mães africanas pela superação de dificuldades durante a gestação ou o parto (SOARES, 1999, p. 197).

Assim, nos nascimentos entre mulheres africanas e descendentes, parteiras e parturientes, que transcorriam nos domicílios dos brancos, estiveram em jogo a liberdade e a autonomia de posições no processo de dar à luz, a expressão ou o silenciamento das manifestações de dor durante o parto, mas também a prática de rezas e rituais de nascimento e de enfrentamento aos feitiços e à morte dos bebês.

Na cidade do Rio de Janeiro, depois do perigoso e doloroso processo do parto, as mulheres cativas defrontaram-se com novos desafios e tensões, no que toca ao tempo de que dispuseram para o resguardo e afastamento do trabalho. O momento do parto, o puerpério e os dias imediatamente posteriores foram centrais para mulheres que foram mães sob a escravidão urbana ao longo do século XIX, colocando-se em jogo suas vivências durante o parto, bem como os destinos dos seus bebês, caso seus senhores visassem alugá-las como amas de leite.25 Assim, mulheres que desejassem viver o parto de acordo com o que entendiam como apropriado, evitar o abandono de seus bebês para que fossem alugadas como amas de leite, ou evitar as torturas de senhores violentos, mobilizaram-se para encontrar um local seguro para viverem o parto e o puerpério, abandonando a casa senhorial.

Nas mãos de suas mães, filhas e comadres...

A imprensa diária, ao documentar a fuga de mulheres às vésperas do parto, indicou que as redes de apoio e as solidariedades fundadas no parentesco, no “comadrio” e nas relações amorosas com os pais dos filhos foram de fundamental importância para que mulheres africanas e descendentes sob a escravidão pudessem afastar-se dos senhores, de suas violências ou de seus projetos, antes do parto e depois de dar à luz seus bebês.

Os anúncios de fuga publicados nas décadas de 1830 e 1840 apontam para a grande concentração de centro-africanas na cidade. Rozária, nação26 Cassange, por volta de 34 anos, “prenhe já bem conhecida, rosto redondo e mui retinta”, planejava dar à luz longe de seus senhores. Era 7 de setembro de 1830, quando ela deixou a residência senhorial, levando “vestido de riscado da costa, e um cestinho de roupa de criança”.27 O anúncio aponta para o projeto desta mulher em dar à luz distante do senhor, assim como as necessidades materiais das mães africanas em prover a primeira roupa para seus bebês recém-nascidos. Firmina, nação Conga, em torno de 28 anos, estava desaparecida desde 31 de outubro de 1845: o senhor protestava pelo jornal de 640 réis, “bem como pelo valor da cria”, “visto se achar grávida quando fugiu”.28 Quem as teria assistido em seus partos, para onde se dirigiam?

O anúncio senhorial relativo à fuga de Paulina, de 1848, apesar de não envolver gravidez, é significativo ao indicar a presença ostensiva de africanas na cidade, e as redes de solidariedade eminentemente femininas que eram forjadas entre comadres africanas e descendentes, libertas e escravizadas: “Consta que de dia anda pelos arrabaldes da cidade junto com outras pretas lavadeiras; e de noite dorme pelos corredores ou em casa de uma preta sua comadre”.29

Mulheres africanas e suas descendentes foram assistidas em seus partos por suas comadres, mas poderiam ter seus bebês aparados por suas próprias filhas: dia 13 de março de 1845, pela madrugada, a centro-africana Maria, de nação Cabinda, fugiu grávida de oito a nove meses. De acordo com seu senhor, era possível que ela estivesse “acoitada em casa de uma filha de nome Angela, que mora no Catete”.30 Este anúncio é expressivo das redes de parentesco que uniam mães africanas e filhas crioulas, fundamentais para os modos de sobrevivência e de enfrentamento da escravidão para mulheres cativas na cidade. Já Joaquina, entre 26 e 30 anos de idade, lavadeira, nascida na Bahia, desapareceu da casa senhorial, grávida, em 1854. Nascida na Bahia, é provável que ela fosse vendida com poucos anos de vida junto à mãe, Theodora, uma possível africana ocidental, a quem a filha procurava:

