RESUMO:
a incipiência do conceito de Tecnologia Assistiva adotado no Brasil têm permitido interpretações diversificadas sobre o que se configura ou não como pertencente a esta área do conhecimento. Durante uma pesquisa de mestrado, que visava compreender as concepções e práticas de professores de atendimento educacional especializado sobre Tecnologia Assistiva, verificou-se, dentre outros resultados, fragilidades em relação ao conceito. Assim, este artigo objetiva compreender e analisar as concepções de Tecnologia Assistiva de professores de atendimento educacional especializado, além de discutir as problematizações geradas pela incipiência do conceito. Foi utilizada a pesquisa colaborativa que busca aproximar conhecimentos acadêmicos e prática docente, gerando produção científica e formação de professores. Participaram da pesquisa professores de atendimento educacional especializado de salas de recursos multifuncionais e centros de atendimento educacional especializado. A coleta de dados se deu por meio de entrevistas coletivas semiestruturadas, e os dados foram organizados e categorizados para análise. Os resultados demonstram que, por meio da pesquisa colaborativa, foi possível promover formação básica aos professores, e, através deste consequente empoderamento, notou-se o despertar dos processos reflexivos nas docentes, de modo a levá-las a discutirem e problematizarem questões relativas a incipiência do conceito de Tecnologia Assistiva adotado no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Tecnologia Assistiva; Atendimento Educacional Especializado
ABSTRACT:
The incipience of the concept Assistive Technology adopted in Brazil has allowed diverse interpretations on what belongs or not to this area of knowledge. During a master's degree research aimed at understanding the conceptions and practices of Special Education service teachers on Assistive Technology, it was verified that, among other results, there were inaccuracies in relation to the concept. Therefore, this article aims to understand and analyze the conceptions of Assistive Technology by Special Education service teachers, in addition to discussing the problematizations caused by the incipience of the concept. The study used collaborative research, which tries to bring together academic knowledge and teaching practice, generating scientific production and teacher training. This research included: Special Education services teachers from multifunctional resource classrooms and Special Education service centers. Data collection was carried out through semi-structured collective interviews, and the results were organized and categorized for analysis. The results showed that, through collaborative research, it was possible to promote basic training for teachers, and, through this consequent empowerment, the interest in reflexive processes was observed, and caused them to discuss and problematize questions related to the incipience of the concept of Assistive Technology adopted in Brazil.
KEYWORDS: Special Education; Assistive Technology; Special Education Services
1 Introdução
A Tecnologia Assistiva (TA) consiste em uma área do conhecimento, de característica multidisciplinar, que tem por finalidade eliminar as barreiras à plena participação e à vida funcional para as pessoas com deficiência, incapacidades e mobilidade reduzida, objetivando uma maior autonomia e qualidade de vida.
A sistematização do conceito de TA no Brasil é recente e ainda se encontra em fase de construção. A iniciativa mais recente para uma sistematização do conceito de TA foi a criação do Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), em 2007, que, a partir de um levantamento bibliográfico sobre as definições do conceito de TA nos Estados Unidos da América (EUA) e União Europeia, formulou o conceito brasileiro que passou a subsidiar as iniciativas e os aspectos legais da área. A partir desta iniciativa, TA passou a ser definida como:
[...] uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (BRASIL, 2007a, p.3).
A aplicação dos conhecimentos de TA ganha uma importância ímpar quando pensamos nos processos de ensino e aprendizagem a que as crianças são submetidas na fase escolar. Nesse sentido, a primeira iniciativa a ser tomada para possibilitar a aprendizagem de uma criança com deficiência é a identificação das suas necessidades educacionais e a posterior proposta de eliminação ou minimização das habilidades deficitárias, seja por meio de recursos, metodologias, estratégias, serviços ou práticas, com vistas a permitir o acesso da criança ao objeto de aprendizagem. Ressaltamos que, uma vez que este acesso não é possibilitado à criança com deficiência, fere-se o princípio de equidade de oportunidades, já que está sendo negado a ela o acesso ao conhecimento.
Visando atender às necessidades impostas pelo movimento da educação inclusiva, a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) prevê que o atendimento educacional especializado (AEE) tem como principal objetivo identificar, elaborar e organizar recursos que possibilitem a plena participação dos alunos público alvo da educação especial nas atividades escolares, além de complementar e/ou suplementar a formação destes alunos a fim de prover independência na escola e fora dela.
Em virtude da responsabilidade deste profissional encarregado do AEE quanto à organização do trabalho pedagógico, tanto em relação à escolha dos conteúdos a serem complementados/suplementados quanto à elaboração/organização de recursos pedagógicos e de acessibilidade que assegurem a participação e autonomia dos seus alunos, procuramos compreender, a partir do discurso dos professores, quais são as suas concepções acerca do conceito de TA.
Em relação aos serviços de TA aplicados à educação, Manzini (2012) fundamentando-se no conceito de TA da CAT, concebe o professor que trabalha com alunos com deficiência e que utiliza práticas e estratégias em prol da sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social, como um sujeito que trabalha no âmbito da TA. Nesse sentido, mesmo diante das diversas ações e papéis do AEE, este espaço contempla os serviços de TA, e portanto é um dos lócus de uso e implementação da TA na escola.
Em decorrência disso e do papel do AEE como agente na implementação destes recursos na escola, e a sua funcionalidade promotora de acesso e participação das pessoas com deficiência nas atividades desejadas de forma mais independente, é que optamos por pesquisar como se caracterizam as concepções de professores de AEE quanto à TA, tanto as que atuam em salas de recursos multifuncionais (SRM) das escolas de ensino básico, quanto as que ofertam o AEE no Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE).
