Open-access O papel do tutor virtual na formação de professores dos anos iniciais na modalidade a distância: a matemática em foco

Resumo

O estudo aqui apresentado pretendeu identificar a forma como questões relacionadas ao ensino da matemática são abordadas e conduzidas pelos tutores virtuais em um curso de formação de professores dos anos iniciais, realizado na modalidade a distância. O cenário para a coleta de dados foi o curso de licenciatura em pedagogia de uma universidade pública brasileira, que considera como função do tutor virtual contribuir não apenas para o uso do ambiente virtual e de suas ferramentas, mas também em relação ao conteúdo e à formação dos estudantes, futuros professores. A opção pelo objeto a ser estudado permitiu aproximar tal pesquisa de um estudo de caso, que busca o conhecimento a partir de um caso específico, representado, nesta investigação, pela forma de organização do trabalho dos tutores virtuais. A análise foi realizada, levando-se em consideração aspectos da análise textual discursiva, em uma abordagem qualitativa. Observou-se a possibilidade de um atendimento mais individualizado às necessidades de cada estudante, por meio de: a) apontamentos dos aspectos positivos de cada atividade, buscando sistematizar as aprendizagens; b) ampliações e complementações às ideias apresentadas; c) problematizações e questionamentos; e d) aspectos relacionados ao conteúdo matemático e à participação efetiva das crianças nas atividades. A identificação e a análise dessas intervenções permitiram constatar que, nesse curso de formação de professores a distância, muitas das práticas dos tutores virtuais podem ser consideradas como de professores.

Ensino de matemática; Educação a distância; Formação de professores

Abstract

The present study sought to describe how questions related to the teaching of mathematics are approached and conducted by virtual tutors in a distance-learning program for primary teachers. Data were collected in an undergraduate program in education in a Brazilian public university which considers that virtual tutors should help not only with the use of the virtual environment and its tools, but also with the contents and the education of their students, i.e., future teachers. Choosing this object of study allowed using a case study, which seeks knowledge based on a specific case, represented in this study by the way the work of virtual tutors is organized. To conduct our analysis, we took into account aspects of textual discourse analysis in a qualitative approach. We found that a fairly individualized service can be provided for the needs of each student by: a) pointing the positive aspects of each activity with a view to systematizing learnings; b) expanding and complementing the ideas presented; c) problematizing and questioning; and d) approaching aspects related to mathematics contents and the effective participation of children in activities. The description and analysis of tutor interventions allowed us to verify that, in this distance-learning program for teachers, many of the virtual tutors’ practices might be viewed as those of a teacher.

Mathematics teaching; Distance education; Teacher education

A formação matemática de professores dos anos iniciais

Atualmente, no Brasil, a formação inicial de professores para atuarem como docentes nos anos iniciais do ensino fundamental, bem como na educação infantil, acontece em nível superior no curso de licenciatura em pedagogia.

Pesquisas a respeito dos cursos de pedagogia destacam a existência de crenças e atitudes negativas dos estudantes em relação à matemática (CURI, 2004; UTSUMI; LIMA, 2006; ZIMER, 2008). Isso traz consequências para a forma como professores egressos dos cursos de pedagogia ensinam esse componente curricular, quando assumem a profissão.

Os pesquisadores citados anteriormente defendem que essas discussões e a tomada de consciência das crenças e concepções a respeito da matemática devem ocorrer ainda na formação inicial, precedendo o ingresso na carreira docente, pois esses professores serão os responsáveis pela primeira etapa da escolarização. E a preocupação com a qualidade do ensino e com a garantia de que todos possam ter sucesso na aprendizagem de matemática, como direito de cidadania, deve levar em consideração a qualidade das experiências iniciais.

Pensando na formação inicial em matemática dos futuros professores, Nacarato, Mengali e Passos (2009) indicam que um dos desafios é fazer com que as crenças sobre a matemática sejam objeto de reflexão e que, além disso, os futuros professores possam ter contato com os fundamentos da matemática de maneira integrada com as questões pedagógicas.

Isso implica entender qual é o papel da matemática na sociedade atual e como a escola pode contribuir para a formação matemática dos estudantes. Neste aspecto, Serrazina (2002) destaca as novas exigências impostas aos cidadãos pela sociedade da informação e as mudanças que elas têm trazido para o ensino de matemática: a ideia de que a matemática é um conjunto de regras e procedimentos prontos para serem usados deu lugar a uma ideia de matemática escolar que privilegia o fazer e a compreensão dos conceitos, possibilitando aos estudantes explicar e justificar suas aprendizagens. Se essa é a forma como se espera que a matemática seja apresentada às crianças nos anos iniciais de sua formação escolar, assim também deveriam ser abordados esses conteúdos nos cursos de formação iniciais; afinal,

[...] o formador que quer que os futuros professores desenvolvam conscientemente um modelo didáctico deve ter em conta na sua prática os mesmos princípios que está a querer promover nos seus alunos. (SERRAZINA, 2002, p. 15).

Serrazina (2012, p. 267) reafirma essa posição, ao defender que:

[...] o professor tem de ter oportunidades de viver experiências matemáticas do tipo das que se espera que proporcione aos seus alunos, pois só assim poderá cumprir uma das suas funções como professor de Matemática, a de fazer com que os seus alunos aprendam e apreciem a Matemática.

É o que se observa como resultado da pesquisa de Curi (2004), realizada em um curso de formação de professores polivalentes. No relatório final de sua pesquisa, a autora recomenda: não basta que, em sua formação, os professores polivalentes aprendam conceitos, propriedades e técnicas operatórias; é também necessário que esses professores (ou futuros professores) aprimorem suas capacidades de resolver problemas, argumentar, estimar, raciocinar e comunicar-se matematicamente. Tais perspectivas ressaltam a importância do papel do formador nesse processo.