Anda fugida desde o dia 2 do corrente uma preta crioula da Bahia, de idade de 26 a 30 anos, alta, magra, bem parecida e bem falante [...] está grávida, e lavava ultimamente no Campo da Aclamação, e anda às vezes com uma gamela pequenina; chama-se Joaquina, e tem sido encontrada com a mãe, que é outra preta bastante alta e magra, que se chama Theodora [...].31

No ano de 1857, Catarina, de nação Angola, em torno de 30 anos, alta, “barriguda”, caso estivesse grávida, é possível que fosse assistida “em casa de uma sua comadre, na travessa de Santa Rita”, onde, segundo o anúncio de autoria de seu senhor, ela se achava.32

Transitoriamente escondidas nas casas das comadres nos bairros centrais de concentração negra e africana e nas habitações coletivas, mulheres grávidas em fuga, que permaneciam na cidade, tiveram que lutar pela sobrevivência. Elas contaram com o apoio de suas mães ou de filhas adultas, de suas comadres, parteiras e feiticeiras, de companheiros livres, libertos e cativos, que pudessem lhes prover abrigo, roupas, quarto, alimento e assistência, durante o parto e nos tempos posteriores.

Considerações finais

Na primeira metade do século XIX, a maioria das mulheres africanas e suas descendentes, cativas, libertas ou nascidas livres, viveram partos domiciliares, sob a assistência de mulheres negras, escravizadas ou libertas, mulheres livres, de ascendência portuguesa ou indígena, parteiras ocasionais ou de ofício, que atuavam na vizinhança. Poderiam ser atendidas, também, por mulheres europeias de formação acadêmica, em geral chamadas em último caso pelos senhores e locatários, ou, ainda, distantes destes, nas casas das suas comadres, mães, e moradias coletivas.

A experiência do parto para mulheres de diferentes extratos sociais e étnico-raciais variou de acordo com as diferentes condições de vida das mulheres, envolvendo trabalho, alimentação, matrizes culturais das parteiras, grau de autonomia em sua escolha, redes de solidariedade e concepções sobre saúde e doença. Assim, ao longo da primeira metade do século XIX, com a institucionalização da medicina, mudanças ocorreram na experiência do parto e da obstetrícia para mulheres negras escravizadas no Rio de Janeiro, muitas delas fazendo da arte de partejar o seu ofício quando libertas. Ao longo do século XIX, mesmo quando as parteiras passaram a constituir um grupo cada vez mais diverso, com a inclusão de mulheres formadas no curso de partos da faculdade de medicina e imigrantes francesas, africanas e afrodescendentes continuaram a atuar como parteiras.

Muitas escravizadas tornaram-se aprendizes do ofício que exerceriam como forma de sobrevivência em liberdade, tendo sido assistidas por parteiras africanas, que atuaram no sentido de conferir segurança e amparo nos nascimentos, seja através das manobras nos partos difíceis, através dos rituais ligados à proteção da mãe e do bebê, com o uso de amuletos, ervas, rezas, encantamentos, recursos mágico-religiosos que auxiliavam o parto, afastando os feitiços e evitando os maus sucessos. Frequentemente, o parto transcorria no domicílio senhorial, nas chácaras e palacetes nas freguesias centrais e suburbanas, ou nos sobrados e casas térreas. Importa destacar, contudo, que houve mulheres africanas e descendentes que puderam desafiar as limitações de mobilidade e escolhas e, mesmo grávidas, ou por estarem grávidas, como a africana Rozária, conseguiram se afastar da moradia senhorial para dar à luz em maior conforto e segurança com suas comadres, mães e filhas mais velhas