Esta problemática advém do pressuposto de que, apesar do AEE se configurar na política atual como lócus de disponibilização e ensino mediado pelos recursos de TA, e em detrimento do financiamento destes aparatos pelo Programa de SRM (BRASIL, 2007b), os mesmo não são conhecidos e dominados pelos professores de AEE.
Desse modo, este trabalho se justifica pela importância do uso da TA nos processos de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência nos diferentes espaços educacionais, seja na sala de aula comum ou nos espaços de oferta de AEE, SRM e no CAEE.
Tendo consciência de que a TA se constitui como área do conhecimento essencial à garantia da funcionalidade, relacionada à participação e atividade, é que traçamos como objetivo deste artigo compreender e analisar as concepções de TA de professores especialistas que atuam no AEE, além de discutir as problematizações geradas pela incipiência do conceito de TA.
2 Método
2.1 Participantes
Esta pesquisa contou com a participação regular de oito professores de AEE, dos quais cinco atuavam em SRM presentes em escolas de ensino regular, e três em um CAEE. Os sujeitos do estudo representavam a totalidade da oferta dos serviços de AEE nas escolas estaduais da região pesquisada. Todas as participantes são do sexo feminino4, com a média de idade de 49 anos, com intervalo entre 44 e 62 anos. Em relação ao tempo de atuação no magistério, cinco apresentavam tempo de atuação docente superior a 20 anos, e as demais 12, 18 e 19 anos. Já quanto ao tempo como professora de AEE, houve uma maior heterogeneidade, havendo uma professora que iniciou na carreira há três meses e professoras com experiência de 12 anos na educação especial. A formação inicial predominante era a graduação em Pedagogia, com exceção de uma professora, que era graduada em Letras. Em relação à formação continuada, todas declararam ter realizado cursos em área relacionada à educação especial, contudo nenhuma citou cursos em TA. Para resguardar a identidade das professoras, seus nomes verdadeiros foram substituídos por nomes fictícios.
2.2 Procedimentos de coleta de dados
A pesquisa realizada se vincula ao Observatório Nacional de Educação Especial (Oneesp) e apresenta como viés metodológico a pesquisa colaborativa, compreende produção de conhecimentos e ao mesmo tempo desenvolvimento profissional. Este tipo de pesquisa busca aproximar conhecimentos acadêmicos e prática docente, e põe o pesquisador em situação de co-construção com o docente, gerando co-produção científica, podendo ser visto simultaneamente como uma atividade de pesquisa e de formação de professores (IBIAPINA, 2008; DESGAGNÉ, 1997). Ou ainda, conforme destaca Desgagné (1998), esse tipo de pesquisa se constrói sobre uma dupla identidade, articulando projetos de interesses práticos e dos pesquisadores e abrange uma tripla dimensão:
-
[...] supõe a construção de um objeto do conhecimento entre pesquisador e práticos[...].
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[...] associa ao mesmo tempo atividades de produção do conhecimento e de desenvolvimento profissional[...].
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[...] visa uma mediação entre comunidade de pesquisa e comunidade de prática[...]. (1998, p. 7-8)
As ações de reflexão, Segundo propõe Smyth (1992), podem ser operacionalizadas nas quatro ações que a compõem: descrever, informar, confrontar e reconstruir. Ramos (2003) propõe que se procure compreender a prática docente como um texto que é descrito e, em seguida, estudado quanto aos seus significados por meio da informação e da confrontação, o que poderá resultar na reconstrução das ações. E, em conformidade com tais proposições, a presente pesquisa foi organizada em quatro eixos temáticos: Letramento; Tecnologia Assistiva; Letramento e Tecnologia Assistiva; e Tecnologia Assistiva e Assessoria Colaborativa, sendo que estes dois últimos temas foram abordados de forma integrada. Cada eixo temático foi dividida em três momentos. Na primeira etapa realizamos uma entrevista coletiva semiestruturada, com o objetivo de conhecer as concepções e práticas das professoras de AEE de acordo com cada eixo temático, fase denominada por Ibiapina como descrição. No segundo momento realizamos ciclos de estudo (coordenado pelos pesquisadores) sobre a temática abordada em cada eixo temático, fase conhecida como informação. E, por fim, destacamos trechos da descrição e os confrontamos com a literatura e parâmetros legais da área, este momento é definido como confronto, e, por conseguinte, as professoras realizavam suas inferências e sistematizações sobre o assunto abordado, o que denominamos de síntese. O confronto e a síntese foram realizados de forma integrada em um único momento.
A coleta de dados ocorreu em 10 encontros, os quais foram distribuídos em conformidade com as etapas da pesquisa colaborativa. O principal instrumento de coleta de dados foram as entrevistas coletivas semiestruturadas, com roteiros previamente definido e submetido a avaliação de juízes, e organizados a partir dos eixos temáticos.
As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, e adotamos os seguintes sinais usados em transcrições de informações orais: para pausas usou-se [...]; quando não foi compreendida parte da fala e se supôs ter ouvido usou ( ); quando sílabas ou palavras foram pronunciadas com maior ênfase usou-se MAIÚSCULA; e, para inferir alguma colocação do pesquisador, utilizou-se (( )).