Todas as considerações apresentadas até o momento sobre o ensino da matemática nos cursos de formação de professores e sobre a importância do papel do formador relacionam-se aos cursos desenvolvidos de forma presencial nas instituições de ensino superior. No entanto, a existência dos cursos realizados a distância por meio da internet convida-nos a pensar sobre o modo como acontece a formação matemática de um professor dos anos iniciais nessa modalidade de ensino e sobre o papel do tutor virtual nesse processo, já que as interações com os estudantes são por eles realizadas. Esses são alguns dos questionamentos que motivaram a realização da presente pesquisa, que envolve: a) identificar como questões relacionadas ao ensino de matemática nos anos iniciais são abordadas e conduzidas pelos tutores; b) analisar o tipo de intervenção que os tutores virtuais realizam; e b) verificar se essas intervenções favorecem o exercício destes como formadores.

Com esses objetivos, serão abordados, neste texto, aspectos referentes à formação de professores a distância, ao papel do tutor nessa modalidade de ensino e às interações envolvendo o ensino da matemática em duas disciplinas de conteúdos matemáticos em um curso de pedagogia ministrado a distância.

Formação de professores a distância

A legislação brasileira, por meio do artigo 1º do Decreto 5.622, de 19 de dezembro de 2015 (BRASIL, 2005), caracteriza a educação a distância (EaD) como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos.

Os cursos de graduação a distância realizados via internet surgiram no Brasil na década de 1990, com objetivo principal de levar a oportunidade de formação a estudantes que moravam em locais distantes e não tinham como deslocar-se de cidade para realizar um curso presencial. Buscava-se, dessa forma, a democratização do ensino superior.

Com o passar dos anos, o oferecimento de cursos nessa modalidade foi ganhando cada vez mais espaço, e os objetivos iniciais foram sofrendo transformações. Giolo (2008) aponta que, em alguns casos, essa modalidade passou a ser uma opção mais lucrativa para as universidades.

Nesse contexto, surgiu o sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), que é integrado por universidades públicas e tem como finalidade oferecer cursos de nível superior a distância, visando à expansão e à interiorização desse nível de ensino. Uma das universidades públicas a estabelecer tal parceria é a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) — objeto de pesquisa deste estudo —, que iniciou a oferta de cursos de graduação a distância em 2007.

O debate sobre a EaD é atual e, talvez por isso, não haja consenso em relação à viabilidade ou não de cursos de formação inicial a distância para professores. A aceitação dos cursos de formação continuada é bem maior nesse debate. Giolo (2008) afirma que o movimento da formação continuada de professores em exercício é repleto de méritos e de êxitos. A justificativa para tais considerações é a de que esses professores tiveram uma formação inicial e vivenciam situações da prática escolar; portanto, a formação a distância teria o objetivo de aprofundar os conhecimentos e discutir as práticas docentes. A maioria das divergências ocorre quando se discute a formação inicial.

Autores como Freitas (2007) e Giolo (2008) criticam a realização da formação inicial para professores a distância, argumentando que, dessa forma, o lócus (a academia, a escola, a universidade) desenvolvido especialmente para o ensinar e o aprender estaria sendo desprezado. Além disso, nesses casos, discutem o aspecto de massificação da formação de professores nessa modalidade de ensino.

Esse mesmo aspecto da massificação do ensino superior como algo que desqualifica a formação de professores é abordado por Alonso (2010). No entanto, ela foca suas críticas e suas propostas de discussão na ideia de massificação não exclusivamente para a educação a distância. E considera, ainda, que esse processo de massificação traz prejuízos tanto para a EaD quanto para a educação presencial nas universidades, na medida em que a lógica da expansão do ensino superior brasileiro tem privilegiado os aspectos quantitativos, relacionados ao número de vagas, em detrimento dos aspectos qualitativos.

Não se pretende, dessa forma, apontar a EaD como solução para todos os problemas e tampouco desqualificá-la ou identificá-la como responsável por dificuldades enfrentadas na formação de professores. A discussão precisa ser ampla, considerando os diferentes aspectos e necessidades e, assim, buscar a qualificação das variadas formas de educação.

O exercício da docência na EaD é um desses aspectos a serem discutidos. A presença de diferentes e variadas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) exige que o profissional docente tenha conhecimento dessas ferramentas. Mas, para além disso, como afirmam Lapa e Pretto (2010), é preciso que ele aprenda a ser professor, utilizando esses meios.

O sistema UAB1 caracteriza como atribuições do tutor:

  • Mediar a comunicação de conteúdos entre o professor e os estudantes.

  • Acompanhar as atividades discentes, conforme o cronograma do curso.

  • Apoiar o professor da disciplina no desenvolvimento das atividades docentes.

  • Manter regularidade de acesso ao Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e responder às solicitações dos alunos no prazo máximo de 24 horas.

  • Estabelecer contato permanente com os alunos e mediar as atividades discentes.

  • Colaborar com a coordenação do curso na avaliação dos estudantes.

  • Participar das atividades de capacitação e atualização promovidas pela instituição de ensino.

  • Elaborar e encaminhar à coordenação de tutoria relatórios mensais de acompanhamento dos alunos.

  • Participar do processo de avaliação da disciplina, sob orientação do professor responsável.

  • Apoiar operacionalmente a coordenação do curso nas atividades presenciais nos polos, em especial na aplicação de avaliações.

Refletindo sobre essas atribuições do tutor virtual, Alonso (2010, p. 1330) questiona:

Se o tutor é quem acompanha o aluno, trabalha cotidianamente com ele, participa dos processos de avaliação das aprendizagens, do curso etc., [...] a pergunta é: no que essas atribuições são diferentes das docentes?.