Referências

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  • 1
    Caixa 1204, Fisicatura-mor, AN.
  • 2
    Além das clínicas particulares dos médicos, designadas “casas de saúde”, com a lenta aparelhagem dos médicos no Estado imperial, foram fundados estabelecimentos destinados à assistência obstétrica gratuita, com o objetivo de proporcionar aos estudantes de medicina a prática clínica que eles raramente obtiveram, inicialmente na Maternidade Municipal e, depois, na enfermaria de clínica obstétrica e ginecológica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sediada no hospital da Santa Casa de Misericórdia (BARRETO, 2016; TELLES, 2022a; TELLES, Lorena Féres da Silva. “Bacias, fetos e pelvímetros: mulheres escravizadas e violência obstétrica na enfermaria de partos do Rio de Janeiro (década de 1880)”. In: ARIZA, Marília; CARULA, Karoline (Org.). Escravidão e maternidade no mundo atlântico: corpo, saúde, trabalho, família e liberdade nos séculos XVIII e XIX. Niterói: UFF, 2022b. p. 81-105).
  • 3
    Annaes de Medicina Brasiliense, 2º ano, v. 2, n. 6, p. 137-138, novembro de 1846.
  • 4
    Além das 45.012 mulheres africanas e descendentes cativas, o censo de 1849 indicou, aproximadamente, 7.400 libertas predominantemente africanas, por volta de 53 mil brasileiras livres, e em torno de 7.600 mulheres estrangeiras livres. A população do Rio de Janeiro caracterizava-se por uma maioria masculina: escravizados africanos (43.129) e descendentes (22.462), cerca de 6 mil libertos, em sua maior parte africanos, e 51 mil homens brasileiros brancos e negros livres, além de 30 mil estrangeiros livres (SOARES, 2007, p. 365, 368, 370, 371, 376, 379).
  • 5
    Caixas 1186-1212, Fisicatura-mor, AN.
  • 6
    Diferentemente das parteiras de ascendência ou origem indígena, africana e portuguesa, que conquistaram sua freguesia nos laços de vizinhança, as francesas utilizaram-se dos jornais diários, em que publicavam anúncios de seus serviços, como meio principal de divulgação (Cf. BARBOSA, Gisele; PIMENTA, Tânia. “O ofício de parteira no Rio de Janeiro imperial”. Revista de História Regional, v. 21, n. 2, p. 485-510, 2016; MOTT, 1998.
  • 7
    Annaes Brasilienses de Medicina, Tomo XXII, n. 8, p. 261, janeiro de 1871.
  • 8
    Annaes Brasilienses de Medicina, Tomo XXII, n. 8, p. 262, janeiro de 1871.
  • 9
    Annaes Brasilienses de Medicina, Tomo XXXVI, n. 1, p. 118, julho a setembro de 1884.
  • 10
    O pintor francês Jean-Baptiste Debret, nas primeiras décadas do século XIX, designava parteiras negras como matronas, referindo-se ao “hábito de chamar matronas para a operação do parto” entre “as classes inferiores da população brasileira” (DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Trad. Sérgio Milliet, Tomo II (Vol. III), São Paulo: Martins Fontes, 1940. p.172-173).
  • 11
    A historiadora Sharla Fett destacou que as parteiras afrodescendentes cativas e libertas no Sul dos Estados Unidos eram solicitadas nos partos tanto de mulheres escravizadas quanto de senhoras, sendo chamadas para atenderem aos partos em diferentes fazendas, cruzando hierarquias de classe e raça de maneira peculiar, gozando de mobilidade espacial (FETT, 2006).
  • 12
    Caixa 1212, Fisicatura-mor, AN.
  • 13
    Caixa 1193, Fisicatura-mor, AN.
  • 14
    Caixas 1199 e 1193, Fisicatura-mor, AN.
  • 15
    Caixa 1198, Fisicatura-mor, AN.
  • 16
    Diario de Noticias, 1º de agosto de 1886. Sobre as práticas de parteiras e curandeiras negras no Sul do Brasil, ver: Witter (2001, p. 47-48, 89-93).
  • 17
    Em 1869, um médico referia-se a “uma preta velha ignorante como as pedras, ou especuladora e abaçanada mezinheira que a título de comadre dá cabo da vida de um pobre inocente, e muitas vezes da infeliz que o trazia em seu seio”. Annaes Brasilienses de Medicina, Tomo XX, n. 9, 1869, p. 321, fevereiro de 1869. As imagens da parteira ignorante e dos curandeiros enquanto charlatães foram igualmente encontradas na literatura médica de outras sociedades escravistas atlânticas (SCHWARTZ, 2006; INNISS, 2009).