O texto das transcrições foi organizado para o estabelecimento de categorias que foram analisadas segundo um processo discursivo que consiste na pretensão de interrogar os sentidos atribuídos pelas professoras em seus relatos. Esta concepção de análise foi adotada tendo-se em vista que, na análise do discurso, a linguagem vai além do texto, revelando dizeres pré-estabelecidos que são ecos da memória do dizer (CAREGNATO; MUTITI, 2006). Os resultados apresentados a seguir fazem parte de um recorte dos dados do Observatório Goiano de Educação Especial - Ogeesp/2013 e de um recorte da pesquisa de mestrado, cujo o título é Tecnologia Assistiva e práticas de letramento no Atendimento Educacional Especializado. O objetivo desta investigação foi compreender como vem se caracterizando as concepções e práticas, segundo relatos dos professores, quanto à TA na promoção do acesso ao letramento dos alunos com deficiência no âmbito das SRM e do CAEE. As discussões destacadas a seguir se referem ao eixo temático Tecnologia Assistiva.
3 Resultados e discussão
Ao solicitarmos que as professoras de AEE conceituassem TA, predominantemente, as compreensões se relacionaram ora a objetos concretos e eletrônicos, ora a objetos de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), como exemplifica o seguinte excerto:
Excerto 1: tecnologia para mim seria tipo assim um tipo de máquina trabalhando em função dos alunos para melhorar a aprendizagem [...] Eu vejo assim é um tipo de máquina ajudando na aprendizagem do aluno, seria tipo assim o computador, ai dentro do computador temos vários tipos de tecnologia, tem a internet, tem os jogos, temos desenhos, tem tudo, tem imagens, tem tudo ali dentro. Ai tem outros tipos de tecnologia, som, data show, vídeos, fita, software, Eu acho que isso faz parte de tecnologia. (Professora Carla - V Encontro/2013).
Ao conceberem o conceito de TA, as professoras do AEE o associaram imediatamente a equipamentos eletrônicos e TICs, além de atribuírem a sua funcionalidade à questão da aprendizagem, admitindo que estes equipamentos podem atuar como recursos pedagógicos, ou seja, recursos que auxiliam o aluno a compreender determinado conteúdo.
Galvão Filho (2009) afirma ser recorrente, pelo senso comum, o uso do termo tecnologia ser instantaneamente relacionado à ideia quase que exclusiva de materiais e equipamentos para a realização de atividades e tarefas, atendendo a alguma necessidade humana. No entanto, a definição de tecnologia não se limita a equipamentos e dispositivos úteis.
O termo assistiva, conforme apontado por Mello (1997), é aplicado à tecnologia quando esta é utilizada para auxiliar no desempenho funcional de atividades, minimizando incapacidades para a realização de tarefas nos mais variados domínios do cotidiano, além de promover independência e amparar os idosos e pessoas com deficiência na execução de todas as suas potencialidades. Nesse contexto, observamos que as concepções de TA da maioria das professoras de AEE não se enquadravam nem em uma perspectiva que abordasse apenas o conceito de tecnologia, nem mesmo no sentido de TA.
Bersch (2013) discorre sobre como identificar um recurso de TA. A princípio, a TA deve ser entendida como um "recurso do usuário" e não como "recurso do profissional", geralmente sendo confundidas com as tecnologias médicas e educacionais. No âmbito educacional, por exemplo, quando é proposto o uso do computador a um aluno com deficiência física, com comprometimento apenas nos membros inferiores, os objetivos do uso do computador são os mesmos que para um aluno sem deficiência, quais sejam: pesquisar na web, construir textos, tabular informações, organizar suas apresentações, entre outros. Assim, qualquer aluno, com ou sem deficiência, ao manusear o computador para estes fins está se beneficiando do recurso tecnológico para aprendizagem, nesse sentido, o computador se configura como uma ferramenta pedagógica. Porém, se este mesmo recurso for utilizado com a finalidade de romper barreiras, proporcionando caminhos alternativos para o acesso do aluno com deficiência a determinada tarefa, esta ferramenta passa a atuar como TA, como, por exemplo, possibilitar a escrita por meio da digitação para um aluno com deficiência motora nos membros superiores que não consegue escrever com o lápis.
Ainda buscando conhecer a compreensão de TA das professoras de AEE, questionamos sobre as funções e objetivos desta. Na ótica das professoras, a TA estaria a serviço do desenvolvimento de conteúdos, e atuaria como um recurso pedagógico que possibilita uma maior eficiência nos processos de ensino e aprendizagem de conceitos. Esta compreensão quanto ao papel e finalidade da TA pode ser explicada devido à concepção de TA que estas professoras apresentavam, relacionando este conceito ao conceito de TICs, sem nenhuma discriminação quanto aos objetivos e funções de TA e TICs.
Excerto 2: Facilitar o desenvolvimento [...] Eu acho que é facilitar o trabalho do aluno, o desenvolvimento dele. Principalmente o aluno que tem dificuldade. Então se você fornece aquilo que facilita o trabalho deles, o desenvolvimento dele, então vai ajudar na aprendizagem dele. (Professora Carla - V Encontro/2013).
Apesar da maioria das professoras de AEE relacionarem TA diretamente a TICs e recursos pedagógicos, e conceberem os objetivos e finalidades da TA como recursos que auxiliam no desenvolvimento e aprendizagem, uma das professoras entrevistadas possuía domínio e clareza sobre o conceito de TA, assim como de seu papel e finalidade. Para ela a função e o objetivo da TA são assim definidos:
Excerto 3: São os recursos que vão permitir o acesso deles a essas atividades que elas estão falando. Eu posso dar uma atividade de recorte na minha sala, mas o meu aluno com lesão e com deficiência física, ele não vai usar a tesoura, então a tesoura mola vai ser a tecnologia assistiva que vai PERMITIR que ele participe da atividade [...] então ela não vai enxergar direito o livro, ou o material que eu vou estar apresentando para ela, então eu vou estar colocando qual TA que eu vou precisar utilizar, pra que? Para facilitar o acesso dela aquela informação. Não vai ser uma atividade [...] não vai ser um recurso pedagógico, na verdade, vai ser um recursos para que ela chegue até o meu material pedagógico. [...] Facilitar o acesso dela. (Professora Wanda - V Encontro/2013).