Essa preocupação está bastante presente no cenário educacional brasileiro, principalmente por envolver questões salariais e trabalhistas. Na organização do sistema UAB, todos os profissionais que atuam nos cursos de formação são remunerados por meio de bolsas de estudos, as quais, porém, não garantem o vínculo empregatício, necessário para a garantia de alguns direitos trabalhistas, e também não permitem a inserção desse tempo de trabalho na categoria docente. De acordo com Lapa e Pretto (2010), isso contribui para a precarização do trabalho docente.

Tal organização acaba fazendo com que o trabalho destinado a essas atividades seja caracterizado como extra, resultando, muitas vezes, em uma carga excessiva para esses profissionais. Destaca-se ainda que, no sistema UAB, o valor da bolsa oferecida aos tutores virtuais é aproximadamente trinta por cento a menos do que o valor destinado aos professores categorizados como professor-pesquisador conteudista e professor-pesquisador.

Cenário da pesquisa e metodologia

A coleta e a análise dos dados foram desenvolvidas em uma perspectiva qualitativa. Apresentam as características de pesquisa qualitativa arroladas por Bogdan e Biklen (1994): o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como principal sujeito; o caráter descritivo, na medida em que os dados recolhidos têm forma de palavras e os resultados escritos da investigação contêm citações; o fato de que os investigadores se interessam mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos; a utilização dos dados não para confirmar hipóteses previamente construídas, mas para construir abstrações; e a importância vital do significado, considerando as diferentes perspectivas apresentadas pelos sujeitos.

O cenário utilizado para a coleta de dados foi o curso de licenciatura em pedagogia — na modalidade a distância — da UFSCar, no que diz respeito à formação matemática dos futuros professores dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil.

A opção pela UFSCar foi motivada pelas especificidades da organização dos cursos a distância em relação ao trabalho da tutoria. Essa instituição tem o papel do tutor virtual bem definido e considera que este tem a função de contribuir para o processo de formação dos estudantes – futuros professores – não apenas quanto ao uso do ambiente virtual e das ferramentas, mas também em relação ao conteúdo e à formação como professor. Embora a universidade faça parte do sistema UAB, apresenta algumas particularidades no modelo de tutoria virtual, pois prevê que haja um tutor para cada 25 ou 30 estudantes em cada uma das disciplinas, atuando em uma única disciplina por módulo, enquanto, nas demais universidades do país, o tutor acompanha um grupo de estudantes em todas as disciplinas que ocorrem concomitantemente ou atende a um grupo maior de estudantes em uma mesma disciplina.

Além disso, há especificidades na forma de escolha e organização dos tutores virtuais nas disciplinas que envolvem os conteúdos matemáticos. Para elas, são selecionados tutores com diferentes formações iniciais – pedagogia e licenciatura em matemática – e com diferentes experiências como docente, quanto ao tempo e ao nível de ensino. Esses tutores são organizados em duplas para o trabalho de tutoria, e, na medida do possível, colocam-se nas duplas um pedagogo e um educador matemático. Da mesma forma, procura-se garantir que, na dupla, um dos tutores tenha experiência docente nos anos iniciais. Essa organização tem como objetivo a troca, entre os tutores, de conhecimentos que envolvem: o conteúdo matemático; o seu ensino nos anos iniciais; a forma como as crianças aprendem matemática; a realidade das escolas etc.

No curso de pedagogia a distância da UFSCar, as disciplinas de conteúdos matemáticos são: Linguagens: Matemática I (LMI) e Linguagens: Matemática II (LMII). Considerando o objetivo deste trabalho, optou--se por analisar as interações que envolvessem, de alguma forma, o ensino da matemática nos anos iniciais e por acompanhar os tutores virtuais de uma mesma turma na realização das duas disciplinas. A identificação dos excertos de depoimentos a respeito das ações dos tutores virtuais foi realizada por meio de um nome fictício escolhido por eles no momento da entrevista.

O ambiente virtual de aprendizagem (AVA) utilizado pela UFSCar é o Moodle; ele é organizado em um ambiente coletivo e em salas de estudos. Na oferta das disciplinas LMI e LMII, acompanhadas para a coleta de dados desta pesquisa, os estudantes estavam organizados em três salas de estudos, as duas primeiras com dois grupos e a terceira com apenas um grupo. Cada um dos grupos era composto por cerca de 25 estudantes, atendidos por um tutor virtual. A ação em dupla dos tutores era garantida pelo trabalho em conjunto nas salas de estudos.

Os tutores participantes deste estudo possuem formação inicial em diferentes licenciaturas (pedagogia e matemática), e sua experiência docente é variada: alguns possuem experiências nos anos iniciais; outros, na docência de matemática no ensino fundamental (6º ao 9º ano); e outros, ainda, no ensino superior. O tempo de docência de cada tutor também é bastante diverso: oscila de um mês a vinte anos (Quadro 1).

Constituem dados desta pesquisa todas as interações registradas no ambiente virtual de aprendizagem no desenvolvimento das disciplinas LMI e LMII, acompanhadas pelos tutores Amanda, Felipe, Fernando, Helena, Letícia, Mariana e Marcelo, bem como as entrevistas realizadas com os tutores. Dessa forma, atendendo ao pressuposto de uma pesquisa qualitativa de que o ambiente natural se configura como fonte direta de dados (BOGDAN; BIKLEN, 1994), esses foram coletados no ambiente virtual de aprendizagem por ser o local habitual de ocorrência das interações.

Quadro 1
: Síntese da caracterização dos tutores virtuais

A opção pelo objeto a ser estudado e pela forma de análise dos dados permite aproximar tal pesquisa de um estudo de caso (ANDRÉ, 2005), que focaliza a busca de conhecimento a partir de um caso específico, que nesta pesquisa envolveu a forma de escolha e de organização do grupo de tutores virtuais nas disciplinas do curso de formação de professores dos anos iniciais que abordam conteúdos matemáticos.