  • 18
    Correio Mercantil, 3 de outubro de 1855.
  • 19
    Quanto às parteiras europeias, elas poderiam ser solicitadas pela classe senhorial não apenas para prestarem assistência nos nascimentos, mas também para responsabilizarem-se pelo sumiço dos bebês, com a finalidade de que as mães fossem alugadas como amas de leite sem os filhos, por um preço mais elevado (Cf. PIMENTA; BARBOSA, 2016; TELLES, 2022a).
  • 20
    Maria Lucia Mott refere-se a uma mulher africana escravizada, Maria Fraga, que foi colocada ao ganho pelo senhor, para exercer o ofício de parteira na Vila Nossa Senhora do Carmo, atual cidade de Mariana, em Minas Gerais. No pedido de licença, em 1721, Maria Fraga figurava como “preta do gentio da Guiné”, gozando de “capacidade, inteligência e experiência”, obtendo carta pelo senado da Vila (MOTT, 1998, p. 37).
  • 21
    Azevedo mencionou ainda a apropriação, por parte das parteiras, de instrumentos usados pelos médicos, como o fórceps. De acordo com a parteira francesa Mathilde Durocher, ela mesma teria começado a manejar o instrumento regularmente a partir do início da década de 1840. Em 1876, uma lei passou a proibir às parteiras o uso do fórceps, indício de que elas utilizavam o instrumento a despeito do intento dos médicos em monopolizar seu uso, atribuindo a si a imagem de competência e superioridade em relação às parteiras (MOTT, 1998, p. 273-274).
  • 22
    Diario de Saude, vol. I, n. 5, 16 de maio de 1835.
  • 23
    Jornal do Commercio, 5 de outubro de 1838.
  • 24
    Para os centro-africanos bakongo que viviam na região do baixo rio Zaire, os inquices, ou nkisi, eram amuletos usados com a finalidade de cura e de proteção contra enfermidades. Os inquices poderiam reter uma centelha de espírito em diversos suportes, como imagens de madeira, folhas, conchas, saquinhos de tecido, dentre outros objetos (THOMPSON, Robert Farris. Flash of Spirit: african and afro-american art and philosophy. New York: Pantheon Books, 1983. p. 117-118).
  • 25
    Sobre o mercado de aluguel e as experiências de mães africanas e descendentes como amas de leite no Rio de Janeiro ao longo do século XIX (Cf. MARTINS, Bárbara C. R. Amas de leite e mercado de trabalho feminino: descortinando práticas e sujeitos (Rio de Janeiro, 1830-1890). 2006. Mestrado (Programa de Pós-graduação em História Comparada) - Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; TELLES, 2022a, cap. 5).
  • 26
    Nos registros do século XIX, as nações atribuídas a homens e mulheres africanos escravizados e libertos não corresponderam a um grupo étnico específico, mas a portos de embarque que reuniam mulheres e homens provenientes de vastas regiões geográficas (FARIAS, Juliana; SOARES, Carlos; GOMES, Flávio. No labirinto das nações - Africanos e identidades no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005). De acordo com Karasch (2000, p. 52-53), africana/os de nação Angola, Cabundá, Cassange e Rebolo eram nativos da região de Luanda e do interior ao norte de Angola.
  • 27
    Diario do Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1830; Correio Mercantil, 16 de setembro de 1830.
  • 28
    Diario do Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1845.
  • 29
    Correio Mercantil, 27 de fevereiro de 1848.
  • 30
    Diario do Rio de Janeiro, 17 de março de 1845.
  • 31
    Diario do Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1854.
  • 32
    Diario do Rio de Janeiro, 24 de março de 1857.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
    TELLES, Lorena Féres da Silva; PIMENTA, Tânia Salgado. “Mulheres negras, parteiras e parturientes (Rio de Janeiro, 1810-1850)”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 32, n. 1, e98149, 2024
  • Financiamento:
    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:
    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2024
  • Aceito
    14 Jan 2024
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