É interessante a abordagem e exemplificações utilizadas por esta professora para explicar a função e finalidade da TA, já que, por meio destas, ela discute as concepções apontada pelas demais, ou seja, a questão da TA não consistir necessariamente em equipamentos, sejam computadores, som, DVD, internet, mas, sim, configurar-se como bens e serviços que permitirão a funcionalidade a uma dada atividade que se encontra impossibilitada de ser realizada por motivo de deficiência ou mobilidade reduzida.
O desconhecimento do conceito de TA pela maioria das professoras deve ocorrer em razão deste ser um conceito incipiente no Brasil, no entanto, era esperado certo domínio desta área do conhecimento já que os sujeitos da pesquisa são professoras de educação especial, e uma das principais funções do AEE é implementar tais recursos e serviços. Porém, ao longo da pesquisa colaborativa, as professoras de AEE foram se apropriando deste conceito e tentando articular suas práticas à atual definição de TA.
O ajustamento das suas práticas à concepção de TA elaborada pela CAT surgiu no momento de confrontação do segundo eixo temático - TA, quando se sentiram inquietas em não trabalharem com frequência com a TA. Todavia, as múltiplas compreensões referentes ao conceito de TA levaram a pesquisadora a um aprofundamento na literatura, de modo que estes aspectos foram discutidos nos encontros subsequentes, com a finalidade de entender a construção do conceito no Brasil. Este trabalho foi realizado por meio de pesquisas aos referenciais teóricos dos EUA e países da União Europeia, e da discussão sobre as problematizações apresentadas pelas professoras. As diferentes interpretações e compreensões advindas do atual conceito de TA também tem sido frequentemente discutida pela comunidade acadêmica.
O aporte para as tentativas "de encaixe" das práticas das professoras de AEE ao atual conceito de TA elaborado pelo CAT se refere às indefinições da maioria dos componentes que estruturam o conceito. O conceito dos EUA, que serviu de base para a elaboração da concepção brasileira, define o que são os recursos e serviços de TA, no entanto, nem as concepções do Consórcio EUSTAT (Empowering Users Through Assistive Tecnology) nem as de Portugal apresentam a definição dos outros aspectos que compõem o conceito adotado de TA no Brasil (estratégias, metodologia e práticas de TA). E mesmo as políticas públicas que foram elaboradas após a definição do conceito de TA em nosso país não consideram a abrangência e a amplitude do conceito, fundamentando-se apenas em recursos, minimizando assim a potencialidade do conceito.
A indefinição quanto aos outros componentes do conceito de TA adotado pela CAT no Brasil reflete diretamente no âmbito educacional, abrindo margens para interpretações diversificadas sobre o que seriam serviços, metodologias, prática e estratégias de TA.
No decorrer das fases da pesquisa colaborativa, as professoras, por meio da informação sobre a consolidação do conceito brasileiro, e do consequente empoderamento acerca desta área do conhecimento, realizaram problematizações sobre as indefinições e múltiplas interpretações quanto aos outros componentes da TA, percebendo nesta incipiência possibilidades de adequações de suas práticas pedagógicas, principalmente aquelas relacionadas aos alunos com deficiência intelectual pela amplitude do conceito de TA.
As discussões sobre a definição do que se configuraria em TA se iniciaram na fase de descrição da pesquisa colaborativa, e os questionamentos surgiram a princípio em decorrência da percepção equivocada de que a principal função desta área do conhecimento era a de promover ou auxiliar o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno. Em decorrência disto, as primeiras discussões giraram em torno de conceber os jogos pedagógicos como TA ou não.
Manzini (2012) procura definir um recurso pedagógico em se tratando de alunos com deficiência. Para ele, algumas características devem ser consideradas em detrimento das necessidades apresentadas pelo usuário. Por exemplo, no caso de alunos com deficiência visual e paralisia cerebral, as dimensões como forma, tamanho, textura e peso são parâmetros essenciais na adaptação de recursos pedagógicos. Assim, Manzini (2012) reconhece um recurso pedagógico enquanto TA desde que este possibilite acessibilidade através de adequações, seja de manuseio ou sensorial.
Outro aspecto relevante, que foi levantado pela professora Wanda são os questionamentos acerca do que seria TA para um aluno com deficiência intelectual, já que as suas incapacidades são referentes ao cognitivo. Essa problematização se estendeu até o fim da pesquisa, e isso ocorreu em virtude da predominância de alunos com deficiência intelectual atendidos no AEE, como demonstra o gráfico 1.
Como representado no gráfico abaixo, aproximadamente 51% dos alunos matriculados no AEE eram enquadrados na categoria de deficiência intelectual (68 alunos), e, se considerarmos que os alunos com deficiência múltipla, em sua grande maioria, são alunos com deficiência intelectual e outra especificidade, este percentual sobe para aproximadamente 67% das matrículas nas instituições estaduais que ofertam o AEE. Além disso, alunos que não seriam considerados público alvo da educação especial (Dif. A: 23; Outros: 4) representavam aproximadamente 20% dos alunos acompanhados no AEE. As matrículas de alunos com DA representavam aproximadamente 6% (nº= 8); DV 3% (nº= 4); DF 2% (nº= 3); PC 0,5% (nº= 1); TGD 0,5% (nº= 1); e AH/S a 0%. Nesse contexto, caso não se elencasse um rol de atividades que se constituísse como TA para alunos com deficiência intelectual, as práticas deste professor, dentro desta área do conhecimento, passariam a ser restritas.