O direcionamento da análise realizada foi delineado durante a coleta e o processo de análise dos dados. Como afirmam Bogdan e Biklen (1994), em uma investigação qualitativa, os dados não são coletados para comprovação de categorias predeterminadas, mas as abstrações são construídas no decorrer da coleta e da análise.

O processo de análise dos dados foi desenvolvido na perspectiva da análise textual discursiva, que, de acordo com Moraes (2003), envolve a busca de novas compreensões dos fenômenos, examinados a partir de materiais textuais a eles referentes. Dessa forma, houve um esforço construtivo para ampliar a compreensão da atuação dos tutores virtuais nas intervenções que envolvem o ensino de matemática, atribuindo-se sentido aos dados a partir dos referenciais teóricos que permeiam a pesquisa, uma vez que “a validação das compreensões atingidas dá-se por interlocuções teóricas e empíricas” (MORAES, 2003).

Ainda de acordo com a perspectiva da análise textual discursiva, o processo de análise buscou a construção de uma estrutura de categorias que procurou expressar os principais elementos constituintes do fenômeno estudado (MORAES, 2003). E, atendendo a outra característica de uma pesquisa qualitativa, destacada por Bogdan e Biklen (1994), apresenta-se uma análise descritiva, realizada a partir do registro de algumas citações presentes nos dados coletados.

As identificações nas citações indicam a origem do dado (entrevista, fórum, feedback, narrativa, texto-síntese, atividade avaliativa, produção textual, e-mail interno e e-mail pessoal). Os dados obtidos na interação com os estudantes nas atividades das disciplinas foram assim identificados: a letra A refere-se a atividade e é seguida do número da unidade em algarismo romano, de um hífen, e do número arábico da atividade dentro da unidade. Por exemplo, a primeira atividade da Unidade 3 foi assim referida: AIII-1. Também foi indicado, quando necessário, se os dados faziam parte das interações da disciplina LMI ou da LMII.

As atividades, elaboradas e propostas pelos professores responsáveis pelas disciplinas, foram organizadas em unidades de estudo, com base no que é proposto no livro-texto de cada disciplina. Assim, a disciplina LMI foi organizada em quatro unidades; a LMII, em cinco. As atividades diziam respeito ao tema abordado na unidade do livro-texto.

Intervenções realizadas pelos tutores envolvendo o ensino da matemática

De acordo com o Projeto Pedagógico do curso, as disciplinas LMI e LMII têm como objetivos:

  1. Conhecer e analisar a realidade escolar com relação aos processos de ensinar e aprender Matemática e o que a influencia;

  2. Caracterizar e analisar a situação do ensino de Matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental;

  3. Conhecer e analisar alternativas metodológicas do ensino de Matemática que considerem a realidade escolar das séries iniciais do Ensino Fundamental. (UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL, 2010, p. 98-99).

Os três objetivos propostos apresentam relação direta com o ensino da matemática e repercutem nas intervenções realizadas pelos tutores virtuais, que abordam, em diferentes momentos, questões a ele relacionadas.

As discussões sobre o ensino de um conteúdo matemático envolveram não correções ou incorreções, mas, sim, a adequação ou não de cada uma das afirmações, das decisões ou das ações às concepções de ensino que se tem.

Considerando a perspectiva da análise textual discursiva (MORAES, 2003), foram identificadas quatro categorias de análise, que permitiram discutir as ações dos tutores virtuais como formadores em um curso de pedagogia a distância, em relação ao ensino de matemática, quando realizam intervenções que envolvem: elogios; complementações; questionamentos; e socialização das experiências docentes dos tutores.

Intervenções que envolvem elogios

Quando os estudantes, a partir de leituras ou de suas experiências, fizeram algum apontamento considerado pelos tutores como adequado à concepção de ensino apresentada pelo material didático das disciplinas e pela própria organização das atividades, a intervenção foi realizada pelos tutores concordando com o estudante ou elogiando sua participação. As duas interações transcritas a seguir exemplificam esse tipo de interação. A primeira refere-se à postagem de um estudante e da tutora virtual em um fórum que tinha como proposta discussões a partir de três questões: 1) Para você, o que é medir?; 2) Para que se mede?; e 3) O que se mede? A segunda interação decorreu de uma produção textual – motivada pela leitura do item “Os três tipos de conhecimento segundo Piaget”, do livro-texto da disciplina – escrita pelos estudantes, a qual deveria apresentar três exemplos de conhecimento lógico matemático, relacionando-os com situações do dia a dia das salas de aula:

[...] paralelamente à cultura grega, as outras culturas também desenvolveram habilidades e suas unidades de medidas, como os egípcios, babilônicos, ou ainda os nossos pais mais antigos (para não usar o termo primitivo), quando você cita o desenvolvimento da agricultura, foi assim que nossos pais primevos consolidaram suas moradas, deixando de ser nômades, pois descobriram o poder da semente e que poderiam cultivá-las, depois conforme o tempo vão percebendo a necessidade do distanciamento das covas, as melhores maneiras de plantio as quantidades de regas, posteriormente seu armazenamento, e por aí vai, até a consolidação em nossa contemporaneidade. E como tudo vai evoluindo, vamos a cada tempo adquirindo e formulando técnicas novas!!! Obviamente sem desprezar as anteriores que levaram “milhões” de anos, ou ainda levarão! [...] Assim devemos valorizar os conhecimentos trazidos por nossos alunos, que são parte de um conhecimento popular, e que deve ser valorizado e respeitado, mostrando o outro, formal e da elite cultural, mas sem desprezar os conhecimentos destes povos primevos. (Estudante 1, fórum, AII-1, LMII).

Concordo com você que usar a história pode ser um argumento forte para justificar o uso e a necessidade dos padrões [de medida] que foram criados. (Helena, trecho do feedback, AII-1, LMII).

Observei em sala de aula, um segundo exemplo [de utilização do conhecimento lógico matemático]. A professora apresentava diversas formas geométricas, coloridas aleatoriamente (havia algumas repetições de cor) e, a partir da explanação do conceito de categorias e classificação, solicitava aos alunos que desenvolvessem grupos e depois apresentassem à sala de aula, explicando os critérios estabelecidos. Nesta atividade, surgiram classificações por cor, por quantidade de lados e outras classificações que relacionavam os objetos geométricos com objeto da sala de aula e afins. Neste exercício, além de estabelecer relações, o aluno também trabalha a questão das diferenças a partir de critérios repertoriais próprios. (Estudante 2, produção textual, AIII-2, LMI).

Gostei bastante do exemplo que observou, em que a professora solicitou aos estudantes que, a partir de figuras geométricas, elaborassem suas próprias classificações. (Fernando, trecho do feedback, AIII-2, LMI).

Em ambos os casos, os tutores procuraram destacar aspectos que consideram importantes para ensinar determinados conteúdos. Buscando organizar e sistematizar as aprendizagens, explicitaram, nos feedbacks, com quais aspectos concordam e quais considerações trazem qualidade à produção dos estudantes. Aqui aparece, assim como nas intervenções envolvendo conteúdos matemáticos, a dimensão informativa do elogio (ZABALZA, 2004), com o objetivo de mostrar aquilo que se espera.

Na postagem da tutora Helena, há o destaque para a importância do uso da história da matemática no ensino desta disciplina, pois ele não apenas auxilia a compreender os conteúdos, mas também a entender sua origem histórica. Esses aspectos estão destacados no livro-texto da disciplina LMII: “o tema grandezas e medida é um assunto em que a abordagem histórica para ensino da Matemática pode ser utilizada para mostrar aspectos da construção desse conhecimento” (ROMANATTO; PASSOS, 2011, p. 47). Também as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) identificam que o trabalho com grandezas e medidas é um campo fértil para o ensino de matemática a partir de uma abordagem histórica (BRASIL, 2001).

Ao fazerem essas considerações, os tutores dão aval ao proposto pelos estudantes e, ao mesmo tempo, revelam a importância que o professor assume no processo de aprendizagem de um determinado conteúdo e de sua compreensão pelo aluno da escola básica. Como destacado por Curi (2005), é necessário que o professor conheça em profundidade os conceitos da área de ensino, bem como sua historicidade, sua articulação com outros conhecimentos e seu tratamento didático.

Da mesma forma, o tutor Fernando enfatizou a importância de que os estudantes tenham um papel ativo nas aulas de matemática, fazendo uso de seus conhecimentos para explorar os objetos matemáticos em consonância com aquilo que é proposto no livro-texto da disciplina LMI: que o estudante tenha liberdade para pensar e tirar suas próprias conclusões, pois “o pensamento lógico-dedutivo deve ser precedido de oportunidades para ideias intuitivas, imaginativas, criativas, originais, para palpites, tentativas e erros, bem como experimentações” (PASSOS; ROMANATTO, 2010, p. 33).

Ao apresentar a importância do papel ativo das crianças na exploração dos objetos matemáticos, destaca-se a relevância de que os professores sejam capazes de “representar ideias matemáticas fazendo a correspondência entre as representações concretas, icônicas e simbólicas, de acordo com o nível de desenvolvimento dos alunos e com os objectos ou processos matemáticos envolvidos” (SERRAZINA, 2007, p. 16). A autora defende, conforme se viu antes, que o formador deve exercer os mesmos princípios que deseja desenvolver nos estudantes.

Intervenções que envolvem complementações

Além do destaque ao que se considera adequado, outras intervenções trazem ampliações e complementações às ideias apresentadas pelos estudantes. Um exemplo é a participação da tutora Letícia em um fórum de discussão, dialogando com a postagem de dois estudantes sobre a contextualização no ensino de matemática. Os alunos haviam escrito uma narrativa sobre suas experiências com a matemática como estudantes. Depois foram convidados a fazer o estudo da primeira unidade do livro-texto, intitulada “A natureza do conhecimento matemático”, que abordava: discussões sobre o conhecimento matemático; o fazer dos matemáticos; aspectos da educação matemática; e filosofia da matemática e da educação matemática. A proposta do fórum era de que os estudantes expusessem se a sua concepção de matemática coincidia com aquela apresentada no texto estudado e estabelecessem relações entre as concepções de matemática e o trabalho docente:

Não sei se felizmente, mas acredito que o fato de eu ter cursado o Magistério e da matemática ter tido pouco espaço no curso, tenha me poupado desses conteúdos dissociados do dia a dia. As lembranças que tenho são do período do 1º grau e do 1º ano do 2º grau, e nesse período eu não sentia necessidade como tenho hoje de encontrar uma razão para tudo. (Estudante 3, fórum, AI-2, LMI).

Oi [nome da estudante], vc [você] está certa. Na vida nem tudo tem uma razão. [...] Mas daí eu me pergunto: será suficiente trabalhar no sentido de que os alunos aprendam a utilidade prática da matemática no dia a dia? A ideia do Guia é a de que os nossos alunos entendam como se produz a matemática. [...] Evidentemente há uma ligação direta entre o fazer matemático e sua aplicabilidade no cotidiano, mas acredito que a compreensão de sua produção é mais ampla, mais abstrata, não sei se estou correta... (Estudante 4, fórum, AI-2, LMI).