E as discussões a respeito do que seriam recursos, estratégias, práticas, metodologias e serviços de TA para o aluno com deficiência intelectual se embasavam na dificuldade de encontrar maneiras que eliminassem as barreiras das limitações intelectuais do aluno, a fim de lhes proporcionar maior autonomia, diante disso, a professora Wanda relata:
Excerto 4: É porque a gente confunde muito o que é tecnologia assistiva e o que é recurso pedagógico. Ainda! Principalmente na área do aluno com deficiência intelectual. Você fica muito::: assim confusa, porque no caso do deficiente intelectual/ dos outros como eu disse você pensa no canal que ele tem para chegar, tem a limitação, é mais fácil você pensar o que é que eu uso com ele que é tecnologia assistiva, mas o deficiente intelectual você fica confusa. Porque a limitação dele é no cérebro (++) então o que é que eu uso com ele que é tecnologia assistiva? O que é tecnologia assistiva e o que é recurso pedagógico? [...] Ai está a diferenciação, quando você confeccionou este material ((se refere a confecção de material com textura para aluna BV)), você não pensou é::: numa atividade para ele aprender determinada coisa, você pensou em um material que lhe desse acesso a ele, a determinada atividade. [...] (Professora Wanda - VIII Encontro/2013).
Estes questionamentos levantados pela professora Wanda foram realizados em função de exemplificações que vinham sendo citadas como TA, em que as demais participantes sempre relatavam atividades com recursos pedagógicos, semelhantes ao desenvolvidos na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, procurando metodologias diferenciadas para estimulação da aprendizagem. E, mesmo após a fase de informação da pesquisa colaborativa, as professoras continuaram citando tais exemplos e justificando que, no caso de alunos com deficiência intelectual, a utilização destes recursos pedagógicos os levava a apresentarem uma postura mais independente. A culminância das discussões, dúvidas e problematizações a este respeito ocorreu a partir da seguinte exemplificação de prática pedagógica desenvolvida pela professora Vanuza:
Excerto 5: Nos temos alunos que chegavam, ele chegavam e para fazer atividade na piscina, era tão automático a mãe fazer tudo, vestir, despir a roupa aquela coisa ali, alimentar, comer, pegar o garfo, a mãe fazia tudo, que ele chegava e já erguia os bracinhos assim ((ergue as mão para cima)) para tirar a roupa. Então levando ao computador e vendo os joguinhos de montar o corpo humano, o corpo da animal, por a blusinha no lugar certo, a calça no lugar certo, o sapato, essas coisas que para gente passa tão desapercebido, é tão normal fazer isso, para ele ajudou o que? A despir e vestir o biquíni para entrar na piscina, então são coisas que fizeram a diferença, ai a gente trabalho a AVD em cima disso, e também conhecimentos né, promove o desenvolvimento, a independência dentro da habilidade que ele tem. (Professora Vanuza - V Encontro/2013).
Por meio deste exemplo, as professoras advogavam que a proposta do jogo pedagógico utilizando o computador como suporte, despertou na aluna com deficiência intelectual a compreensão de que era necessário se vestir e se despir para entrar na piscina. E, considerando que esta aluna só apresentava limitação intelectual, não sendo necessárias outras adaptações para a realização da prática de atividade de vida diária (AVD), as professoras passaram a definir estas práticas como metodologias, estratégias ou práticas de TA, uma vez que nestes casos a utilização de recursos não era específica da área da TA. E justificavam que, a partir do desenvolvimento desta e de outras atividades pedagógicas, conseguiam estimular os seus alunos com deficiência intelectual para que pudessem romper com as barreiras de aprendizagem e alcançar, desse modo, independência e autonomia em suas atividades.
A preocupação em relação a recursos para a educação de alunos com deficiência intelectual não é recente, Vigotsky (1997) já realizava em sua época esta problematização e apontava a demanda pela construção de instrumentos que viabilizassem o desenvolvimento destes alunos, como exposto a seguir:
Para a criança com atraso mental se deve criar, para o desenvolvimento de suas funções superiores de atenção e pensamento, algo similar ao alfabeto Braille para o cego ou a datilologia para a criança muda, quer dizer, um sistema de atalhos do desenvolvimento cultural, ali onde os caminhos diretos se encontram bloqueados em consequência do defeito (VIGOTSKY, 1997, p.188).
Apesar da discussão quanto aos estímulos diversificados na prática pedagógica do professor de AEE com os alunos com deficiência intelectual parecer equivocada, e às vezes contraditória, devemos considerar as demandas apontadas por Vigotsky (1997) acerca da criação de recursos que auxiliem na eliminação dos bloqueios para a aprendizagem destes discentes. Assim, em virtude da barreira se dar apenas no âmbito intelectual, o desenvolvimento e as proposições destas metodologias pedagógicas muitas vezes, conforme relato das professoras, conseguiam estimular a apropriação de conceitos antes não adquiridos e promover consequente independência e autonomia. Embora as professoras de AEE rotulassem algumas práticas pedagógicas como prática, metodologia ou estratégia de TA, esta definição não ocorria de forma indiscriminada. Tais ponderações são expostas a seguir:
Excerto 6: mas ai é que eu te digo, eu acho que quando você vai classificar se é ou não tecnologia assistiva, você vai partir deste pressuposto, eu estou fazendo ele para quê? Para quem? Por quê? Por que para cada um vai ser um objetivo, uma razão de estar usando ele. Por que por exemplo, se para o deficiente intelectual não é naquele momento para o visual é para o intelectual possa não ser. É igual os cartões, é igual as questões dos cartões, quando eu utilizo com meu aluno com deficiência intelectual por que eu estou ensinando ele, o que eu quero que ele aprenda, a questão de uma coisa concreta que ele veja a imagem que é concreto para ele e relacione aos signos, as letras, no caso eu não estou trabalhando tecnologia assistiva, nesse caso. Mas se for um aluno que tem dificuldade de comunicação eu vou estar trabalhando tecnologia assistiva. (Professora Wanda - VII Encontro/2013).