Bom... Como a [nome da Estudante] comentou, nem sempre é possível contextualizar com o cotidiano, conteúdos matemáticos. Existe uma diferença entre o aprender com sentido e o contextualizar. É importante destacar que as discussões atuais, no que se refere ao ensino e à aprendizagem da matemática que defendemos, estão pautadas numa prática pedagógica que possibilite aos alunos, nas aulas de matemática, pensar e agir matematicamente. Dessa forma, objetivamos nosso trabalho docente numa aprendizagem que faça sentido ao aluno, proporcionando o que o [nome do Estudante] acabou de comentar, o fazer matemático. (Letícia, fórum, AI-2, LMI).

A postagem da tutora Letícia contribuiu para a discussão no fórum, na medida em que apresentou justificativas para a afirmação feita pela estudante, ampliando a possibilidade de aprendizagem e valorizando a atitude dos participantes no seu grupo de permanente busca e de identificação das concepções que embasam suas ideias e sua prática. Essa postura indica que Letícia tem como objetivo fazer com que o futuro professor seja capaz de tornar o conteúdo acessível a uma ampla variedade de alunos.

Tal postura mostra-se condizente com Serrazina (2012), pois esta autora sugere que o professor que ensina matemática nos anos iniciais precisa, ainda na formação inicial: aprender a dar sentido e valor à matemática; ficar atento à compreensão da matemática que os alunos vão adquirindo nas aulas; e promover a comunicação escrita e oral, ouvindo os alunos, valorizando seus raciocínios, contribuindo para que possam estruturar progressivamente o pensamento matemático.

Intervenções que envolvem questionamentos

Há também momentos nos quais os tutores questionam e problematizam posicionamentos ou ideias expostas pelos estudantes em relação ao ensino da matemática. Apresentam-se, a seguir, trechos de duas interações que ilustram esse tipo de intervenção. A primeira delas envolvia a escrita de um texto no qual os estudantes deveriam comentar as sugestões apresentadas no item “O ensino da Aritmética: algumas sugestões” do livro-texto, buscando relacioná-las com a preocupação com um aprendizado compreensivo das operações. A segunda interação ocorreu a partir da escrita de um texto pelos estudantes, relacionando: o estudo do item “As técnicas operatórias (os algoritmos)”, do livro-texto; o conteúdo de um vídeo no qual a professora da disciplina discutia os algoritmos das operações; e os dados decorrentes de uma entrevista realizada com professores dos anos iniciais sobre o ensino das operações adição e subtração:

O trabalho com a matemática, para ser significativo, requer que seja contextualizado e diferenciado, para que seja aprendido satisfatoriamente pelo aluno, sendo uma estratégia o adotar de ações típicas do universo infantil, como o ato de brincar. É por meio do brincar que se verifica a construção do conhecimento matemático pela compreensão e solução das situações problemas vivenciadas pelos próprios educandos [...] (Estudante 5, produção textual, AIV-4, LMI).

[...] gostaria de fazer algumas considerações. A primeira delas se refere ao “brincar” destacado por você no texto. É preciso ter cuidado com esse termo, pois as atividades com jogos, materiais manipulativos, podem em alguns momentos ser interpretadas pelos alunos como brincadeiras, porém é importante ressaltarmos que essas atividades devem ser dirigidas, ou seja, ter um objetivo específico quando propostas. Não consigo ver muito sentido no jogo pelo jogo, pois é preciso ter uma intenção. Os alunos também precisam ter essa percepção, e é nosso papel demonstrá-la. (Letícia, feedback, AIV-4, LMI).

Quando a professora iniciou a adição com reserva, inventou a seguinte regra: em uma cama pequena não cabem duas pessoas, portanto, uma chuta a outra para cima. Ao ler o guia de estudos, que traz o recurso da folha quadriculada para armar as contas de adição, lembrando que em cada quadradinho somente pode haver um algarismo, percebi que a professora inventou uma regra similar, porém com outras palavras. [...] A professora contou que sempre que há reservas na adição, as crianças dão risada e se lembram dos chutes para o alto. (Estudante 6, produção textual, AIV-2, LMI).

[...] quando a professora diz que “sempre que há reservas na adição, as crianças dão risada e se lembram dos chutes para o alto”, conceitualmente é possível fazer essa afirmação? [...] Tem-se que tomar o cuidado, porque algumas tentativas de contextualização podem acabar dificultando ainda mais a aprendizagem. (Fernando, feedback, AIV-2, LMI).

Esse tipo de intervenção revela preocupação com o entendimento demonstrado pelo estudante do que é estudado e discutido em relação ao ensino da matemática.

A tutora Letícia, na proposta de feedback, chama a atenção para o cuidado necessário na utilização de recursos didáticos no ensino da matemática. Sua intervenção está de acordo com a concepção apresentada pelo livro-texto da disciplina LMI, quando trata dos princípios que regem o trabalho com o ensino e a aprendizagem de matemática:

Recursos didáticos como jogos, livros, vídeos, calculadoras, computadores e outros materiais têm um papel importante no processo de ensino e de aprendizagem. Contudo, eles precisam estar integrados a situações que levem ao exercício da análise e da reflexão e, em última instância, à base da atividade matemática (PASSOS; ROMANATTO, 2010, p. 27).

A preocupação da tutora é também demonstrada pela literatura relativa ao ensino da matemática. Spinillo e Magina (2004), por exemplo, falam sobre o cuidado necessário em relação a alguns mitos sobre o ensino da matemática, entre os quais identificam o uso do material concreto e das tecnologias, se tomados como únicas fontes de compreensão da matemática ou se sua simples utilização for considerada suficiente para garantir a compreensão.

Nacarato (2005) destaca que os materiais manipuláveis seriam a interface entre o professor, o conteúdo e os alunos, de modo a facilitar a relação entre eles e o conhecimento em um momento preciso de elaboração de conceitos. A autora aponta ainda que o papel do formador de professores deve ser o de promover reflexões sobre esses aspectos, problematizando o uso de materiais didáticos nas aulas de matemática.