Ao analisarmos o discurso, percebemos que ela recorre ao objetivo da atividade para a definir como uma prática, metodologia ou estratégia de TA. De forma mais específica, a professora Wanda destaca que, para avaliarmos se uma determinada prática/metodologia/estratégia pode ser considerada TA, primeiramente devemos considerar o objetivo, ou seja, para quê se propõe determinada ação. Em seguida, é necessário analisarmos os sujeitos a que se destina esta ação, ou seja, para quem. E, finalmente, o por que, isto é, em virtude de qual motivo eu proponho esta prática. Nesse contexto, a professora Wanda, com o objetivo de esclarecer as diretrizes propostas por ela para a classificação de metodologias, práticas, estratégias de TA, cita muitos exemplos, problematizando inclusive que uma mesma ação, dependendo do sujeito a que é destinada, assume características de TA ou de prática pedagógica.
Dentre os exemplos apresentados pela professora, o primeiro diz respeito à confecção de material adaptado e figuras geométricas delineadas com barbante, que, segundo a mesma, podem assumir características de TA quando aplicados a um aluno com deficiência visual por possibilitar o acesso ao conhecimento das formas geométricas pelo tato, eliminando assim as barreiras de acesso. Entretanto, se o mesmo recurso for usado por um aluno com deficiência intelectual, ele terá o objetivo de promover a aprendizagem e, portanto, configura-se como recurso pedagógico. A mesma exemplificação é estendida à utilização de cartões de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA).
É interessante observar que mesmo as professoras advogando acerca de práticas pedagógicas como metodologias, práticas, estratégias de TA, sempre que procuravam elucidar exemplos sobre esta classificação não conseguiam de forma clara realizá-lo para os alunos com deficiência intelectual. Outros exemplos foram elencados para outros alunos público alvo da educação especial, como a utilização de rede social para alunos com síndrome de Asperger, introdução ao teatro no desenvolvimento da fala, compreensão e interação de aluna com autismo, entre outros. E, nestes casos aqui relatados, sempre foi possível observar um rompimento com o elemento deficitário, seja a comunicação ou a interação, com vistas a um comportamento mais independente.
Então, como podemos perceber ao longo das colocações realizadas pelas professoras, realmente a TA no Brasil ainda se configura como uma área do conhecimento em construção, e a abrangência do conceito e indefinição dos seus componentes abrem margem a múltiplas interpretações e tentativas de encaixe de ações pedagógicas variadas nesta área do conhecimento.
Diante de tais indefinições de conceito e atuações, no contexto da pesquisa colaborativa sugerimos que estas professoras elaborassem uma definição para o que seria estratégia de TA. Para tanto, fez-se necessário focalizar outra faceta do conceito de TA, sendo preciso compreender o termo estratégia, e, posteriormente, diferenciá-lo de estratégia de ensino.
Oliveira (2010), em seu livro "Planejamento Estratégico - conceitos, metodologias e prática", discute várias definições de estratégia sob a perspectiva de diferentes autores, em diferentes períodos, com o objetivo de traçar a evolução do conceito desde a sua incorporação pela Administração, e, a partir deste levantamento, o autor formula um conceito com características mais abrangentes e atuais. Oliveira (2010), baseado nos parâmetros organizacionais, define estratégia como: "um caminho ou maneira, ou ação formulada, para alcançar, preferencialmente de maneira diferenciada e inovadora, as metas, os desafios e os objetivos estabelecidos, no melhor posicionamento da empresa perante o seu ambiente." (OLIVEIRA, 2010, p.185)
A Estratégia, embora tendo origem militar, vem sendo largamente utilizada na administração e no âmbito do ensino. A atividade docente envolve várias atividades: o ato de planejamento, seleção e organização dos conteúdos e procedimentos de ação que possibilitem espaço para o ensino e aprendizagem em espaço educativo e/ou escolar. Portanto, a atividade docente compreende diversas ações, entre elas, a seleção de processos de ensino que sejam mais adequados a seus alunos e que considerem o conteúdo a ser ensinado, o que poderá levar a uma atividade exitosa, de sucesso.
Roldão (2009, p.55, grifo do autor) faz a distinção entre duas concepções de estratégia, uma vinculada a um conceito mais arraigado de ensinar, que se resume "aos aspectos da organização sequencial e lógica do assunto/conteúdo a explicar e conceitos respectivos que deverão ser 'dados' naquele conteúdo curricular, e a outra como o se diz na gíria dos professores", vinculada ao conceito de ensino como ação intencional, direcionada à promoção da aprendizagem do conteúdo curricular a alguém. A estratégia tem um papel importante, sendo definida como "toda a acção desenvolvida pelo professor, desde a concepção e planificação, ao desenvolvimento didáctico e à regulação e avaliação do aprendido - processo de desenvolvimento curricular - é em si mesma de natureza estratégica" (ROLDÃO, 2009, p.56). Para a autora, o próprio ato de ensinar é um ato estratégico, ou, em suas palavras, "acção de ensinar é pois em si mesma uma acção estratégica" (ROLDÃO, 2009, p.56).