A intervenção do tutor Fernando revela a preocupação de valorizar, no ensino de matemática para as crianças, a compreensão dos conceitos e a possibilidade de que o estudante explique e justifique suas aprendizagens conceitualmente – aspectos esses destacados também por Serrazina (2002) como fundamentais na matemática escolar atualmente –, sem utilizar comparações com ações não relacionadas com o conceito estudado como, por exemplo, a explicação do procedimento do algoritmo da adição com reservas, comparando-o com chutes para o alto.

Observa-se, mais uma vez, a adequação das intervenções realizadas pelos tutores com as concepções apresentadas pelo livro-texto da disciplina, ao afirmar que “a aprendizagem em matemática está ligada à compreensão, isto é, à apreensão do significado; aprender o significado de um objeto ou acontecimento pressupõe vê-lo em suas relações com outros objetos e acontecimentos” (PASSOS; ROMANATTO, 2010, p. 26). Tal concepção é ainda defendida por Serrazina (2002), quando chama a atenção para o fato de que, mais do que na aquisição de procedimentos, a aprendizagem da matemática deve estar pautada na compreensão dos conceitos.

A apresentação das conexões entre as concepções apresentadas nas ações dos tutores, nos livros-texto das disciplinas e nas pesquisas sobre educação matemática foi realizada de forma intencional. Esse é um indício de que os tutores se mantêm atualizados em relação às perspectivas atuais sobre o ensino da matemática e de que há uma identificação desses tutores com a disciplina em que atuam. Esse aspecto é apresentado por Mill (2012) como fundamental para a qualidade do trabalho realizado por meio da polidocência. O autor utiliza o termo polidocência considerando que, na EaD, a docência é exercida coletivamente por uma equipe colaborativa e fragmentada ao mesmo tempo, pois diferentes funções – planejamento, execução e gerenciamento das disciplinas – são exercidas por trabalhadores diversos. E, nesse cenário, o tutor desempenha um papel fundamental.

Intervenções que envolvem socialização das experiências docentes dos tutores

As experiências da prática profissional do tutor como docente são também abordadas, em alguns momentos, durante sua atuação. Essa é outra forma que os tutores utilizaram para intervir, propondo ações ou problematizando aspectos do ensino da matemática. Um exemplo é a participação do tutor Felipe no fórum de discussão sobre a resolução de problemas envolvendo frações, a partir do estudo do item “Iniciação ao estudo de frações” do livro-texto e da resolução, pelos estudantes, de quatro problemas utilizando frações. Felipe faz a indicação de episódios de uma série televisiva:

Olha eu aqui de novo, caros estudantes! Hehe. Como já disse a vocês, sou muito midiático, sendo assim disponibilizarei o episódio de uma série que é transmitida na TV CULTURA, o qual eu gosto muuuuito, ela se chama Cyberchase e já ganhou vários prêmios nos EUA devido ao seu conteúdo pedagógico, em relação ao ensino de matemática. O episódio que selecionei trata das frações, por favor, deem uma olhada, pois vale verdadeiramente a pena, é esclarecedor. Os personagens são envolventes e utilizam sempre a resolução de problemas para ajudar a placa mãe. [posta os links para o acesso aos episódios].

P.S.: Hoje elaborei uma atividade com minha turma do 7º ano a partir de um dos episódios dessa série para iniciar os estudos dos números negativos, eles adoraram, muitos já acompanham pela TV. (Felipe, fórum, AIII -2, LMII).

Uma das estudantes elogia a atitude de Felipe como docente do ensino fundamental II, ao propor vídeos, considerando que estes motivam a aprendizagem e proporcionam um clima mais agradável à aula, ao que o tutor responde, esclarecendo quais os objetivos da utilização deles e de que forma costuma proceder:

Seus alunos devem amar trabalhar matemática com você, eles aprendem e relaxam. Isso é o que eu entendo por trabalhar a tecnologia em favor da educação. Quem teria uma atitude de indisciplina com uma aula partindo dessa motivação? Até eu me senti bem assistindo aos desenhos. Obrigada pela oportunidade que ofereceu, procurarei fazer uso dela. (Estudante 7, fórum, AIII-2, LMII).

Estou no início da minha docência, confesso que tem sido difícil, mas não abro mão do meu arcabouço pedagógico, acredito que posso desmistificar essa ideia de que a matemática é chata, inútil e incompreensível [...] quando utilizo tecnologias, mídias e materiais concretos em minhas aulas, sempre tenho um objetivo, no caso do vídeo elaborei algumas questões relacionadas ao conceito de número negativo mencionados no episódio e pedi que os estudantes elaborassem uma síntese, para depois iniciar o conteúdo. Acredito que não podemos utilizar materiais na sala de aula sem objetivo e soltos, pois senão usamos o material pelo material. (Felipe, fórum, AIII -2, LMII).

Embora não seja uma experiência com estudantes e conteúdos dos anos iniciais do ensino fundamental, o tutor se refere a ela para propor uma forma de trabalhar com vídeos nas aulas de matemática, indicando, inclusive, procedimentos a serem utilizados. A preocupação do tutor, como docente do ensino fundamental, de organizar sua atuação – bem como as intervenções – a partir de objetivos que direcionam a proposta a ser realizada também se revela na sua prática como tutor, quando ele faz as intervenções com o objetivo de problematizar o uso da tecnologia no ensino da matemática. Esse tipo de intervenção, diferente das demais apresentadas neste item, foi utilizada em poucos momentos e por apenas quatro dos tutores participantes da investigação, a saber: Fernando, Mariana, Felipe e Letícia.