A atividade docente se configura a partir de um conjunto de ações e atividades e pode ser organizada segundo estratégias, que, por sua vez, vinculam-se a diferentes concepções, objetivos e finalidades. Assim, considerando-se a especificidade da atuação do professor de educação especial vinculado à TA é que, no contexto da pesquisa colaborativa, as professoras de AEE formularam o seguinte conceito de estratégia de TA:
Excerto 7: um caminho dentro da ação pedagógica, formulada para proporcionar ou ampliar de maneira diferenciada e criativa, as habilidades funcionais de pessoas com deficiência de modo a lhes garantir independência, inclusão e qualidade de vida. (Professoras de AEE - X Encontro/2013)
Diante dessa elaboração, ficam explícitas as discussões realizadas no decorrer da pesquisa sobre a definição do que seriam os outros componentes do conceito formulado pela CAT, e, apesar da formulação ter ocorrido apenas quanto ao que seria estratégia, essa já se faz com importância ímpar, pois demonstra que as indefinições acerca do conceito causaram inquietações que mobilizaram os sujeitos dessa pesquisa, de forma colaborativa com os pesquisadores, a concretizarem uma suposta definição para estratégia de TA. Todavia, vale destacar as fragilidades desta proposição acerca da elaboração de uma definição para estratégia de TA, uma vez que as professoras a formularam num âmbito educacional, como "um caminho dentro da ação pedagógica", e temos consciência de que esta é uma área do conhecimento de características multidisciplinares, o que denota a colocação simplesmente de um caminho, ou maneira ou ação formulada (dentro de qualquer área do conhecimento) para se promover a independência da pessoa com deficiência e mobilidade reduzida. Outro fator essencial em relação à formulação do conceito de estratégia se refere à necessidade de diferenciar estratégia de TA de estratégia de ensino. Nesta perspectiva, estratégia de ensino:
[...] é um complexo de inúmeras variáveis possíveis. O critério importante na seleção da estratégia é conhecer o processo, suas características e implicações para o desenvolvimento da criança. É uma tomada de decisões sobre a organização da aula, a execução a avaliação, e as especificações relacionadas ao ambiente. (REGANHAN; MANZINI, 2009, p.128)
E esta se diferencia da proposta de definição de estratégia de TA, principalmente em relação ao objetivo, já que na conceituação elaborada pelas professoras o objetivo da estratégia de TA é proporcionar ou ampliar as habilidades funcionais da pessoa com deficiência, a partir de um "caminho", de uma ação pedagógica "diferenciada e criativa", o que pressupõe que a ação do professor em relação à estratégia de TA, preferencialmente, além de diferenciar tem que criar.
O intuito da proposta de conceituação de estratégia de TA ocorre no âmbito de concretizar uma resposta à incipiência desta área do conhecimento no Brasil. As problematizações, dúvidas, questionamentos e discussões aqui apresentadas demonstram a instabilidade acerca de uma proposta de implementação de recursos, serviços, metodologias, práticas e estratégia de TA, por meio de um serviço de oferta de AEE, o qual não apresenta profissionais com formação suficiente na área da TA.
O espaço/tempo proporcionado pelos encontros do observatório, no decorrer da pesquisa colaborativa, configuraram-se como espaços de formação inicial na área, já que havia professoras que estavam estabelecendo contato com o conceito de TA pela primeira vez. Portanto, todas as discussões apresentadas aqui serviram como passos iniciais para futuros aprofundamentos a respeito da TA.
4 Conclusão
Pela observação dos aspectos analisados neste artigo, o que evidenciamos, em geral, é que as professoras têm buscado a ludicidade, materiais concretos, diferentes suportes textuais e atividades pedagógicas com auxílio das TICs como estratégias para desenvolver habilidades dos seus alunos no AEE, sendo que apenas uma professora demonstrou domínio sobre o conceito de TA. Este padrão quanto aos recursos utilizados se deve em grande parte à configuração predominante de alunos com deficiência intelectual e múltiplas matriculados nas salas de AEE das instituições pesquisadas. Este padrão de matrículas influi também diretamente nas concepções e interpretações do conceito de TA das professoras de AEE, uma vez que, em detrimento da amplitude e abrangência do conceito, as docentes buscaram o ajustamento de suas práticas nesta perspectiva.
Apresentamos estas tentativas de encaixes de recursos e práticas pedagógicas à área de conhecimento da TA visando expor as fragilidades e indefinições sobre o que são recursos, serviços, estratégias, metodologias e práticas de TA, e a quem se destina essa área do conhecimento. Tanto as definições do que são e o que não são TA e quem é o público dessa área de conhecimento (principalmente relacionada a pessoas com deficiência intelectual) tem feito parte de debates e discussões dos teóricos renomados na área, em mesas redondas de congressos nacionais5. E este fato demonstra que as problematizações vivenciadas na presente pesquisa se configuram como um problema conceitual, e, portanto, não se restringe aos sujeitos e pesquisadores desse estudo.
O debate entre os estudiosos demonstra divergências conceituais, inclusive entre aqueles que participaram da formulação do conceito atual assim como a própria aplicação do mesmo em políticas públicas.