Os tutores também procuraram identificar-se com as dificuldades dos estudantes. Em alguns momentos, usaram sua experiência docente para mostrar-lhes que vivenciam dificuldades semelhantes às vividas por eles. Um exemplo é a interação de Letícia com um dos estudantes a partir da produção de uma narrativa sobre as experiências dos participantes da disciplina como alunos de matemática, envolvendo lembranças em relação aos conteúdos, às metodologias utilizadas, às avaliações, à relação com os professores e ao sentimento sobre a matemática:

Hoje, como professor, posso afirmar que fui ensinado da maneira tradicional, ou seja, não havia compreensão dos conceitos que envolviam as operações. Somente fui compreender a razão do “vai um” na adição quando tive que ensinar os meus alunos, da mesma forma foi com o “empresta um” da subtração. (Estudante 8, narrativa, AI-1, LMI).

Gostaria também de comentar que, ao ler seu texto, me identifiquei bastante com sua história, pois quando ingressei na carreira docente que passei a compreender alguns fundamentos da matemática. (Letícia, feedback, AI-1, LMI).

Assim como quando os tutores se identificaram com as dificuldades no processo de aprendizagem da matemática, também neste momento, a atuação da tutora demonstra uma intencionalidade baseada nas suas concepções sobre o trabalho docente. Esse excerto indica sua preocupação com a prática docente dos futuros professores que ensinarão matemática. Está implícita nessa fala a necessária articulação entre o conteúdo e a forma de ensiná-lo. Há uma consonância entre a intervenção realizada pelos tutores e as indicações de Curi (2005) sobre o conhecimento necessário para um professor, que inclui o conhecimento do tratamento didático do conteúdo a ser ensinado.

O feedback da tutora Letícia revela um posicionamento de docente como um profissional em constante formação devido à complexidade da sua prática, neste caso representada pelo trabalho com o conteúdo disciplinar. Ao socializar suas próprias dificuldades como docente, a tutora oferece uma contribuição à formação dos estudantes, na medida em que aborda algo que, segundo Bolzan, Isaia e Maciel (2013), é um dos focos principais da formação de professores: a disponibilidade para continuar aprendendo nos diferentes contextos de atuação.

Devido à complexidade da polidocência e da ação do tutor nesse cenário (MILL, 2012), essa disponibilidade para a aprendizagem contínua também se adéqua à realidade profissional dos tutores virtuais. Para Mill (2012, p. 47), a formação da docência na EaD tem acontecido através da metaformação, ou seja, aprende-se o ofício da docência virtual sendo docente virtual; aprende-se no decorrer do exercício da profissão, por “tentativa/erro/reflexão/acerto”.

A questão da atuação docente esteve presente na ação dos tutores, nas propostas de discussão de algumas atividades realizadas pelos estudantes e na socialização de suas próprias experiências. No entanto, essa questão permeou também a forma de participação desses tutores na realização das disciplinas e a preocupação com sua própria formação, aspectos esses que revelaram o exercício da autonomia por eles.

Algumas considerações

A prática dos tutores aconteceu, na maioria das vezes, privilegiando, em sua atuação com os estudantes, discussões sobre os aspectos relacionados ao ensino da matemática. Esse tipo de intervenção – realizado por todos os tutores – aconteceu durante todo o trabalho nas disciplinas, envolvendo diferentes conteúdos abordados nas diversas unidades de estudo.

Os dados analisados revelam a constante preocupação em problematizar e levar o estudante a refletir sobre suas próprias concepções a respeito do ensino da matemática. O material de estudo e as atividades propostas, ambos elaborados pelo professor responsável pela disciplina, trouxeram à tona muitas interpretações, e a escrita dos estudantes revelou as diferentes concepções. A partir disso, a atuação do tutor tornou-se fundamental, como aquele que interage com os estudantes e que, por isso, pode realizar discussões de maneira mais individual, a partir do posicionamento e das necessidades de cada um.

Muitas das ações dos tutores observadas nesta pesquisa se relacionam com o papel exercido por um formador de professores de matemática para os anos iniciais. Isso foi observado quando os tutores: desenvolveram as interações com os estudantes; fizeram apontamentos dos aspectos positivos de cada atividade, buscando sistematizar as aprendizagens; propuseram ampliações e complementações às ideias apresentadas; e mostraram preocupação em trazer, para as discussões sobre as atividades de ensino, aspectos relacionados ao conteúdo matemático e à participação efetiva das crianças. Nesses momentos, os tutores puderam propor discussões sobre as tendências atuais do ensino da matemática nos anos iniciais da educação básica.

A colaboração dos tutores para a formação matemática dos futuros professores foi favorecida pelo fato de que eles possuíam formação específica para o trabalho com essas disciplinas. Assim, eles puderem trazer para as discussões temas como: a importância de que o ensino da matemática não esteja baseado apenas em procedimentos, mas principalmente na compreensão dos conceitos; a problematização da concepção de que a utilização de materiais manipuláveis, jogos e tecnologia, pode garantir, por si só, a aprendizagem da matemática; a problematização da ideia de contextualização no ensino de matemática; a importância da valorização das produções próprias das crianças que privilegiem a compreensão e a argumentação nas socializações; e o papel fundamental do professor nas interações e na sistematização das aprendizagens.

A experiência docente de alguns tutores como professores da educação básica também contribuiu para sua atuação como formadores, permitindo-lhes propor algumas discussões a partir de suas vivências – e não apenas daquilo que é estudado –, trazer propostas de reflexão sobre a prática e relacioná-la com a teoria.

Foi de fundamental importância para a qualidade das discussões realizadas sobre o ensino de matemática – e, consequentemente, da formação oferecida –, nesse curso de pedagogia a distância, a participação ativa do tutor como formador de professores.

O estudo realizado deixa espaço para outras reflexões. Permanecem inquietações sobre: o modo como acontece a formação (inicial e continuada) dos tutores virtuais; a definição do papel do tutor na polidocência; e a presença da linguagem matemática na EaD.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2014
  • Aceito
    01 Dez 2014
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