Em uma publicação recente, Galvão Filho (2013), atual membro do CAT, discute as distorções geradas pela amplitude e abrangência do conceito de TA adotado no Brasil, destacando a necessidade de uma precisão conceitual. Neste artigo, traz como principal problematização a polêmica vivenciada nesta pesquisa e no cenário acadêmico atual, nas palavras do autor: "poderia a TA ter uma função específica de promover, diretamente, o aprendizado de estudantes com deficiência, e ser uma 'Tecnologia Assistiva Educacional'? Ou seja, de ter uma função pedagógica além das funções de Acessibilidade?" (GALVÃO FILHO, 2013, p.25, grifo do autor). Essa questão incitou tanto a nós quanto a Galvão Filho (2013) devido às insistentes tentativas de ajustamentos de recursos, historicamente de caráter pedagógico, à área de conhecimento da TA. O que é desencadeado em detrimento das expectativas de elaborar recursos específicos que minimizem ou eliminem os déficits cognitivos relacionados à deficiência.
Segundo Galvão Filho (2013), a superação de dificuldades relacionadas ao cognitivo, mesmo que comprometido por uma deficiência, está relacionada à aprendizagem, ou seja, refere-se a mediações simbólicas, e é subsidiada por tecnologias educacionais. Assim, o autor ao se posicionar aponta nas entrelinhas que os estudantes com deficiência intelectual não são público da TA, e que os recursos que os auxiliam são os mesmos usados por qualquer outro aluno, ou sejas, recursos educacionais. E conclui ressaltando a importância destas discussões de cunho conceitual para além de implicações filosóficas e metodológicas, mas também implicações econômicas.
Entretanto, apresentando uma visão distinta ao exposto por Galvão Filho, o site do Catálogo Nacional de Tecnologia Assistiva, iniciativa governamental do Plano Viver Sem Limites, disponibiliza um rol de recursos de TA, em que são categorizados recursos de TA para deficiência Intelectual. Dentre estes, identificamos recursos historicamente considerados pedagógicos, inclusive muitos deles confeccionados por professores, sendo comercializados como recursos de TA para deficiência intelectual, tais como: lousa magnética, tapete sensorial, formas geométricas em textura, placa para encaixe de formas geométricas, formas geométricas e numeração cardinal e Braile, livro temático de vida diária em tecido, caixa tátil, jogo da velha em E.V.A, cubo geométrico, painel de atividades de vida diária, jogo trilha em E.V.A, quadro real valor, jogo de amarelinha, tapete alfanumérico E.V.A, tapete numérico, jogo de dominó, torre de Hanói, prancha geométrica de classificação, pinos coloridos imantados, dado sonoro, cubo de vida diária-cubo AVD, TANGRAM imantado em E.V.A, caixa tátil em E.V.A, entre outros (Disponível em: <http://assistiva.mct.gov.br/cat/busca/2/>. Acesso em: 16 dez. 2014).
Diante disso, ressaltamos várias questões acerca da imprecisão do que se constitui o conceito de TA. Em destaque, os aspectos econômicos, que parecem determinar atualmente o que é TA, já que vários jogos e recursos pedagógicos são desconsiderados como TA quando confeccionados por professores, e, ao mesmo tempo, são comercializados como TA para alunos com deficiência, inclusive com deficiência intelectual.
Assim, é importante destacar que nossa pesquisa não teve como pretensão definir quais são os recursos, serviços, metodologias, práticas e estratégias de TA, nem mesmo se os recursos utilizados com as pessoas com deficiência intelectual devem ou não ser contemplados na área de conhecimento da TA. Todavia, compreendemos necessário trazer essa discussão para demonstrar a imprecisão do atual conceito de TA, o qual abre margens para múltiplas interpretações em decorrência da indefinição dos seus componentes.
O domínio do conceito, bem como da aplicação da TA no contexto educacional revela-se muito importante, já que ao longo da pesquisa, ficou demonstrado que uma das professoras do AEE tinha uma compreensão do conceito de TA, o que permitia a ela apresentar tomadas de decisão mais sensatas na resolução das situações problemas enfrentadas pelos seus alunos, o que lhe proporcionava maior êxito na sua prática pedagógica na SRM. Assim acreditamos que o domínio conceitual e prático desta área do conhecimento pelos principais profissionais que ofertam o principal serviço de educação especial na escola, trará benefícios no acesso, independência e autonomia do aluno público-alvo da Educação Especial.
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Em decorrência de todos os sujeitos da pesquisa pertencerem ao gênero feminino, sempre que nos referirmos de forma direta aos participantes da pesquisa, usaremos professora(s).
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Como exemplo temos duas mesas: uma coordenada pela Profaf. Dra. Eliza Dieko Oshiro Tanaka - UEL, na qual fizeram parte como conferencistas, o Prof. Dra Eduardo José Manzini - UNESP/Marília, o Prof. Dr Manoel Osmar Seabra Júnior - UNESP/Presidente Prudente, e a Prof.ª Dra Gerusa Ferreira Lourenço - UFSCar, que aconteceu em 2013 no VII Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial organizado pela Universidade Estadual de Londrina. O simpósio coordenada pela Profª. Dra. Adriana Garcia Gonçalves-UFSCar, na qual fizeram parte como conferencistas, o Prof. Dr. Michel Hospital - UFSCar, Prof. Dr. Teófilo Galvão Filho - UFRB, e a Profª. Dra Miryam Bonadiu Pelosi - UFRJ, intitulada Tecbologia Assitiva na Educação Especial, que ocorreu no IV Congresso Brasileiro de Educação Especial/ IX Encontro Nacional dos Pesquisadores em Educação Especial, realizado pela Universidade Federal de São Carlos em 2014.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2017
Histórico
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Recebido
04 Abr 2016 -
Aceito
02 Fev 2017